Cooperação Jurídica Internacional - A transferência de presos: Um breve estudo sobre a Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças no Exterior

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CENTRO DE DIREITO INTERNACIONAL - CEDIN

COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL - A TRANSFERÊNCIA DE PRESOS: UM BREVE ESTUDO SOBRE A CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE O CUMPRIMENTO DE SENTENÇAS NO EXTERIOR

Klaythus Vinícius Borges Rezende Rodrigues

Belo Horizonte 2014

Klaythus Vinícius Borges Rezende Rodrigues

COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL - A TRANSFERÊNCIA DE PRESOS: UM BREVE ESTUDO SOBRE A CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE O CUMPRIMENTO DE SENTENÇAS NO EXTERIOR

Monografia apresentada ao Centro de Direito Internacional (CEDIN), como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Internacional.

Belo Horizonte 2014

Klaythus Vinícius Borges Rezende Rodrigues

COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL - A TRANSFERÊNCIA DE PRESOS: UM BREVE ESTUDO SOBRE A CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE O CUMPRIMENTO DE SENTENÇAS NO EXTERIOR

Monografia apresentada Centro de Direito Internacional (CEDIN), como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Internacional.

Banca examinadora:

_________________________________________________________________ Centro de Direito Internacional (CEDIN)

Belo Horizonte,

de

de 2014.

Ao maior e inestimável patrimônio que tenho em minha vida: meus pais Wander e Joana Rodrigues, em suma minha família.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, o meu agradecimento a Deus, com as sábias palavras do Papa João Paulo II: “[...] na realidade, todas as coisas, todos os acontecimentos, para quem os sabe ler com profundidade, encerram uma mensagem que, em definitivo, remete para Deus.”.

Ao meu grande mecena e apoiador constante, meu pai Wander José Rezende Rodrigues, a quem viabilizou, investiu neste meu aprimoramento profissional e intelectual, e ainda acredita no potencial das minhas escolhas. A minha mãe, Joana D’arc Borges Rezende Rodrigues, por sua preocupação e carinho em todos os momentos, e também na acreditação da minha pessoa.

Aos professores que passaram pelo Centro de Direito Internacional (CEDIN), no ano de 2013, pelos valiosos ensinamentos e conhecimentos, a que compartilharam.

Aos colegas da pós-graduação, por todos os momentos que vivemos ao longo do ano de 2013, nas aulas ou nos momentos de descontração, e pela nova amizade que se forjou, a qual espero que a mantenhamos, não importa o tempo, as distâncias, ou a idade. Milan Kundera, um escritor tcheco, diz que “[...] toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos [...]”.

Aos

demais

amigos

que

de

alguma

desenvolvimento e realização deste trabalho.

forma

contribuíram

para

o

Um mundo sem fronteiras, precisa de justiça sem fronteiras. Crossing Lines, 2013.

RESUMO

Este estudo destina-se a compreender um dos institutos da cooperação jurídica internacional, qual seja a transferência de pessoas presas ou sentenciadas de um Estado para o Estado da nacionalidade daquela pessoa, além de estudar a Convenção Interamericana sobre o cumprimento de sentenças no exterior, celebrada na capital nicaraguense no ano de 1993, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA), sob o enfoque da legitimidade para requerer a sua aplicação, e ainda objetiva em apresentar a sua aplicação na República Federativa do Brasil. Justifica-se o presente, por este ser um tema recente para o Direito Brasileiro, que em face à maior internacionalização, não tão somente de suas empresas, do fluxo de migração, quer seja de estrangeiros ou de seus nacionais ao exterior, assim como o reconhecimento do caráter transnacional de práticas delituosas, que impõe aos Estados atualmente, a necessidade de cooperar para promover a Justiça, quer em seus territórios quer em territórios estrangeiros. Vislumbra-se que o ordenamento jurídico da República Federativa do Brasil, não tem acompanhado as evoluções do Direito Internacional, se adequando para uma nova realidade, com vistas a uma maior integração e participação no mundo globalizado.

Palavras-chave:

Cooperação

Jurídica

Internacional.

Transferência de Presos. Transferência de Sentenciados.

Direito

Internacional.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Diferenças entre extradição e transferência de presos ........................... 28 Tabela 2 - Transferências ativas concluídas ............................................................ 49 Tabela 3 - Transferências passivas concluídas ....................................................... 50 Tabela 4 - Pedidos de Transferências Ativas e Passivas em trâmite na SNJ .......... 51

LISTA DE SIGLAS

CICP – Comissão Internacional de Polícia Criminal; CNJ – Conselho Nacional de Justiça; CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; DEEST – Departamento de Estrangeiros; DMF – Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário; DRCI – Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional; INTERPOL – Polícia Internacional; LEP – Lei de Execuções Penais; MJ – Ministério da Justiça; ONU – Organização das Nações Unidas; OEA – Organização dos Estados Americanos; SE – Sentença Estrangeira; SNJ – Secretaria Nacional de Justiça; TPI – Tribunal Penal Internacional.

SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS................................................................................ 11 2 COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL .................................................... 13 2.1 Histórico e fundamento ................................................................................... 14 2.2 Princípios.......................................................................................................... 17 2.3 Classificação .................................................................................................... 19 3 A TRANSFERÊNCIA DE PRESOS OU SENTENCIADOS ................................... 23 3.1 Características da transferência ..................................................................... 25 3.2 Condições gerais para a transferência ........................................................... 27 3.3 Diferenças entre extradição e transferência .................................................. 28 3.4 Arcabouço normativo internacional ............................................................... 29 3.5 Arcabouço normativo brasileiro ..................................................................... 30 4 CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE O CUMPRIMENTO DE SENTENÇAS NO EXTERIOR ........................................................................................................ 32 4.1 Requisitos para sua aplicação ........................................................................ 32 4.2. Procedimento para sua aplicação .................................................................. 33 4.3. Legitimidade de requerimento para sua aplicação ....................................... 36 4.4. Um caso concreto ........................................................................................... 37 5 TRANSFERÊNCIA DE PRESOS E SUA APLICAÇÃO NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ...................................................................................... 45 5.1 Procedimento e legitimidade de requerimento .............................................. 46 5.2 Análise de dados da aplicação do instituto ................................................... 49 5.3 Estrangeiros presos no País: uma possível solução .................................... 52 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 56 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 58

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O jurista português Jorge Miranda ao proferir uma conferência sobre a incorporação ao Direito Interno Brasileiro dos atos internacionais humanitários e dos Direitos do Homem identificou sete tendências a que o Direito Internacional, vem perpassando, dentre as quais se insta em destacar: [...]. Um Direito Internacional que acusa agora algumas tendências, umas certamente positivas para alguns, outras, porventura, menos positivas para outros, mas tendências que consideraria irreversíveis, apesar de também haver sinais contraditórios. Essas tendências do atual Direito Internacional, seriam oito, na minha maneira de ver: a universalização; (...) a institucionalização; (...); a humanização; a objetivação; a codificação; e a jurisdicionalização. (MIRANDA, 2000)

Dito isso, pontua na primeira tendência, o autor que o Direito Internacional seria mais universal e menos “euro-americano”, pois como é patente, a evolução daquele em muitas vezes tomou por base, os atos internacionais celebrados por aqueles dois continentes. Em seguida, menciona na terceira tendência, afirma o autor ser o Direito Internacional,

mais

institucionalizado,

nos

organismos

internacionais,

tendo

abrandado o foco apenas nas relações bilaterais. Na quinta tendência, vai expor Jorge Miranda (2000) que o avanço do Direito Internacional para a humanização, ocorre, pois se transforma aquele para ser também o Direito Internacional dos Direitos do Homem, ao ser impulsionado a partir das Convenções de Genebra de 1949, [...] que se traduz na ideia de que a pessoa humana pode e deve ser defendida, não só em relação aos estrangeiros – a proteção diplomática –, mas também em relação ao próprio Estado, de que é nacional, de que é cidadão. A soberania do Estado não pode prevalecer contra os direitos fundamentais da pessoa humana. (MIRANDA, 2000)

Por fim, a sexta e a sétima tendência identificada pelo jurista mencionado, pode-se dizer que se fundem na última e ainda remetem à oitava, pois o que temos observado é que o Direito Internacional, se transformou da sua base voluntarista para uma base objetiva, ao reconhecer que, sem o seu estrito cumprimento, torna-se inviável uma convivência de vários Estados, e tal qual vem a calhar no trabalho da sua codificação, quer seja pela elaboração de atos internacionais ou da construção

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de uma jurisprudência sólida, da Corte Internacional de Justiça (CIJ) e demais órgãos internacionais investidos da função judicante. Neste trabalho busca-se demonstrar essas tendências, dentro da cooperação jurídica internacional, na espécie da transferência de presos, e a sua realização hodierna, enfocada no continente americano, pela Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças no Exterior, ao realizar um breve estudo deste ato internacional, com vistas à discussão da legitimidade para requerer a sua aplicação. Para a realização do trabalho, foi feita uma pesquisa bibliográfica de obras de autores da seara de Direito Internacional Público ou Privado, de Direito Penal, além de artigos de periódicos jurídicos, contando ainda com julgados sobre o tema em questão para sua aclaração. No segundo capítulo será apresentado o conceito de cooperação jurídica internacional, um breve histórico, o seu fundamento no campo do Direito Internacional, e uma classificação daquela. O terceiro capítulo é destinado a expor sobre o instituto da transferência de presos ou de sentenciados, como uma espécie da cooperação jurídica internacional, e se fará também uma diferenciação do instituto da extradição, a culminar numa exposição acerca do arcabouço normativo no âmbito internacional e no âmbito da República Federativa do Brasil. Já o quarto capítulo abordará a Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças no Exterior, em que se detalhará os requisitos e o procedimento, além de discutir a legitimidade para requerer a sua aplicação e o relato de um caso concreto enfrentado por este autor, que é também advogado. Por fim, o quinto capítulo, trará uma análise da aplicação da convenção supracitada e estudada em capítulo anterior, dentro da República Federativa do Brasil, a partir de dados obtidos das autoridades brasileiras, e a discussão acerca do instituto mencionado no terceiro capítulo a respeito de estrangeiros presos no País e possíveis soluções.

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2 COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

Na acepção de Denise Neves Abade, pode-se entender por cooperação jurídica internacional em matéria penal, como sendo: [...] conjunto de medidas e mecanismos pelos quais órgãos competentes dos Estados solicitam e prestam auxílio recíproco para realizar, em seu território, atos pré-processuais ou processuais que interessem à jurisdição estrangeira na esfera criminal. (ABADE, 2013, p. 27)

No mesmo sentido milita Nádia de Araújo, ao considerar que: O Direito Internacional Privado sempre foi considerado o locus adequado para tratar do tema da cooperação interjurisdicional, ou cooperação jurídica internacional. Significa, em sentido amplo, o intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais provenientes do Judiciário de um Estado estrangeiro. (ARAÚJO, 2008, p. 277/278)

E Denise Neves Abade vai mais longe, ao pontuar ainda que “[...] a cooperação jurídica internacional em matéria penal consagra um conjunto de regras que rege a facilitação do direito de acesso a justiça penal, por meio da colaboração entre Estados.” (ABADE, 2013, p. 27). Explica ainda a autora supracitada, a adoção desta terminologia: De acordo com o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, o adjetivo “jurídico”, significa em conformidade com os princípios do direito; que se faz por via da justiça; lícito, legal. Já “judiciário”, referente a justiça ou a juiz; judicial. Por fim, “judicial”, relativo a juízo ou que se processa em juízo. Portanto, [...], a designação mais correta para o auxílio recíproco entre Estados para a realização de atos pré-processuais e processuais que interessem à jurisdição estrangeira é cooperação jurídica, pois engloba os órgãos competentes e com atribuição jurisdicional para realizar tais atos [...]. (ABADE, 2013, p. 30)

Ressalta-se que essa terminologia é também empregada pela literatura que trata do tema, e também foi adotado pelo anteprojeto de lei de cooperação jurídica internacional, elaborada pelo Ministério da Justiça da República Federativa do Brasil, no ano de 2005, e que será utilizada ao longo de todo este estudo.

