Coordenação federativa de políticas públicas ambientais no Brasil

May 22, 2017 | Autor: C. Young | Categoria: Brasil, Coordenação Federativa, Políticas Ambientais
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Valéria da Vinha Liandra Caldasso Simone Madalosso

Meio ambiente e políticas públicas no Brasil: uma abordagem multidisciplinar

Rio de Janeiro 2016

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10 Coordenação federativa de políticas públicas ambientais no Brasil Biancca Scarpeline de Castro1 Carlos Eduardo Frickmann Young2

O objetivo deste artigo é apresentar e exemplificar os problemas enfrentados pelo poder público no Brasil para coordenar suas políticas públicas ambientais entre as diferentes esferas federativas: União, Estados e Municípios. Assim, discute-se as dificuldades para se obter a coordenação federativa, explicitando os problemas que podem ocorrer nas políticas públicas ambientais brasileiras quando ocorrem falhas nesta coordenação, tendo como foco o funcionamento do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e os conflitos de competência. O artigo foi construído a partir de uma revisão teórica e pesquisa documental, principalmente legislações e fontes midiáticas, capazes de ilustrar as falhas de coordenação federativa entre algumas políticas ambientais. Palavras chave: Coordenação federativa, políticas públicas, política ambiental, Brasil A coordenação de políticas públicas é um tema de suma importância para os gestores. Sua realização pode reduzir gastos, evitar sobreposições ou contraposição de ações, além de mobilizar agentes para lidar com diferentes problemas que afetam a sociedade. No que se refere ao Brasil a coordenação de políticas públicas se faz ainda mais necessária, na medida que União, Estados e Municípios possuem autonomia administrativa e financeira, além de competências constitucionais para lidar com as demandas sociais, que não necessariamente respeitam os foros de jurisdição previamente definidos. Isso ocorre principalmente com as questões ambientais, que geralmente não respeitam fronteiras. Assim, as políticas públicas ambientais, pela própria natureza do tema, demandam a coordenação entre os diferentes entes federativos para que sejam efetivas. Desta maneira, o objetivo deste artigo é apresentar e discutir alguns problemas enfrentados pelo poder público no Brasil para coordenar suas políticas públicas ambientais entre União, Estados e Municípios. O artigo foi construído a partir de uma revisão teórica e pesquisa documental em leis e notícias veiculadas na mídia, e está organizado em três seções além desta introdução: A primeira sobre coordenação e políticas públicas; a segunda sobre as características do federalismo no Brasil; a terceira sobre os problemas e possibilidades relacionadas à coordenação das políticas ambientais no país. 1 2

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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Biancca Scarpeline de Castro e Carlos Eduardo Frickmann Young Como lembram Malone & Crowston (1990), convivemos cotidianamente com as causas e consequências da existência ou falta de coordenação. Entendemos intuitivamente do que se trata esse termo quando ficamos parados no metrô aguardando os trens anteriores deixarem a estação, ou ainda quando uma mercadoria comprada através da internet chega no prazo determinado. Mas coordenação é um termo complexo, que abarca diferentes definições e é utilizado por várias áreas do conhecimento, inclusive quando se refere às políticas públicas. Contudo, é importante definir esse termo e apontar algumas de suas características. Coordenação se refere à disposição ordenada, coerente e metódica de determinado sistema. Pode ser definida como “gerenciamento de interdependências entre atividades” (Malone & Crowston, 1994), sendo a interdependência um termo chave, já que ela que torna a coordenação necessária. A definição de coordenação proposta é interessante, pois não oculta a cooperação e a participação, mas também o conflito e a concorrência que podem existir em processos desta natureza. Inclusive, entende-se que esses são mecanismos que podem impulsionar a coordenação em um ambiente amigável ou hostil. Sobre essa questão, Bakivis & Juillet (2004) consideram que seja necessário definir cada um desses termos que por vezes são utilizados indistintamente. Colaboração, portanto, é um processo ativo, que envolve acordo (formal ou informal) e implementação de uma estratégia voltada a atingir os objetivos estabelecidos. A colaboração abarca também o compartilhamento de autoridade e geralmente ocorre com esquemas coletivos de responsividade3. A “parceria” se refere à formalização de mecanismos e acordos de colaboração, envolvendo contratos legais que preveem produtos, serviços e pagamentos. Em ambas as ações deve existir coordenação para que os objetivos finais sejam alcançados. Entretanto, para que exista coordenação, é possível utilizar outras estratégias, como o fomento da competição e/ou do conflito para obter sucesso. Os conflitos são entendidos como oposição de interesses, ou ainda como uma divergência de perspectivas, percebida como geradora de tensão por pelo menos uma das partes envolvidas em uma interação (DIMAS; LOURENÇO, 2011). Atualmente entende-se que tal fenômeno é inevitável e que se administrado corretamente pode maximizar os índices de produtividade, de criatividade e de inovação das equipas de trabalho, gerando resultados considerados eficazes. Putnam (1997 apud DIMAS; LOURENÇO, 2011) igualmente considera os conflitos como motores de desenvolvimento individual e organizacional por estimularem o debate de ideias para encontrar soluções criativas para os problemas. No que se refere à competição, compreendida como a concorrência ou rivalidade na busca de um mesmo objetivo, Malone & Crowston (1990) destacam que grupos diferentes de uma mesma empresa podem competir por recursos e essa competição pode contribuir para o sucesso da empresa como um todo, com o desenvolvimento de melhores processos e produtos. 3

