Copo meio cheio, meio vazio - a neutralidade na cobertura econômica dos jornais Folha de S Paulo e O Estado de S. Paulo

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO CURSO DE JORNALISMO

ARTHUR GANDINI DE OLIVEIRA RODRIGUES

COPO MEIO CHEIO, MEIO VAZIO: A NEUTRALIDADE NA COBERTURA ECONÔMICA DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE S. PAULO

SÃO BERNARDO DO CAMPO 2014

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ARTHUR GANDINI DE OLIVEIRA RODRIGUES

COPO MEIO CHEIO, MEIO VAZIO: A NEUTRALIDADE NA COBERTURA ECONÔMICA DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE S. PAULO

Monografia apresentada no curso de graduação da Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Comunicação, para conclusão do curso de jornalismo. Área de concentração: jornalismo econômico Orientação: Prof. Dr. José Salvador Faro

SÃO BERNARDO DO CAMPO 2014

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FICHA CATALOGRÁFICA R618c

Rodrigues, Arthur Gandini de Oliveira Copo meio cheio, meio vazio: a neutralidade na cobertura econômica dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo / Arthur Gandini de Oliveira Rodrigues. 2014. 218 p. Monografia (graduação em Jornalismo) -- Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2014. Orientação : Prof. Dr. José Salvador Faro 1. Folha de S.Paulo (Jornal) 2. O Estado de S. Paulo (Jornal) 3. Imprensa - Aspectos econômicos 4. Mídia 5. Neoliberalismo (Economia) 6. Mercado financeiro 7. Jornalismo I. Título. CDD 070.4

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A monografia intitulada: “COPO MEIO CHEIO, MEIO VAZIO: A NEUTRALIDADE NA COBERTURA ECONÔMICA DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE S. PAULO” foi apresentada e aprovada em de dezembro de 2014, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. José Salvador Faro (Titular/UMESP), Prof. Me. Valdir Boffetti (Titular/UMESP) e Luis Nassif (Convidado).

__________________________________________ Prof. Dr. José Salvador Faro Orientador e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________ Prof. Me. Valdir Boffetti Banca examinadora

________________________________________ Luis Nassif Banca examinadora

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Dedico esse trabalho ao professor e amigo Faro.

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AGRADECIMENTO

Ao prof.º e orientador Faro, por ter intimado mais um jovem jornalista a trilhar o caminho do saber. À prof.ª Veronica, pela atenção e confiança na elaboração do pré-projeto. Aos meus pais, por sempre terem me apoiado em tudo que podiam. A todos os professores do curso que deram alguma sugestão durante a fase do préprojeto e aos colegas do Portal R7 que contribuíram para o aprendizado na carreira. Em especial: Jorge Tarquini, Julio Verissimo, Valdir Boffetti, Marli dos Santos, Eduardo Grossi, Joyce Carla, Luiz Betti, Vanessa Beltrão e Alexandre Saconi. À minha primeira editora, Niceia; à primeira colega, Michelly; e ao editor que eu não tive, Gleyson, por ter me dado a oportunidade de trabalhar com economia novamente. À amiga Eliane, pelas vezes que segurou o caderno de anotações enquanto eu fazia entrevistas. A Deus, por tudo.

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RESUMO

Esse estudo tem como objetivo verificar as principais razões pelas quais a cobertura econômica da Folha de S.Paulo e de O Estado de S. Paulo não é neutra. Verificou-se que a ausência de neutralidade se deve à subordinação do discurso na maioria das notícias e artigos econômicos dos cadernos Mercado e Economia & Negócios à agenda neoliberal, ou seja, às ideias defendidas pela corrente de pensamento ortodoxa. Esta característica se estabeleceu após os anos 90 quando o mercado financeiro, por meio de estratégias comunicacionais mais eficientes do que as de outros setores econômicos, inseriu-se no noticiário de economia brasileiro, tornou-o ligado aos seus interesses e o afastou do leitor comum. O discurso único prejudica o entendimento da economia pelo público, ciência humana importante na vida das pessoas e dotada de diversas correntes de pensamento econômico além da ortodoxa. O pensamento neoliberal é defendido pelas linhas editoriais dos dois veículos, o que mostra também um interesse de duas vias na financeirização do noticiário. A análise ainda mostra que O Estado de S. Paulo possui um noticiário mais plural em relação à Folha de S.Paulo e que insere seu viés ortodoxo mais na parte opinativa do caderno do que na de notícias, ao contrário de seu concorrente. Os dois jornais servem como meio de divulgação das ideias do mercado financeiro e de interferência no cenário político brasileiro. Palavras- Chave: Folha, Estadão, imprensa, mídia, neoliberalismo, jornalismo econômico, mercado financeiro, pessimismo

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ABSTRACT

This study aims to determine the main reasons for the economic newscast of the Folha de S.Paulo and O Estado de S. Paulo is not neutral. The conclusion is that the lack of neutrality is due to the subordination of speech in most economic news and analysis to the neoliberal ideias, the orthodox thinking. This feature was established after 90 years when the financial market through more efficient communication strategies than other economic sectors inserted himself in the Brazilian economic newscast. The speech at both newspapers impedes understanding of the economy by the public, important human science in people's lives and endowed with various thinkings of economy thought beyond the orthodox. The neoliberal thought is advocated by the editorial lines of the two vehicles, which also shows an interest in two-way in the process. The analysis also shows that O Estado de S. Paulo has a more plural economic newscast than the Folha de S.Paulo and inserts his more orthodox thinking in the opinion part of the economy newscast.The both newspapers serve as a means of disseminating financial market ideas and interference in the Brazilian political scene. Palavras- Chave: Folha, Estadão, press, media, neoliberalism, economic jornalism, financial market, pessimism

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 133 1.1 ANÁLISE ............................................................................................................................... 176 2 A ECONOMIA E O PENSAMENTO DOMINANTE ..................................................................... 199 3 O JORNALISMO ECONÔMICO E A SUA FINANCEIRIZAÇÃO ................................................... 244 3.1 MUDANÇA DE DISCURSO .................................................................................................... 255 3.2 MERCADO E IMPRENSA ....................................................................................................... 277 3.3 FONTES ECONÔMICAS .......................................................................................................... 31 3.4 O PAPEL DOS JORNALISTAS NO PROCESSO........................................................................... 32 4 IDEOLOGIA E TEORIAS DA COMUNICAÇÃO ............................................................................. 35 4.1 LINHA EDITORIAL................................................................................................................... 35 4.2 PESSIMISMO NA IMPRENSA .................................................................................................. 38 4.3 NEGATIVIDADE E PROCESSO IDEOLÓGICO............................................................................ 42 5 ANÁLISE DA COBERTURA.......................................................................................................... 46 5.1 TEMAS ESCOLHIDOS DO NOTICIÁRIO ECONÔMICO ............................................................. 46 5.1.1 Combate à inflação............................................................................................................. 47 5.1.2 Superávit primário.............................................................................................................. 50 5.1.3 Intervenção no câmbio ...................................................................................................... 56 5.1.4 Crescimento do PIB ............................................................................................................ 59 5.1.5 Petrobras ............................................................................................................................ 72 5.1.6 Pessimismo no mercado .................................................................................................... 75 5.1.7 Plano Real ........................................................................................................................... 81 5.2 CONCLUSÃO SOBRE A ANÁLISE DO NOTICIÁRIO................................................................... 83 6. ANÁLISE DA PARTE OPINATIVA DOS CADERNOS .................................................................... 86 6.1 PERFIL DOS ARTICULISTAS E DISCURSOS NOS TEXTOS ......................................................... 86 6.1.1 Colunistas da Folha de S.Paulo ......................................................................................... 104 6.1.1.1 Vinicius Torres Freire..................................................................................................... 104 6.1.1.2 Samuel Pêssoa ............................................................................................................... 106 6.1.1.3 Samy Dana ..................................................................................................................... 106 6.1.1.4 Marcia Dessen ............................................................................................................... 107 6.1.1.5 Benjamin Steinbruch ..................................................................................................... 108

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6.1.1.6 Alexandre Schwartsman................................................................................................ 108 6.1.1.7 Marcelo Miterhof .......................................................................................................... 109 6.1.1.8 Pedro Luiz Passos .......................................................................................................... 110 6.1.1.9 Kátia Abreu .................................................................................................................... 110 6.1.1.10 Nizan Guanaes............................................................................................................. 111 6.1.1.11 Luiz Carlos Mendonça de Barros ................................................................................. 111 6.1.2 Colunistas de O Estado de S. Paulo .................................................................................. 113 6.1.2.1 Celso Ming ..................................................................................................................... 113 6.1.2.2 Suely Caldas................................................................................................................... 114 6.1.2.3 Amir Khair...................................................................................................................... 114 6.1.2.4 Renato Cruz ................................................................................................................... 115 6.1.2.5 Claudio Adilson Gonçalez .............................................................................................. 116 6.1.2.6 Antonio Penteado Mendonça ....................................................................................... 118 6.1.2.7 Camilo Rocha ................................................................................................................. 118 6.1.2.8 José Pastore................................................................................................................... 119 6.1.2.9 José Paulo Kupfer .......................................................................................................... 120 6.1.2.10 Sérgio Lazzarini ............................................................................................................ 121 6.1.2.11 Everardo Maciel .......................................................................................................... 122 6.1.2.12 Rogério Werneck ......................................................................................................... 123 6.1.2.13 Neil Irwin ..................................................................................................................... 124 6.1.2.14 Felipe Salto .................................................................................................................. 125 6.1.2.15 Kenneth Rogoff ........................................................................................................... 125 6.1.2.16 Jorge J. Okubaro .......................................................................................................... 126 6.1.2.17 Antônio Márcio Buainain ............................................................................................ 127 6.1.2.18 Marcelo de Paiva Abreu .............................................................................................. 128 6.1.2.19 Raul Velloso ................................................................................................................. 128 6.1.2.20 Monica Baumgarten de Bolle ...................................................................................... 130 6.1.2.21 Joseph E. Stiglitz .......................................................................................................... 131 6.1.2.22 João de Negri, Glauco Arbix e Fernanda de Negri....................................................... 132 6.1.2.23 Gilles Lapouge ............................................................................................................. 133 6.1.2.24 Editorial Econômico .................................................................................................... 133 6.2 CONCLUSÃO DA ANÁLISE DOS ARTICULISTAS ..................................................................... 134 7. ENTREVISTAS ......................................................................................................................... 140

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7.1 ANDERSON FIGO ................................................................................................................. 140 7.2 JOÃO VILLAVERDE ............................................................................................................... 170 7.3 FERNANDO SAMPAIO .......................................................................................................... 183 7.4 ANTONIO CORRÊA LACERDA ............................................................................................... 190 7.5 COMENTÁRIOS SOBRE AS ENTREVISTAS ............................................................................. 195 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 199 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 201 LINKS CONSULTADOS ................................................................................................................ 210

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1 INTRODUÇÃO

Quando pensamos em economia, o que vem à nossa cabeça? A ciência econômica estuda como o homem administra recursos escassos para atender necessidades infinitas ao modo em que vivemos em sociedade. Conforme Hunt e Sherman (2010), os seres humanos não possuem a aptidão física necessária para obter condições materiais de vida sozinhos, ao contrário de outros animais. Por isso, vivem em grupos, criam ferramentas e dividem o trabalho. O desenvolvimento histórico da humanidade resultou na acumulação de instrumentos de trabalho e de recursos por uma parcela da sociedade, o que se configura hoje no sistema econômico capitalista. Entretanto, uma ciência tão próxima de nossas vidas passa geralmente essa impressão para a maioria das pessoas? O noticiário econômico – retratado nesta monografia com o recorte dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo -, por onde a maioria dos fatos econômicos chega até as pessoas, publica notícias, reportagens e artigos diariamente sobre o movimento de alta e queda das bolsas de valores, política econômica, taxa de juros, derivativos, pessimismo no mercado, fusões e aquisições de empresas, entre outros assuntos pouco familiares à maior parte dos brasileiros. Questionário aplicado em junho deste ano de 2014 pelo autor deste trabalho a pessoas que têm interesse por notícias econômicas, em um universo que abrange estudantes, profissionais e acadêmicos da área de jornalismo e economia, mostra o quanto o noticiário de economia dos diários é elitizado. De um total de 169 respondentes, 67% afirmaram ler jornal com frequência. Contudo, quando confrontados com a periodicidade de leitura do caderno de economia de O Estado de S. Paulo, o número cai para 20%. O mesmo acontece com a Folha de S.Paulo (23%). A transformação de um tema como a economia, tão próximo das pessoas, em algo distante, pode ser explicada pela financeirização do noticiário econômico. A jornalista e pesquisadora Paula Puliti, no livro ―O juro da notícia‖, mostra que o noticiário de economia no Brasil, a partir dos anos 90, foi dominado por fontes do mercado financeiro e, como consequência, pelos assuntos de interesse e o pensamento econômico desse setor.