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2.1 Histórico e fundamento

A paz selada entre os anos de 1280 a 1272 a.C., pelos povos egípcios e hititas, por seus respectivos soberanos; Ramsés II, faraó da 19ª (décima nona) dinastia, e Hattusil III; configura-se como o primeiro e seguro ato internacional que se tem conhecimento, conforme Mazzuoli (2007), Rezek (2005) e Sérgio Borja (2000). Firmava se então, não apenas um cessar fogo entre aqueles povos, mas também outras questões atinentes, como a formação de uma aliança contra inimigos comuns, normas de comércio, de migração e até de extradição, que certamente possibilitou perpetuar e vivenciar um duradouro período de trégua e mútua suportabilidade. Este de certo foi um dos primeiros e também mais remotos acordos de cooperação internacional, também em matéria penal, focado na questão da extradição. Contudo, como afirma Sandro Trotta e Luciano Ferreira (2013, p. 4): “Historicamente, as nações poderosas não se preocupavam com a necessidade de travar relações com os demais países, sendo suficiente, para tanto, quando necessário, submeter, pela força o parceiro desejado.”. Dito isso, somente a partir do século XIX, que houve uma mudança em que os Estados não mais buscavam o recurso bélico para as questões que travavam com os seus iguais. As mudanças foram provocadas, como relata Trotta e Ferreira (2013, p. 5): “[...] com a crescente internacionalização das sociedades, assim como com a evolução da práxis delitiva, que começaram a tomar forma as questões referentes ao auxílio entre estados em matéria penal [...].” Relatam ainda os autores supracitados, ao citar João Marcello Araújo Júnior (1995, p. 05), que as primeiras manifestações de aplicação extraterritorial de normas penais, ocorreu no Código Penal Alemão de 1871, e no Código Penal Italiano de 1889. Já no ano de 1914, Trotta e Ferreira (2013, p. 5), ao citar Garcia Barroso (1982, p. 22), dizem que ocorreu o Primeiro Congresso de Polícia Judicial, em que visavam a discutir estratégias comuns, frente ao delito transnacional. Contudo a implementação das estratégias outrora discutidas no aludido congresso, foram suspensas em decorrência da Primeira Guerra Mundial, que havia irrompido.

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As mesmas somente vieram a ser retomadas, como expõe Trotta e Ferreira (2013, p. 5), no ano de 1923 após o restabelecimento da paz no continente europeu, e que na cidade de Viena, foi realizado o II Congresso de Polícia Judicial, e onde foi determinada a criação da Comissão Internacional de Polícia Criminal (CIPC), uma organização permanente de cooperação policial mundial, a que se pode reputar como os primórdios da atual Polícia Internacional (INTERPOL). E no ano de 1946 aquela comissão, em reunião na capital belga, resolveram adotar no curso do 15º Encontro de Polícia Judicial, a denominação INTERPOL, que Trotta e Ferreira (2013, p. 5) ao citar Giovanni (1994, p. 193), explica ser a abreviatura uma contração de Polícia Internacional para uso telegráfico. Contudo foi tão somente na década de 1950, que houveram avanços na cooperação internacional, tal qual o expõem Trotta e Ferreira (2013, p. 6): [...] a Associação Internacional de Direito Penal, em seu VI Congresso, ocorrido em Roma, em 1953, reconheceu a necessidade de atuação conjunta de auxílio mútuo entre os Estados, no tocante à repressão dos delitos; na seara policial, após sucessivos encontros, a 25ª Assembleia Geral, celebrada em Viena, de 7 a 13 de junho de 1956, aprovou a modernização dos Estatutos e do Regramento Geral com a constituição definitiva da “Organização Internacional de Polícia Criminal (O.I.C.P. – INTERPOL)”.

E ainda na década mencionada, foram celebrados importantes atos internacionais cuja finalidade era a cooperação internacional em matéria penal, sendo a mais importante, a Convenção Europeia de Cooperação Judicial em Matéria Penal, de 1959, celebrada em Estrasburgo, que segundo Raúl Cervini e Tavares citados por Trotta e Ferreira (2013, p. 6): “[...] muito dos princípios da moderna cooperação judicial penal internacional encontram sua primeira consagração neste texto”. Por fim, resta-se pontuar que no ano de 1965, foi firmada a Convenção de Haia sobre citação e notificação no estrangeiro de atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial. Reputa-se a importância deste ato internacional para a cooperação internacional em geral, por ter sido o primeiro ato convencional que dispôs acerca da autoridade central, enquanto órgão de intermediação e facilitação da cooperação entre distintos Estados, e desde então vem sendo utilizado quando se trata de cooperação jurídica internacional.

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Acerca dos fundamentos da cooperação, a doutrina diverge a seu respeito, Denise Neves Abade (2013, p. 34) expõe com clareza: Há autores, como Kai Ambos, que entendem que, no caso da cooperação jurídica entre Estados, não há nenhuma norma internacional geral que obrigue os Estados a cooperar – a cooperação, assim, dependeria da decisão soberana de cada Estado. [...] Essa primeira visão é claramente voluntarista. A cooperação ocorrerá se houver a) tratado internacional assim determinando ou b) vontade ad hoc do Estado com base nos conceitos de reciprocidade e do tradicional comitas gentium. (itálicos no original)

E vai adiante a autora supra, ao considerar uma segunda visão, que pugna pelo reconhecimento da existência do dever dos Estados em cooperar mutuamente, que se pauta pelos princípios gerais de Direito Internacional, e ou devido a um costume internacional, a tomar como base a Resolução número 2.625 de 1970, da Assembleia Geral (AG) da Organização das Nações Unidas (ONU), somado à própria Carta de São Francisco, qual seja o ato internacional constitutivo da ONU. Pode-se dizer que a resolução mencionada, traz em seu bojo a “Declaração sobre os Princípios do Direito Internacional relativos às relações amistosas e de cooperação entre os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas”. Como se vislumbra de um dos seus dispositivos, a declaração exorta: O dever dos Estados de cooperar uns com os outros, de acordo com a Carta: Os Estados têm o dever de cooperar uns com os outros, independentemente das diferenças em seus sistemas políticos, econômicos e sociais, nos diversos domínios das relações internacionais, a fim de manter a paz e a segurança internacionais e promover a estabilidade económica internacional e do progresso, o bem-estar geral das nações e cooperação internacional livre de discriminação com base em tais diferenças. (NAÇÕES UNIDAS, 1970)

E Denise Neves Abade, explica que Quanto aos princípios gerais de Direito Internacional, cite-se Vattel, um dos autores do Direito Internacional clássico, que escreveu, ainda no século XVIII, que “A primeira lei geral, que pode ser encontrado no fim da sociedade das Nações, é que cada nação deve contribuir tanto quanto possível para a felicidade e o avanço das outras nações1.”. (ABADE, 2013, p. 35) (Tradução nossa)

1

The first general law, which is to be found in the very end of the society of Nations, is that each Nation should contribute as far as it can to the happiness and advancement of the other Nations.

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Por seu turno, frisa-se a notória manifestação da jurista Nádia de Araújo, que ao expor seu ponto de vista acerca da cooperação jurídica internacional, assim diz: O respeito à obrigação de promover a cooperação jurídica internacional é imposto pela própria comunidade internacional. Qualquer resistência ou desconfiança com relação ao cumprimento de atos provenientes do estrangeiro deve ceder lugar ao princípio da boa-fé que rege as relações internacionais de países soberanos, tanto nos casos cíveis quanto penais. Afinal, o mundo está cada dia menor e mais próximo. (BRASIL, 2012, p. 35)

Pode-se reforçar a ideia do dever de cooperação, a que os Estados estão submetidos, em função de certo dispositivo que contem a Carta de São Francisco de 1945, como se vê: Artigo 13 1. A Assembleia Geral iniciará estudos e fará recomendações, destinados a: a) promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação; b) promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. (SÃO FRANCISCO, 1945) (Grifos nossos)

Estes são, os fundamentos que levam os Estados, a cooperar entre si, para realizarem no âmbito interno de suas soberanias, o poder estatal de administrar a Justiça, em consonância com os princípios que serão abordados adiante, e que são vetores para a atuação cooperacional entre os mesmos.

2.2 Princípios

Na lição de Emerson Penha Malheiro (2008, p. 59), este assevera a existência de alguns princípios que são aplicáveis em matéria de cooperação jurídica internacional, na seara penal, são eles: o da flexibilização dos preceitos fundamentais do Estado, do respeito à dignidade da pessoa humana, da garantia de coerção aos responsáveis, e o da justiça universal. A respeito do primeiro princípio mencionado, vai dizer: Para que os Estados possam colaborar entre si nos assuntos de natureza penal e, consequentemente, respeitem os direitos humanos, inicialmente, é necessário que flexibilizem suas proposições fundamentais, preterindo, por exemplo, ditames tangentes a sua soberania estatal. Se os Estados não

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transigirem em relação a elementos de sua soberania, torna-se impossível o trabalho em comum entre eles, pois cada um considerará adequado submeter-se exclusivamente à sua norma jurídica. (MALHEIRO, 2008, p. 59) (itálicos no original)

Sobre o respeito à dignidade da pessoa humana, o mesmo autor vai expõe que: É importante também que exista o respeito à dignidade da pessoa humana; afinal, as disposições de Direito Internacional não devem se dirigir somente aos Estados, mas também aos indivíduos, e ser aplicadas de forma que se possa atingir o bem-estar do ser humano, promovendo sua educação no meio social, pois a pessoa é possuidora de direitos subjetivos e detentora de valores que merecem consideração. [...] Contudo, não se pode olvidar que o Direito Penal não é necessariamente assistencial e visa primeiramente à Justiça distributiva, responsabilizando o delinquente pela violação da ordem jurídica. (MALHEIRO, 2008, p. 59/60) (itálicos no original)

E prossegue Emerson Malheiro (2008, p. 60) ao discorrer acerca do princípio da garantia de coerção aos responsáveis, como se vislumbra: Deve haver um comprometimento dos sujeitos de Direito Internacional Público na apuração de condutas ilícitas que venham a atingir a esfera criminal, concedendo uma garantia de coerção os responsáveis, principalmente nos delitos que envolvam as hipóteses de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, crimes contra a paz ou de agressão e quaisquer outros que configurem desobediência à Convenção de Genebra (1949) e seus Protocolos Adicionais (1977). (itálicos no original)

Não obstante à explanação acima, os tipos penais elucidados por ele, são de competência, em suma, do Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia no Reino dos Países Baixos, e não da competência de um Estado soberano, mas que sem qualquer reserva, também merece ser objeto da cooperação jurídica internacional, em caráter preventivo, pois tão logo identificado os indícios da ocorrência daqueles tipos penais, seja provido o caráter punitivo, com vistas a persecução dos objetivos do Direito Penal Internacional. Por fim, Emerson Malheiro (2008, p. 60) acentua que O princípio da justiça universal, da universalidade do direito de punir ou cosmopolita é decorrente do anterior [da garantia de coerção aos responsáveis] e tem como fundamento a cooperação dos povos na repressão ao crime internacional, estabelecendo que as leis penais devem ser aplicadas a todas as pessoas, independentemente do lugar em que se encontrem ou da qualidade de seu cargo, emprego ou função. (itálicos no original)

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Além

destes

princípios

enumerados

por

Emerson

Malheiro

(2008),

entendemos ser também aplicáveis à cooperação jurídica internacional, os seguintes princípios que Lívia Frauches, aborda em sua apresentação institucional do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI), órgão da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), vinculado ao Ministério da Justiça (MJ), e que são eles: o da reciprocidade, da competência ou legitimidade na origem, da dupla incriminação e da especialidade. Acerca destes, explica Lívia Frauches (2013): [O princípio da reciprocidade] se aplica na ausência de Tratado ou Convenção. O Estado requerente se compromete a conferir ao Estado requerido o mesmo tratamento em casos análogos. [Já o princípio da competência ou legitimidade na origem, se traduz por] Apenas a autoridade competente no Estado requerente pode solicitar a assistência jurídica ao Estado requerido. [E o princípio da dupla incriminação, requer que] O crime deve ser caracterizado como tal tanto no país que requer a cooperação como no Estado requerido (sua exigência vem diminuindo atualmente). [Por fim o princípio da especialidade, determina que] as provas obtidas pelo Estado requerente por meio de cooperação internacional somente poderão ser utilizadas no procedimento que motivou tal pedido de cooperação.

Estes são os principais princípios que norteiam a cooperação jurídica internacional em matéria penal, que se sobressaem na literatura especializada. A par deles, poderemos compreender o instituto em foco neste trabalho, assim como os seus requisitos para a sua efetiva aplicação.