Capacidade do Estado responder às demandas da sociedade.

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Coordenação federativa de políticas públicas ambientais no Brasil Assim, é possível afirmar que existem situações em que há conflitos ou competição entre atores que realizam atividades interdependentes, e que isso pode contribuir para a realização dos objetivos de todos ou de cada um. Ou seja, é possível utilizar o conflito e a competição como estratégias de coordenação para se atingir os objetivos desejados. Políticas públicas, por sua vez, são programas, diretrizes e ações desenvolvidas com o objetivo de resolver ou mitigar um problema público. Geralmente (mas não exclusivamente) são realizadas pelo Estado, com a participação de diferentes entes públicos ou privados, visando garantir os direitos difusos, coletivos ou individuais dos cidadãos. Assim, estudar coordenação de políticas públicas é perguntar quais são os tipos de interdependência existentes entre as atividades desenvolvidas com o objetivo de resolver um problema público, e como tais interdependências e atividades podem ser gerenciadas. É importante ainda mencionar duas discussões relacionadas à coordenação que podem afetar o modo como ela é tratada na análise de políticas públicas: a quantidade de atores envolvidos no gerenciamento de atividades interdependentes, e a necessidade de uma liderança para o estabelecimento da coordenação.

Acredita-se que o número de atores envolvidos no sistema não define a necessidade de coordenação, mas sim as múltiplas atividades interdependentes que são realizadas para alcançar uma meta, mesmo quando realizadas por um único ator. Em outras palavras, o fato dos agentes realizarem atividades que possuem pontos de interdependência é o que define a necessidade de coordenação e não a quantidade de setores e órgãos envolvidos em um processo. Assim, um único órgão pode precisar coordenar suas diferentes atividades interdependentes. No que se refere à liderança, diferentes autores consideram que a busca da coordenação demandaria um controle central, com o objetivo de organizar as atividades interdependentes. Contudo, Metcalfe (1996) lembra que a aceitação de uma liderança pode não ser eficiente em regimes caracterizados por uma autonomia organizacional grande. Nesse caso, deve-se desenvolver as capacidades de coordenação em redes organizacionais, com trabalho em equipe, ao invés de insistir em estabelecer um controle central. Metcalfe (1996) ainda propõe que se parta do pressuposto de que as organizações desenvolvem uma capacidade de coordenação entre si em resposta ao aumento de sua interdependência. Contudo, o próprio autor admite que um governo altamente coordenado é muito difícil de ser alcançado, pois o Estado, na prática, contém dentro de sua estrutura atores com interesses, competências e habilidades muito heterogêneas (PELKONEN et. al., 2009). No Brasil, a União, por diversas vezes, cumpriu o papel de líder na busca da coordenação das políticas públicas entre os diferentes entes federativos. Tal situação ocorreu, por exemplo, com o Programa Bolsa Família, conforme descrito por Bichir (2011) e Mesquita (2006). Porém, a autonomia da União, Estados e Municípios nem sempre leva à aceitação de uma liderança. Neste cenário, poderia ocorrer a coordenação através do estabelecimento de negociações e articulações com vistas Meio ambiente e políticas públicas no Brasil: uma abordagem multidisciplinar