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O avanço tecnológico sofisticou o mercado financeiro, e a sofisticação chegou à análise econômica. Bancos, corretoras e fundos de investimentos montaram ou consolidaram equipes para fornecer análises a clientes e a eles próprios. As instituições perceberam que, ao mesmo tempo, o trabalho desses departamentos poderia também fazer parte de estratégias comunicacionais. As equipes ganharam economistas dispostos a atender a mídia, provocando-a com relatórios diários e informações obviamente carregadas do discurso financeiro. Para os jornalistas, ficou cômodo receber essas informações, ainda mais que sempre vinham acompanhadas dos contatos com os economistas. Era ler o relatório, ter ideia de matérias e ligar para o economista. (PULITI, 2013, p.190)

A predominância de pautas financeiras no noticiário econômico do Brasil não apenas o torna distante dos interesses do brasileiro comum, mas possui outra consequência: coloca em xeque a sua capacidade de ser neutro. Afinal, se a cobertura econômica brasileira não possui uma pluralidade de fontes e ideias, já não pode mais ser considerada neutra. O noticiário econômico consiste em uma área de cobertura fácil de cair no campo da parcialidade. Como ciência social, a economia baseia-se em relações probabilísticas e não em relações exatas – como a matemática -, o que envolve apostas quanto ao futuro. Como repousa sobre decisões humanas, depende de juízo de valor, o que origina várias correntes de pensamento econômico (informação verbal)1. A ação costumeira do governo de elevar a meta da taxa básica de juros Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), por exemplo, pode receber o apoio de economistas por combater a inflação, assim como críticas de outros setores da sociedade por provocar o desemprego. Apenas uma das consequências de uma ação econômica pode ser realçada conforme o interesse de um agente da sociedade ou de seu pensamento econômico. Ou seja: banqueiros podem defender a alta da Selic visando o lucro com a compra de títulos públicos; sindicalistas, por sua vez, defendem a sua redução, já que a alta dos juros faz com que os bancos ofereçam menos crédito à população, o que resulta em um corte do consumo, desestímulo à produção industrial e ao setor de serviços, o que, por fim, resulta em desemprego.

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Definição dada pelo doutor em ciências econômicas pela Usp e coautor do livro “Fundamentos de Economia”, Marco Antonio Sandoval de Vasconcellos, em junho de 2014, durante aula do curso Intensivo de Economia da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.

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Outra questão é que a economia foi usada em 2014 para criticar o governo Dilma Rousseff, que buscava a reeleição. O debate sobre a situação econômica do país ir bem ou mal foi usado pela oposição para fazer as críticas. O mês de fevereiro começou com seguidas discussões na imprensa, por meio dos cadernos econômicos da Folha e do Estado, sobre o tamanho do pessimismo do empresariado em relação à economia brasileira e ao governo. O Estado de S. Paulo publicou entrevista no dia 9 de fevereiro com o presidente do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), Pedro Passos, em que o mesmo afirmou que ―a confiança dos empresários no governo acabou‖. No dia seguinte, o diário publicou entrevista com o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, que acusou Passos de ter dado a declaração por motivos políticos. O presidente do instituto é ligado a até então pré-candidata à presidência da República, Marina Silva (PSB). Já o banco Santander enviou texto de análise econômica em julho a correntistas ―select‖ (clientes com rendimentos mensais acima de R$ 10 mil) no qual alertava os clientes que uma eventual reeleição da presidente causaria uma queda na bolsa. A análise veio à tona por meio da imprensa, o banco pediu desculpas pelo ocorrido e afirmou ter demitido o responsável pelo texto. A presidente considerou o caso como uma ―interferência institucional na atividade eleitoral e política‖.2 O caso mostra como a pauta econômica escapa do interesse do cidadão comum e envolve o grande capital financeiro. O fato em questão, a possibilidade de baixa na bolsa de valores, que interessa de forma direta apenas a investidores, acaba por interferir na possibilidade de reeleição da presidente da República por meio do noticiário. A mídia é usada em prol dos interesses do mercado. A respeito dessa interferência na cobertura noticiosa, o partido governista também acusa a imprensa de ser pessimista em relação à economia. O pessimismo é discutido pela própria imprensa, como no caso da Folha de S.Paulo. A ombudsman do diário, Vera Guimarães, afirmou em coluna publicada no dia 25 de maio que o jornal possui uma cobertura de tendência negativa.

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SANTANDER envia carta a correntistas desculpando-se por críticas ao governo. Folha de S.Paulo. São Paulo, 31 jul. 2014. Disponível em: Acesso em: 25 ago. 2014.

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O azedume é parte da alma da Folha. Costumo brincar dizendo que, se fosse noticiar a ressurreição, o título do jornal seria "Nazareno leva três dias para ressuscitar". Correto, mas insuficiente. Sobretudo se a cena tiver sido vista por outros fiéis. (FOLHA DE S.PAULO, 2014)

Esse negativismo pode ser relacionado às teorias da comunicação do newsmaking e gatekeeping. Conforme a primeira, o noticiário sofre influências de diversos tipos de ações, entre elas, a ideológica onde a mídia produz notícias que legitimam valores e crenças. Já o gatekeeping defende que o que tem caráter mais negativo, tem mais chance de virar notícia, de modo que ―as más notícias são as boas notícias‖. As distorções no noticiário provocadas pelos jornalistas seriam involuntárias. Ainda existe a questão de que os veículos de imprensa evirem divulgar notícias que entrem em choque com os valores do público, com receio de perder parte dele, os compradores de seus produtos, as notícias. A partir daqui, a análise ideológica passa a não ser mais a única fonte de falta de neutralidade no noticiário econômico. O começo de experiência profissional em cobertura econômica trouxe esse questionamento ao autor desta monografia: o quanto a influência do neoliberalismo na cobertura econômica é responsável pela sua imparcialidade? A questão motivou o presente tema a ser escolhido para o trabalho de conclusão da graduação em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo. Para Kucinski (1996), o jornalismo econômico, por exemplo, pede mais conhecimento específico dos jornalistas do que os que cobrem outras editorias. A falta desse conhecimento impede a crítica a falsas verdades utilizadas pelos agentes econômicos, fontes para as reportagens. O quanto, então, os jornalistas que cobrem economia também têm culpa pela parcialidade em seu trabalho? O noticiário realmente tende ao pessimismo? A monografia, sob a metáfora do ―copo meio cheio, meio vazio‖, teve o objetivo de esmiuçar as principais razões pelas quais os fatos econômicos não chegam neutros até os leitores dos veículos analisados.

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Os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo foram escolhidos como objeto de recorte para esse estudo porque são os dois jornais com a maior tiragem na cidade de São Paulo, o centro econômico do país.

1.1 ANÁLISE

Relatório de janeiro desse ano do IVC (Instituto Verificador de Circulação) mostra que a circulação total da Folha de S.Paulo naquele mês chegou a 332.354 exemplares e a de O Estado de S. Paulo, a 233.415. Os números resultaram na primeira e quarta maior tiragem, respectivamente, entre os jornais brasileiros em janeiro. Já a cidade de São Paulo, por sua vez, teve a maior participação em 2011 no PIB brasileiro, segundo o IBGE, de 11,5%, a maior proporção verificada entre todas as cidades brasileiras. O estado paulista também tem a maior participação no PIB entre as federações, no percentual de 32,6%. O desenvolvimento da monografia começou no primeiro semestre de 2014 com a elaboração de um pré-projeto para o Trabalho de Conclusão de Curso. Sob a orientação da professora Veronica Cortes, responsável pela coordenação dos TCCs do curso de jornalismo da universidade, foram pesquisadas pelo autor informações sobre o jornalismo econômico no Brasil, os objetos de análise e sobre teorias da comunicação. A segunda parte da pesquisa foi realizada sob a orientação do professor José Salvador Faro. A pesquisa foi finalizada ao mesmo tempo em que a monografia foi sendo transformada em texto. Ao final, ela foi dividida em sete itens além da introdução. O segundo capítulo é responsável por analisar como o pensamento econômico dominante evoluiu ao longo da história e hoje é responsável por defender o sistema econômico capitalista. Já o terceiro item trata das mudanças do jornalismo econômico no Brasil e a sua financeirização a partir dos anos 90 com a implantação pelos seguidos governos de uma política econômica neoliberal e a multiplicação das assessorias de imprensa e seus serviços com o avanço tecnológico. A quarta parte da monografia esmiúça as características ideológicas dos objetos analisados frente às do partido governista e fala sobre o debate em relação ao

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pessimismo e o otimismo com a economia no Brasil. Também analisa o noticiário econômico dos dois jornais sob a ótica das teorias da comunicação do gatekeeping e newsmaking. A quinta parte do trabalho expõe uma análise de notícias, sob os temas relacionados ao mercado financeiro apresentados em notícias da Folha e do Estado e o grau de neutralidade no texto conforme características como a pluralidade das fontes, o respeito ao padrão neutro de redação jornalística, entre outros critérios. O período analisado corresponde ao primeiro semestre de 2014 e foi escolhido de forma aleatória. Já os colunistas dos dois cadernos econômicos também passam por uma análise no sexto capítulo para se verificar a pluralidade das ideias defendidas por eles. No caso de O Estado de S. Paulo, também entra aqui o chamado ―Editorial Econômico‖, o editorial do diário para o caderno de economia. São verificados os locais onde os colunistas mantiveram ou ainda mantêm relações profissionais, como no governo ou no mercado financeiro. O período analisado corresponde à primeira quinzena do mês de junho de 2014, escolhido de forma aleatória. No penúltimo capítulo da monografia, são expostas quatro entrevistas com agentes relacionados à cobertura econômica da Folha e do Estado: dois jornalistas, um economista e um professor. As entrevistas foram realizadas com o objetivo de se observar na prática, por meio de depoimentos, o que é analisado de forma teórica, até então, na monografia. Ao final do trabalho, são apresentadas as considerações finais do estudo com o apanhado das razões analisadas para o noticiário da Folha de S.Paulo e de O Estado de S. Paulo não entregarem aos seus leitores apenas um copo pela metade com os fatos econômicos.

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2 A ECONOMIA E O PENSAMENTO DOMINANTE

Existe uma longa distância entre o estudo com foco mais social da economia e a sua aparência financeirizada. Essa face ligada ao mercado financeiro, que contaminou o noticiário econômico, é a mais recente e intrínseca ao estágio atual do sistema capitalista onde a maior parte da acumulação é promovida por meio da renda do capital. Essa acumulação é maior e mais rápida do que a originada do conceito da mais valia marxista, onde os proprietários dos meios de produção lucravam em cima da força de trabalho do proletariado, não detentor desses meios. Seguindo a corrente de pensamento econômico marxista, Friedrich Engels mostrava que o modo de viver do homem mudou durante seu desenvolvimento histórico com o surgimento da propriedade privada. De início, os seres humanos eram nômades e viviam em grupo sem um lugar fixo, à busca da sobrevivência.

Os homens viviam, pelo menos parcialmente, nas árvores, única forma de explicar sua sobrevivência no meio de grandes florestas tropicais e subtropicais. Frutos, nozes e raízes serviam de alimento. [...] Começa o aproveitamento dos peixes (incluímos também os crustáceos, moluscos e outros animais aquáticos) na alimentação e com o uso do fogo. Os dois fenômenos são complementares porque o peixe só pode ser perfeitamente aproveitado como alimento por meio do povo. Com essa nova alimentação, os homens se tornam independentes do clima e do lugar. (ENGELS, p. 36, 2009)

O homem, então, desenvolveu ferramentas como o arco e flecha e outros meios de sobrevivência que permitiram que ele passasse a se estabelecer em um determinado local. Surge aí a ideia de propriedade privada. Ela e as ferramentas criadas pelo homem passam a ser acumulados nas mãos de parcela da sociedade conforme a evolução do homem. O mesmo acontece com a força de trabalho. Por fim, surge a figura do governo como monitor da sociedade e detentor do poder. Estados da antiguidade clássica, como o Império Romano, possuíam um sistema econômico escravista, isto é, que funcionava com base na mão de obra escrava. Conforme Hunt e Sherman (2010), os meios de sobrevivência descobertos e criados

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pelo homem tornaram melhor a vida apenas de parcela da sociedade, dos detentores desses meios.

A distribuição do trabalho, motivada pela necessidade, resultou também numa diferenciação dos papéis desempenhados pelos membros de uma sociedade. Nos primeiros tempos, provavelmente, essa diferenciação tinha um caráter exclusivamente funcional: quando a produtividade ainda era baixa, todos os membros da sociedade viviam próximos ao nível de subsistência, inexistindo classes sociais ou diferenciações hierárquicas. Contudo, a distribuição sempre mais aperfeiçoada das tarefas, combinadas com instrumentos de trabalho mais sofisticados, propiciaram maior produtividade que possibilitou, ao menos para uma pequena parcela da sociedade, livrar-se do fardo do trabalho cotidiano. Assim, graças ao crescimento da produtividade per capita, uma classe ociosa, numericamente reduzida, passou a viver à custa do trabalho dos demais membros da sociedade. (HUNT E SHERMAN, p. 9, 2010)

O pensamento marxista clássico analisa isso como a formação de uma sociedade desigual. Marx e Engels afirmaram em seu Manifesto do Partido Comunista (1848) que as contradições da acumulação de meios de produção e condições de sobrevivência resultam em conflitos sociais entre a classe dominante da sociedade e a oprimida.

