Conversão Diatônica entre Sistemas Riemannianos Não-Redundantes

July 25, 2017 | Autor: Liduino Pitombeira | Categoria: Neo-Riemannian Analysis, Music analysis, David Lewin, Isomorphism
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XX Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música - Florianópolis - 2010

Conversão Diatônica entre Sistemas Riemannianos Não-Redundantes Liduino José Pitombeira de Oliveira Universidade Federal de Campina Grande/ PPGM-UFPB – [email protected]

Francisco Erivelton Fernandes de Aragão Universidade Federal do Ceará – [email protected] Resumo: Apresentamos uma ferramenta para análise dos aspectos verticais e horizontais de uma obra diatônica. Trata-se de um mapeamento entre sistemas sonoros, baseado na função tonal generalizada de David Lewin. Propomos, então, um esquema de conversão entre sistemas sonoros diatônicos, o conversor riemanniano, e observamos que a conversão riemanniana de uma obra diatônica realça suas características construtivas com respeito ao princípio que teria norteado o compositor no aspecto horizontalidade versus verticalidade. Observamos que a propriedade de isomorfismo legitima o conversor riemaniano como uma ferramenta analítica. Palavras-chave: Sistema Riemanniano, Lewin, Diatonicismo, Conversão, Isomorfismo.

A dicotomia horizontal versus vertical tem suscitado importantes debates na modelagem de obras tonais, a partir do século XX. Veja-se, por exemplo, a famosa réplica de Schenker (1994, p.9-18) às afirmativas de Schoenberg (1979, p.371-411) com relação à existência de notas estranhas à harmonia. A própria estrutura pedagógica, que divide o ensino da teoria musical em duas instâncias distintas – harmonia e contraponto –, contribui para ratificar tal separação. Introduzimos, neste artigo, uma ferramenta analítica que permite observar os comportamentos de estruturas diatônicas quando submetidas a certos procedimentos de conversão, numa tentativa de averiguar o princípio norteador da composição com relação à dicotomia horizontalidade versus verticalidade.

Figura 1. Seção A do Coral “Aus Meines Herzens Grunde” de J. S. Bach

A primeira seção do Coral “Aus meines Herzens Grunde” (Meu Coração Interior se Eleva), do compositor barroco alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750), é mostrada na Figura 1. A pergunta que se coloca é: com exceção da melodia do soprano, que parece ser uma canção secular do século XVI, teria Bach usado critérios preponderantemente verticais ou horizontais na elaboração das demais vozes do coral?1

O mito que existe em torno da

inquestionável genialidade de Bach pode conduzir à afirmação—sem uma verificação mais cautelosa—de que a arquitetura dos corais é perfeita tanto do ponto de vista melódico quanto

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harmônico, ou seja, Bach teria pensado simultaneamente na melhor condução melódica e na melhor progressão harmônica, e que nenhum dos critérios é preponderante. Observemos, no entanto, o que ocorre quando se converte este trecho para outros sistemas isomórficos2 com relação ao sistema tonal diatônico, tomando como ponto de partida, primeiramente, o critério horizontal e, em seguida, o critério vertical. Sugerimos que o critério que garantir a sustentação da integridade sistêmica pode ter sido o referencial composicional utilizado por Bach. Para isto, definir-se-á um universo organizacional onde o sistema tonal é apenas um subconjunto assemelhado por relações de isomorfismo a outros tantos quantos sejam possíveis definir. Este universo foi denominado por David Lewin de Sistema Riemanniano (LEWIN, 1982, p.23-60), o qual passamos a definir de forma resumida a seguir. Lewin elabora uma generalização do sistema tonal definindo o conceito de Sistema Riemanniano, cuja fundamentação teórica é explicitada nas seguintes definições, e sintetizada na Figura 2.

DEFINIÇÃO 1. Chamamos de Sistema Riemanniano (SR) a uma tripla ordenada (T,d,m), onde T é uma classe de nota e d e m são intervalos sujeitos às restrições: d ≠ 0, m ≠ 0 e m ≠ d. DEFINIÇÃO 2. A tríade tônica do Sistema Riemanniano (T,d,m) é um conjunto não ordenado (T, T+m, T+d). A tríade dominante do sistema é (T+d, T+d+m, T+2d). A tríade subdominante é (T-d, T-d+m, T). Estas são as tríades primárias do sistema. DEFINIÇÃO 3. O conjunto diatônico do sistema (T,d,m) é a união desordenada das tríades primárias, compreendendo as várias notaspc T-d, T-d+m, T, T+m, T+d, T+d+m e T+2d. DEFINIÇÃO 4. A lista canônica do sistema (T,d,m) é a série ordenada (T-d, Td+m, T, T+m, T+d, T+d+m, T+2d). DEFINIÇÃO 5. A tríade mediante do SR (T,d,m) é um conjunto não ordenado (T+m, T+d, T+d+m). A tríade submediante é um conjunto não ordenado (T-d+m, T, T+m). Estas são as tríades secundárias do sistema. DEFINIÇÃO 6. Um SR será denominado redundante se o seu conjunto diatônico tiver menos do que sete membros e não-redundante se este conjunto tiver exatamente sete membros.