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Biancca Scarpeline de Castro e Carlos Eduardo Frickmann Young a gerenciar as interdependências entre as atividades para alcançar objetivos comuns. No próximo item serão abordadas as características do federalismo brasileiro, apontando as possibilidades e gargalos existentes para se realizar a coordenação das políticas públicas no Brasil. O Brasil é um país federalista, no qual há um compartilhamento da soberania no que se refere às decisões e responsabilidades entre três esferas de governos autônomos: União, Estados e Municípios. Isso permite que, apesar das atribuições constitucionais, esses entes estabeleçam suas próprias agendas, prioridades e possam administrar-se. As atribuições constitucionais definem que cada um desses entes federativos é responsável por atender determinados anseios da população quanto à realização dos seus direitos à saúde, educação, moradia, lazer, segurança, entre outros. Entretanto, existem algumas matérias que são competência dos três entes federativos concomitantemente como, por exemplo, o meio ambiente. Os artigos 23 e 24 da Constituição Federal de 1988 definem que proteger o meio ambiente e combater a poluição é competência comum da União, dos Estados e dos Municípios, e que esses entes podem legislar concorrentemente sobre tais temas. Esse compartilhamento parece adequado ao passo que o meio ambiente está, ao mesmo tempo, no espaço global e local, causando impactos e consequências para todas as esferas. A competência compartilhada, no entanto, comporta o risco de que um passe ao outro a incumbência que lhe era devida e ninguém resolva o problema. Em adição, dado a falta de coordenação entre os envolvidos podem ocorrer ações sobrepostas ou contraditórias relacionadas à proteção ambiental. Uma característica marcante que deve ser considerada ao se estudar o federalismo no Brasil é a sua considerável desigualdade, tanto no âmbito geográfico, climático, quanto no que se refere à construção histórica, institucional e ao desenvolvimento econômico regional. Desta maneira, é possível observar regiões com vocações produtivas distintas, que geram maior ou menor capacidade de arrecadação pelo governo, portanto, melhores ou piores condições econômicas. Ao dividir o país em regiões verifica-se que o Sudeste e o Sul concentram a produção e renda, enquanto o Norte e o Nordeste possuem um maior nível de pobreza. Além disso, há uma desigualdade entre os governos subnacionais: a razão entre os estados com maior e menor capacidade de arrecadação tributária própria em 1997 foi de 9,4; já dentre os municípios, é possível destacar que as capitais possuem arrecadação até dez vezes superior a das demais cidades em seu próprio estado (PRADO, 2001 apud ARRETCHE, 2006). Para lidar com tais desigualdades econômicas foram criadas medidas compensatórias, como transferências de impostos, principalmente a partir dos Fundos de Participação de Estados e Municípios, que têm como objetivo redistribuir recursos da união entre os outros entes federativos (MACIEL; PIZA; PENOFF, 2009). Esses fundos cumprem o papel de minimizar a enorme variância no financiamento dos estados e municípios brasileiros, que independentemente de sua condi166