A história de todas as sociedades até nossos dias é a história de lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma batalha ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada [...] Nas primeiras épocas da história encontramos quase por toda parte uma organização completa da sociedade em classes distintas, uma hierarquia variada de condições sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres de corporação, companheiros, servos e, ainda, em cada uma das classes, uma hierarquia peculiar. A sociedade burguesa moderna, surgida das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Nada mais fez que substituir as antigas por novas classes, por novas condições de opressão, por novas formas de luta. (MARX e ENGELS, p. 38 e 39, 2012)

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As relações econômicas da sociedade são preservadas, então, por meio da dominação da classe detentora dos meios de produção e condições de sobrevivência sobre as demais, exploradas. O debate sobre a economia muda no século XIX com a crítica marxista e a percepção de que as relações poderiam ser mudadas. A Revolução Francesa em 1789 mostra que é possível se derrubar um governo, o que resulta na ideia da quebra do sistema econômico, por meio de uma revolução do proletariado, presente no pensamento marxista. Se a Revolução Industrial no século XVIII ampliou a exploração e a acumulação de ferramentas e meios de produção pela classe dominante, segundo o marxismo, também aumentou a produção de bens e riquezas. Essa mudança resultou na melhora de condição de vida de toda a sociedade, mesmo que de forma desigual. Conforme Nasar (2011), concluiu-se aí que as más condições de vida de parte da sociedade não eram algo impossível de ser resolvido.

O conceito de que o homem era produto de suas circunstâncias, e que essas circunstâncias não eram predeterminadas, imutáveis ou totalmente imunes à intervenção humana é uma das descobertas mais radicais de todos os tempos. Tal conceito coloca em dúvida a verdade existencial de que a humanidade estava sujeita aos ditames de Deus e da natureza. Implicava que, se recebesse novas ferramentas, a humanidade estaria pronta para assumir o seu próprio destino. [...] Os intelectuais vitorianos3 eram obcecados pela economia e um número extraordinário de estudiosos aspirava produzir um grande trabalho nesse campo. (NASAR, p. 11, 2011)

O estudo da economia passa, a partir desse momento, a ter o objetivo e o enfoque social de se descobrir como as relações econômicas do homem podem resultar em uma sociedade melhor para todos. A questão é: como as ferramentas e meios de produção devem ser regidos? Como a sociedade deve se organizar economicamente? Qual o papel dos governos das nações neste processo? O debate se estabelece entre a defesa e a crítica à ação do Estado frente às relações econômicas. A maior parcela da sociedade, não detentora dos recursos e meios de 3

A Era Vitoriana corresponde ao reinado da rainha Vitória, no Reino Unido, entre 1837 e 1901.

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produção, é representada pelo marxismo, que pregava a substituição da classe dominante por um Estado que distribuísse as riquezas entre toda a sociedade. As relações livres de comércio, que resultam na acumulação por meio do lucro e nas diferenças de classe, são abolidas. O Estado passa a controlar a produção de bens e riquezas. Entretanto, conforme ocorreu o desenvolvimento do pensamento econômico, surgiram outras teorias críticas à liberdade de mercado, mas que não apoiam a quebra do sistema capitalista. Defendem o intervencionismo do Estado nas relações econômicas para ao menos reduzir a desigualdade social. Destaca-se a corrente econômica keneysiana que prega a interferência do Estado na economia para garantir a continuidade do consumo da população que promove o crescimento econômico. A teoria deriva das ideias do economista John Maynard Keynes (1883 – 1946) que, ao avaliar a crise capitalista dos anos 30, percebeu que parte da renda da população não é gasta com o consumo interno do país, tendo outros destinos como a poupança e importações de produtos. A diminuição do consumo, a longo prazo, reduz a capacidade de investimento das empresas e resulta em crise econômica.

Quando se esgotam as oportunidades de investimento, os investimentos caem abaixo da poupança, e os gastos totais em bens e serviços caem abaixo do valor do conjunto de bens e serviços produzidos. As empresas não conseguem vender tudo o que produzem. Crescem os estoques de bens encalhados. Cada empresa enxerga apenas o seu problema, e, como produz mais do que pode vender, no período subsequente ela reduz a produção. Acontece que o problema é extensivo a toda a economia, e como a maior parte das empresas toma a mesma decisão, ocorre, no período subsequente, uma violenta retração da produção, com aumento do número de desempregados e declínio da renda. Em consequência do declínio da renda, os gastos em bens e serviços serão ainda menores. Os empresários descobrem que, mesmo em níveis inferiores de produção, não conseguem vender o que produzem. Novamente restringem a produção, e o círculo vicioso reproduz-se. (HUNT E SHERMAN, p. 188, 2010)

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Marx também analisou o problema, mas o considerava sem solução já que seria inerente ao ―mal‖ presente no sistema capitalista. Keynes, entretanto, propôs que os governos interferissem nas economias diminuindo o excesso de poupança por meio de empréstimos e fazendo investimentos em áreas sociais. A escola keneysiana surgiu como um contraponto à defesa do livre mercado, representada pelo liberalismo. Enquanto as correntes de pensamento econômico heterodoxas defendem a intervenção do Estado na economia para reduzir a desigualdade social e as crises econômicas que afetam a maior parte da população, a corrente ortodoxa (ou liberal) critica essa intervenção como uma ameaça à democracia e à liberdade dos indivíduos. A intervenção na economia seria uma ameaça a essa liberdade e também foi associada ao totalitarismo, devido à defesa marxista de uma ditadura do proletariado como forma de acabar com a economia de mercado e à instalação de governos totalitários na Rússia e em Cuba a partir de 1922 e 1959, respectivamente. As ideias ortodoxas foram construídas por economistas como Friedrich von Hayek (1889 – 1992). O austríaco via um sinal de eficácia da liberdade de mercado ao analisar a reconstrução da economia alemã após a 2ª guerra mundial, com um processo de liberalização e estímulo ao empreendedorismo.

Para Hayek, o fato de a Alemanha ressurgir das cinzas era ao mesmo tempo uma reafirmação de sua fé no livre mercado, no livre-comércio e na moeda sólida e a esperança de que ele a civilização europeia que ele amava afinal de contas não estava condenada à extinção. (NASAR, p. 11, 2011)

As diferentes correntes de pensamento econômico renderam e ainda rendem debates entre economistas sobre o grau e a forma de intervenção do Estado na economia que seria melhor para a sociedade (NASAR, 2011). A monografia não tem o objetivo de entrar no mérito de qual dos pensamentos econômicos é o melhor a ser seguido, e sim, de avaliar a neutralidade da cobertura de economia da Folha de S.Paulo e de O Estado de S. Paulo. O estudo parte da premissa de que uma cobertura econômica neutra deve veicular as ideias de diversas correntes de pensamento e não um discurso único. O próximo capítulo analisará como isso ocorre na cobertura econômica da mídia.

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3 O JORNALISMO ECONÔMICO E A SUA FINANCEIRIZAÇÃO

O capítulo anterior demonstrou como as ciências econômicas são importantes na vida das pessoas. A importância do jornalismo econômico se dá por ser o meio por onde as informações e fatos que envolvem a economia chegam até os cidadãos. A jornalista e professora da PUC-Rio, Suely Caldas, explica em seu livro ―Jornalismo Econômico‖ que o jornalismo de economia brasileiro sempre teve importância na vida das pessoas e a afetou, embora tenha ganhado destaque durante a Ditadura Militar (1964-1985). A censura ao noticiário político abriu espaço para a cobertura da economia na mídia.

O comportamento da economia de um país, região ou cidade influencia a vida das pessoas e elas precisam ser devidamente informadas para poder tomar decisões. Isso vale para qualquer um. Até para o motorista de táxi: se ele ignorar um aumento no preço da gasolina que vai acontecer amanhã, vai perder dinheiro ao não encher o tanque do carro hoje. Assim foi e será por toda a vida. [...] O jornalismo econômico floresceu e só ocupou espaço próprio à época da ditadura militar de 1964. A política era privilégio dos generais, que a praticavam nos bastidores da caserna, quase sempre para conspirar entre eles próprios. Foi principalmente, a partir do AI-5, em 1968, que os militares decidiram intervir diretamente na imprensa e controlar as notícias, proibindo a publicação de assuntos que eles elegiam de acordo com seus interesses específicos. (CALDAS, 2008, p.11 e 13)

O chamado ―milagre econômico‖ dos anos 70 tornou interessante o crescimento do jornalismo de economia ao governo. A imprensa tinha como fonte para as suas reportagens o governo militar, este interessado em divulgar fatos positivos da economia. Repórteres trabalhavam como setoristas cobrindo determinados órgãos do governo, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o que era incentivado pelos militares (CALDAS, 2008). O governo, portanto, era a principal fonte da imprensa na cobertura de economia neste período.

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Percebe-se que o jornalismo econômico não estava separado dos assuntos políticos, assim como a economia não se separa da política, guardadas as análises sobre correntes de pensamento econômico do capítulo anterior. Essa relação entre economia e política muda, entretanto, e é acompanhada pela cobertura econômica da mídia.

3.1 MUDANÇA DE DISCURSO

A corrente de pensamento que defende o livre mercado desenvolveu ao longo da história uma concepção da economia diferente do marxismo e de outras teorias que se preocupavam com temas como a desigualdade social. Essa defesa do liberalismo tem seu ápice hoje em um mundo que funciona sob um capitalismo no estágio financeiro e não mais industrial como na época em que surgiram as ideias marxistas, por exemplo. A defesa do livre mercado, hoje chamada de neoliberalismo, trata o debate econômico se utilizando do que Puliti (2013) chama de ―racionalidade técnica como instrumento de persuasão‖.

A economia é um campo novo de conhecimento, quando comparada à filosofia, à medicina, à astronomia e às artes da guerra, por exemplo. Sempre fora uma ciência muito mais social do que da natureza ou exata. A economia política, do século XVII, dedicava-se a estudar as relações de produção entre capitalistas, proletários e latifundiários. Tem lugar cativo entre as humanas e somente se realiza como ciência se interagir com os conhecimentos que se interrogam a respeito do homem em sociedade. Pouco a pouco, porém, a partir do final do século XIX, a denominação economia política, muito ligada a pressupostos éticos, foi sendo substituída por economia, usada por aqueles que buscavam abandonar a visão de classes da sociedade. (PULITI, 2013, p. 54)

Economistas liberais passaram a substituir as discussões econômicas sobre indivíduos e a sua vida em sociedade por números, cálculos e estatísticas. Essa nova abordagem dá uma face de ciência exata à economia. Ora, se algo pertence ao âmbito das ciências exatas, logo não presume debate e discussão.

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Entretanto, como vimos no capítulo anterior, à economia presume opiniões e diferentes correntes de pensamento ao invés de um discurso único. Essa nova análise da economia se constitui na ideologia neoliberal que sustenta a sua visão econômica sobre o mundo, no caso, em relação à defesa do livre mercado. Entende-se aqui por ideologia um conjunto de ideias utilizado por um grupo social para manter sua dominação política, segundo a definição marxista. É assim que a filósofa Marilena Chaui retrata o tema no livro O que é Ideologia.

A ideologia consiste precisamente na transformação das ideias da classe dominante em ideias dominantes para a sociedade como um todo, de modo que a classe que domina no plano material (econômico, social e político) também domina no plano espiritual (das ideias). (CHAUÍ, 2008, p. 88)

O noticiário de economia absorveu essa nova abordagem do debate econômico. A cobertura se viu envolta, no caso do Brasil, a partir dos anos 90, em notícias repletas de números, indicadores econômicos e fatos relacionados ao mercado financeiro. A consequência dessa transformação foi afastar a maioria dos indivíduos da cobertura econômica, mesmo com a importância que a economia possui na vida das pessoas.

Levou a informação econômica do noticiário para longe do leitor comum. Os cadernos de economia são os primeiros a serem descartados, inundados por uma terminologia muito específica, que nada diz ou acrescenta aos não-iniciados, como bolsa, câmbio, captação, mercado financeiro, swap, derivativos, risco-país, bônus, superávit primário, superávit nominal zero, equilíbrio fiscal, déficit em conta corrente, fluxo cambial e balança comercial. Pesquisa realizada em 2003 pela IpsosMarplan, divisão da Ipsos Brasil, mostrou que entre aqueles que haviam lido Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo ou O Globo nos sete dias anteriores à pesquisa, apenas 25% haviam lido o noticiário econômico. Os outros 75% deixaram de lado os cadernos de economia porque não entendiam o que estava escrito ali. Não viram relação do noticiário com seus cotidianos. (PULITI, 2013, p. 29)

Todos esses temas econômicos mencionados ajudam a manter uma economia equilibrada e o funcionamento sólido do mercado financeiro. O debate econômico na

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imprensa passa a representar os interesses particulares de um setor da sociedade ao invés de apenas discutir a sociedade como um todo, tal como era feito na época da economia política. Essa transformação do noticiário econômico não ocorreu como um processo natural, e sim, pela interferência do mercado financeiro, comprometido em ter suas ideias e interesses representados pela mídia.

