COOPERAÇÃO E DIÁLOGO: A Importância do Grupo de Contadora para as Relações Sul-Americanas

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COOPERAÇÃO E DIÁLOGO: A IMPORTÂNCIA DO GRUPO DE CONTADORA PARA AS RELAÇÕES LATINO-AMERICANAS Felippe Molter*

RESUMO: Este artigo busca apresentar os elementos fundamentais que levaram o Grupo de Contadora a ter um papel importante durante a crise dos conflitos armados na América Central, assim como também mostrar o papel brasileiro no apoio ao grupo durante as negociações da crise e a posição norte-americana a uma iniciativa inteiramente latino-americana de integração, cooperação e diálogo político. Palavras-chave: Grupo de Contadora, Grupo do Rio, Conflitos Armados na América Central, Política Externa Brasileira.

ABSTRACT: This article aims to present the key elements that led the Contadora Group to play an important role during the crisis of armed conflicts in Central America, and also present the Brazilian role in supporting the group during the negotiations of the crisis, and the US position to an entirely Latin American initiative for integration, cooperation and political dialogue. Keywords: Contadora Group, Rio Group, Armed Conflicts in Central America, Brazil's Foreign Policy.



Felippe Molter Universidade Católica de Petrópolis Bacharelando de Relações Internacionais E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO: O CONFLITO NA AMÉRICA CENTRAL A América Central e o Caribe sempre foram pontos estratégicos através de uma visão geopolítica, por isso acredita-se que quem domina a América Central e o Caribe dominaria toda a América (URÁN, 1987), os EUA percebendo a importância da região acreditavam que o seu controle estava garantido após episódios como a construção do canal do Panamá e a forte dependência econômica que os países da região viviam. Durante a Guerra Fria, a América Latina tornou-se campo de preocupação para o governo norte-americano quando em 26 de Julho de 1959 ocorre a chamada Revolução Cubana e a região passa a ser uma ameaça à estabilidade hegemônica americana. Nesse período a região vivia grande instabilidade política, social e econômica. Países como a Guatemala, por exemplo, encontravam-se em uma Guerra Civil que durou mais de 30 anos. El Salvador vivenciou experiência muito próxima em um conflito que deixou mais de 75 mil mortos. As condições econômicas do período também não eram favoráveis, a “década perdida” provocou graves turbulências econômicas e sociais nesses países o que tornou a transição de governos autoritários para democracias um processo conturbado e complexo (AVILA, 2003) Antes da iniciativa de Contadora, havia pouca coordenação política entre os países da América Latina, as prioridades nos contatos eram de ordem econômica e comercial, além disso, a forte influência dos Estados Unidos (EUA) não gerava reação no continente, como por exemplo, durante as intervenções da Guatemala em 1954 e da República Dominicana em 1965 em que não se encontrou uma oposição organizada perante a ingerência dos EUA (MALLMAN, 2008). O objetivo deste artigo é apresentar os elementos chave que levaram o Grupo de Contadora a ter um papel de protagonismo na resolução dos conflitos centro americanos. O artigo está dividido em três partes, na primeira parte é 1

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apresentada a origem e a consolidação do grupo, na segunda parte o posicionamento brasileiro e na terceira parte o posicionamento norteamericano.

1: A ORIGEM E CONSOLIDAÇÃO DO GRUPO: Em 7 de Janeiro de 1983, na pequena ilha de Contadora no Panamá foi fundado pela Colômbia, México, Panamá e Venezuela o Grupo de Contadora, que buscava primeiramente soluções para os conflitos que ocorriam na América Central, levando países como El Salvador, Nicarágua e Guatemala a um verdadeiro caos social que ameaçava a estabilidade da região. Em Setembro de 1983 é divulgado o Documento de Objetivos em que são enumerados 21 pontos, como objetivo de prevenir possíveis conflitos e a definição de canais de comunicação direta entre os países-membro (CARDOSO, 2013). Esses países receberam em grande parte apoio da sociedade internacional na busca por cooperação, equilíbrio e pacificação da região. A proposta de paz apresentada pelo grupo em Setembro de 1984 a Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua inicialmente contou com apoio dos EUA, mas ao perceber que a Nicarágua caminhava para uma legitimação da proposta o governo americano logo retirou apoio e buscou o fortalecimento de suas posições militares e como divulgado pelo International Herald Tribune documentos secretos vazados indicavam reconhecimento pelo bloqueio da proposta de Contadora (VIAÑA, 1986 apud CARDOSO, 2013). Com a não efetivação da proposta de Setembro de 1984, surgiu a ideia de anexar mais países ao grupo na busca de mais força perante a sociedade internacional, proposta que foi fortemente rejeitada pelo México, por considerar a formação atual mais pertinente aos interesses da América Central, mas a ideia de um grupo de apoio não foi descartada e em 29 de Julho de 1985 surge o Grupo de Apoio a Contadora, formado por Argentina, Brasil, Peru e Uruguai países que viram no projeto uma alta concentração política e a possibilidade de abertura de um canal de diálogo e negociação, que romperia os limites 2