2.3 Classificação

Para melhor conhecermos a cooperação jurídica internacional, é preciso classifica-la para que possamos entender a sua realização. Para tanto, tomemos os ensinamentos de Denise Neves Abade. A jurista supracitada expõe que a cooperação pode ser classificada:

a) pelos entes que envolvem na cooperação jurídica: em vertical e horizontal; b) pela posição de determinado Estado quanto ao pleito de cooperação: em ativa ou passiva; c) pelo momento processual da cooperação: antes, durante ou depois do devido processo;

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d) pelos fins desejados da cooperação: colaborativos em atos instrutórios, em atos cautelares, em localização de pessoas, na produção de efeitos de uma sentença penal condenatória já proferida; e) pelas vias que a cooperação é prestada ao requerente daquela; f) pelos instrumentos a que a cooperação é requisitada.

A respeito da classificação quanto aos entes que se envolvem na cooperação, Denise Abade (2013, p. 40) pontua: “[...] distinguimos a cooperação jurídica vertical – que se dá entre organizações supranacionais e internacionais, de um lado, e Estados de outro – e a cooperação horizontal – estabelecida entre Estados igualmente soberanos [...].”. No que diz a respeito ao segundo item de classificação a jurista explica: [...], classificamos a cooperação internacional como ativa ou passiva, de acordo com a posição do Brasil no pleito. Na cooperação dita ativa, o Brasil é o Estado requerente, que pugna pelo auxílio do Estado estrangeiro para tornar efetiva sua prestação jurisdicional interna. Na cooperação dita passiva, o Brasil é solicitado por um Estado estrangeiro a realizar determinada conduta, que é considerada imprescindível à função jurisdicional estrangeira. (ABADE, 2013, p. 41) (itálicos no original)

Sobre o momento processual da cooperação explicita que, pode ser também classificada: [...] antes, durante o desenrolar do processo penal, no término do processo penal – com a necessidade de reconhecimento de eficácia internacional dos julgamentos repressivos – e, finalmente a cooperação na forma de envio (extradição ou entrega) do delinquente fugitivo ainda não julgado ou condenado. (ABADE, 2013, p. 41)

E quanto aos fins almejados pela cooperação jurídica internacional, Denise Neves Abade (2013, p. 41) pontua: [...] quanto aos fins almejados, classifica-se a cooperação da seguinte forma: a) colaboração no cumprimento de atos instrutórios e cautelares necessários ao início e desenvolvimento de determinado processo penal; b) colaboração na localização, detenção e devolução do acusado ou do culpado da prática de um delito, para, respectivamente, responder a processo ou cumprir sanção penal; e c) a colaboração na produção de efeitos, no território de um Estado, originários de uma sentença penal condenatória, havida em outro Estado. (itálicos no original)

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Por fim, quanto à via a que a cooperação é solicitada, a jurista supracitada expõe que: [...] a cooperação pode ser classificada de acordo com a via utilizada (meio de comunicação entre os Estados), pelos veículos que lá trafegam (espécies instrumentais cooperacionais) e pelos passageiros (conteúdo, tipo de colaboração prestada), que são transportados. Assim diferenciamos as vias (meios ou canais de comunicação) pelas quais a cooperação jurídica internacional é prestada. Com base nessa diferenciação, há três espécies de cooperação, a saber: aquela realizada pela via diplomática, pela via da autoridade central e pela via do contato direto. (ABADE, 2013, p. 42) (itálicos no original)

A via diplomática é aquela que se utiliza de agentes diplomáticos, devidamente acreditados no Estado, sendo o canal usual de diálogo entre os Estados. A respeito desta, Denise Neves Abade comenta: A via diplomática possui vantagens e desvantagens claras. A maior vantagem é estar disponível, sem que sejam necessários maiores investimentos ou tratativas específicas para implementar a cooperação jurídica internacional. Por outro lado, há a desvantagem de não ser uma via exclusiva nem especializada, o que faz com que a celeridade e eficiência da prestação da cooperação dependa da eventual boa vontade dos diplomatas envolvidos. (ABADE, 2013, p. 43) (itálicos no original)

A via da autoridade central é aquela que os Estados Partes ou uma organização internacional firmam em um ato internacional que os Estados firmem, para regulamentar a cooperação jurídica internacional, e para tanto aqueles, indicam um órgão interno que segundo Denise Neves Abade (2013, p. 43): Sua função consiste em “gerenciar o envio e o recebimento de pedidos de auxílio jurídico, adequando-os e os remetendo às respectivas autoridades nacionais e estrangeiras competentes. [...], exercendo uma sorte de juízo de admissibilidade administrativo, tendente a acelerar e melhorar a qualidade dos resultados da cooperação.

E vai além ao discorrer sobre essa via ao expor, que “A via da Autoridade Central apresenta agilidade e expertise, uma vez que tem como função precípua enviar e receber os pleitos cooperacionais.” (ABADE, 2013, p. 43)

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Já na via do contato direto, como o próprio nome expõe, os órgãos jurisdicionais (juízes e promotores), estão em contato direto, podendo entre si demandar uma atividade cooperacional, assim como requerer da sua contra-parte, inexistindo intermediação, tal qual a via diplomática ou a via da autoridade central. Finalmente acerca dos instrumentos que veiculam os pedidos de cooperação Denise Neves Abade (2013, p. 45) expõe: “[...] a prática dos Estados reconhece, como veículos, a carta rogatória, as ações de extradição, de homologação de sentença estrangeira e de transferência de presos [...].”. Faz ainda a autora supracitada considerações pertinentes a respeito desta última classificação, ao ponderar que o rol de instrumentos não o é taxativo, e elucida que os pedidos cooperacionais podem ser feitos inclusive por meio de petições, na via do contato direto. Vai além ao encerrar esse tema, expõe que as vias não são exclusivas ou predeterminadas para os instrumentos mencionados, e que dependem do exame do ato internacional que vinculam os Estados partes cooperadores.

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3 A TRANSFERÊNCIA DE PRESOS OU SENTENCIADOS

O instituto da transferência de presos ou de sentenciados, tem sua origem a partir da década de 1970, do século XX, como expõe Armida Bergamini Miotto (1985, p. 213/214): A Associação Internacional de Ajuda aos Presos, vinculada à Organização das Nações Unidas – ONU, tinha, entre as suas preocupações, a que se voltava para os presos estrangeiros. Eram esses presos aqueles que, havendo sido condenados em países que não os seus, aí, nas respectivas prisões, cumpriam a sua pena. [...] O UNSDRI [United Nations Social Defense Resarch Institute – Instituto de Pesquisa sobre Defesa Social das Nações Unidas] acolheu a solicitação e, nos anos que precederam o V Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento dos Delinquentes (realizado em Genebra, em 1975), promoveu um levantamento de dados suficientes para poder ter uma imagem da situação e ser a matéria apreciada pelo referido congresso.

E ainda a jurista supra, expõe que a partir daquele congresso, se reconheceu a gravidade do problema outrora enfrentado, e a necessidade de se buscar efetivas soluções. Tanto que a partir do VI Congresso sobre Prevenção do Delito e Tratamento dos Delinquentes, realizado em Caracas, no ano de 1980, na qual fora aprovado a resolução 13 sobre transferência de delinquentes, e que menciona os seguintes considerandos: Consciente de que dificuldades de comunicação, devidas a barreiras linguísticas e desconhecimento da cultura e dos costumes locais, bem como a ausência de contatos com parentes e amigos, podem constituir excessivo sofrimento para as pessoas que cumprem pena me país que não é o seu. [...] Reconhecendo a conclusão a que chegou o Comitê para Prevenção e Controle, no seu Plano Internacional de Ação (8), que requer cooperação internacional a fim de instituir os necessários procedimentos para que os condenados estrangeiros possam retornar ao seu país e ali cumprir a pena, desse modo facilitando o processo de sua reintegração no convívio social. (MIOTTO, 1985, p. 224) (itálicos no original) (grifos nossos)

A Procuradora da República Ela Wiecko Volkmer de Castilho (2008, p. 235), ao expor acerca deste instituto assinala que: “Foi utilizado no mundo, pela primeira vez em 1951.”, e confirma Denise Abade (2013, p. 359): “[...] o primeiro tratado sobre transferência de presos foi celebrado entre Líbano e Síria em 1951, [...].”

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Contudo, somente no ano de 1984, que o Comitê de Prevenção do Delito e Luta contra a Delinquência, fez o exame de um projeto de acordo de transferência de presos, tendo submetido ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da Assembleia Geral das Nações Unidas, como exposto por Armida Miotto (1985, p. 227/232). Podemos definir o instituto da transferência de presos ou sentenciados, como uma forma de cooperação em matéria penal, e na definição de Susan Kleebank (2004, p. 136): [...] trata-se de ato administrativo que pressupõe a liberação do condenado por parte do Poder Judiciário do Estado Remetente e, simultaneamente, o assentimento quanto a seu recebimento por parte do Juiz de Execuções Penais responsável pelo presídio para onde pretende ser transferido. O instituto tem caráter fundamentalmente humanitário, dado seu objetivo de contribuir para a reintegração social dos encarcerados por meio da proximidade do ambiente de origem e da família [...]. (grifos nossos)

Reforça-se o caráter humanitário, conforme expõe Denise Neves Abade (2013, p. 57/58): Como recorda Bassiouni, a reabilitação do condenado é muito mais uma questão relativa à ressocialização – por tanto, o contexto social no qual se insere acaba por determinar de forma crucial a probabilidade de seu sucesso. Assim, uma ressocialização bem-sucedida é fator-chave para explicar o motivo pelo qual os Estados têm interesse em permitir a transferência. (grifos nossos)

Ainda relata, Ela Wiecko V. de Castilho (2008, p. 236) que: Segundo BASSIOUNI (2004, p. 433) e GUERIOS (2007, p. 267), a difusão internacional do instituto ocorreu a partir da Convenção Européia sobre a Transferência de Pessoas Condenadas (Estrasburgo, 21.03.1983). [...] Um contesto específico facilitou essa difusão. Em primeiro lugar, a forte migração de trabalhadores estrangeiros em busca de trabalho nos países do então Mercado Comum Europeu criou um fato antes inexistente: a presença de estrangeiros em número significativo na população prisional. Em segundo lugar, na mesma época, jovens americanos viajavam pelo mundo em busca de drogas.

Por fim, a par destas noções iniciais, pode se classificar o instituto, como uma cooperação jurídica internacional horizontal, porque envolve-se dois Estados, com afetação no indivíduo que se encontra preso, quanto ao seu momento, será posterior a um processo penal, já transitado em julgado, podendo ser prestado ativa e

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passivamente pelos Estados, sua finalidade é humanitária como já destacado, e ainda com vistas a produção de efeitos de uma sentença penal condenatória, e que se opera por via diplomática, facultada a intermediação pela via de autoridades centrais, quando designado no ato internacional regulador da cooperação, sendo instrumentalizada por petição do interessado ou de seus familiares dirigido ao seu Estado-pátria.

3.1 Características da transferência

São características da transferência de presos ou sentenciados, ser formalizado em ato internacional bilateral ou multilateral, de caráter discricionário dos Estados Partes, sendo a sua efetivação condicionada ao consentimento formal e escrito do indivíduo a ser transferido, sem obrigação de acatamento da transferência, mas tão somente o dever de analisar o pleito, conforme Ela Wiecko V. de Castilho (2008, p. 243). A sua finalidade, como já exposto, é em suma a questão humanitária, mas também se arrima em quatro (4) fundamentos que Castilho (2008, p. 242/243) expõe ao citar Arthur de Brito Gueiros Souza: [...] (i) custo financeiro da gestão da população prisional estrangeira; (ii) irracionalidade da execução penal dirigida ao preso estrangeiro, cuja finalidade é a reinserção social do condenado, se, ao final, ele é expulso para o seu país de origem (iii) o Estado deve assumir a tarefa de execução da pena de seu nacional, pois faz parte da responsabilidade pela violação da ordem jurídico-penal de outro Estado; (iv) princípio da humanidade, que exige minorar o sofrimento de quem se encontra encarcerado e distante de seu círculo familiar e cultural.