3.2 MERCADO E IMPRENSA

A democracia presume a liberdade de todos os indivíduos e setores da sociedade defenderem seus interesses. O mercado financeiro, por sua vez, conseguiu se destacar nesse processo. Representantes do setor disseminam suas ideias. A introdução da monografia citou o caso da análise enviada pelo banco Santander a clientes que afirmava que a reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014 causaria uma queda na bolsa de valores. Esse tipo de ação, entretanto, é comum, e só ganhou repercussão por sido realizada por um banco renomado. Tal ação é realizada também por empresas consultorias de investimentos, por exemplo. Cita-se aqui como exemplo dois e-mails enviados pela analista Empiricus Research ao autor do estudo, que assina a newsletter da empresa. O primeiro (Figura 1), do dia 9 de outubro de 2014, declara voto ao candidato à presidência da República, Aécio Neves. O segundo (Figura 2), do dia 16, critica os argumentos econômicos do governo atual que, na época, tentava reeleger a presidente Dilma Rousseff dez dias depois, no 2º turno das eleições presidências. As empresas ligadas a serviços do mercado financeiro, assim como a bolsa de valores e os bancos, mantém relacionamento com a mídia. Enviam textos com ideias para reportagens, números, estatísticas, opiniões e oferecem entrevistas de economistas que trabalham nos bancos, corretoras de câmbio e na bolsa de valores, por exemplo.

As assessorias devem também criar agendas noticiosas para que seus clientes tenham o que falar, mas sempre tendo em mente que a decisão de definir a matéria é domínio do jornalista. O assessor de imprensa tem a vantagem de dominar o processo

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jornalístico, de forma a gerar fatos/dados de seus clientes com forte potencial de virar notícia. O email é hoje o primeiro contato entre as assessorias e os jornalistas. Mas distribuir sugestões de matérias por correio eletrônico não garante conquista. Os jornalistas de veículos impressos precisam de material diferenciado, exclusivo e de boa qualidade. Então, os assessores de imprensa procuram estabelecer um relacionamento mais pessoal com os repórteres de suas áreas de interesse: telefonam com frequência, chamam para coletivas e para encontros exclusivos com as fontes. (PULITI, 2013, p. 69 e 70)

Figura 1 – Declaração de voto na oposição

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

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Figura 2 – Crítica ao governo

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

Cita-se ainda como exemplo dois e-mails disparados à imprensa brasileira neste ano. A primeira mensagem (Figura 3), de 24 de setembro, contém a análise de um economista de uma corretora de investimento sobre o futuro dos juros básicos no país. Como será analisado com mais profundidade no capítulo 4, a taxa Selic é de interesse

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Figura 3 – E-mail com artigo de economista de corretora

Fonte : (REPRODUÇÃO, 2014)

do mercado financeiro, já que serve de referência para o rendimento dos títulos públicos vendidos pelo governo. Já o segundo e-mail (Figura 4) contém a análise de um gestor de investimento sobre a eventual reeleição da presidente Dilma Rousseff. A vitória eleitoral da política, na opinião do especialista enviada à imprensa, provocaria queda na bolsa de valores. O mercado financeiro surge, portanto, como um setor econômico que consegue inserir suas ideias no noticiário devido à sua organização neste processo com um trabalho comunicacional realizado pelas assessorias de imprensa que inserem no noticiário a opinião de seus economistas. Análise de conteúdo ainda da pesquisadora Paula Puliti, exposta no livro ―O juro da notícia‖, mostrou que o mercado financeiro foi o setor econômico mais utilizado como fonte na cobertura de economia da Folha de S.Paulo e de O Estado de S. Paulo entre os anos de 1989 e 2002. A pesquisadora analisou 1.000 matérias de economia da Folha nos anos 1990, 1992, 1994, 1996, 1998, 2000 e 2002. Para análise da cobertura econômica

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Figura 4 – E-mail com artigo de economista de gestora de investimentos

Fonte : (REPRODUÇÃO, 2014)

do Estado, por sua vez, verificou 1.340 reportagens econômicas dos anos de 1889, 1991, 1993, 1995, 1997, 1999 e 2001. Segundo Puliti, o período corresponde ―ao início do processo de abertura política e econômica‖ do Brasil e à ―consequente consolidação do neoliberalismo no País, bem como sua influência no noticiário‖.

3.3 FONTES ECONÔMICAS

A estratégia comunicacional do mercado financeiro não beneficia apenas o setor econômico, mas também os economistas que se inserem na mídia e podem usar a sua exposição como marketing profissional. O jornalista Paulo Nogueira cita em artigo publicado no site Diário do Centro do Mundo o exemplo do ex-ministro da Fazenda do governo Sarney (1985 – 1989), Maílson da

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Nóbrega, que hoje é sócio da Tendências Consultoria Integrada, uma das principais do mercado de consultorias econômicas. Nogueira lembra-se do ―ensinamento‖ dado a ele pelo jornalista Elio Gaspari, sobre as fontes da cobertura de economia serem ―aquelas pessoas que atendem todos os telefonemas dos jornalistas‖ e não as melhores, mas ―as mais fáceis, e isso faz diferença para repórteres preguiçosos.‖

Em meados dos anos 1990, na casa dos 30, eu era diretor de redação da Exame. Jamais esquecera as palavras de Elio, mas acrescentei uma reflexão pessoal: prestar completa atenção na obra, no mérito da fonte. Foi sob essa lógica que refizemos o time das fontes da revista. Uma das primeiras eliminações, se não a primeira, foi o exministro Maílson da Nóbrega, obra de Sarney. Por uma razão potente: ele deixara o cargo com uma inflação de 80% ao mês. Depois de um desempenho tão catastrófico, que sentido havia em ouvi-lo mandar fazer as coisas que ele próprio não conseguira fazer? [...] Maílson continuou a ser ouvido por repórteres de todas as mídias para tratar de economia. Acabaria por se tornar, também, colunista da Veja. Tudo isso – a presença constante no noticiário — ajudou a empurrar adiante a consultoria que ele montou pós-governo, a Tendências.4

Maílson da Nóbrega ainda idealizou e lançou no ano de 2013 o documentário (Figura 5) ―o Brasil deu certo. E agora‖, onde aparece fazendo reflexões sobre a economia brasileira junto com outros economistas como o também sócio da consultoria Tendências e presidente do Banco Central durante o primeiro governo FHC (1994 – 1998), Gustavo Loyola.

3.4 O PAPEL DOS JORNALISTAS NO PROCESSO

4

NOGUEIRA, P. Legou uma inflação de 80% ao mês aos brasileiros e virou estrela. Diário do Centro do Mundo. Londres, 12 mai. 2013. Disponível em: Acesso em: 3 nov. 2014.

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Figura 4 – Maílson da Nóbrega fala sobre economia em documentário

Fonte : (REPRODUÇÃO, 2013)

Os jornalistas de economia são outra parte beneficiada no esforço de comunicação por parte do mercado financeiro. Os economistas do mercado se mantêm disponíveis para dar entrevistas o tempo todo e muitas vezes fornecem seus contatos pessoais (PULITI, 2013). A disponibilidade maior desses especialistas em relação à de economistas do setor industrial e do meio acadêmico, por exemplo, pressiona o uso das fontes do mercado pelos jornalistas devido ao pouco tempo que possuem para terminarem as suas reportagens. O jornalista e estudioso da comunicação, Bernardo Kucinski, fala em seu livro ―Jornalismo Econômico‖ sobre o que seria um ―problema estrutural‖ na produção jornalística de economia: a dificuldade de o jornalista fazer um trabalho de qualidade em um tempo menor do que o necessário para isso devido ao fechamento da edição do jornal.

Outra singularidade ética decorre do fato de que a informação jornalística tem de ser captada, interpretada e processada em tempo curto. Nesse processo, o erro é inerente e aumenta em proporção direta ao esforço do jornalista em informar com presteza, em atravessar o muro de segredos que em geral

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envolve o processo decisório de governos e agentes econômicos. (KUCINSKI, 1996, p. 175)

Outro fator na cobertura econômica analisado por Kucinski consiste na necessidade dos jornalistas de possuírem conhecimento no assunto noticiado para perceberem os interesses particulares envolvidos nos agentes econômicos, dentro da função jornalística de noticiar informações de interesse público.

A falta do conhecimento do jornalista impede tanto a exposição coerente das ideias, como a filtragem crítica das premissas, falsas, frequentemente usada pelos agentes econômicos no debate da economia. Por isso, o jornalismo econômico obriga, mais do que outras modalidades de jornalismo, à aquisição contínua do conhecimento. (KUCINSKI, 1996, p. 22)

Essa necessidade de conhecimento é compartilhada pelos próprios profissionais da cobertura econômica. A jornalista Luciana Seabra Resende Castro Corrêa, por exemplo, entrevistou em 2006 para a sua monografia de conclusão de curso em jornalismo pela UNB ―Jornalismo econômico para quem não entende economia‖, doze jornalistas sobre a necessidade de conhecimento em economia pelos profissionais que cobrem essa área. De doze jornalistas com atuação de destaque na imprensa nacional, dez afirmaram que o jornalista econômico ―precisa de uma formação especial‖. Essa necessidade de conhecimento dos jornalistas ainda será discutida no próximo capítulo e colocada em prova por meio de entrevistas com jornalistas no capítulo 6.

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4 IDEOLOGIA E TEORIAS DA COMUNICAÇÃO

Esse capítulo tem como objetivo analisar qual corrente de pensamento econômico é defendida pela Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo e como esse processo se dá. Isso servirá para ser analisado posteriormente se a cobertura dos dois diários possui elementos ideológicos de defesa de determinadas ideias.

4.1 LINHA EDITORIAL

A última versão do Manual de Redação da Folha, de 2001, faz alusão ao apoio do jornal à liberdade de mercado e à oposição ao pensamento econômico socialista. A ―queda do muro‖ faz referência ao fim da União Soviética (1989), país que possuía uma economia planificada, onde a produção é planejada pelo governo ao invés de determinada pela dinâmica de mercado. O texto do manual seguido pelos jornalistas do veículo também critica a definição de luta de classes marxista, ao falar em ―entrou em colapso a concepção maniqueísta‖. Também omite as desigualdades sociais propiciadas pela economia de mercado ao falar em ―uma era de progresso e multiplicação de renda‖.

Os últimos dez anos ostentam, porém, uma constelação de mudanças espetaculares na política, na economia, nas ideias. Na metáfora tão batida da queda do muro, entrou em colapso a concepção maniqueísta. [...] A dualidade política foi substituída por um consenso. Uma só superpotência impôs seu predomínio ao mundo, quase todas as sociedades procuram se aproximar do seu modelo. [...] O modelo vitorioso se impôs pela eficiência com que produz bens e serviços, prenunciando uma era de progresso e multiplicação da riqueza. (FOLHA DE S.PAULO, 2001,p.10)

A Folha de S.Paulo ainda publicou no dia 19 de fevereiro deste ano, data em que o jornal comemorou seu aniversário de 93 anos de fundação, textos com suas posições em relação a diversos assuntos, entre eles, a economia. As expressões ―crescer de forma equilibrada‖ e ―ajustes necessários, ainda que pouco populares‖ fazem referência à

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rigidez fiscal, defendida pelo pensamento ortodoxo, que muitas vezes pode ser responsável pelo corte de recursos orçamentários para áreas sociais, por exemplo. A expressão ―regras simples e previsíveis‖ faz referência à liberdade de mercado.

O país precisa crescer de forma equilibrada, tornando-se menos suscetível a turbulências internacionais e buscando assegurar a todos os brasileiros os benefícios do desenvolvimento. Ajustes necessários, ainda que pouco populares, devem ser feitos o quanto antes e de forma paulatina, a fim de que a população não seja submetida a choques. É crucial, além disso, que o ambiente de negócios funcione sob regras simples e previsíveis. (FOLHA DE S.PAULO, 2014)

Sobre o posicionamento ideológico desse texto, a ombudsman da Folha na época, Suzana Singer, ainda afirmou em artigo no dia 23 do mesmo mês (―93 anos, mas cabeça de...‖) que a Folha se encontra ―no espectro da social-democracia‖, segundo o editor de opinião do jornal, Uirá Machado. O ideário político em questão não defende o livre mercado, e sim, a intervenção do Estado na economia. Será verificado nos capítulos 4 e 5 da monografia se o caderno de economia do jornal apresenta um discurso relacionado às ideias contidas no Manual de Redação ou à declaração do editor. O Estado de S. Paulo também expõe de forma oficial sua defesa à livre iniciativa. Isso é feito em seu Código de Ética.