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impostos pela OEA (URÁN, 1987). Ambos tiveram grande influência nas negociações de paz de Esquipulas, processo que foi inteiramente coordenado pelos próprios governos da América Central. As negociações de paz foram concretizadas pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias, levando em consideração muitos pontos que foram debatidos pelo Grupo de Contadora, buscando uma limitação da ingerência estrangeira e sendo aceita de forma majoritária pelos líderes latino-americanos. Mais tarde, o Grupo de Contadora evoluiu para o chamado Grupo do Rio, um mecanismo de consulta permanente que buscou uma maior coordenação política entre os países membros e atualmente gerou a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).

2: O POSICIONAMENTO BRASILEIRO: O relacionamento brasileiro com a América Central foi sempre cordial e amigável, o Brasil possuía representações diplomáticas na grande maioria dos países e no campo econômico o comércio entre essas nações era sempre favorável ao Brasil. Frente ao conflito, uma das primeiras atitudes brasileiras foi posicionarse perante a Assembleia Geral da ONU em 1983, dando ênfase para as causas históricas, geradas pela desigualdade na manutenção das estruturas econômicas que foram agravadas pela crise que afetava o mundo no período, negando qualquer estratégia que busca na força a solução das divergências. Assim, o Brasil buscava solucionar o conflito respeitando a soberania dos países, baseando-se no Direito Internacional e nos princípios da Carta da ONU, levando em consideração que os países devem solucionar os seus problemas de maneira autônoma e os atores externos não devem ser os protagonistas desse processo e sim coadjuvantes que auxiliariam estes países na busca por uma saída pacífica, justa e negociada (AVILA, 2003). Ainda em 1983 o Brasil envia uma carta de apoio ao Presidente da Venezuela em que expressa o apoio brasileiro a iniciativa de Contadora e a 3

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manutenção da paz na América Central, pontuando também o aumento da presença militar norte-americana na região, expondo a necessidade de priorizar a solução dos conflitos sem uma possível intervenção. Os esforços brasileiros para a atuação bem-sucedida do Grupo de Contadora tiveram início com a declaração-conjunta entre Brasil e México de 1984 em que o Presidente brasileiro Figueiredo considera Contadora uma saída política e ética para a solução dos conflitos centro-americanos. O Brasil desempenhou papel mais efetivo no Grupo quando fundou junto com outros aliados o Grupo de Apoio a contadora, a partir desse marco, o país passou a emitir declarações, gestos e ações diplomáticas de forma multilateral (por vezes até mesmo unilateralmente) que geravam força a iniciativa latinoamericana. Dessa forma o Brasil ofereceu apoio técnico, científico, cultural, econômico e participou de todas as iniciativas para paz promovidas pela ONU e pela OEA para a região da América Central, mesmo que o país enfrenta-se a sua própria crise interna, afetada pela chamada “década perdida” e pela transição democrática. Estrategicamente era uma excelente oportunidade para o Brasil repensar o seu relacionamento com a América Latina, pois durante o período da ditadura militar o país buscava soluções excessivamente autoritárias para os problemas da região o que só mudou durante o governo Figueiredo e foi intensificado na gestão Sarney que em discurso da Assembleia Geral da ONU defendeu publicamente as negociações de paz em curso na América Central (CARDOSO, 2013). Em reunião conjunta entre o Grupo de Contadora e o Grupo de Apoio em Fevereiro de 1986 em Punta Del Este no Uruguai o assunto da crise da dívida externa dominou a pauta e foi defendida uma maior cooperação entre os membros do grupo em busca de uma negociação com os credores, uma declaração referente ao conflito na América Central buscou maior esforço dos países envolvidos na busca pela paz. 4