E o objeto a ser tutelado por estes atos internacionais que instituem a transferência de presos ou sentenciados, é indiscutivelmente o cumprimento de pena privativa de liberdade, de modo humano e que atenda ao respeito à dignidade da pessoa humana. Cabe pontuar ainda que a transferência de presos ou sentenciados, sofre algumas limitações, tal qual o princípio penal do “non bis in idem”, a que consta em cláusulas dos atos internacionais, e que impede que a pessoa que foi transferida, seja detida, processada ou ainda condenada novamente pelo mesmo crime que originou a sentença outrora estrangeira.

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Também o cumprimento da pena fixada por uma sentença estrangeira, que se submeterá à lei e procedimentos do Estado recebedor. Acerca desta limitação vai expor Denise Neves Abade (2013, p. 363/364) que: Em primeiro lugar, há o princípio da obediência à sentença proferida, uma vez que os tratados internacionais proíbem que o Estado receptor (ou recebedor) revise a pena imposta, aumentando-a ou julgando novamente o sentenciado, ou ainda outorgue indulto, anistia ou comutação da pena. Em segundo lugar, e em clara contrapartida ao rigor do primeiro princípio, alguns tratados estabelecem que cabe ao Estado receptor executar a pena de acordo com suas próprias leis de execução penal. Instaura-se assim o chamado sistema de conversão. No caso, o Estado receptor pode, legitimamente, outorgar benefícios referentes ao cumprimento da pena, mesmo que em desacordo com os do Estado remetente. A única restrição é que não pode sujeitar o indivíduo a cumprimento de pena mais rigoroso do que teria no Estado sentenciante. (itálicos no original)

Dito isso, a autora supra, tece elogios ao modelo dito híbrido na questão da execução da sentença, por estar em consonância com o princípio da humanidade e o caráter humanitário do instituto.

3.2 Princípios da transferência

Pode-se expor que o instituto da transferência de sentenciados, se sustenta em três (3) princípios, que Denise Abade (2013, p.244) assim sintetiza: São tratados concisos, baseados no seguinte tripé: princípio do consentimento, princípio do respeito à sentença, princípio da execução local, todos com referência aos direitos fundamentais. (itálicos no original)

Acerca do princípio do consentimento, como se verá a diante, é uma das condições necessárias para a efetivação da transferência de pessoas condenadas, o consentimento expresso da pessoa a ser transferida. O princípio do respeito à sentença, se coloca de tal maneira que o Estado recebedor da pessoa transferida, não poderá fazer novo julgamento, majorar ou ainda diminuir a pena imposta pelo Estado sentenciador. Por último o princípio da execução local, é o que vai possibilitar, nas palavras de Denise Abade (2013, p. 245): [...] que o condenado usufrua dos direitos e eventuais benefícios da execução da pena de acordo com a legislação do Estado Recebedor. Há,

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com isso, uma lógica pro homine, pois o indivíduo pode – compreensivelmente – solicitar a transferência para país de legislação mais amena na execução penal. (itálico no original)

Somam a estes princípios, aqueles da cooperação jurídica internacional, já expostos no capítulo anterior, para corroborar a integração dos Estados, para efetivar essa cooperação com vistas inclusive à ressocialização, e a diminuição dos seus custos com o sistema prisional, ainda que este último seja transferido ao Estado recebedor da pessoa outrora transferida, para cumprimento da sentença penal estrangeira.

3.3 Condições gerais para a transferência Segundo o que expõe Ela Wiecko (2008, p. 245): “De modo geral os tratados celebrados pelo Brasil contemplam, implícita ou explicitamente, sete condições [...].”. São as condições:

a) Nacionalidade da pessoa condenada correspondente ao Estado recebedor; b) Trânsito em julgado da sentença penal condenatória; c) Suficiente lapso de pena pendente de cumprimento; d) Consentimento voluntário da pessoa condenada em ser transferida; e) Dupla tipicidade de fato como crime; f) Conformidade da ordem jurídica do Estado recebedor; g) Concordância mútua entre o Estado remetente e o recebedor.

A autora supracitada (CASTILHO, 2008, p. 245) faz uma observação, quase uma ressalva, acerca dos tratados de transferência a que a República Federativa do Brasil tem com a República Portuguesa e com o Reino Unido, em que nestes são peculiares em se definir que o critério da nacionalidade não é utilizado, mas sim, o critério da residência habitual ou vínculo pessoal no território do outro Estado Parte, qual seja o Estado recebedor, para justificar a aplicação do instituto. Por fim, se vislumbra a discricionariedade dos Estados Partes, quando estes devem aquiescer com a transferência, não se constituindo, como um direito subjetivo da pessoa condenada, o direito de ser transferida para o seu Estado de origem.

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3.4 Diferenças entre extradição e transferência

Apesar da extradição também ser um instituto de cooperação jurídica internacional em matéria penal, importante é diferenciar do instituto da transferência de pessoas condenadas. Vejamos a tabela abaixo, com as diferenças entre os institutos, por nós compilada:

Tabela 1 - Diferenças entre extradição e transferência de presos EXTRADIÇÃO

TRANSFERÊNCIA

Estado

Individuo preso

Solicitação

Para processar e julgar Motivo

Fundamento

Via

ou fazer cumprir uma sentença

Humanitário e cumprimento de

penal condenatória

sentença penal condenatória

Tratado bilateral ou promessa

Tratados bilateral

de reciprocidade

ou multilateral

Diplomática

Autoridade Central e/ou Diplomática

Instrumento

Manifestação formal do Estado:

Manifestação individual:

nota diplomática

petição de consentimento

Insta-se em esclarecer que também é motivo da transferência, o cumprimento de uma sentença penal condenatória, contudo naquela espécie, a mesma já se encontra transitada em julgado, enquanto que na outra, pode vir a ser constituída a sentença, após o processo e o julgamento de certo indivíduo reclamado pelo Estado que deseja extraditar, ou que já tendo sido julgado, iniciar o cumprimento da sentença penal condenatória. Ainda na elucidação das diferenças, ocorre que na transferência, a via diplomática é contatada para o envio de documentos necessários às autoridades centrais, designadas no ato internacional fundante da cooperação, enquanto que na extradição, a via diplomática é utilizada para se iniciar o procedimento extradicional.

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Como se observa, há diferenças nas espécies cooperacionais, portanto, cada qual objetiva atender a uma determinada demanda, para um determinado sujeito de direito, a que é afetado por aquela, com vistas ao atendimento do princípio da justiça universal ou cosmopolita alcançado em cada uma destas espécies.

3.5 Arcabouço normativo internacional

O arcabouço normativo no âmbito internacional é composto dos seguintes atos internacionais:

a) Convenção de Estrasburgo de 1983, também denominada de Convenção Européia sobre a Transferência de Pessoas Condenadas. Para os Estados Partes do Conselho da Europa, e Estados Unidos, Canadá, Bahamas, Chile, Costa Rica, Panamá, Trinidad-Tobago, Turquia, Israel e Tonga, conforme CASTILHO (2008, p. 237); b) Convenção de Manágua de 1993, também denominada de Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior. De caráter multilateral, celebrada sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA); c) Convenção de Palermo de 2004, também denominada de Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. De caráter multilateral, celebrada sob os auspícios da ONU; d) Convenção de Praia de 2005 De caráter multilateral, celebrada entre os Estados Partes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP);

Dos atos internacionais acima citados, a República Federativa do Brasil, figura como parte na sua maioria, exceto na Convenção de Estrasburgo de 1983. Cumpre pontuar que a Convenção de Palermo de 2004, não se presta a ser de fato um ato internacional que propicie a cooperação jurídica internacional, mas, incentiva ou pelo menos, exorta os Estados Partes, a celebrarem atos internacionais que se destinem à transferência de presos, inclusive aquelas que vierem a cometer os seus tipos penais, como se observa no dispositivo do seu artigo 17:

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Artigo 17 - Transferência de pessoas condenadas Os Estados Partes poderão considerar a celebração de acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais relativos à transferência para o seu território de pessoas condenadas a penas de prisão ou outras penas de privação de liberdade devido a infrações previstas na presente Convenção, para que aí possam cumprir o resto da pena. (BRASIL, 2006) (grifos nossos)

Portanto, a convenção vem a reforçar o interesse da ONU, em promover a cooperação jurídica internacional, no tocante a essa espécie de cooperação, que é a transferência de presos ou condenados. E frisa-se, que o mesmo, não pressupõe a designação de nenhuma autoridade central ou ainda disciplina o procedimento para a realização de transferência, ou ainda enumera os requisitos para tanto.

3.6 Arcabouço normativo brasileiro

Na República Federativa do Brasil, encontramos em âmbito interno, onze (11) atos internacionais bilaterais, e dois (2) multilaterais, embora sendo parte e tendo ratificado e internalizado a Convenção de Palermo de 2004, o mesmo não se presta a dispor e ser invocado efetivamente sobre o instituto como anotado anteriormente. Nosso País mantém tratados de transferência de pessoas condenadas, com os seguintes Estados, em ordem cronológica:

a) Canadá, celebrado através do Decreto Federal nº. 2.547/1998; b) Reino da Espanha, através do Decreto Federal nº. 2.576/1998; c) República do Chile através do Decreto Federal nº. 3.002/1999; d) República Argentina, através do Decreto Federal nº. 3.875/2001; e) Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, através do Decreto Federal nº. 4.107/2002; f) República do Paraguai, através do Decreto Federal nº. 4.443/2002; g) República Portuguesa, através do Decreto Federal nº. 5.767/2006; h) República do Peru, através do Decreto Federal nº. 5.931/2006; i) Estado Plurinacional da Bolívia, através do Decreto Federal nº. 6.128/2007; j) Países Baixos, através do Decreto Federal nº. 7.906/2013; k) República do Panamá, através do Decreto Federal nº. 8.050/2013.

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Quanto aos atos internacionais de âmbito multilateral, estão internalizados na República Federativa do Brasil, os seguintes, também em ordem cronológica:

a) Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior ou Convenção de Manágua de 1993, através do Decreto Federal nº. 5.919/2006; b) Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional ou Convenção de Palermo de 2004, através do Decreto Federal nº. 5.015/2004; c) Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da CPLP ou Convenção da Praia de 2005, através do Decreto Federal nº. 8.049/2013.

Ao que consta dos sítios eletrônicos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Poder Legislativo brasileiro, não há nenhum tratado ou acordo de transferência de pessoas condenadas, em tramitação ou em análise por suas comissões de relações exteriores e defesa nacional.

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4 CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE O CUMPRIMENTO DE SENTENÇAS PENAIS NO EXTERIOR

A Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior foi celebrada sob o auspício da Organização dos Estados Americanos (OEA), na capital da Nicarágua, no ano de 1993. A mesma vem a reforçar os laços de cooperação que envolvem os chamados Estados Americanos, a partir de dispositivo semelhante ao que se encontra na Carta de São Francisco, ou a Carta das Nações Unidas, no qual conclama os Estados Partes daqueles atos internacionais, a promoção de esforços para solução pacífica de conflitos e o desenvolvimento da cooperação em todos os âmbitos. E dentre os considerandos da convenção em análise, a seguir, pode-se destacar, os mais relevantes e pertinentes, a este estudo: Animados do desejo de cooperar a fim de assegurar melhor administração da justiça mediante a reabilitação social da pessoa sentenciada; Persuadidos de que, para o cumprimento desses objetivos, é conveniente que se possa conceder à pessoa sentenciada a oportunidade de cumprir a sua pena no país do qual é nacional; (BRASIL, 2006) (grifos nossos)

Pela parte preambular do ato internacional celebrado, vislumbra-se o seu caráter humanitário, ao ter como objetivo uma visão ressocializadora da pessoa condenada.

4.1 Requisitos para sua aplicação

Os requisitos, ou as condições para requerer a aplicação da Convenção de Manágua, estão dispostos no artigo 3º, como se observa: ARTIGO III – Condições para a Aplicação da Convenção Esta Convenção aplicar-se-á unicamente nas seguintes condições: 1. Que exista sentença firme e definitiva na forma como foi definida no artigo I, parágrafo 3 desta Convenção. 2. Que a pessoa sentenciada concorde expressamente com a transferência, tendo sido previamente informada a respeito das consequências jurídicas da mesma.