A missão editorial do Grupo Estado está em grande parte inspirada nos princípios fundadores do jornal Província de São Paulo. Figura na declaração inaugural de propósitos de 4 de janeiro de 1875. No entanto, sensível às mudanças históricas e aos avanços da ética, o Grupo acrescentou ao compromisso com a democracia, a luta pela defesa da liberdade de expressão e de imprensa, a promoção da livre iniciativa, da justiça e a permanente busca da verdade. (O ESTADO DE S. PAULO, p.6)

O Grupo Estado ainda faz parte do grupo de apoio do Instituto Millenium, entidade sem fins lucrativos que tem na sua missão ―promover a economia de mercado‖ e como

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princípio o ―direito à propriedade‖. Membros do instituto colaboram com artigos para O Estado de S. Paulo, como será analisado no capítulo 6. A entidade é ligada à oposição ao governo e tem como membros críticos públicos ao PT, tal como o colunista da Veja Online, Rodrigo Constantino, e o historiador Marco Antonio Villa. Também é frequentemente acusada pela revista Carta Capital de reunir jornalistas oposicionistas, de vários veículos, que têm o objetivo de tirar o PT do poder.5 O partido governista, por sua vez, fundado em 1980 por sindicalistas, intelectuais e grupos de esquerda da Igreja Católica, possui origem socialista e ainda conserva esse posicionamento histórico. O site nacional do partido, por exemplo, fornece para download resolução da sigla que fala sobre o chamado ―socialismo petista‖, o ideário defendido pelo partido.

A civilização industrial gerada pelo capitalismo, baseada no domínio da natureza pelo homem, na crença de que a ciência e a tecnologia possam constituir novas forças produtivas cada vez mais avançadas [...] foi durante questionada na segunda metade do século XX. [...] O socialismo petista ou será radicalmente democrático e sustentável, ou não será socialismo. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, Pg. 17)

Percebe-se aqui, então, um conflito entre o pensamento econômico defendido pela Folha e o Estado e o que dá base ao partido governista. Para a oposição entre a defesa do livro mercado pela Folha e o Estado e as ideias do PT ficar mais clara, mesmo após o que já foi falado no capítulo 1 da monografia, cita-se aqui a definição de socialismo segundo o livro História das Ideias Socialistas no Brasil, do filósofo Leandro Konder. O estudioso defende essa corrente de pensamento econômico como algo que vai fundamentalmente, em geral, contra a economia de mercado capitalista desde suas origens.

5

FORTES, L. Saudades de 1964. Carta Capital. São Paulo, 7 dez. 2012 Disponível em: Acesso em: 27 out. 2014.

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O socialismo surgiu como um continuador da luta contra as desigualdades sociais, porém introduziu nessa luta um elemento novo: a proposta de uma transformação nas condições de produção e da apropriação da riqueza produzida pela sociedade. O programa político defendido pelos socialistas, em nome de necessidades vitais da comunidade, passou a impor restrições aos direitos dos proprietários particulares. (KONDER, 2010 p.10)

Logo, a linha editorial da Folha de S.Paulo e de O Estado de S. Paulo é contrária às ideias que dão base ao partido do governo responsável pela política econômica brasileira atualmente, noticiada e analisada pelos cadernos Mercado e Economia & Negócios. Será visto nos capítulos seguintes se essa oposição de princípios é representada no conteúdo dos cadernos de economia da Folha e do Estado.

4.2 PESSIMISMO NA IMPRENSA

Figura 6 – Personagem critica pessimismo em campanha de Dilma Rousseff

Fonte : (REPRODUÇÃO, 2014)

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O governo acusa a imprensa de distorcer o cenário econômico do país por meio do pessimismo, ou seja, pelo destaque de fatos ruins. O pessimismo seria um meio de a mídia veicular suas preferências ideológicas. Esse posicionamento do governo teve como ápice em 2014 a criação do personagem ―Pessimildo‖ (Figura 6) pela campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Em um dos vídeos com o personagem, o locutor lhe pergunta: ―Pessimildo, viu como os empregos continuam subindo no Brasil?‖ O personagem responde: ―Tudo o que sobe desce‖. O vídeo encerra com um apelo do locutor: ―chega de pessimismo. Pense positivo. Pense Dilma.‖ O argumento eleitoral envolve a discussão de a imprensa possuir tom pessimista, o que interfere em sua neutralidade. Esse debate não é novo e é feito pela própria mídia. Tanto a Folha de S.Paulo quanto O Estado de S. Paulo já veicularam a discussão do pessimismo na imprensa ou na economia de algum modo. A Folha possui trecho em seu projeto editorial que aborda o tema. ―Assim como cresceu a percepção crítica da imprensa em relação aos poderes instituídos, especialmente os de natureza pública, aumentou também a recepção crítica dos meios de comunicação por parte da sua base social, o público que consome a mercadoria-informação. O mal-estar que cerca a imprensa passou a se traduzir em três acusações predominantes: ela seria superficial, invasiva e pessimista. [...] Como manter e até ampliar o diapasão de crítica, sem ferir direitos nem utilizar métodos capciosos? Como aprofundar os enfoques sem perder a necessária vivacidade jornalística? Como evitar tanto o conformismo como a crítica pela crítica?‖6

A ombudsman da Folha de S.Paulo, Vera Guimarães, responsável por fazer análises críticas da Folha, afirmou em texto publicado no dia 25 de maio de 2014, como já foi mencionado na introdução do estudo, que o jornal possui uma cobertura de tendência negativa. Disse em tom de brincadeira que ―o azedume é parte da alma da Folha‖ e que a ressureição cristã poderia ter sido manchetada pelo jornal como ―Nazareno leva três dias para ressuscitar‖, o tipo de recorte que não seria preciso com os fatos. A ex-ombudsman da Folha de S.Paulo, Suzana Singer, também já tratou do assunto. Teve análise publicada no dia 26 de janeiro onde cita crítica da dona da rede de lojas 6

FOLHA DE S.PAULO. Um jornalismo cada vez mais crítico e mais criticado. Disponível em: Acesso em: 15 abr. 2014.

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Magazine Luiza, Luiza Trajano, ao pessimismo presente na mídia, durante o programa Manhattan Connection, que vai ao ar na Globo News. A empresária afirmou que a imprensa mostra ―apenas a metade vazia do copo‖ quando analisa a economia. Segundo ela, os brasileiros ―olham bem o lado do copo meio vazio‖ e a mídia ―coloca esse lado‖, de modo que as pessoas não veem ―o copo meio cheio‖. Suzana Singer também analisou manchetes negativas na Folha referentes a notícias que possuíam lados positivos, como no caso das vendas de natal de dezembro de 2013.

Quem passa os olhos pelos títulos da Folha pode ficar com a mesma impressão que a empresária. ―Comércio tem o pior resultado no Natal em 11 anos‖ (27/12), ―61 milhões estão fora da força de trabalho‖ (18/1), ―Brasil cria 1,1 milhão de empregos em 2013, pior saldo em dez anos‖ (22/1), ―Arrecadação federal sobe, mas fica aquém da meta oficial‖ (23/1). Todas as afirmações estão corretas, mas é possível contra argumentar em cada caso. O resultado do Natal foi positivo, com um crescimento de 2,7% em relação a 2012. A nova pesquisa sobre o desemprego mostrou um grande contingente que não trabalha, mas em qualquer país existe muita gente fora da força de trabalho. Criar mais de um milhão de vagas com um crescimento de apenas 2% não é desprezível, assim como é notável aumentar a arrecadação, mesmo com tantas desonerações. (FOLHA DE S.PAULO, 2014)

Segundo a jornalista, a Folha possui uma tendência ao pessimismo em sua cobertura, em geral. Suzana entrevistou 11 jornalistas sobre o assunto. Destes, cinco não veem uma tendência de pessimismo no jornal contra seis que capturam esse movimento. O ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, afirmou a ombudsman que o baixo crescimento da economia justifica o pessimismo da publicação. Já o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, por sua vez, acredita que a Folha apenas reflete o sentimento do mercado acompanhado por ela na frequência ―quase diária‖. Os dois, entretanto, são ligados ao PSDB, partido de oposição ao governo. O primeiro foi presidente do Banco Central durante o segundo governo FHC (1998 – 2002) e foi anunciado pelo candidato tucano à presidência Aécio Neves como seu futuro ministro da Fazenda, caso ganhasse as eleições em 2014. Já Mendonça, também colunista da

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Folha e analisado com maior profundidade no item 6.1.1.11 da monografia, foi ministro de Fernando Henrique Cardoso. Suzana ainda analisa a dificuldade de cobrir economia para os jornalistas e o peso do mercado financeiro no noticiário, o que já foi discutido no capítulo 2.

Vários dos entrevistados apontam um peso grande do mercado financeiro nas páginas de economia. De fato, é mais difícil obter uma declaração importante de um grande industrial, que muitas vezes depende de empréstimos do governo, do que colher aspas de quem lida com investidores. Além disso, o mercado financeiro produz constantemente relatórios e projeções, que facilitam muito a vida dos jornalistas. (FOLHA DE S.PAULO, 2014)

A jornalista conclui em seu artigo que a discussão seria mais complexa do que um duelo entre ―otimistas e pessimistas‖. A discussão sobre o pessimismo com a economia também aparece no jornal O Estado de S. Paulo. O jornalista Celso Ming, por meio do artigo ―Mazelas Nossas‖ publicado em 24 de fevereiro, já criticou, por exemplo, o efeito das projeções econômicas no empresariado.

Projeções são projeções e podem estar subestimadas tanto quanto as do início dos anos anteriores foram superestimadas. Em janeiro do ano passado, por exemplo, as projeções eram de avanço do PIB de 3,1%, bem maior do que o que será confirmado. O problema das projeções realistas (ou serão pessimistas?) é que elas se reforçam. Levam os empresários a comportamentos mais defensivos, como o de adiar projetos de investimento e de aumento da produção. É o mesmo que acontece com um time de futebol que já entra em campo convencido de que perderá o jogo e que não tem muito o que fazer para virar o resultado ruim. (O ESTADO DE S. PAULO, 2014)

O pessimismo na imprensa, portanto, não possui como explicação apenas a falta de neutralidade na cobertura da mídia e a transmissão de sua ideologia. Seria também uma característica da produção jornalística.

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É o que o jornalista e palestrante Stephen Kanitz, afirma no artigo ―A cultura do pessimismo‖, publicado em seu site. Para ele, as notícias ―pessimistas‖ atraem mais o público. Ele faz referência ainda à máxima aprendida nas escolas de jornalismo nos EUA: ―good news is no news (nenhuma notícia é uma boa notícia)‖.

―O gene do pessimismo ainda não foi identificado, é somente uma invenção minha, mas acho que um dia será descoberto. Ele irá explicar muita coisa que acontece no mundo e no Brasil. Por exemplo, ele explica por que notícias pessimistas vendem muito mais jornal do que notícias otimistas. É que nós, leitores, somos presas fáceis de nossos genes pessimistas. Compramos manchetes que nos assustam. Jornalistas são frequentemente acusados de só publicar más notícias, mas na realidade somos nós que queremos ler o pior.‖7

4.3 NEGATIVIDADE E PROCESSO IDEOLÓGICO

As ciências da comunicação possuem campos de estudo do processo de comunicação da mídia. Uma delas, a teoria do gatekeeping, entra na questão do pessimismo. O pesquisador Jorge Pedro Souza fala sobre a teoria jornalística em sua dissertação ―Os Estudos Jornalísticos após 1950: a consolidação de um campo científico‖. Segundo ele, os fatos são selecionados para serem noticiados por meio de critérios de noticiabilidade ou valores notícias, conforme a tabela abaixo. Um deles consiste na ―negatividade‖.

Critério

Significado

Momento e frequência

Fato tem mais chance de ser noticiado quanto mais foi recente ou frequente.

Intensidade e magnitude

Acontecimento tem mais chance se transformar em notícia o quanto mais foi profundo ou envolver mais pessoas e fatos.

7

KANITZ, S. A cultura do pessimismo. Palestras Para Se Pensar. Disponível em: Acesso em: 15 abr. 2014.

43

Consonância

com

as Acontecimento que se assemelha mais ou menos ao que

expectativas

costuma ser noticiado e se adequa ao que os jornalistas enxergam como notícia.

Proeminência social

Fato tem mais chance de ser noticiado o quanto mais próximo

for

(geograficamente)

do

público, ou

de

seja maneira

fisicamente abstrata

(culturalmente, por exemplo). Proeminência das nações Fato relacionado a um país com maior destaque mundial envolvidas

tem mais noticiabilidade do que um relacionado a uma nação avaliada como menos importante.

Equilíbrio

Fato equilibra o noticiário do ponto de vista temático, sem deixar um tipo de assunto ter volume maior do que outro.

Inesperado

O quanto menos previsível for o acontecimento, mais noticiabilidade ele tem.

Negatividade

O que tem caráter mais negativo, tem mais chance de virar notícia, de modo que ―as más notícias são as boas notícias‖.

O livro ―Teorias da Comunicação – Conceitos, escolas e tendências‖, do mesmo autor, cita ainda outros valores.