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3: O POSICIONAMENTO AMERICANO: A iniciativa de Contadora era provocativa para os EUA, pois a partir do episódio os interesses do Grupo colidiram com os interesses norte-americanos o que mostrava uma possível autonomia em relação à potência hegemônica, alguns autores como Mallman (2008) citam até mesmo uma diplomacia latinoamericana, o que é interessante visto que as economias desses países viviam a profunda crise da dívida externa, em que o elevamento da taxa de juros pelo governo norte-americano afetou os empréstimos com juros varíaveis que os países da América Latina tomaram para financiar o seu desenvolvimento, causando um aumento inesperado nos custos desses países para honrar os seus compromissos no mercado internacional, o que sem dúvida enfraqueceu a capacidade de atuação diplomática latino americana, algo que os EUA percebeu e contribuiu para a sua atitude perante seus vizinhos latinoamericanos. O governo Carter possuía uma abordagem crítica às ditaduras latinoamericanas no tema referente aos Direitos Humanos, pois precisava responder as pressões internas que o governo recebia do congresso norte-americano, isso abalou o relacionamento da potência hegemônica com a região e o próximo governo Reagan percebeu que a melhor saída para vencer a Guerra Fria era atacar qualquer sinal do comunismo no mundo, o chamado Documento de Santa Fé divulgado pelo Partido Republicano preconizava, por exemplo, a atualização do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que buscava uma maior integração militar na região, o TIAR sofreu uma grande crise quando a Argentina decidiu invadir as Ilhas Malvinas e entrar em conflito direto com o Reino Unido, o governo Argentino rapidamente buscou no Tratado o apoio americano, que claramente não ocorreu: A valorização da solidariedade pan-americana, prevista no Documento de Santa Fé, sofreu um revés inesperado, quando a Argentina decidiu invadir as ilhas Malvinas para restabelecer sua soberania sobre elas. (...), dando início a um confronto entre dois aliados do bloco ocidental, que terminou em uma rápida e inapelável vitória do Reino Unido. A guerra aconteceu entre abril e junho de 1982, e a atitude dos Estados Unidos frente ao conflito, de aberto apoio aos britânicos, surpreendeu os argentinos e muitos latino-

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americanos. (...) A partir do ano seguinte, a Argentina já não cooperou mais com as ações dos Estados Unidos na América Central (CARDOSO, 2013)

A invasão de Granada em Outubro de 1983, contou com o apoio de países da região como a Jamaica e Barbados, mobilizando 15.000 soldados americanos, deixando clara a posição dos EUA no conflito latino-americano. Com a chegada de Reagan à presidência norte-americana, o discurso com a América Central endureceu, o financiamento por exemplo, só ocorria em caso de total alinhamento à política imposta pelos EUA e a questão referente ao governo sandinista na Nicarágua tornou-se insustentável dentro do governo recém empossado. Diplomaticamente, os EUA apoiaram as iniciativas de Contadora, mas seguiram com atitudes autônomas e com ações em várias frentes, sendo que as soluções propostas pelos EUA eram de difícil aceitação pelo governo sandinista da Nicarágua. Um exemplo das atitudes autônomas dos EUA foi a chamada Ata de Tegucigalpa divulgada em Outubro de 1984, em que uma proposta alternativa à Ata de Contadora de Setembro de 1984 foi apresentado e contava com brechas para uma presença militar americana na região, algo jamais previsto na Ata de Contadora (MALLMAN, 2008).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O conflito regional da América Central foi complexo e amplamente negociado no cenário internacional, iniciativas como o Grupo de Contadora foram importantes na busca por apoio a uma solução pacífica e negociada do conflito que estava prestes a tornar-se algo insustentável e que afetaria a estabilidade de toda a América Latina. O Brasil entendia que uma instabilidade na região não era favorável aos interesses brasileiros e com isso empenhou-se em apoiar a iniciativa de Contadora e a integrar mais países ao processo de construção da paz, apesar de sempre prezar pela não intervenção direta e sim ao apoio a estes países. A iniciativa do Grupo de Contadora foi um importante canal de diálogo aberto na América Latina, e esse canal foi mantido em uma nova configuração, com a criação do Mecanismo Permanente de Consulta e Concentração Política, o chamado Grupo do Rio, que mais tarde uniu-se com a Cúpula da América Latina e Caribe (CALC) e gerou a atual CELAC. É importante lembrar que após os processos de consolidação da paz na América Central, o Grupo do Rio diversificou a sua pauta de interesses e grande parte das discussões passaram a ser relativas a crise da dívida externa que assombrava países como o México, Brasil, Argentina, Peru e Venezuela, o que fortificou a América Latina na negociação com os bancos privados internacionais que eram na época os maiores credores desses países.

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REFERÊNCIAS: AVILA, F.D Carlos. O Brasil frente ao conflito regional na América Central: Oposição ao intervencionismo e apoio à solução negociada, justa, equilibrada e duradoura (1979 – 1996). Rev. Bras. Polít. Int, Brasília v. 46, n. 1, p. 66-93, 2003. CARDOSO, Eliel. Construção da confiança na América Latina: do Grupo de Contadora ao Grupo do Rio (1983 – 1990). Rev. Eletrônica da ANPHLAC, São Paulo n. 15, p. 282-306, 2013. MALLANNN, Maria. Os Ganhos da Década Perdida: Democracia e Diplomacia regional na América Latina. EDIPUCRS: Porto Alegre, 2008. URÁN, M.B Ana. Nacionalismo, militarismo e dominação na América Latina. Editora Vozes: Petrópolis, 1987. ESQUIPULAS Declaration. 28 maio 1986. Guatemala. Disponível em: . Acesso em 03 maio 2016. PROCEDURE for the Establishment of a Firm and Lasting Peace in Central America (Esquipulas II). 31 ago. 1987. Guatemala. Disponível em: < http://peacemaker.un.org/centralamerica-esquipulasII87>. Acesso em 03 maio 2016.

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