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3. Que o ato pelo qual a pessoa tenha sido condenada configure delito também no Estado receptor. Para esse efeito, não se levarão em conta as diferenças de denominação ou as que não afetem a natureza do delito. 4. Que a pessoa sentenciada seja nacional do Estado receptor. 5. Que a pena a ser cumprida não seja pena de morte. 6. Que a duração da pena ainda a ser cumprida seja, no momento da solicitação, de pelo menos seis meses. 7. Que a aplicação da sentença não seja contraditória com o ordenamento jurídico interno do Estado receptor. (BRASIL, 2006)

Como se observa, são sete (7) requisitos, dentre os quais, pode-se considerar que seis (6) são objetivos e apenas um (1) é subjetivo, qual seja, a concordância da pessoa condenada em ser transferida. Os demais requisitos são de caráter objetivo, sem necessidades de maiores subjetividades na sua aferição, e que se aferem no momento do requerimento pela autoridade central designada a que está recebendo o pleito de transferência da pessoa condenada.

4.2. Procedimento para sua aplicação

O procedimento para a aplicação da Convenção está descrito pelo artigo 5º, que dispõe: ARTIGO V - Procedimento para a Transferência A transferência da pessoa sentenciada de um Estado para outro estará sujeita ao seguinte procedimento: 1. O trâmite poderá ser promovido pelo Estado sentenciador ou pelo Estado receptor. Em ambos os casos, requer-se que a pessoa sentenciada haja expressado seu consentimento ou, quando cabível, formulado a solicitação. 2. A solicitação de transferência será tramitada por intermédio das autoridades centrais indicadas conforme o artigo XI desta Convenção ou, na falta desta pela via diplomática ou consular. De conformidade com seu direito interno, cada Estado Parte informará as autoridades que considerar necessária a respeito do conteúdo desta Convenção. Além disso, procurará criar mecanismos de cooperação entre a autoridade central e as demais autoridades que devam intervir na transferência da pessoa sentenciada. 3. Se a sentença tiver sido proferida por um Estado ou província com jurisdição penal independente do Governo Federal, requerer-se-á para a aplicação deste procedimento de transferência a aprovação do respectivo Estado ou província. 4. Na solicitação de transferência, deverá ser proporcionada a informação que acredite o cumprimento das condições dispostas no artigo III. 5. Antes de efetuar-se a transferência, o Estado sentenciador permitirá ao Estado receptor verificar, se assim o desejar e por meio de um funcionário por este designado, se a pessoa sentenciada deu seu consentimento com pleno conhecimento das consequências jurídicas da mesma.

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6. Ao decidir quanto à transferência de uma pessoa sentenciada, os Estados Partes poderão considerar, entre outros fatores, a possibilidade de contribuir para a sua reabilitação social; a gravidade do delito; conforme o caso, os antecedentes penais da pessoa sentenciada; seu estado de saúde; e os vínculos familiares, sociais ou de outra natureza com o Estado sentenciador e o Estado receptor. 7. O Estado sentenciador proporcionará ao Estado receptor cópia certificada da sentença, inclusive informação sobre o tempo já cumprido pela pessoa sentenciada e o que lhe deva ser creditado por motivos tais como trabalho, boa conduta ou prisão preventiva. O Estado receptor poderá solicitar qualquer informação adicional que considerar pertinente. 8. A entrega da pessoa sentenciada pelo Estado sentenciador ao Estado receptor será efetuada em local acordado pelas autoridades centrais. O Estado receptor será responsável pela custódia da pessoa sentenciada desde o momento em que esta lhe for entregue. 9. Todas as despesas relacionadas com a transferência da pessoa sentenciada até a entrega para sua custódia ao Estado receptor correrão por conta do Estado sentenciador. 10. O Estado receptor será responsável por todas as despesas em que se incorra na transferência da pessoa sentenciada desde o momento em que esta ficar sob sua custódia. (BRASIL, 2006)

A par do texto legal, vislumbra-se que o primeiro passo para requisitar a aplicação da Convenção, é a obtenção ou a manifestação do consentimento da pessoa a ser transferida, que está reclusa em um estabelecimento prisional no exterior. Esse consentimento poderá obtido ou verificado pelo Estado receptor por meio da designação, de um funcionário de sua repartição consular no exterior, mais próxima ao estabelecimento prisional, conforme a possibilidade estipulada no item 5, e que se consubstancia, como uma faculdade do Estado receptor da pessoa a ser transferida, e não como um direito daquela pessoa condenada. Ou seja, ficará a discricionariedade das autoridades diplomáticas do Estado receptor, designar um funcionário de sua repartição consular, para obter tal manifestação ou aquiescência do seu nacional, que requer a transferência ao seu Estado de origem. Adiante, é expressamente reconhecida, que a operacionalização da Convenção se fará por meio das autoridades centrais, que os Estados Partes designarem

junto

à

Organização

dos

Estados

Americanos

(OEA),

muito

provavelmente no momento do depósito de seu respectivo instrumento de ratificação da Convenção. E tão somente na ausência da designação da respectiva autoridade central de algum Estado Parte, poderá ocorrer a solicitação da aplicação da Convenção através dos canais ordinários, qual seja, a via diplomática ou ainda por via consular.

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O item 3 do artigo 5º, expõe a adoção de uma cláusula federal, e que Daniel Dupras (1993) assim explica esse tipo de cláusula, aplicado ao caso do Canadá: Quando um tratado, ou mesmo parte dela, diz respeito a domínios de competência [...] provincial, a chamada "cláusula federal" geralmente é introduzida a fim de limitar a responsabilidade do Canadá. A cláusula federal tem o efeito, em diferentes graus, dependendo da sua formulação e o assunto do tratado em questão, de informar todas as partes no tratado, que o governo canadense pode encontrar dificuldades na implementação, porque ele deve primeiro assegurar a cooperação do províncias canadenses2. (Tradução nossa)

Da mesma forma, ocorre para os Estados-Partes da Convenção de Manágua, cuja forma de governo, tem unidades subnacionais, e que são ligadas a uma unidade nacional, a que detém o chamado “treaty making power”, ou o poder de celebrar tratados. O item 4, traz a possibilidade de conhecimento da Convenção de Manágua, por parte dos nacionais que eventualmente se encontrem em estabelecimentos prisionais no exterior, e assim, possam vir a requerer a sua aplicação, e possibilitar o implemento da sua transferência. Tal possibilidade, vai de encontro com a Convenção de Viena de 1963 sobre Relações Consulares, conforme previsão do artigo 36, que dispõe: ARTIGO 36 - Comunicação com os nacionais do Estado que envia 1. A fim de facilitar o exercício das funções consulares relativas aos nacionais do Estado que envia: a) os funcionários consulares terão liberdade de se comunicar com os nacionais do Estado que envia e visitá-los. Os nacionais do Estado que envia terão a mesma liberdade de se comunicarem com os funcionários consulares e de visitá-los; b) se o interessado lhes solicitar, as autoridades competentes do Estado receptor deverão, sem tardar, informar à repartição consular competente quando, em sua jurisdição, um nacional do Estado que envia fôr preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido de qualquer outra maneira. Qualquer comunicação endereçada à repartição consular pela pessoa detida, encarcerada ou presa preventivamente deve igualmente ser transmitida sem tardar pelas referidas autoridades. Estas deverão imediatamente informar o interessado de seus direitos nos têrmos do presente subparágrafo;

2

Where a treaty, or even part of it, concerns areas of provincial legislative jurisdiction, a so-called "federal clause" is usually introduced in order to limit [...]. The federal clause has the effect, to varying degrees depending on its wording and the subject of the treaty in question, of informing all the parties to the treaty, that the Canadian government may encounter difficulties in implementation because it must first secure the cooperation of the Canadian provinces.

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c) os funcionários consulares terão direito de visitar o nacional do Estado que envia, o qual estiver detido, encarcerado ou preso preventivamente, conversar e corresponder-se com êle, e providenciar sua defesa perante os tribunais. Terão igualmente o direito de visitar qualquer nacional do Estado que envia encarcerado, preso ou detido em sua jurisdição em virtude de execução de uma sentença, todavia, os funcionário consulares deverão abster-se de intervir em favor de um nacional encarcerado, preso ou detido preventivamente, sempre que o interessado a isso se opuser expressamente. 2. As prerrogativas a que se refere o parágrafo 1 do presente artigo serão exercidas de acôrdo com as leis e regulamentos do Estado receptor, devendo, contudo, entender-se que tais leis e regulamentos não poderão impedir o pleno efeito dos direitos reconhecidos pelo presente artigo. (BRASIL, 1967) (grifos nossos)

Já o item 6 do artigo 5º, expõe as considerações que os Estados-Partes poderão ter ao decidir pela aplicação do instituto da transferência ao pleito efetuado pela pessoa condenada. O item 7 explana que o Estado Sentenciador fornecerá ao Estado Receptor da pessoa a ser transferida, cópia certificada da sentença penal e estatui a possibilidade do último de requisitar outros documentos além da sentença, que seja necessária para a instrução da execução penal em seu território. O item 8, estabelece que as autoridades centrais dos Estados-Partes envolvidos no procedimento de transferência, acordarão o local de entrega da pessoa cuja transferência foi requisitada e aprovada. E por fim, os itens 9 e 10 do artigo 5º, estatuem acerca da divisão das despesas que arcarão os Estados-Partes envolvidos no procedimento de transferência, da pessoa que a solicitou.

4.3. Legitimidade de requerimento para sua aplicação

Como se observou dos dispositivos mencionados, em especial o artigo 5º da Convenção, o mesmo não dispõe da legitimidade para requerimento da sua aplicação. Nesse passo, infere-se que o requerimento para aplicação ou cumprimento do ato internacional, poderá ser feito por dois (2) legitimados ativos, qual sejam: a própria pessoa sentenciada, ou ainda um familiar da pessoa sentenciada. No caso da pessoa condenada, acredita-se que a mesma, possa obter a informação a respeito da possibilidade de ser transferida para o seu Estado de origem para cumprimento da sentença penal condenatória estrangeira, tão logo que seja preso por autoridades policiais do Estado estrangeiro em que se encontra, em cumprimento do artigo 36, parágrafo 1º, alínea b da Convenção de Viena sobre

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Relações Consulares de 1963, de uma forma mais ampla e geral, a que se obriga a todos os Estados, em virtude do caráter de “ius cogens” do ato internacional. Também poderá haver tal informação, através da ciência do corpo consular do Estado de origem da pessoa detida, ou sentenciada, com a existência de acordos bilaterais de assistência consular, entre aquele e o Estado que prendeu ou sentenciou o estrangeiro. Quando a família da pessoa sentenciada, toma a iniciativa de requerimento da aplicação da Convenção, a mesma poderá fazê-lo mediante requerimento simplificado endereçado à autoridade central do seu Estado, ou ainda de forma fundamentada através de petição interposta por um advogado. Pontuemos que a iniciativa governamental, do Estado da nacionalidade da pessoa sentenciada, para o caso específico da convenção em apreço, não reputa-se legítima, muito embora se observa que o procedimento da transferência, ocorre no âmbito inter-governamental. Mas o indivíduo no plano internacional, tem a sua autodeterminação, a que nem sempre se coaduna com a vontade do seu Estado de origem.

4.4. Um caso concreto

Em Novembro de 2013, indagaram-me se havia alguma possibilidade de transferência de um brasileiro, detido nas Bahamas e acusado, julgado e condenado nos Estados Unidos por tráfico de pessoas, em razão de estar contrabandeando estrangeiros ilegalmente para o último Estado. A partir então, foi iniciada uma verificação a respeito da existência de atos internacionais de transferência de presos entre os Estados Unidos da América e a República Federativa do Brasil. A pesquisa em si não logrou êxito, na localização de ato internacional de caráter bilateral envolvendo os Estados mencionados. Contudo, averiguou-se que os mesmos Estados, são partes na Convenção de Manágua ou a Convenção Interamericana para cumprimento de sentenças penais no exterior. A partir dessa pesquisa, foi possível responder positivamente a indagação formulada, e posteriormente prestar um serviço jurídico, de requisição da aplicação da convenção supracitada.