Atualidade interna

Muitas vezes um fato não pode ser transformado antes em notícia pelo jornalista devido a ele ter de retardar a divulgação por motivos estratégicos ou comerciais, como o chamado ―furo‖.

Geração

de

expectativas Algo pode ser noticiado com o objetivo de enfrentar a

recíprocas Desencorajamento inovações

concorrência. sobre Veículos evitam noticiar fatos que se choquem com os valores do público.

Para o teórico das ciências da comunicação, Antonio Hohfeldt, a teoria do gatekeeping

44

não mostra uma influência na produção informativa proposital por parte do jornalista, uma ―manipulação‖, mas, sim, algo que ocorre de forma automatizada.

Não são distorções deliberadas, mais involuntárias, inconscientes, que podem chegar, por isso mesmo, a níveis bem mais radicais e perigosos, na medida em que omitem e marginalizam acontecimentos, que, por vezes, poderiam ser efetivamente importantes e significativos para determinadas coletividades. (HOHLFELDT, 2001, p. 206)

Temos aqui, então, uma quebra na neutralidade da mídia não proposital por parte dela. Já a parcialidade proposital entra na questão ideológica já mencionada. Essa pode ser analisada pela ótica da teoria do newsmaking, que afirma que o noticiário sofre a influência de diversas ações. Jorge Pedro Souza, no livro Teorias da Notícia e do Jornalismo, classifica-a conforme a tabela abaixo.

Ação pessoal

As notícias são resultado da capacidade pessoal dos jornalistas.

Ação social

Sofrem influência das relações sociais entre indivíduos, como o contato dos jornalistas entre si, com assessorias de imprensa, agências de comunicação e com suas fontes.

Ação ideológica

Meios de comunicação produzem notícias que legitimam valores e crenças por meio do senso-comum.

Ação cultural

Notícias são afetadas pela visão de mundo dos jornalistas que as produzem.

Ação do meio físico e Dependem dos equipamentos utilizados para obter e tecnológico

apurar os fatos.

Ação histórica

É fruto do conjunto de todas as ações citadas acima.

Uma legitimação do pensamento ortodoxo pela Folha e o Estado se enquadra na ação ideológica.

45

Souza (2002), ainda dentro da teoria do newsmaking, cita a análise do teórico da comunicação Hebert Blumer. Este acredita que um dos processos ideológicos da imprensa consiste na ―identificação pessoal com o público‖, onde a escolha do que vai ser noticiado é norteada pelo ―consumo de produtos midiáticos que mais se adequem ao sistema de crenças, valores, ideias e expectativas do receptor, ou seja, ao sistema de pensamento‖. Essa ideia tem relação com o critério de noticiabilidade do ―desencorajamento sobre inovações‖, onde os jornalistas evitam transmitir ideias contrárias à ideologia do público. Ou seja, conforme as duas teorias, um veículo de imprensa que possui público que segue em sua maioria uma determinada ideologia, produz um noticiário com o mesmo perfil ideológico. A questão se resume à lógica de mercado onde se é oferecido o produto desejado pelo consumidor. Sob a ótica da ação social, Souza ainda afirma que o noticiário possui vários tipos de fontes informativas: ―institucionais‖, ―oficiosas‖, ―provisórias‖, ―passivas‖ e ―ativas‖, ―conhecidas‖ e ―desconhecidas‖. Essas fontes, em geral, procuram disseminar as informações que mais são do seu interesse de serem divulgadas e da forma que mais lhes agrada. Os jornalistas, por sua vez, possuem a função de obter informações que não agradam às fontes, mas que são de interesse público. Como citado por Kucinski (1996) no capítulo anterior, a falta de conhecimentos em economia dos jornalistas os impossibilita de questionar e detectar os interesses particulares das fontes. O próximo capítulo analisará o grau de neutralidade do noticiário da Folha e do Estado e se a possível parcialidade ocorre de forma intencional ou não da parte dos jornais. Também verificará se as fontes da cobertura econômica dos dois jornais possuem interesses próprios ou de um setor econômico envolvidos em suas declarações, em relação ao tema sobre os quais dão declarações. O capítulo 6 verificará também se interesses particulares também estão presentes nos textos dos articulistas dos dois jornais.

46

5 ANÁLISE DA COBERTURA

5.1 TEMAS ESCOLHIDOS DO NOTICIÁRIO ECONÔMICO

A análise da cobertura noticiosa compreende o período dos seis primeiros meses de 2014, como já descrito na introdução do estudo. Foram selecionadas de forma aleatória notícias relacionadas a sete temas ao todo que fazem alusão à agenda neoliberal: combate à inflação, superávit primário, intervenção no câmbio, crescimento do PIB, Petrobras, pessimismo do mercado e Plano Real. São 45 notícias, textos de análise ou entrevistas analisados no total. Foi estudado todo o conteúdo que compôs toda a cobertura de um determinado fato na edição em questão dos dois jornais. Os três primeiros temas foram escolhidos por fazerem referência ao chamado tripé econômico, estabelecido no governo FHC. O tripé se baseia em uma política econômica na qual o governo estabelece metas para a inflação, uma meta de economia de recursos no orçamento para pagar os juros da dívida pública (títulos vendidos pelo governo) e um câmbio flutuante, sem intervenção do governo. O governo Dilma tem sido criticado por ter pouca preocupação em seguir esse tipo de política econômica.8 O crescimento do PIB foi escolhido por ser ligado à política econômica do governo, responsável por promover ações que façam com que a economia cresça mais. A Petrobras, por sua vez, já ficou sob a eminência de ser privatizada durante o governo FHC e é acusada de ser prejudicada pelo governo atual, que congela as suas tarifas para evitar um aumento maior da inflação. O pessimismo mostra o quanto os dois jornais dão importância à expectativa do mercado. Por último, o Plano Real foi escolhido como tema por ser uma medida feita no governo FHC e exaltada pelo PSDB, partido de oposição, e por ter ganhado destaque no noticiário neste ano devido ao seu aniversário de duas décadas.

8

COUTINHO, M.; VENCESLAU, P. “Tripé econômico nunca foi abandonado”, afirma Dilma. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 15 out. 2013. Disponível em: Acesso em: 2 set. 2014.

47

5.1.1 Combate à inflação

A Folha e o Estado noticiaram no dia 27 de fevereiro que o Copom (Comitê de Políticas Monetárias) subiu em 0,25 ponto percentual a taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia). A taxa básica de juros serve de parâmetro para o rendimento dos títulos públicos vendidos pelo governo. Quando aumentada, oferece mais oportunidade de lucro aos bancos que tendem a utilizar parte do capital que ofereceriam como crédito a clientes para comprar esses títulos. O consumo da população cai com a menor oferta de crédito, o que pressiona os preços de produtos e serviços do país para baixo. O discurso neoliberal defende a alta da Selic como uma forma de combater a inflação, que corrói o salário dos brasileiros. Contudo, existe por trás dessa defesa o interesse dos bancos em lucrar com a compra de títulos. Do ponto de vista social, a baixa no consumo proporcionada pela alta da Selic resulta em um desestímulo a produção industrial e ao setor de serviços, o que tem como consequência o desemprego. A Folha de S.Paulo noticiou o fato na primeira página de seu caderno de economia, com o título ―Banco Central reduz ritmo de alta dos juros‖ e a com a linha fina ―Após seis aumentos de 0,5 ponto percentual, Copom9 eleva Selic em 0,25 ponto, para 10,75%, em cenário de PIB fraco‖. A linha fina já quebra a neutralidade da notícia ao opinar sobre o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) com um adjetivo. A informação também não tem ligação direta com a notícia e poderia ter ficado de fora da linha fina. O segundo parágrafo realça que a inflação está acima da meta, enquanto o terceiro politiza a elevação da taxa: ―Até então, a taxa havia sido elevada por seis vezes consecutivas em 0,5 ponto percentual, na tentativa de conter a inflação – que está acima das metas oficiais desde o fim do governo Lula. A medida leva os juros de volta ao mesmo percentual em vigor no início do mandato de Dilma Rousseff, que fez da queda das taxas uma de suas bandeiras políticas.‖

9

O Comitê de Políticas Monetárias, do Banco Central, reúne-se oito vezes ao ano para decidir se a taxa Selic deve sofrer alguma alteração.

48

O texto jornalístico tradicional segue a estrutura chamada de pirâmide invertida, onde as informações são apresentadas em ordem decrescente de importância. O leitor muitas vezes não chega a ler o texto até o final. Logo, a notícia da Folha já deixa implícito em seu início que o regime de metas de inflação não está sendo cumprido e que o governo politizou a questão. O terceiro e quarto parágrafo explicam a citação do Produto Interno Bruto na linha fina. O governo havia reduzido anteriormente a taxa Selic para incentivar o consumo, mas a economia cresceu pouco. O crescimento do PIB é apresentado como ruim sem ser relativizado com um comparativo com o de outros países ou analisado por um economista. ―Um ano atrás, a Selic estava em 7,25%, o menor patamar desde que a taxa foi criada, em 1986. O recorde, porém, não resultou na esperada aceleração do consumo e dos investimentos. O crescimento do PIB em 2013, a ser divulgado em números precisos hoje, ficou em torno de 2%. Para este ano, analistas e investidores esperavam taxa ainda mais baixa.‖

A única fonte da notícia, um economista de banco, aparece nos dois últimos parágrafos. O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, analisa que a taxa básica de juros pode voltar a subir, devido ao Banco Central não ter se comprometido com nenhuma futura decisão em comunicado. ―[Agora] É um momento parecido com os outros, o futuro da Selic está em aberto.‖ A reportagem é assinada pelos repórteres Gustavo Patu e Sofia Fernandes. Vem acompanhada de uma nota na mesma página (―Fundo retoma vantagem sobre poupança‖) que afirma que os fundos de renda fixa voltaram a ser mais lucrativos que a poupança, com o aumento da taxa Selic. Já O Estado de S. Paulo noticiou a alta da taxa de juros, também em sua primeira página, com o título: ―Banco Central eleva taxa de juros para 10,75% e taxa volta ao nível do início do governo Dilma‖. O enunciado pode ser interpretado como uma alusão a uma descontinuidade do governo, que voltaria atrás em suas ações. Como deixado explícito na reportagem da Folha, a baixa da Selic tinha sido uma bandeira política do governo. Aqui isso fica implícito. Segue uma chamada acima do título: ―Política monetária. Comitê de Política Monetária decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic

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em 0,25 ponto porcentual, a oitava alta consecutiva; para analistas, o curto comunicado do Banco Central deixou a porta aberta para novas elevações da Selic.‖ Aqui o jornal destaca a importância da notícia com o chapéu ―Política monetária‖. A primeira página é ocupada por uma propaganda e a reportagem se encontra na sexta página do caderno, com título e linha fina que passam as mesmas ideias que os da primeira página. A reportagem, assim como a da Folha, faz menção à desaceleração da economia, em seus segundo parágrafo. É utilizado o adjetivo ―modesto‖ refere ao crescimento econômico. A locução adverbial ―pouco menor‖ caracteriza uma queda da inflação. ―A queda no ritmo de alta era esperada pelo mercado, principalmente depois da divulgação de alguns indicadores recentes. Números fracos de 2013 – como o IBC-BR, que apontou queda da atividade no quarto trimestre – ratificaram a perspectiva de um crescimento modesto da economia neste ano. A inflação veio um pouco menor do que se esperava em janeiro e nos primeiros dias de fevereiro e houve recuo na valorização do dólar, depois de uma trégua dos investidores aos mercados emergentes.‖

A notícia, ao contrário da Folha, apresenta quatro fontes creditadas. A primeira é Gustavo Loyola, citado como ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria, mencionada pela monografia no capítulo 3. Fica omitida aqui a informação de que Gustavo fez parte do alto escalão do governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, partido que faz oposição ao governo atual. ―Loyola avalia que o BC vive um dilema, ―a pior situação para um Banco Central‖, com a inflação em alta, o que exigiria novos aumentos na Selic, e o nível de atividade em baixa.‖

A segunda fonte consiste em um economista de banco, o economista-chefe do Banco J.Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall. Ao contrário de Loyola, ele participou do governo Lula até 200610, do mesmo partido que o atual. Interpreta que o 10

Segundo o Estadao.com.br, Kawall deixou o governo alegando “problemas pessoais” e com carta onde fez elogios a integrantes do governo e à política economia da época.