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Coordenação federativa de políticas públicas ambientais no Brasil ção financeira possuem as mesmas atribuições constitucionais. Mas os Fundos de Participação de Estados e Municípios enfrentam problemas relacionados à sua própria distribuição, além de um maior engessamento do orçamento da união. No que se refere à própria distribuição dos fundos, Gomes e Mac Dowell (2000) mostram que ocorreu ao longo do tempo o aumento dos recursos postos à disposição dos municípios em termos absolutos e com relação ao PIB. Porém esse aumento ocorreu de maneira fortemente distorcida em favor dos municípios de menor população. Em primeiro lugar, esses autores mostram que os grupos de municípios com mais de 100 mil habitantes financiam, a partir das transferências, os municípios com menos de 100 mil habitantes no país. Além disso, com exceção do Sudeste, os municípios de menos de 5 mil habitantes são os que têm as maiores disponibilidades de recursos financeiros per capita. Esses municípios significam 25,4% do total e abrigam menos de 2,2% da população. No que se refere ao comprometimento do orçamento da União, os Fundos de Participação movimentam cerca de 20% do total da sua receita, que é repassada aos outros entes federativos sem qualquer exigência ou contrapartida. Isso combinado a compromissos financeiros já assumidos, direitos assegurados em lei e vinculações constitucionais, produz alta rigidez do orçamento federal (REZENDE; CUNHA, 2003 apud ARRETCHE, 2006) inibindo novos investimentos e políticas públicas. Por outro lado, há um repasse de custos do plano local ao nacional, que é a esfera governamental que detém o maior volume de arrecadação de impostos. Isso porque a constituição de 1988 estabeleceu as atribuições da União, Estados e Municípios, descentralizando uma série de responsabilidades, contudo, ainda manteve a concentração da arrecadação no governo federal. Afonso e Araújo (2001) identificam essa dinâmica, apesar de apontarem que ocorreu um crescimento considerável na arrecadação dos Municípios nos últimos anos. No entanto, eles lembram que independentemente deste fato, os Municípios, em sua maioria, ainda dependem de repasses dos outros entes para obter receitas correntes. A capacidade de gestão governamental dos entes federativos também é consideravelmente heterogênia. União, Estados e Municípios apresentam realidades diversas quanto ao número de servidores, sua qualificação, disponibilidade de equipamento e infraestrutura, métodos de gestão, mecanismos de governança democrática, entre outros4. Nessa realidade é possível observar polos de eficiência ao mesmo tempo em que existem áreas com muita dificuldade de institucionalizar e implementar suas políticas públicas, possibilitando que mudanças políticas causem descontinuidades nas ações. Mesmo com toda essa diversidade, não é possível deixar de mencionar alguns avanços alcançados nos últimos anos, como a criação de centros de atendimento integrado, a adoção de formas de governo eletrônico e o reforço dos planos plurianuais (PPAs) como estratégias efetivas de gestão pública (ABRUCIO, 2005a). Desta maneira, identificamos que há uma série de diferenças orçamentárias e gerencias entre os entes federativos e uma quantidade considerável de atribuições 4

Para conhecer mais veja: ABRUCIO, 2005a, VELOSO, 2011.

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Biancca Scarpeline de Castro e Carlos Eduardo Frickmann Young constitucionais (compartilhadas ou não). Assim, acredita-se que a coordenação das políticas públicas deveria ser uma prioridade para o alcance da eficiência da gestão governamental. Contudo, justamente devido às características mencionadas alguns autores consideram os Estados federativos difíceis de serem coordenados, sendo as políticas públicas nacionais implementadas com pouca efetividade e muito desperdício (ARRETCHE, 2006). Para se alcançar a coordenação federativa, ou seja, o gerenciamento das interdependências entre os vários níveis do governo, deve-se equilibrar as formas de cooperação e competição existentes entre eles. Abrucio (2005) destaca que as federações requerem determinados níveis de competição entre os diferentes governos. Primeiro, devido à importância dos controles mútuos como instrumento contra o domínio de um nível de governo sobre os demais. Além disso, a competição federativa pode favorecer a busca pela inovação e pelo melhor desempenho das gestões locais, já que os eleitores podem comparar os governantes. Entretanto, há uma série de problemas advindos de competições desmedidas, como o excesso de concorrência, que afeta a solidariedade entre os entes, ponto fulcral do equilíbrio federativo. Esse autor ainda acredita que a coordenação federativa pode realizar-se por meio da legislação que obrigue os atores a compartilhar decisões e tarefas. Algumas iniciativas como os consórcios, podem ser frutos de obrigações legais, e apesar de engendrarem conflitos, podem fomentar iniciativas bem sucedidas para resolver problemas públicos. Contudo, Arretche (2006) defende que as desigualdades no sistema tributário brasileiro não permitem que sejam definidas constitucionalmente competências exclusivas entre os níveis de governo, pois esses não contam com verbas suficientes para abdicar de acordos e parcerias com outras esferas governamentais. Para essa autora, a autonomia deve ser traduzida como liberdade para gastar os recursos. Nesse sentido, geralmente a esfera federal possui uma maior capacidade de arrecadação, transferências monetárias e financiamento o que acaba subjugando as outras unidades governamentais. No que se refere à cooperação como fonte de coordenação, Abrucio (2005) destaca que devem existir fóruns federativos, processos decisórios com participação das esferas de poder e redes federativas. Contudo, para que isso ocorra é necessária a construção de uma cultura política baseada no respeito mútuo e na negociação no plano intergovernamental, coisa incipiente no país. A coordenação federativa poderia ocorrer ainda através dos partidos políticos. Contudo, o sistema partidário no Brasil é muito fragmentado, com baixa subordinação dos membros às decisões das direções nacionais. Os partidos possuem pouco enraizamento no eleitorado, alta debilidade organizacional e geralmente são clientelistas e fisiologistas (PALERMO, 2000). Essas características dificultam o seu papel de facilitadores da coordenação entre os entes federativos, pois mesmo que o presidente, governador e prefeitos sejam de um mesmo partido, ou façam parte de uma coalizão, não necessariamente irão negociar ou atuar em conjunto em prol de um objetivo comum. 168