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Após estudo minucioso do ato internacional, localizou-se qual seria a autoridade central brasileira, para dar cumprimento à convenção, e eis que na República Federativa do Brasil, se trata da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), órgão singular e específico do MJ, conforme dispõe o Decreto Federal Nº. 6.061, de 15 de Março de 2007. E tal competência, se vê expressa no artigo 9º ao dispor do Departamento de Estrangeiros (DEEST), da SNJ: Art. 9º. Ao Departamento de Estrangeiros compete: [...] III - instruir os processos relativos à transferência de presos para cumprimento de pena no país de origem, a partir de acordos dos quais o Brasil seja parte; (BRASIL, 2007) (grifos nossos)

Identificado a autoridade central brasileira, era preciso localizar em qual estabelecimento prisional se encontrava o brasileiro custodiado no exterior, e também ao longo das conversas com a familiar deste brasileiro, fomos obtendo informações a respeito do processo, vez que nos Estados Unidos da América, os registros judiciais são

eletrônicos,

e disponibilizados pelo sítio

eletrônico

(www.pacer.gov), sendo que o significado do acrônimo de PACER 3 é Acesso Público aos Registros Eletrônicos das Cortes dos Estados Unidos. Por meio do sítio eletrônico acima, e com o código do processo, obtido pela familiar do brasileiro sentenciado nos Estado Unidos, foi possível obter cópia da sentença e demais documentos, que confirmavam a prolação de uma sentença penal condenatória, naquele Estado. Com a obtenção de cópia eletrônica da sentença penal condenatória, seria necessário formular uma tradução, não oficial da mesma, para melhor compreensão acerca do crime a que se estava imputando ao brasileiro, para verificar o preenchimento dos requisitos da Convenção em estudo. Ao mesmo tempo, também seria necessário averiguar a legislação criminal dos Estados Unidos da América, para verificação do tipo penal a que estava-se imputando ao brasileiro. Verificação essa que pode ser feita em consulta ao

3

PACER: Public Acess to Court Eletronic Records – Acesso Público aos Registros Eletrônicos de Cortes dos Estados Unidos.

39

compêndio legislativo, denominado de Código dos Estados Unidos, no qual estavam codificadas as condutas criminosas. A partir da averiguação exposta, foi necessária uma tradução, também não oficial, dos dispositivos imputados ao brasileiro do Código dos Estados Unidos, para verificar em qual legislação brasileira, estaria tipificada a conduta do brasileiro, para atendimento ao princípio da dupla tipificação, constante no artigo 3º, no item 3 da Convenção. Resolvida essas pendências, a elaboração de uma petição de solicitação de transferência de presos, dando início ao procedimento já delineado, seria o passo para retirar da inércia o Estado brasileiro, por meio de seus órgãos designados junto a OEA, para dar cumprimento no País da Convenção. Ressalta-se que feito o protocolo da petição de solicitação de transferência junto ao setor de protocolo geral do MJ, é tão somente dado um número de protocolo, e que não há nenhum canal para acompanhamento da tramitação interna do requerimento. Então, um entrave, a que se pode considerar para o acesso à Convenção, além do seu conhecimento, que é limitado, pois nem o próprio sítio do Ministério da Justiça brasileiro, na rede mundial de computadores, disponibiliza, na área dedicada à cooperação jurídica internacional, informações sobre o procedimento da Convenção em estudo, e o grau de sigilo que tramita o requerimento de transferência, pois as informações tão somente, são repassadas mediante correspondência eletrônica (email) ou por via telefônica, o que de certa forma encarece o trabalho do advogado, se ele não for residente na capital federal. Pois bem, provocada a autoridade central brasileira, em 4 de Dezembro de 2013, data do protocolo da petição de solicitação de transferência, a primeira informação a respeito do andamento do pedido feito, foi fornecida em 14 de Janeiro de 2014, no qual foi informado o oficiamento ao MRE, para se solicitar a documentação para instruir o pedido, muito embora, a petição de solicitação, já vinha acompanhada de praticamente quase todos os documentos que foram solicitados

às

autoridades

estadunidenses,

faltando

somente

o

expresso

consentimento do nacional brasileiro, ora preso em estabelecimento prisional estadunidense, e que veio a ser solicitado a sua obtenção, pelo destacamento de um funcionário da repartição consular brasileira, na cidade de Atlanta, conforme

40

determinação da Convenção em estudo, no seu artigo 5, parágrafo 5, conforme exposto no subcapítulo 4.2 deste trabalho. Ademais, vislumbra-se aqui uma contradição ao método das autoridades centrais, que a Convenção de Manágua determina, pois toda a comunicação entre as mesmas, não se perfaz por ligação direta, mas sim, por via diplomática, ora entre a embaixada brasileira e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América; a autoridade central estadunidense; ora por intermédio do consulado brasileiro em Atlanta, no Estado da Geórgia, com o MRE e deste com o MJ. Consideração essa que é afirmada pela própria autoridade central brasileira, em sua comunicação eletrônica recebida na data de 14 de Janeiro de 2014, e reiterada em outras comunicações posteriores, como se vislumbra: Prezado, Acuso o recebimento Informo que, por meio do Oficio nº [....], cuja cópia segue anexa, foi solicitado ao Ministério das Relações Exteriores que realize gestões com as autoridades norte-americanas para o envio da documentação instrutória do pedido de transferência. O processo encontra-se sobrestado aguardando resposta do MRE. Setor de Transferência de Pessoas Condenadas Divisão de Medidas Compulsórias Departamento de Estrangeiros Secretaria Nacional de Justiça – Ministério da Justiça (BRASIL, 2014a) (grifos nossos)

Como já expusemos no subcapítulo 2.3, em que abordamos a classificação da cooperação jurídica internacional, recordemos os dizeres de Denise Neves Abade (2013, p. 43): Sua função [da autoridade central] consiste em “gerenciar o envio e o recebimento de pedidos de auxílio jurídico, adequando-os e os remetendo às respectivas autoridades nacionais e estrangeiras competentes. [...], exercendo uma sorte de juízo de admissibilidade administrativo, tendente a acelerar e melhorar a qualidade dos resultados da cooperação.

E vai além ao expor, que: A via da Autoridade Central apresenta agilidade e expertise, uma vez que tem como função precípua enviar e receber os pleitos cooperacionais. De acordo com Araújo, o instituto da Autoridade Central é fruto dos tratados elaborados no âmbito da Conferência de Haia para o Direito Internacional

41

Privado, [...], e se espalhou pelas convenções mais modernas para agilizar a cooperação jurídica. (ABADE, 2013, p. 43/44)

Como visto, parece que o modelo de autoridade central implantada pela Convenção de Manágua, é “híbrido”, pois a “aludida” comunicação das autoridades centrais são feitas todos por intermédio da via diplomática, e não diretamente entre estas. Ainda que, dentre as atividades da autoridade central, seja de atuar conjuntamente com outros órgãos nacionais em coordenação, para propiciar a efetivação da cooperação internacional. Acreditamos que essa comunicação por meio da via diplomática, frustra a sua condição, enunciada por Denise Neves Abade, de catalizador da cooperação, a partir do momento que não se comunica diretamente com a autoridade central estrangeira, mas se comunica por intermédio das autoridades diplomáticas nacionais, e assim retarda a agilidade esperada da autoridade central nacional, para efetivação da cooperação jurídica internacional. Na data de 5 de Maio do presente ano, o MRE comunicou por correspondência eletrônica, que o Consulado brasileiro na cidade americana de Atlanta, fez contato com o brasileiro custodiado e este confirmou a sua intenção de ser transferido e de encaminhar o seu consentimento formal para a transferência. E que em 22 de Maio de 2014, o consentimento formal foi enviado a SNJ. Desde então, restava-se pendente a documentação por parte dos Estados Unidos da América, pois conforme sua nota de reserva à Convenção de Mánagua: Com relação ao artigo V, parágrafo 7, os Estados Unidos da América exigem que, quando um dos seus nacionais a ser devolvido aos Estados Unidos, o Estado de condenação forneça aos Estados Unidos os documentos listados neste parágrafo em inglês e na língua estado da condenação. Em circunstâncias semelhantes, os Estados Unidos estão comprometidos a fornecer o idioma do Estado requerente uma 4 tradução desses documentos. (OEA, 2001) (tradução livre) (grifos nossos)

4

Con respecto al artículo V, párrafo 7, los Estados Unidos de América exigirán que, cuando uno de sus nacionales sea devuelto a los Estados Unidos, el Estado sentenciador proporcione a los Estados Unidos los documentos enumerados en ese párrafo en idioma inglés y en el idioma del Estado sentenciador. En circunstancias similares, Estados Unidos se compromete a proporcionar una traducción de esos documentos al idioma del Estado solicitante.

42

Assim, aguardava as autoridades brasileiras e a minha pessoa os documentos estadunidenses e a resposta do mesmo acerca da transferência da pessoa sentenciada. Porém no curso do mês de Agosto de 2014, as autoridades estadunidenses cientificaram o brasileiro que estava custodiado e que havia requerido a sua transferência para a República Federativa do Brasil, da sua denegação. Como dispõe o artigo Vi da Convenção, a denegação será comunicada ao Estado solicitante e explicará o motivo quando for possível e conveniente. No caso em descrição, a denegação se deu pela seguinte razão: “O Ministério Público Federal dos EUA rejeitou a solicitação de transferência porque sérias preocupações com a execução da lei.” (ESTADOS UNIDOS, 2014). Uma preocupação a que julgamos ser indevida e uma certa ingerência em assuntos internos, pois se o cumprimento da execução da pena, se dará conforme as leis do Estado receptor, e observemos que para este caso concreto em específico, o Poder Judiciário já havia inclusive determinado a deportação do brasileiro em custodia, o que viria “em tese” favorecer o pedido de transferência, inclusive pelos custos de se reter um estrangeiro, e a possibilidade de alcance das normas pactuadas na Convenção, além da abertura de vaga junto ao próprio sistema prisional estadunidense. Em tempo, converge a preocupação estadunidense, tal qual, a República Federativa do Brasil, viu esvaziar o cumprimento da condenação aos estrangeiros candenses Christine Lamont e David Spencer, que em 1989 sequestram um importante empresário brasileiro, e foram condenados a vinte e oito (28) anos de prisão. Situação essa, que já fora antevista, no parecer do Consultor Jurídico do MRE à época, o Sr. João Gradino Rodas, que assim se manifestou: Embora, após a transferência – ato bilateral efetuado em cumprimento a tratado internacional –, as penas a que estão condenados os prisioneiros possam ser mitigadas, por força dos artigos V, § 7º e VI, § 3º do tratado, tal se dará, em última análise, por força do ordenamento jurídico canadense e não será tão visível à opinião pública, quer brasileira, quer estrangeira. Por outro lado, é inegável que o tratado de transferência de presos é uma modalidade de cooperação, no âmbito do direito penal internacional. Concluindo, pode-se dizer que transferir os presos para o Canadá, com base no Tratado de Brasília de 1992, representaria um mal menor. (RODAS, 2009, p. 165) (grifos nossos)

43

Cumpriram dez (10) anos da pena, no Brasil, e foram transferidos em 1998 para o Canadá, para cumprirem o restante da pena, que seria de dezoito (18) anos. Porém na data de 28 de Janeiro de 1999, David Spencer obteve o benefício da liberdade condicional no Canadá, ou seja, pouco depois de ser transferido, pode ficar em liberdade mesmo com dezoito (18) anos de pena a ser cumprida. E Christine Lamont também foi beneficiada com aquele instituto da execução da pena canadense. A respeito desse “esvaziamento” da pena, explicita Arthur de Brito Gueiros Souza: [...] que no caso Lamont acima mencionado, os sequestradores canadenses rapidamente obtiveram livramento condicional após a transferência ao Canadá, restando em liberdade. Isso não ocorreria no Brasil, pois este benefício exigiria maior tempo cumprido da pena privativa de liberdade. A alternativa é simplesmente o cumprimento da lei do Estado que envia, o que implicaria mero prosseguimento da execução que lá foi iniciada. (SOUZA, 2007, p. 262 apud ABADE, 2013, p. 364) (grifos nossos)