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Figura 2. Definições de Sistema Riemanniano

Definimos uma ferramenta, denominada Conversor Riemanniano, cujo objetivo é mapear os elementos e as operações de dois Sistemas Riemannianos não-redundantes. DEFINIÇÃO 7. Um Conversor Riemanniano é um mapeamento isomórfico entre dois sistemas riemannianos. Seja o mapa :SR1 → SR2 como segue: 1. (j(x)) = θk((x)). 2. (Rj(x,y,z)) = Rk((x,y,z)). 3. (Tj) = Tk. Onde x,y,z são classes de notas, [j, Rj, Tj ] são os componentes do sistema SR1 e [Rk, Tk, θk] são os componentes do sistema SR2. O procedimento de conversão consiste em quatro fases: (1) Identificação do vocabulário diatônico (escala e conjunto triádico) 3 do sistema original em que foi escrita a obra a ser convertida, (2) Análise sintática desta obra com graus e funções riemannianas e classificação das notas estranhas às tríades, (3) Definição de outro Sistema Riemanniano para o qual será convertida a obra, incluindo a identificação do vocabulário diatônico (escala e conjunto triádico) deste novo sistema e (4) Conversão entre os sistemas, isto é, aplicação da mesma estrutura ao novo sistema, tanto do ponto de vista horizontal quanto vertical. Fase 1. Identificação do Vocabulário Diatônico do Sistema Original A Figura 3 mostra o sistema original utilizado por Bach. Nesta figura, dividida em três partes, temos do lado esquerdo a lista canônica com as tríades diatônicas, na parte central, o conjunto diatônico em sua ordenação tradicional e, do lado direito, os graus triádicos relacionados às tríades riemannianas e a classificação de suas formas primárias, de acordo a teoria dos conjuntos de classes de notas de Allen Forte (1973). Esta classificação

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será útil na identificação dos possíveis desvios de conteúdo intervalar no conjunto triádico, ocasionados pelo acréscimo de dois outros membros às tríades secundárias definidas por Lewin: supertônica (st), formada pelas duas primeiras classes de notas da subdominante e pela última nota da dominante, e a sensível (sn), formada pela duas últimas classes de notas da dominante e pela primeira classe de nota da subdominante, fechando assim um ciclo com o conjunto diatônico. Observa-se também que as tríades primárias são escritas com letras maiúsculas e as tríades secundárias com letras minúsculas, independentemente da qualidade do acorde.

Figura 3. Vocabulário diatônico para o sistema tonal em sol maior

Fase 2. Análise Sintática da Obra no Sistema Diatônico Original A Figura 4 mostra a análise dos graus, a identificação de notas estranhas, e as funções do sistema em dois níveis de observação: (1) uma visão schenkeriana (sem uma preocupação ainda com aspectos redutivos e níveis estruturais), isto é, considerando as notas estranhas como ornamentos às tríades estruturais e (2) uma visão schoenbergiana, isto é, considerando cada formação vertical como tendo existência independente e, portanto, classificável do ponto de vista funcional.4 Veja-se que, abaixo da análise, foi colocada a progressão das fundamentais para corroborar algumas escolhas analíticas.

Figura 4. Análise harmônica da seção A de “Aus meines Herzens Grunde”