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Coordenação federativa de políticas públicas ambientais no Brasil Devido às dificuldades mencionadas para se coordenar políticas púbicas em uma federação, autores como Arretche (2006) destacam as vantagens da concentração de autoridade no governo federal: redução de riscos de conflitos entre as diferentes esferas; redução do custo de implementação das políticas; redução da sobreposição de políticas; e alcance dos resultados redistributivos. Para a autora, a melhor forma de garantir a coordenação das ações entre as esferas federativas é condicionar as transferências monetárias dos Estados e Municípios à adesão das políticas e objetivos do governo federal ou ainda utilizar a legislação para constitucionalizar encargos, sendo que essas ações só podem ser realizadas de acordo com o arcabouço institucional a disposição do governo, definido historicamente. Por outro lado, a maior distância do Governo Federal em relação ao espaço local, onde as questões ambientais se manifestam, torna questionável o argumento da maior eficácia através da centralização das políticas públicas ambientais. A próxima seção ilustra a necessidade de coordenação da política ambiental com situações concretas, com o intuito de identificar os problemas relacionados às falhas de coordenação. Como já mencionado as políticas ambientais são competência constitucional das três esferas federativas. Desta forma, é possível afirmar que tais políticas precisam ser coordenadas, pois engendram atividades interdependentes. A Lei 6938/1981, que instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), definiu como órgão máximo de regulação o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) no âmbito federal. Cabe ao CONAMA definir as diretrizes gerais e parâmetros técnicos a serem seguidos em todo território nacional. Mas também foi estabelecido que os gestores subnacionais teriam competência crescente em praticamente todas as áreas de licenciamento e fiscalização, bem como o poder de estabelecer regulações específicas, desde que não conflitantes com as normas nacionais. Na prática, contudo, uma série de problemas de falta de coordenação federativa contribuiu para que os resultados tenham ficado abaixo do desejado. Em primeiro lugar, como foi visto, existe uma grande heterogeneidade na capacidade técnica de estados e municípios. Essa questão torna-se preocupante porque há nítida tendência de transferência de atividades de licenciamento e fiscalização para as prefeituras, que em sua maioria sofrem pela ausência recursos humanos, técnicos e financeiros para exercer tais atividades (VELOSO, 2011). Uma segunda questão importante para o caso brasileiro refere-se aos conflitos de competência. Em diversos casos não há regras claras sobre qual entidade ambiental é responsável por implementar determinada política pública, e a confusão criada por isso gera sérios problemas, como ocorreu nos anos 1990s no debate sobre a responsabilidade do controle de vetores (especificamente o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue). Há ainda a questão de compatibilizar as diferentes políticas públicas entre os entes federativos. Um exemplo da falta de coordenação entre políticas é a contradição entre a Política (municipal) de restrição ao uso veicular na cidade de São Paulo Meio ambiente e políticas públicas no Brasil: uma abordagem multidisciplinar