Logo, impõe-se em considerar que, como o ato internacional pactuado pela República Federativa do Brasil e o Canadá em nada dispunham a respeito da execução da pena, se entende que a Lei de execução penal canadense é a Lei que deveria ser aplicada, a considerar que a execução da pena fora transferida para o território daquele Estado, diversamente do proposto pelo autor retrocitado. Logo, não há que se falar em preocupação com o cumprimento da pena no outro Estado, restando uma questão de assuntos internos e em conformidade com a própria legislação interna do Estado receptor da pessoa transferida. A negativa à transferência com base em tal preocupação, ao nosso entender, viola especialmente a soberania interna de cada um dos Estados partes da Convenção, assim como o próprio ato internacional, que passa a estar esvaziado do seu propósito, quando de denegações, com essa consideração. Pois assim em nada contribui, para a ressocialização da pessoa condenada que é estrangeira, como bem expõe Denise Abade (2013, p. 360/361): Como já afirmado, a transferência de presos, consiste, obviamente, em espécie de cooperação internacional jurídica em matéria penal, baseada em tratados internacionais bilaterais ou multilaterais. Porém, basta uma análise dos “considerandos” dos tratados celebrados pelo Brasil para que se vislumbre o desejo de favorecer a futura reintegração do preso à sociedade, o que não ocorreria caso o preso estrangeiro cumprisse toda sua sentença longe de seus familiares e sem qualquer

44

possibilidade de obtenção de benefícios vinculados à residência fixa e trabalho. [...] Assim a promoção dos direitos fundamentais na cooperação atingiu seu ápice, até o momento, nesta espécie de cooperação: o foco está na promoção da reintegração social do sentenciado. Os interesses dos Estados são secundários, voltados à eficiência da execução da pena, e acompanham o objetivo primordial, pois om a eficiência da reintegração social cumpre-se objetivo da política criminal pública. (itálicos no original) (grifos nossos)

Vislumbra-se que a participação estadunidense em atos internacionais desta espécie, só lhes interessa, quando são os seus nacionais a serem transferidos e não os nacionais de outro Estado do continente Americano. Pois como elucidado neste caso concreto, vivenciado e trabalhado por minha pessoa, o nacional brasileiro detinha, enquanto profissional do Direito Internacional, condições para ser transferido, sem maiores delongas, o que inclusive seria benéfico inclusive à própria imagem externa dos estadunidenses ante a República Federativa do Brasil, e para à cooperação jurídica internacional, no âmbito do Direito Humanitário.

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5 TRANSFERÊNCIA DE PRESOS E SUA APLICAÇÃO NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Como já exposto anteriormente a SNJ por meio do DEEST, é quem compete atuar na República Federativa do Brasil, como autoridade central para fins da Convenção de Manágua. Não obstante, cumpre destacar que o departamento supracitado, é o órgão da SNJ, que realiza a análise de admissibilidade dos pedidos de transferência, em razão da Convenção supracitada, assim como dos requerimentos fundados em acordos bilaterais de transferência de pessoas sentenciadas. Especialmente no que diz respeito à transferência ativa, cabe ao DEEST, a realização de tratativas junto ao Poder Judiciário no âmbito dos Estados federados, em específico junto as Varas de Execuções Criminais, a busca de vaga junto ao sistema penitenciário estadual, para os brasileiros que vem do exterior, e a preparação e remessa da documentação daquele nacional àquele juízo. Urge considerar ainda a respeito, que as questões atinentes à execução da pena, são regidas em nosso País, pela Lei Federal Nº. 7.210/1984, doravante Lei de Execuções Penais (LEP). Quanto a isso, vai expor Denise Abade Neves (2013, p. 363/364) que: O cumprimento da pena criminal em outro Estado é núcleo essencial dessa espécie de cooperação jurídica internacional em matéria penal. Assim cabe a pergunta: como será feito tal cumprimento? Em primeiro lugar, há o princípio da obediência à sentença proferida, uma vez que os tratados internacionais proíbem que o Estado receptor (ou recebedor) revise a pena imposta, aumentando-a ou julgando novamente o sentenciado, ou ainda outorgue indulto, anistia ou comutação da pena. Em segundo lugar, e em clara contrapartida ao rigor do primeiro princípio, alguns tratados estabelecem que cabe ao Estado receptor executar a pena de acordo com suas próprias leis de execução penal. Instaura-se assim o chamado sistema de conversão. No caso, o Estado receptor pode, legitimamente, outorgar benefícios referentes ao cumprimento da pena, mesmo que em desacordo com os do Estado remetente. (itálico no original)

Exemplo disso é a própria Convenção de Manágua, que dispõe em seu artigo VII, parágrafo 2º: ARTIGO VII Direito da Pessoa Sentenciada Transferida e Forma de Cumprimento da Sentença

46

[...] 2. Salvo o disposto no artigo VIII desta Convenção, a pena de uma pessoa sentenciada transferida será cumprida de acordo com as leis e procedimentos do Estado receptor, inclusive a aplicação de quaisquer disposições relativas à redução de períodos de prisão ou do cumprimento alternativo da pena. (BRASIL, 2006)

Por fim, Denise Abade Neves (2013, p. 365) tece os seguintes comentários ao sistema de execução da pena, previstos nos atos internacionais de transferência de presos: O modelo híbrido merece encômios, pois está em linha com o caráter humanitário do instituto, voltado à ressocialização do preso condenado no Exterior. De fato, ao aplicar a legislação da execução da pena do Estado receptor, dá-se um importante passo para reintegrar o preso à normalidade da vida no Estado de sua nacionalidade.

Ressalta-se que ao termo de cumprimento da pena, a SNJ deve ser notificada para que a nossa autoridade central, comunique com a autoridade central estrangeira a fim de ser informada sobre tal fato, para que aquela cientifique o seu Poder Judiciário, e proceda com a sua práxis.

5.1 Da desnecessidade de homologação da sentença penal estrangeira em caso de transferência

Outra questão, acerca da transferência de presos, em nosso País, diz respeito a necessidade ou não da homologação da sentença penal estrangeira, para que aqui ela possa produzir seus efeitos. Dispõe o artigo 9º do Decreto-Lei Nº2.848/1940 (Código Penal): Art. 9º. A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para: I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; II - sujeitá-lo a medida de segurança. Parágrafo único - A homologação depende: a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada; b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça. (BRASIL, 1940)

47

Acerca destas disposições que faz o Código Penal brasileiro, pontua Denise Abade Neves (2013, p. 356) citando João Marcello Araújo Júnior: Nota Araújo Júnior a evolução do Direito brasileiro: da indiferença e ausência de menção às sentenças estrangeiras para a possibilidade da eficácia de sentenças estrangeiras, embora ainda reduzida aos efeitos cíveis e ainda medida de segurança. Não se acolheu, porém, a possibilidade de executar penas principais, como a privativa de liberdade. (itálico no original)

E prossegue a referida autora, na temática ao expor: Para justificar os reduzidos efeitos da homologação de sentenças estrangeiras criminais, a doutrina apela para o sentimento de prevalência da soberania por parte do legislador. Para Franco et al “(...) a sentença é ato de soberania do Estado e sua execução, de regra, só poderia ser promovida nos seus próprios limites territoriais. Para combater com maior eficiência, dentro de suas fronteiras, a prática de fatos criminosos, o Estado se vale, por exceção, de atos de soberania de outros Estados, os quais atribui certos e determinados efeitos. Para tanto, ou homologa a sentença penal estrangeira, de modo a torná-la um verdadeiro título executivo nacional ou independentemente de prévia homologação, dá-lhe o caráter de fato jurídico relevante”. (ABADE, 2013, p. 357/358)

Diante da ausência de normais mais apropriadas para com as sentenças penais estrangeiras, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assim já decidiu a respeito de transferência passiva, e o entendimento se equivale para os casos de transferência ativa: 2) A decisão de transferência de preso de um país para outro é de natureza executiva, e não jurisdicional, ainda que a autoridade do Executivo condicione a efetivação da transferência à liberação do preso pelo Judiciário. (STJ. 6ª Turma. Rel. Min. Og Fernandes. Habeas Corpus nº. 117.483-SP. DJe: 08/05/2009)

Ainda no ano de 2009, o STJ firmou a sua jurisprudência para casos de transferência, como se observa do julgado abaixo: A teor do disposto nos arts. 105, I, letra i, da Constituição Federal, e 483, caput, do CPC c/c o art. 4º, caput, da Resolução n. 9/2005, do Superior Tribunal de Justiça, as sentenças proferidas por tribunais estrangeiros somente terão eficácia no Brasil após homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, havendo procedimento específico previsto em tratado ou convenção internacional, o processo homologatório torna-se dispensável. [...] Ademais conforme enfatizado pelo Ministério Público Federal em seu parecer, a homologação da sentença condenatória não constitui requisito para a concessão de benefícios legais. (STJ.

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Presidência. Min. Cesar Asfor Rocha. Sentença Estrangeira nº.3.521-PT. DJe: 09/09/2009) (itálico no original) (grifos nossos)

Essa decisão do Ministro Cesar Asfor Rocha, se tornou um “standard”, ou seja, um padrão das decisões do STJ, que foi reiterado em outras decisões, em processos de requisição de homologação de sentença estrangeira (SE), que podemos mencionar: SE nº. 5.237-US e na SE Nº. 5.269-PT, e todos estes foram julgados extintos sem resolução de mérito. Ou seja, o tribunal declinou a necessidade de homologação da sentença criminal estrangeira, para que ela pudesse produzir seus efeitos no território nacional, a luz da existência de atos internacionais típicos, que versem sobre a transferência de presos. A respeito, Denise Abade Neves (2013, p. 366/367), tece os seguintes comentários: [...] a transferência de sentenciado acarreta a produção de efeitos, no Brasil, de restrição de liberdade de pessoa fruto de sentença penal estrangeira. Assim, o sentenciado tem sua liberdade restringida no Brasil em decorrência de sentença estrangeira, cuja pena não pode sofrer comutação, indulto ou anistia. Por outro lado, sempre é bom lembrar que a transferência é sempre voluntária, dependendo da anuência do condenado. Porém, mesmo assim não é possível olvidar que o Judiciário brasileiro cumprirá os comandos judiciais estrangeiros, inclusive podendo não aplicar aquilo que for contrário ao nosso ordenamento jurídico, pois será o senhor da execução (modelo híbrido). [...] Porém o caráter humanitário da medida se impôs. (itálico no original) (grifos nossos)

Entendimento diverso possui Marcela Harumi Takahashi Pereira, pois segundo a mesma: No Brasil, a execução da pena imposta no exterior está subordinada à homologação da condenação estrangeira, por força do art. 109, X da Constituição. Conforme temos defendido, inexiste no direito brasileiro a possibilidade de executarem-se as sentenças estrangeiras, máxime se se tratar de condenações penais, sem a prévia chancela oficial. A competência para decidir sobre a transferência de presos para o cumprimento de pena no Brasil, será do Superior Tribunal de Justiça, ex vi do art. 105, I, i da Constituição. Sem embargo, as transferências de presos para cumprimento de pena no Brasil vêm sendo feitas sem a prévia homologação da condenação estrangeira, após simples aprovação da transferência pela autoridade central brasileira que é o Ministério da Justiça. [...]. Não podemos concordar, data maxima vênia, com o primeiro argumento, pois o caráter humanitário da transferência não impede que, transferido o preso, seja submetido no Brasil à pena privativa de liberdade imposta em sentença estrangeira, isto é, tenha lugar a execução da condenação estrangeira. Na verdade, a transferência de presos, sem embargo de seu escopo humanitário, conduz à execução da condenação estrangeira no País, que,

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por sua vez, depende da homologação (art. 109, X, da CR). (PEREIRA, 2010, p. 215-217) (itálicos no original)

E comunga do mesmo entendimento Ela Wieko V. de Castilho (2008, p. 241/242): A meu ver, porém, a transferência internacional de pessoa condenada implica na transferência da execução penal. Execução penal válida supõe o reconhecimento de uma sentença penal. Ademais, não é uma fase meramente administrativa.

Com essas ponderações, é que se vislumbra a desnecessidade da homologação da sentença estrangeira; a considerar que a sentença estrangeira para essa finalidade é um fato jurídico histórico com lastro no ato internacional, diferente de uma carta rogatória, cujo lastro é uma decisão judicial em sentido estrito, para ser executada em outro território, não podendo ser alterada em seu conteúdo; e inclusive para requisição de benefícios da execução da pena, tais como a progressão de regime, livramento condicional entre outros que a Lei Federal Nº. 7.210/1984 dispõe ao sentenciado, com vistas a sua ressocialização.