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Fase 3. Definição de Outros Sistemas Riemannianos Definamos três Sistemas Riemannianos não-redundantes, para os quais serão traduzidos este coral de Bach. O primeiro sistema é o já conhecido modo menor natural, o qual tem as seguintes características: d=7 e m=3 (Os números referem-se à quantidade de semitons cromáticos, ou seja, 3 equivale a 3 semitons, por exemplo). O segundo terá d=3 e m=2 e o terceiro d=7 e m=1. Identifica-se inicialmente o vocabulário disponível para os sistemas na Figura 5. Graus não triádicos, no sentido tradicional de tríades maiores, menores, aumentadas ou diminutas, recebem uma classificação especial, isto é, o grau é escrito entre parênteses com letra maiúscula. Abaixo das funções, fornece-se também a classificação primária, de acordo com a teoria dos conjuntos de classes de notas de Allen Forte. Observase que as únicas tríades que se desviam do padrão primário, e portanto do conteúdo intervalar, estabelecido pela tônica, são aquelas que não foram definidas inicialmente por Lewin (sn, st). É importante também salientar que, embora se utilizem termos já comprometidos do ponto de vista analítico, o conceito tradicional de progressão funcional perde o sentido, na generalização proposta por Lewin. Segundo o próprio Lewin, um novo protocolo de resoluções teria que ser proposto para cada novo sistema que se construísse (LEWIN, 1982, p.57). Assim sendo, as dominantes (D) dos sistemas 2 e 3 não têm a mínima obrigação acústica, filosófica, sintática ou histórica de caminhar em direção à tônica (T).

Figura 5. Estrutura dos sistemas

Fase 4. Conversão O procedimento de conversão é realizado em duas fases. Na primeira fase, a ênfase é dada ao aspecto horizontal, ou seja, no conjunto diatônico desordenado, o qual, como

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se comentou anteriormente, será ordenado livremente seguindo o modelo de arrumação de nosso tradicional sistema diatônico. Desta forma, toma-se cada nota (mencionamos nota em vez de classe de nota para que a conversão contemple, na partitura, o parâmetro registro) da obra original e, após verificar-se a que nota esta corresponde (do ponto de vista posicional) no novo sistema, realiza-se a conversão, que consiste simplesmente em alterar esta nota para sua correspondente no novo sistema. Na segunda fase, tomam-se as funções Riemannianas do Sistema Original e, após verificar-se a que funções correspondem no Sistema 1, realizam-se as traduções uma a uma. A conversão do Sistema Original para o Sistema 1 não ocasionará nenhuma distorção, ou seja, o procedimento horizontal e o vertical produzirão resultados idênticos. De fato, um dos fatores que poderiam ocasionar alguma distorção seria a não correspondência posicional das funções triádicas entre os dois sistemas. O sistema 1 é bastante próximo do original, como se pode observar na Figura 5, tanto que Lewin o denomina de conjugado, de acordo com a definiçao 8. DEFINIÇÃO 8. Um sistema conjugado do SR (T,d,m) é o Sistema Riemanniano (T,d, d-m). A operação que transforma um dado Sistema Riemanniano em seu conjugado será denominada “CONJ”. Escreve-se simbolicamente CONJ (T,d,m) = (T,d,d-m). A Figura 6 mostra o resultado da conversão vertical entre os dois sistemas. Como se observa, trata-se apenas de uma mudança do modo jônio (maior) para modo eólio (menor natural).

Figura 6. Conversão vertical entre o Sistema Original e o Sistema 1

Convertamos agora o Sistema Original para o Sistema 2.

Vê-se que ambos

diferem em apenas duas classes de notas (diferentemente do que ocorre com relação ao Sistema 1, onde a diferença é de três classes de notas). Ao convertermos as alturas, uma a uma, sob uma perspectiva horizontal, produziremos gestos verticais que não existem no Sistema 2. Verificando cuidadosamente a Figura 7, que contém a conversão horizontal do coral para o Sistema 2, observa-se que nenhuma dessas tríades pertencem ao universo estrutural deste sistema, o qual foi claramente delineado na Figura 5. No entanto, a conversão sob uma perspectiva vertical, ou seja, considerando-se as entidades verticais produz coerência tanto do ponto de vista do conjunto diatônico como da lista canônica. Evidentemente, como

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esta conversão vertical foi feita a partir das tríades, estas estão presentes no resultado final e, como os componentes das tríades são as classes de notas, estas também estarão correspondentemente convertidas.

Figura 7. Conversão horizontal entre o Sistema Original e o Sistema 2

Observa-se o mesmo fenômeno na conversão entre o Sistema Original e o Sistema 3, ou seja, a conversão sob o ponto de vista horizontal (conjunto diatônico desordenado) produz paradoxo, o qual aqui se exprime como incoerência entre as linhas melódicas convertidas e o material triádico, enquanto a conversão sob o ponto de vista vertical produz um resultado coerente, ou seja, as linhas melódicas produzem contrapontisticamente tríades que pertencem à lista canônica. A figura 8 mostra o resultado da conversão horizontal entre os Sistema Original e o Sistema 3.