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Biancca Scarpeline de Castro e Carlos Eduardo Frickmann Young (“rodízio”), e as políticas do Governo Federal de incentivo à aquisição de mais automóveis (via redução do Imposto sobre Produtos Industrializados) e subsídio ao consumo de combustíveis. Assim, enquanto o Estado tinha a expectativa de reduzir o número de automóveis nas ruas, a união impulsionava a compra de novos veículos, não gerando eficiência e potencialidade em nenhuma das políticas. Outro caso emblemático de necessidade de coordenação federativa é o licenciamento ambiental. A Resolução CONAMA 237/1997 estabeleceu critérios para divisão de responsabilidades no licenciamento. Mas esses critérios podem ser relativamente vagos. Por exemplo, um dos critérios para definir a competência do órgão federal (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis IBAMA) é a existência de atividades “cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados”. A definição precisa dessa regra depende da interpretação de qual seria o limite transfronteiriço de um impacto ambiental direto. A questão do conflito de competência acerca do licenciamento tornou-se ainda mais complexa quando órgãos municipais passaram a atuar também como entes licenciadores. Como argumenta Maciel (2010), os conflitos para definir o órgão licenciador “invariavelmente, implicam na judicialização do procedimento e dificultam a sua efetividade”. Para ilustrar o problema, a autora discute as consequências que a vinculação da fiscalização ao licenciamento ambiental pode implicar no caso do desmatamento ilegal em imóveis rurais, pois o órgão responsável pela fiscalização pode ser de um âmbito federativo diferente (por exemplo, o IBAMA, que é federal) do órgão competente para o licenciamento das atividades em tais imóveis (tarefa estadual ou municipal). No entanto, também ocorreram avanços importantes. O melhor exemplo foi a criação do ICMS Ecológico, incialmente no Paraná em 1992, mas já estendido para outras 12 unidades da federação (Figura 1). Figura 1. Estados Brasileiros com ICMS Ecológico

Fonte: Young e Bakker (2015) 170

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Coordenação federativa de políticas públicas ambientais no Brasil O mecanismo funciona de forma diferente em cada Estado, mas obedece ao mesmo princípio: quanto melhor o desempenho ambiental do município nos critérios definidos pela lei estadual, maior a parcela a receber nas transferências de ICMS. Criou-se assim um mecanismo de coordenação entre esses entes federativos com resultados bastante positivos para a política ambiental como, por exemplo, a criação de novas unidades de conservação (Medeiros e Young, 2011). Porém, existem dois grandes problemas para o sucesso de longo prazo do ICMS Ecológico (Young e Bakker, 2015). Em primeiro lugar, a origem dos recursos não é definida por critérios ambientais, mas sim pelo volume total de ICMS arrecadação pelo Estado. Dessa forma, não se estabelece uma relação automática entre “poluidores – pagadores” e “protetores – recebedores”. Isso significa que o montante total de recursos a ser repartido é fixo, e um município só pode aumentar sua arrecadação por esse mecanismo se outro município perder (na literatura econômica, isso é conhecido como “jogo de soma zero”). Em segundo lugar, por razões constitucionais, os recursos oriundos do ICMS Ecológico são desvinculados de seu fato gerador. Ou seja, governos municipais são livres para usar os recursos do ICMS Ecológico em qualquer rubrica do orçamento e raramente os recursos obtidos dessa forma são usados para a gestão de áreas de proteção. Ainda sim, o ICMS Ecológico é uma das grandes inovações de gestão orçamentária introduzidas no Brasil ao vincular a obtenção de uma maior parcela de repasse do tributo em função do desempenho em critérios ambientais. Tentativas de federalizar esse mecanismo têm sido feitas através de diversos Projetos de Lei no Congresso Nacional para aumentar o repasse do Fundo de Participação dos Estados para as Unidades da Federação com maior percentual do território cobertos por Unidades de Conservação e Terras Indígenas (Pereira, 2010). Contudo, a falta de interesse político, especialmente dos Estados que teriam perdas líquidas com essa proposta (percentual baixo de áreas protegidas em seu território), tem levado ao não-avanço dessas propostas no processo legislativo. Este artigo teve como objetivo discutir a necessidade de coordenação federativa para a realização das políticas públicas ambientais. Para tal foi realizada uma discussão do termo coordenação, e das características do federalismo no Brasil, para que fosse possível identificar as suas particularidades. Em seguida, realizamos pesquisas documentais que pudessem apontar as falhas causadas pela falta de coordenação das políticas ambientais no país. Os problemas de coordenação federativa não são exclusivos da área ambiental. Um exemplo é a chamada guerra fiscal, situação conflitiva onde entes federativos buscam atrair investimentos/ empreendimentos através da concessão de subsídios e outras formas de incentivo fiscal. Em geral tais empreendimentos não seriam realizados nas localidades caso esses incentivos não fossem estabelecidos. Na guerra fiscal, porém, uma situação comum é que a concessão de subsídios acaba sendo tão grande que as supostas vantagens da instalação do empreendimento acabam sendo diminuídas ou até suprimidas. Meio ambiente e políticas públicas no Brasil: uma abordagem multidisciplinar