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BC deve continuar a aumentar a Selic, devido à autarquia ter usado a impressão ―dando prosseguimento‖ à elevação. Gustavo, entretanto, afirmou que o comunicado era ―conciso‖ e tornava ―incerta uma avaliação de como o banco deve agir nas próximas reuniões‖. A terceira fonte consiste no economista-chefe de uma consultoria de economia e política, a MCM Consultores. Fernando Genta concorda com a opinião de Kawall. O quarto entrevistado é o diretor de Pesquisas para a América Latina da Nomura, em Nova York, Tony Volpon. Trata-se de uma empresa gestora de fundos de investimentos. Volpon analisa que não há necessidade de um novo aumento da taxa de juros para se controlar a inflação. A notícia ainda cita fontes não identificadas ao afirmar que ―analistas‖ acreditam que a Selic não deve continuar a subir. Em geral, a reportagem, assinada pelos repórteres Murilo Rodrigues Alves, Laís Alegretti, Gustavo Porto, Márcio Rodrigues e Flávio Leonel, apresenta pluralidade de opiniões e de origem das fontes. Entretanto, a fonte de maior destaque consiste em alguém ligado a uma política neoliberal e à oposição ao governo atual. A notícia vem acompanhada na mesma página de um texto de análise (―Ritmo menor de alta dos juros, mas por período mais longo‖) em que o colunista José Paulo Kupfer percebe um ―freio no ritmo de elevação dos juros‖ pelo Banco Central. A página também apresenta uma entrevista com o economista Armando Castelar (―Banco central mistura crescimento e inflação‖), que afirma que o aumento na taxa deveria ter sido de 0,5 ponto devido à tendência de a inflação subir com um provável fim do represamento de preços, como o da gasolina, administrados pelo governo. Também diz que a Selic deveria ficar entre 13,5% e 14% para a inflação atingir o centro do meta (4,5%). A página ainda oferece espaço a uma nota (―Fundos ganham atratividade em relação à poupança com nova Selic‖), assim como a da Folha, sobre os fundos de investimento terem ganhado mais oportunidade de lucro com a alta da taxa de juros.

5.1.2 Superávit primário

O governo anunciou no dia 20 de fevereiro a meta de corte de R$ 44 bilhões no seu orçamento, o equivalente a 1,9% do PIB de 2014, para pagar os juros da dívida pública.

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Essa dívida consiste no dinheiro que o governo deve pagar aos compradores de seus títulos públicos. O superávit primeiro é como se chama a economia de recursos para o pagamento. A agenda neoliberal defende que é preciso cumprir a meta para o País manter a credibilidade internacional como um bom pagador perante as agências de risco que classificam a chance de os governos darem um calote no pagamento dos títulos. Uma nota melhor atrai mais investimentos para o país que fazem a economia crescer. Entretanto, como já discutido no item 4.1.1, os banqueiros e o mercado, em geral, são quem compram os títulos do governo. Ou seja, ao defenderem o cumprimento da meta de superávit primário, estão cobrando do governo o compromisso de lhes pagar o que deve pelos títulos do Tesouro. É um interesse de classe que pode prejudicar o interesse da maior parte da população, caso o governo retire dinheiro de investimentos na área social para cumprir a meta de superávit primário, por exemplo. A Folha noticiou a promessa do governo na primeira página do caderno de economia, no dia seguinte, com o título: ―Governo promete economia de 1,9% do PIB‖ e a linha fina: ―Corte anunciada nas despesas programadas no Orçamento deste ano foi de R$ 44 bi, elevando poupança a R$ 99 bi‖. Ambos apresentam neutralidade e passam a informação do fato sem nenhuma informação implícita. Segue um pequeno texto em negrito antes do lead da matéria: ―Superavit previsto foi maior do que o esperado por investidores e analistas; custo da energia pode elevar custo‖. Aqui encontramos equilíbrio entre uma informação boa e outra ruim para o governo: o anúncio foi bem recebido pelo mercado financeiro, mas a meta pode não ser cumprida devido a gastos com o setor energético. O lead, entretanto, já começa a reportagem com a informação implícita de que a política econômica do governo tem pouca credibilidade econômica. A omissão de que isso é uma opinião mercado financeiro generaliza a falta de credibilidade para todos os setores da economia. O conflito de interesses entre o mercado e o governo também é omitido. ―Na tentativa de restaurar a credibilidade econômica, o governo Dilma Rousseff prometeu para este ano um saldo das contas públicas igual ao de 2013.‖

O quarto parágrafo dá importância ao superávit primário, sem a discussão de que esse item da agenda neoliberal pode afetar outras áreas de investimento do governo, como o

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setor social. Já o quinto parágrafo deixa implícita a crítica de que o governo gasta demais. Uma política econômica com mais gastos do governo é defendida por economistas heterodoxos para incentivar o crescimento da economia e promover a distribuição de renda. Também é colocado de forma subjetiva que o governo está gastando mais para ter realizações para mostrar na campanha eleitoral da presidente candidata à reeleição. O adjetivo ―modesta‖, por sua vez, é usado para a meta de superávit. ―Trata-se da menor economia – ou superavit primário, a diferença entre receitas e despesas com pessoal, custeio e investimentos – desde 1998, quando o país ainda não havia iniciado o controle da dívida pública. Apesar de modesta para os padrões seguidos desde a década passada, a meta é ambiciosa diante da escala de gastos públicos no mandato de Dilma e da proximidade das eleições.‖

Já o sexto e sétimo parágrafo mostram situação favorável ao governo, sem opinião implícita. Contudo, fica claro que a reportagem valoriza a importância da confiança do mercado financeiro. ―O número também é melhor do que o esperado pelos investidores e analistas de mercado. A projeção central dos bancos e consultorias, que havia iniciado o ano em 1,4% do PIB, subira para 1,5% nos últimos dias. Agora, ainda que permaneça o ceticismo quanto ao cumprimento integral da meta, as projeções tendem a melhorar – o que já é uma vantagem para o governo.‖

O resto da reportagem consiste em uma declaração do ministro da Fazenda seguida por uma forte carga opinativa por meio da locução adverbial ―nem tanto‖ e adjetivos. O texto tem tanta carga opinativa que parece deixar de ser uma notícia e se tornar um artigo. Nenhum economista foi entrevistado pelos repórteres Gustavo Patu e Sofia Fernandes, que assinam o texto. Também fica implícita a opinião de que o governo é otimista com a economia.

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―‗É um superávit primário realista‘, disse o ministro Guido Mantega (Fazenda), ao anunciar o objetivo fixado para 2014. ‗Fomos moderados na intenção da receita e realistas nas despesas.‘ Nem tanto: como de hábito, o governo apresentou uma estimativa otimista para a receita, de 20,9% do PIB, ou R$ 1,088 trilhão. No ano passado, a receita só chegou a 20,6% do produto com a ajuda do programa de parcelamento de tributos em atraso. A previsão para o crescimento da economia, que é decisiva para a arrecadação, também dá margem a dúvidas. Mesmo reduzida de 3,8% para 2,5%, permanece bem acima de 1,8% projetado pelos analistas de mercado. Há ainda despesas que tendem a superar os valores orçados, caso dos subsídios para o barateamento da conta de luz. O setor de energia calcula que o gasto vai superar com folga os R$ 9 bilhões disponíveis no Orçamento. Mantega foi evasivo ao tratar do tema. ‗Se haverá despesa adicional ou não, temos que esperar. Estamos vendo como o regime hidrólogo se move‘, disse sobre a perspectiva de que chuvas ampliem a geração de energia.‘‖

O último parágrafo faz uma menção implícita, ao menos, de que o superávit primário pode ser responsável por menos gastos do governo em áreas sociais. Mas citação no quinto parágrafo das eleições pode fazer com o leitor interprete o programa ―Minha Casa, Minha Vida‖ como algo eleitoreiro, já que o parágrafo anterior fala sobre o corte de emendas parlamentares. ―A maior fatia do ajuste orçamentário ficou com as despesas criadas por deputados e senadores, conhecidas como emendas parlamentares, reduzidas em R$ 13,3 bilhões – metade desse valor estava no Ministério da Saúde. Também foram cortados R$ 7 bilhões do PAC, programa que inclui o Minha Casa, Minha Vida‖

A primeira página do caderno de economia contém ainda infográfico (Figura 7) com despesas do governo, superávit primário por estado e caixa com uma explicação do que é superávit primário, o que mostra a preocupação do diário em atingir um público mais amplo e menos restrito ao conhecimento do assunto econômico. Uma indicação no fim da matéria mostra que se pode ler mais sobre o assunto no resto do caderno.

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Figura 7 – Infográfico sobre superávit primário da Folha

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

A página 3 apresenta uma notícia de conotação ruim para Guido Mantega, com o título: ―Mantega foi voto vencido na decisão sobre superávit‖. Ela dá a entender que o governo está preocupado em agradar o mercado e traz de novo a questão eleitoral, como no 9º e 10º parágrafo: ―Um dos principais sintomas da preocupação do Executivo em convencer o mercado de seu compromisso fiscal foi o corte de R$ 7 bilhões (segundo maior bloqueio), no PAC. O programa de infraestrutura foi alardeado por Dilma na campanha eleitoral de 2010 e inclui o Minha Casa, Minha Vida.‖

O 12º e 13º parágrafos dão tom eleitoral à inflação, tema da agenda neoliberal mencionado no item 5.1.1. A presidente é chamada de ―petista‖, o que politiza o assunto. Nenhum economista foi entrevistado também para a matéria assinada por Valdo Cruz e Natuza Nery. ―O controle dos preços é a obsessão de Dilma na corrida pela reeleição. Uma pressão acima da atual seria capaz de minar votos da petista na campanha eleitoral. Em 2013, a inflação ficou em 5,91%, abaixo do teto da meta oficial (6,5%), mas maior que a esperada por analistas. Em janeiro, o índice em 12 meses se desacelerou para 5,59%.‖ A página 3 apresenta uma reportagem (―Mercado elogia anúncio, mas pede ação‖) que mostra que o mercado financeiro recebeu bem a meta de superávit primário, mas com

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cautela. A reportagem assinada por Mariana Carneiro e Anderson Figo11 entrevista quatro fontes, todas de locais ligados ao mercado financeiro: uma corretora de câmbio, duas gestoras de investimentos e uma agência de classificação de risco. O Estado de S. Paulo, por sua vez, noticiou a meta do superávit também na primeira página do caderno de economia com o título: ―Governo anuncia corte de R$ 44 bi no orçamento e mercado reage com cautela‖ e a linha fina: ―Esforço. Meta de superávit12 primário para este ano foi fixada em 1,9% do PIB, exatamente o número atingido no ano passado; dólar e juros futuros recuaram após o anúncio, mas, para analistas ainda ficaram dúvidas, como os gastos com a energia elétrica.‖ Os dois enunciados, ao contrário do título e linha fina da Folha, deixam claro a desconfiança do mercado e a desconfiança quanto ao cumprimento da meta. O começo do lead da reportagem dá a entender que o governo apresentou o corte no orçamento por pressão e não por vontade própria, o que abre a brecha para a interpretação de motivações eleitorais e que pode consistir em uma crítica à política econômica do governo por parte da notícia. ―Sob pressão, o governo Dilma Rousseff anunciou ontem o compromisso do setor público de poupar neste ano [...]‖ Trecho do segundo parágrafo deixa implícita a crítica de que a meta é pequena: ―O número anunciado ontem é exatamente igual ao superávit primário alcançado no ano passado. Ficou abaixo dos 2,1% do PIB previstos pelo Banco Central para ‗manter estável‘ a dívida líquida, e representa o menor esforço fiscal anunciado pelo governo federal desde 2003.‖ O resto da reportagem não apresenta opinião implícita. A matéria, assinada pelos repórteres João Villaverde13 e Adriana Fernandes e com a colaboração de Maria Regina Silva e Fábio Alves, entrevistou dois economistas. Ambos trabalham em bancos, o que não dá a pluralidade à notícia, do ponto de vista da origem dos entrevistados. Um deles é Carlos Kawall, ligado ao governo Dilma e mencionado no item 5.1.1. As opiniões deles dão pluralidade à reportagem. Para Kawall, a meta do governo é ―razoável‖; 11

O repórter foi entrevistado para a monografia no item 7.1. O Estado de S. Paulo, ao contrário da Folha, acentuou a palavra “superávit”. 13 João Villaverde será entrevistado no item 7.2. 12

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Alberto ramos, economista-chefe para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, critica o anúncio, que teria efeito ―nulo‖ sobre a credibilidade da política fiscal do governo. A reportagem possui um infográfico (Figura 8) como na matéria da Folha, mas não explica ao leitor com profundidade o que é o superávit primário. A primeira página ainda contém um texto de análise dos dois repórteres (―Nova meta fiscal deixa muitas dúvidas no mercado‖) que questiona a capacidade de cumprimento da meta com números de gastos do governo. Reportagem na página 4 dos dois repórteres, com título: ―Com corte de gastos, pressão vai para o BC‖ e com a linha fina: ―Ministro Mantega diz que meta fiscal permite política de juros ‗menos severa‘‖, relaciona o superávit primário ao combate à inflação pelo Banco Central, por meio da Taxa Selic. A notícia não apresenta opinião implícita e, ao contrário da Folha, informa em seu último parágrafo que a dívida pública vem caindo na proporção do PIB nos últimos anos, segundo Mantega. Uma análise ainda nesta página (―Governo colhe a desconfiança que plantou na área fiscal‖), do colunista José Paulo Kufter, analisa a falta de credibilidade do governo na área fiscal e a reação do mercado. Kufter mais elenca acontecimentos do que critica.