5.2 Análise de dados da aplicação do instituto

Segundo dados estatísticos da própria SNJ, pode-se vislumbrar que o instituto da transferência de presos, vem sendo muito utilizado, não apenas internamente mas também internacionalmente. Vejamos os números compilados pela autoridade central brasileira:

Tabela 2 - Transferências ativas concluídas (brasileiros vindos do exterior) PAÍS/ANO CHILE ESPANHA ESTADOS UNIDOS MÉXICO PANAMÁ PARAGUAI PERU PORTUGAL REINO UNIDO

1998 -

1999 -

2000 -

2001 -

2002 4 -

2003 1 -

2004 1 -

2005 3 -

2006 3 1

2007 2 8 -

50

Total por ano

0

0

0

0

4

1

1

3

4

10

Continua. Continuação. PAÍS/ANO CHILE ESPANHA ESTADOS UNIDOS MÉXICO PANAMÁ PARAGUAI PERU PORTUGAL REINO UNIDO Total por ano

2008 10 10

2009 3 1 9 -

2010 5 11 -

2011 2 1 5 -

2012 1 5 1 2 24 1

2013 2 1 1 1 4 1

2014 7 1 16 -

TOTAL 1 38 1 3 1 3 1 87 3

24

138

13 16 8 34 10 Fonte: MJ/SNJ. BRASIL, 2014c.

Tabela 3 - Transferências passivas concluídas (estrangeiros enviados ao exterior) PAÍS/ANO ARGENTINA CANADÁ CHILE ESPANHA PARAGUAI PORTUGAL REINO UNIDO

1998 2 -

1999 2 5 2 -

2000 -

2001 2 -

2002 2 -

2003 1 -

2004 4 -

2005 2 -

2006 1 1 1 -

2007 3 1 -

Total por ano

2

9

0

2

2

1

4

2

3

4

Continua. Continuação. PAÍS/ANO ARGENTINA CANADÁ CHILE ESPANHA PARAGUAI PORTUGAL REINO UNIDO Total por ano

2008 0

2009 2010 2011 2012 2013 1 1 2 8 6 10 2 5 3 1 1 2 2 2 4 4 2 2 13 17 20 Fonte: MJ/SNJ. BRASIL, 2014c.

2014 10 3 1 2 16

TOTAL 9 7 5 44 15 5 14

99

Em resumo, sobre as transferências concluídas, podemos inferir que o recebimento de nacionais condenados, ainda é maior que o número de estrangeiros

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enviados de volta ao seu Estado de origem. Mas a intensificação das trocas de pessoas condenadas, ocorre com maior frequência a partir da segunda década dos anos 2000, que se justifica pela intensificação da conclusão de atos internacionais sobre a matéria, assim como o conhecimento desta possibilidade de transferência, seja pelos condenados estrangeiros ou condenados brasileiros. Na sequência, veremos os pedidos de transferência, em tramitação na Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, no ano de 2014, segundo dados oficiais obtidos em Março deste ano.

Tabela 4 - Pedidos de Transferências Ativas e Passivas em trâmite na SNJ TRANSFERÊNCIAS ATIVAS

TRANSFERÊNCIAS PASSIVAS

PAÍS

QUANTIDADE

PAÍS

QUANTIDADE

Argentina

2

Angola

3

Bolívia

5

Argentina

3

Espanha

22

Bolívia

43

Estados Unidos

37

Canadá

1

Panamá

1

Chile

2

Paraguai

6

Equador

1

Peru

3

Espanha

46

Portugal

44

Paraguai

41

Reino Unido

2

Peru

3

TOTAL

123

Portugal

23

Reino dos Países

6

Baixos Reino Unido

3

Uruguai

2

Venezuela

12

TOTAL

189

Fonte: MJ/SNJ, Março de 2014b.

Já com relação a tramitação dos pedidos de transferência, podemos fazer as seguintes considerações, mais relevantes:

a) Em grande maioria, os pedidos de transferência, tanto ativa, como passiva, se fundamentam em atos internacionais bilaterais, a julgar pelos Estados em que se encontram os brasileiros (ativas) e dos que requerem a transferência (passiva);

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b) Nas transferências ativas, somente os pedidos, oriundos dos Estados Unidos da América, são feitos com base na Convenção de Manágua, ou a Convenção Interamericana para o Cumprimento de Sentenças no Exterior, que é um ato internacional multilateral, viável para transferir nacionais brasileiros do exterior ao País; c) Já nas transferências passivas em tramitação, temos que os pedidos da República Angolana, se perfazem por meio da Convenção da Praia de 2005, entre os Estados da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), enquanto que os demais seguem os atos bilaterais ou multilateral do continente americano.

5.3 Estrangeiros presos no País: uma possível solução

A situação de estrangeiros em nosso País, também reflete uma situação a qual acomete os brasileiros no exterior, a impossibilidade de obtenção de benefícios em leis de execução penais. Com efeito, vislumbra-se essa impossibilidade, segundo a notícia divulgada no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que nos informa: Entre os principais problemas enfrentados por presos estrangeiros, está o fato de a maioria estar em condição ilegal no Brasil ou não possuir residência fixa no País. Dessa forma, quando recebem algum benefício penal, como regime prisional semiaberto ou aberto, em que o trabalho externo é possível ou prisão domiciliar, esses presos encontram dificuldade em gozá-lo. (FERNANDES, MONTENEGRO, 2014) (grifos nossos)

Como se verifica, o Decreto Lei Nº. 2.848/1940, o Código Penal Brasileiro, assim preconiza: Art. 36. O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado. §1º. O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga. §2º. O condenado será transferido do regime aberto, se praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada. (BRASIL, 1940) (grifos nossos)

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Já a Lei Federal Nº. 7.210/1984, a nossa Lei de Execuções Penais, assim dispõe: Art. 113. O ingresso do condenado em regime aberto supõe a aceitação de seu programa e das condições impostas pelo Juiz. Art. 114. Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que: I - estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente; II - apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime. [...] Art. 115. O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias: I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial; IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado. (BRASIL, 1984) (grifos nossos)

Como se observa, a legislação penal e a de execução penal, requerem certas condições as quais os presos estrangeiros em nosso País, não possuem, tal qual uma residência fixa no País, além de quê, a sua condição jurídica no País, na sua maioria, é ilegal, ou seja em violação ao Estatuto do Estrangeiro (Lei Federal Nº. 6.815/1980), e dada a prática de atos criminosos, enseja-se a aplicação das medidas de expulsão do País, conforme o artigo 65 daquele estatuto. Mas a expulsão do País do estrangeiro infrator, nem sempre é a medida a ser tomada, quer seja a partir do conhecimento da infração penal pela autoridade de fiscalização das fronteiras (Departamento de Polícia Federal), ou ao final do processo penal condenatório, em razão de quê tal medida não se enquadra enquanto uma pena, mas uma decisão política de soberania do Estado Brasileiro, e ainda, o ato de expulsão do mesmo, não leva consigo a sua condenação criminal para seu Estado de origem, e como se observa do artigo 67 da Lei Federal Nº. 6.815/1980: Art. 67. Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação. (BRASIL, 1980) (grifos nossos)

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Alexandre de Moraes (2007, p. 92) expõe que: “A expulsão conforme, dispõe o art. 67 do Estatuto do Estrangeiro, poderá efetivar-se ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação. Neste caso, só o Presidente da República pode precipitar a efetivação da medida.”. Das conclusões a que chegaram os participantes do Seminário sobre Presos Estrangeiros, realizado em 9 de Março de 2012, na Escola Paulista de Magistratura, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF), figuram: 1. Necessidade de as autoridades competentes do Poder Executivo aumentarem a interlocução e, em consequência, um incremento no número de tratados bilaterais de transferência de presos entre o Brasil e os diversos países com os quais mantêm relações diplomáticas, operacionalizando-as no menor prazo possível. 2. Necessidade de criação de um cadastro de tradutores/intérpretes para viabilizar a comunicação dos presos estrangeiros, bem como a tradução das principais peças processuais. [...] 4. O CNJ deve propor a criação de canais ágeis de comunicação, para uso das autoridades policiais e judiciárias, ao Ministério da Justiça e Consulados sobre a prisão de estrangeiros. Para isso, o DMF proporá resolução no que tange ao Poder Judiciário. [...] 6. Recomendar ao Judiciário nacional que assegure ao preso estrangeiro o tratamento dado aos presos nacionais, conforme exigido constitucionalmente, sobretudo aqueles direitos previstos na LEP, inclusive levando em consideração a situação das mulheres presas e seus filhos. 7. Revisão do procedimento de expulsão do MJ, compatibilizando-o com os ditames constitucionais. 8. O DMF fará gestões no Ministério do Trabalho e da Justiça para buscar soluções em relação à formalização do trabalho para o preso estrangeiro. 9. Criação pelas Secretarias de Administração Penitenciária dos estados de setores ou órgãos apropriados para tratar da situação do preso estrangeiro, seja na pena privativa de liberdade, seja no que concerne às penas restritivas de direitos. 10. Criação de política pública para moradia ou casas de passagem para presos estrangeiros. (BRASIL, 2012) (grifos nossos)

Nisso vislumbramos algumas possibilidades, de efetivação dos direitos das pessoas condenadas, em especial à ressocialização, previsto tanto na legislação pátria, como na legislação internacional.

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Essas medidas podem ser consideradas um tanto avançadas na seara da execução penal como também para o campo da cooperação jurídica internacional, no que tange a agilidade para resolução da situação de pessoas condenadas advindas do estrangeiro, e quem sabe ser modelo para outros Estados, para o enfrentamento da questão de pessoas condenadas no exterior, vindo a ser abarcada como uma política inclusive da Organização das Nações Unidas.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No curso deste estudo, podemos concluir, tal como exposto no capítulo (4) quatro que a legitimidade para requerimento da aplicação da Convenção Interamericana sobre o cumprimento de sentenças no exterior, é atribuída a própria pessoa sentenciada no exterior, ou de qualquer um de seus familiares, para retirar o seu Estado de origem da inércia para buscar a anuência ou consentimento da pessoa condenada em ser transferida, que se impõe com necessidade nesta forma de cooperação. Ao conhecer a fundo essa espécie de cooperação jurídica internacional, podemos verificar os seus princípios regentes, a sua classificação e seus antecedentes históricos até os dias atuais como visto no capítulo (1) um. Já no capítulo (2) dois, conhecemos as características da espécie cooperacional, as condições para sua efetivação, e o arcabouço normativo. O estudo minucioso do procedimento da convenção em apreço fora exposto no capítulo (4) quatro, e que em certa medida, guarda simetria com os atos internacionais de transferência bilaterais, já celebrados pela República Federativa do Brasil. Por fim, no último capítulo, ao estudar a aplicação do instituto da transferência em nosso País, vislumbramos, a partir dos julgados do STJ, que há um notório desconhecimento desta espécie cooperacional, quer seja por parte dos magistrados brasileiros, atuantes nas varas de execuções criminais, ou dos promotores de justiça que oficiam perante aqueles juízos, ou mesmo dos próprios advogados criminalistas, quando se deparam com casos concretos, envolvendo estrangeiros ou mesmo brasileiros sentenciados no exterior. Esse desconhecimento do instituto da transferência se vislumbra pelos pedidos de homologação da sentença criminal estrangeira, quer seja por parte dos advogados, ou dos promotores de justiça e em último caso, dos magistrados ao fazerem uma interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988, em específico das competências do STJ, constantes no artigo 105. Em última análise, podemos dizer que a espécie cooperacional internacional, vem ganhando prática entre os Estados, e que se espera que tão logo seja uma prática universal, de tal modo, a propiciar a efetividade dos Direitos Humanos, em matéria penal, com enfoque especial na ressocialização das pessoas sentenciadas,

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com vistas ainda sim, à Justiça Universal, a qual é possível de ser efetivada pela cooperação jurídica internacional. E tal cooperação, demonstra em grande parte que, não é necessário em suma, a existência de um tribunal universal, bastando que os Estados, sejam mais propensos à própria cooperação, e ao cumprimento das disposições da Carta de São Francisco, especialmente a finalidade da ONU, constante no artigo primeiro, parágrafo terceiro. Afinal a prática delituosa, não mais se limita ao interior do território de um Estado, hoje ela, ultrapassa as fronteiras, e exige daqueles, o exercício de ações conjuntas,

fundadas

no

entendimento,

na

cooperação,

com

vistas

ao

desenvolvimento recíproco de mecanismos de Justiça Criminal para benefício de todos, tal como assinalado na epígrafe escolhida para abertura deste estudo.

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