Figura 8. Conversão horizontal entre o Sistema Original e o Sistema 3

Considerando-se que a reordenação do conjunto diatônico é um procedimento correto, conforme nos autoriza a Definição 3, então a conversão entre Sistemas Riemannianos não-redundantes, excetuando-se os conjugados, revela que o aspecto vertical tem primazia sobre o horizontal. Como consequência imediata deste resultado, pode-se estabelecer que a harmonia é um procedimento apriorístico com relação à construção melódica. Isto pode significar que Bach pensou primeiro na estrutura harmônica e também que Schoenberg tem razão em pensar nas estruturas verticais formadas pelo embelezamento contrapontístico como, pelo menos, promessas de futuros acordes independentes. No entanto, se a Definição 3 for eliminada dos fundamentos lógicos do Sistema Riemanniano, passando a lista canônica a ser a ordenação obrigatória, o conjunto diatônico, ordenado na forma escalar como se conhece tradicionalmente, não pode ser considerado na conversão, já que as correspondências entre as classes de notas passam a depender intimamente da lista canônica e consequentemente das tríades. Assim, elimina-se a condição

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paradoxal. O próprio Lewin não é claro a este respeito, uma vez que, ao mesmo tempo em que libera a ordenação do conjunto diatônico, quando o considera desordenado na Definição 3, esclarece, na nota 1 (página 59), que a escolha da lista canônica como ordenação do Sistema, em vez da forma escalar, se origina nos trabalhos de Hauptmann e tem profundas e importantes implicações. Referências : BURNHAM, Scott. “Method and Motivation in Riemann History Harmonic Theory”. Music Theory Spectrum. Vol.14, N.1. (Spring, 1992): pp. 1-14. DAHLHAUS, Carl. “Schoenberg and Schenker”. Proceedings of Royal Musical Association, Vol. 100. (1973 - 1974), 209-215. EBBINGHAUS, Hans-Dieter, Jörg Flum e Wolfgang Thomas. Mathematical Logic. New York: Springer-Verlag, 1984. FORTE, Allen. The Structure of Atonal Music. New Haven: Yale University Press, 1973. LEWIN, David. “A Formal Theory of Generalized Tonal Functions”. Journal of Music Theory. Vol.26, N.1 (Spring, 1982): 23-60. SCHENKER, Heinrich. Counterpoint: A Translation of Kontrapunkt. Vol.1. New York: Schirmer Books, 1987. ___________________. The Masterwork in Music: a Yearbook. Vol.2. New York: Cambridge University Press, 1994. SCHOENBERG, Arnold. Armonia. Madrid: Real Musical Editores, 1979. STRAUS, Joseph. Introduction to Post-Tonal Theory. 2.ed. Uppler Saddle River, New Jersey: Prentice Hall, 2000. 1

O texto desta canção secular, inspirada no Salmo 118, foi adaptada para uso congregacional por George Nigidius (1525-1588), e publicada em 1598, em Hamburgo, no Neu Catechismus-Gesangbuechlein. Estas informações provêm de: http://www.bachcentral.com/BachCentral/chorales.html e http://www.ctsfw.edu/etext/hymnal, ambos consultados em 17 de maio de 2008. 2

Isomorfismo é a correspondência biunívoca entre os elementos de dois grupos, que preserva as operações de ambos. Para uma definição formal veja-se Ebbinghaus (1984, p.38). 3

Para a construção da escala, arrumar-se-ão os membros do conjunto diatônico da forma mais compacta possível para a esquerda, ou no sentido anti-horário, considerando-se a distribuição circular dos conjuntos de classes de notas (STRAUS, 2000, p.4), iniciando a partir da classe de nota ‘tônica’ (ou 0), a exemplo do que se faz tradicionalmente com os modos utilizados na música tonal ocidental. Esta possibilidade de ordenação livre é sustentada pela Definição 3. 4

Schoenberg afirma, no capítulo XVII de seu Tratado de Harmonia, que não existem notas estranhas à harmonia, pois a harmonia é a simultaneidade sonora (SCHOENBERG, 1947, p.381). Schenker, por outro lado,

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considerava já na segunda edição de seu Kontrapunkt um acorde de sétima, por exemplo, como resultado de uma nota de passagem sobre uma tríade consonante (SCHENKER, 1987,p.366). Além disso, Schenker (1994,p.9-18) dedica um trecho de seu livro The Masterwork in Music para rebater diretamente o capítulo XVII de Schoenberg. Este assunto é amplamente discutido por Carl Dahlhaus (1973,p.209-215).

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