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Biancca Scarpeline de Castro e Carlos Eduardo Frickmann Young Contudo, na área ambiental os problemas de falta de coordenação federativa são ainda mais acentuados por causa da multiplicidade de competências para o mesmo tipo de ação, como nos casos do licenciamento e fiscalização de empreendimentos. A solução tipicamente estabelecida para tentar equacionar esses problemas é a criação de legislações e normas específicas visando definir as competências de cada ente. Porém, essa estratégia tem eficácia bastante limitada, porque, além de tornar a legislação ambiental ainda mais complexa e de difícil interpretação (induzindo a mais judicialização), não soluciona os conflitos administrativos que estão na raiz da questão. A acentuada heterogeneidade dos entes federativos para responder às demandas da gestão ambiental e a enorme diferenciação das pressões sociais (que se referem tanto a preservação, quanto ao uso econômico dos recursos naturais) acentuam o problema de falta de coordenação federativa. Uma área de desenvolvimento de futuros trabalhos diz respeito ao detalhamento de como coordenar políticas públicas, indo além das falhas que a falta de coordenação gera. Deve-se estabelecer métodos, procedimentos, cadeias de punições e premiações para que seja possível gerenciar atividades interdependentes com vistas a alcançar um objetivo único, diferenciando as estratégias para quando há um único ator envolvido, uma rede de atores sem liderança estruturada ou quando há uma liderança. Neste último caso, inclusive, deve-se vislumbrar que o alcance da coordenação não precisa se limitar a metodologias de cooperação e parceria, mas é possível também estruturar ações que levam à competição ou ao conflito entre os envolvidos, estabelecendo aquela estratégia que seja menos custosa. ABRUCIO, Fernando Luiz. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, n. 24, June 2005. ABRUCIO, Fernando Luiz. Reforma do Estado no federalismo brasileiro: a situação das administrações públicas estaduais. RAP Rio de Janeiro 39(2):401-20,Mar./abr. 2005a. AFONSO, José Roberto Rodrigues; ARAUJO, Erika Amorim. A capacidade de gasto dos municípios brasileiros: Arrecadação própria e receita disponível, 2000. ANTERO, Samuel A. Articulação de políticas públicas a partir dos fóruns de competitividade setoriais: a experiência recente da cadeia produtiva têxtil e de confecções. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro , v. 40,n. 1, Feb. 2006. ARRETCHE, Marta. Federalismo e Políticas Sociais no Brasil: Problemas de Coordenação e Autonomia. In: SARAVIA, Enrique e FERRAREZI, Elisabete. Políticas públicas; coletânea. Brasília: ENAP, 2006. BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos Federais De Coordenação De Políticas Sociais E Capacidades Institucionais Locais: O Caso Do Programa Bolsa Família. Tese De Doutorado. Instituto De Estudos Sociais E Políticos Do Estado Do Rio De Janeiro. Rio De Janeiro, 2011. DIMAS, Isabel Dórdio; LOURENÇO, Paulo Renato. Conflitos E Gestão De Conflitos Em Contexto Grupal. In: A. D. Gomes. Psicologia Das Organizações Do Trabalho E Dos Recursos Humanos: Contributos Para A Investigação E Intervenção (Pp. 195-232). Coimbra: Imprensa Da Universidade De Coimbra. 2011.

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