5.1.3 Intervenção no câmbio

A cotação do dólar atingiu no dia 8 de abril fechou em R$ 2,20, o menor nível desde o outubro de 2013 após atingir o preço de R$ 2,34 no fim de março do ano atual. O preço da moeda estadunidense tem importância na vida da população comum, pois é interligado à inflação. Fica mais caro para a indústria importar produtos e matériasprimas quando o dólar está mais caro, já que as mercadorias são pagas nessa moeda. O maior custo é repassado nos preços dos produtos no mercado. A rentabilidade das exportações, entretanto, aumenta o que estimula a produção industrial. A Folha de S.Paulo noticiou o fato na página B3, no dia seguinte, com o título: ―Após ganhos da véspera, Bolsa recua; dólar fecha em R$ 2,20‖ e com a linha fina: ―Investidores aproveitam para vender ações e embolsar lucros.‖ A matéria noticia a cotação do dólar junto com o desempenho da BM&FBovespa, a bolsa de valores de São Paulo, no dia anterior. O quarto parágrafo deixa implícito que o mercado financeiro é desfavorável à reeleição do governo atual. Essa relação não é

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Figura 8 – Infográfico sobre superávit primário do Estado

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

explicada e pode dar a entender ao leitor tanto que o governo é ruim, tanto que há um conflito de classes entre os dois. ―As ações de empresas estatais do setor e do setor elétrico, que haviam subido anteontem no embalo da perda de espaço de Dilma Rousseff na mais recente pesquisa Datafolha, de sábado, sobre as eleições de outubro, caíram ontem.‖

O texto faz depois alusão à interferência do governo na economia no sexto e sétimo parágrafos de uma forma negativa e completa a interpretação de que o governo conduz mal a economia por praticar essa interferência. ―A avaliação do mercado financeiro é que, com um outro governo, as companhias estatais poderiam ser menos usadas como instrumento político, o que favoreceria uma gestão mais rentável. E, no setor elétrico, a intervenção governamental para segurar o repasse de tarifas aos consumidores também desagradou o mercado.‖

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A afirmação não é creditada a fontes identificadas, por tanto, é dada nas palavras da repórter Gabriela Bazzo que assina o texto e sustentada por ela. Foram entrevistadas três fontes, ambas do mercado financeiro, o que mostra falta de pluralidade na matéria. A cotação do dólar é apenas noticiada no terceiro parágrafo e analisada no 11º e 12º por fontes não identificadas, ―operadores‖ de câmbio, com uma crítica implícita ao não cumprimento do tripé econômico pelo governo, ao se mencionar ―problemas com a inflação‖ e ―gastos públicos elevados‖. ―No mercado de câmbio, operadores afirmam que o movimento de queda do dólar é pontual e que a tendência da moeda americana ainda é subir em relação ao real. Essa análise considera os cenários externo [sic] – como a recuperação dos EUA, que se torna mais atraente a investidores estrangeiros que países emergentes, como o Brasil – e doméstico, com problemas como a inflação e os gastos públicos elevados.‖

Já O Estado de S. Paulo noticiou apenas a cotação do dólar, também na página B3, com o título: ―Governo vê ‗ajuste‘ na cotação do dólar‖ e com a linha fina: ―Fontes da equipe econômica dizem que a recente desvalorização corrige uma alta excessiva do início do ano e favorece o combate à inflação‖. A reportagem, ao contrário da Folha, apresenta pluralidade ao apresentar o posicionamento de fontes do governo e uma declaração de fevereiro do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Essa pluralidade ocorre ainda que com tratamento desigual, já que as primeiras fontes não são identificadas e a fala de Tombini é antiga, enquanto um economista de Banco foi entrevistado para a matéria. O texto cita sem críticas, no primeiro e terceiro parágrafo, uma não intervenção do governo no câmbio, o que pode ser interpretado pelo leitor como algo positivo. Reforça com o clichê ―combate à inflação‖ a importância de o governo controlar a o aumento dos preços. ―O governo considera que o mercado está corrigindo o excesso da alta do dólar e trazendo a cotação para um nível mais confortável para o combate à inflação. [...] O governo avalia que o mercado está naturalmente fazendo um ajuste. Da mesma forma que o real foi uma das moedas que mais se desvalorizaram, agora ocorre o

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contrário, seguindo movimento internacional. Segundo fontes do governo, o importante é que a taxa de câmbio fique mais estável.‖ O quinto parágrafo volta a tocar no tema e trata como alto o nível atual de inflação14: ―Amortecedor. Fontes da área econômica avaliam que o nível atual do câmbio é confortável para o combate a inflação, funcionando como um ‗amortecedor‗ para a alta dos preços dos alimentos que afeta a economia nesse momento.‖

O economista entrevistado atribui a baixa do dólar a uma menor atratividade de compra de títulos públicos nos EUA, com a expectativa dos juros ficarem baixos por mais tempo. Já Tombini relaciona a queda na cotação com uma expectativa de melhora da economia brasileira. As duas declarações mostram pluralidade na matéria, que é assinada pelos repórteres Victor Martins, Adriana Fernandes e Fernando Travaglini.

5.1.4 Crescimento do PIB

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou no dia 30 de maio que o Produto Interno Bruto no Brasil cresceu 0,2% no primeiro trimestre de 2014 em relação ao 4º trimestre do ano anterior. Já a alta em relação ao mesmo período de 2013 foi de 1,9%. A Folha de S.Paulo publicou um segundo caderno de economia intitulado ―especial PIB‖ no dia seguinte, no sábado, para tratar do fato. Das oito páginas totais, sete tratam do assunto. O outro caderno de economia, também de oito páginas, não fala sobre o assunto. A matéria da primeira página vem com o título ―Investimento e consumo desaceleram o PIB‖ e a linha fina ―No primeiro trimestre, economia brasileira cresceu 0,2% sobre o trimestre anterior; indústria teve terceira queda‖.

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O último dado, segundo o portal UOL, mostrava um acumulado da inflação de 5,68% nos últimos 12 meses, em fevereiro. O número estava acima do centro da meta do governo (4,5%) e abaixo do teto dela (6,5%).

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A reportagem não segue o padrão de pirâmide invertida e começa com a afirmação de que o consumo, que impulsionou o crescimento nos últimos anos, caiu 0,1% em relação ao mesmo trimestre de 2013. É um número estável que não combina com a expressão utilizada no primeiro parágrafo: ―Motor do PIB na última década, o consumo das famílias demonstrou o seu esgotamento‖. A notícia do PIB aparece no quarto parágrafo, em um texto que dá credibilidade ao mercado. O quinto parágrafo dá um tom pessimista à economia, embora o final do último parágrafo mostre um maior crescimento em relação ao desempenho no ano anterior. A afirmação sobre o cenário não ser ―animador‖ consiste em uma opinião expressada pelos autores do texto, já que não é creditada a ninguém. ―Como resultado, o PIB – uma medida de crescimento da economia nacional – se expandiu 0,2% em janeiro a março – em linhas com as previsões médias do mercado. Sobre o primeiro trimestre de 2013, o avanço foi de 1,9%. O cenário à frente não é nada animador: a confiança de empresários e consumidores está nos níveis mais baixos desde a crise global de 2009.‖ O sexto parágrafo cita ―analistas‖, fontes não identificadas. A primeira fonte aparece no próximo parágrafo: ―Vinícius Botelho, da FGV‖. Mal creditado na matéria, ele é professor de economia na universidade e suas aspas são pouco utilizadas ao apenas complementarem a previsão de crescimento de 1,5% do PIB em 2014, pela universidade. Diz ele: ―O PIB neste ano manterá o padrão de voo de galinha, mas numa decolagem mais baixa.‖ Os sétimo, oitavo, nono e 10º parágrafos seguem com mais afirmações sustentadas pelos repórteres Pedro Soares e Samantha Lima que assinam a reportagem. O oitavo utiliza dados para sustentar seu argumento e usa o advérbio ―até‖ que dá um negativo ao comparar o Brasil com o Japão que tem economia estagnada há décadas. ―Trata-se de um baixo crescimento para um país ainda em desenvolvimento, que precisa aumentar a renda per capita de sua população. No primeiro trimestre, dentre 29 países que já divulgaram dados, o Brasil ficou em 21º. Até o Japão, estagnado há mais de uma década, cresceu mais (leia na pág. B3).

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Investimentos

A queda dos investimentos é um dos fatores que indicam um vigor menor da economia nos próximos trimestres, por que é por meio deles que as empresas ampliam sua capacidade produtiva e que o país expande sua infraestrutura. A deterioração revelada no primeiro trimestre deste ano decorre do tombo da construção civil – o setor apresentou a maior retração desde o primeiro trimestre de 2009, aumento da crise global.‖

A segunda fonte da matéria consiste em um economista da consultoria econômica MB Associados, que dá o ponto de vista negativo de que ―a indústria vive um momento trágico, e as expectativas são ainda piores‖. A terceira e última fonte consiste na gerente do IBGE, Rebecca Palis, que afirma que a construção civil desacelerou devido ao menor ritmo de obras na área de infraestrutura, menos no ano em que a Copa do Mundo foi sediada no Brasil. Embora a reportagem possua pluralidade na origem de suas fontes, a única que teve uma opinião contundente reproduzida foi uma ligada ao mercado financeiro, com opinião de tom negativo. A reportagem da página 2, assinada pelos mesmos repórteres, tem como título ―Serviços avançam, mas varejo encolhe‖ e como linha fina: ―Índices de confiança do comércio e de otimismo dos consumidores são os menores desde a crise de 2009‖. Entrevistou a gerente do IBGE, outro economista da FGV, um economista da Confederação Nacional de Comércio e possui tom negativo, assim como a matéria de capa, com adjetivos em trechos como ―consumo mais fraco‖ e o ―principal impacto negativo‖. A matéria da página 3 tem como título ―Ritmo fica atrás do de grandes economias‖ e como linha fina ―Crescimento brasileiro de 0,2%% é o 21º mais forte entre 29 países que já divulgaram seus resultados do 1º trimestre.‖ O texto não é assinado por nenhum repórter e apresenta dados que fazem o comparativo mostrado no título. O lead é opinativo e questiona o ministro da Fazenda sobre a economia: ―O ministro da Fazenda, Guido Mantega, voltou a culpar o cenário internacional pelo fraco desempenho no começo deste ano, mas, na comparação com o cenário externo, o crescimento do PIB ficou abaixo das grandes economias mundiais.‖ A matéria da página 4 é assinada por três repórteres: Pedro Soares, Joana Cunha e Samantha Lima. Tem como título ―Copa deve manter em baixa produção das

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indústrias‖ e como linha fina: ―Setor teve queda de 0,8% em relação ao quatro tri de 2013; máquinas, veículos, elétricos e móveis encolheram.‖ Segue o mesmo padrão adjetivado dos outros textos. Repete o mesmo adjetivo nos lead e sublead nos trechos ―Destaque negativo do PIB‖ e ―mundial tem ao menos dois efeitos negativos‖. Entrevistou os presidentes de três associações industriais e nenhuma fonte do governo, o que não mostra pluralidade na reportagem. A matéria da pagina 5 é sobre entrevista coletiva concedida por Guido Mantega sobre o resultado do PIB. Assinada pelo repórter Machado da Costa, tem como título: ―Mantega põe a culpa na inflação pelo baixo PIB‖ e como linha fina: ―Segundo o ministro, a alta de preços afetou negativamente o consumo‖. Embora a linha fina atribua a afirmação ao ministro, fica aparente que o adjetivo ―negativamente‖ foi utilizado pelo repórter ao escrever o texto. O quinto, sétimo e 13º parágrafos apresentam caráter opinativo de questionamento ao ministro. O quinto parágrafo faz alusão a um possível não cumprimento do superávit primário. ―Mesmo assim, Mantega vê como ‗producente ao crescimento‘ a estratégia do governo no combate a inflação, com maior esforço monetário – a taxa básica de juros atual está a 11% ao ano -, embora com poucos freios fiscais. Ele também culpou a economia internacional para justificar o baixo crescimento do país no primeiro trimestre. Outro argumento utilizado pelo ministro para justificar o baixo crescimento foi a seca atípica do início do ano, que atrapalhou o agronegócio. ‗Esperamos uma recuperação da produção agrícola no segundo trimestre‖, disse.

A página 6 apresenta uma matéria que compara o desemprego do PIB no governo de Dilma com os últimos quatro governos. Um infográfico (Figura 9) bota lado a lado números em um gráfico de colunas com as fotos acima dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a atual presidente (PT). O título da reportagem é ―Sob Dilma, PIB se eleva pouco e sem saltos‖ e a linha fina consiste em: ―Padrão de crescimento da atual gestão é mais previsível, sem surtos de melhora nem retrações agudas do passado‖.

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A reportagem, assinada pelo repórter Gustavo Patu, assemelha-se a um texto de análise. O lead dá um tom opinativo que é reproduzido por todo o texto, sem nenhuma fonte para as afirmações: ―Eleita com a ajuda da maior taxa de crescimento desde o Plano Real, Dilma Rousseff preside um dos quadriênios de expansão mais fraca da história republicada.‖ O texto é politizado, como no 14º parágrafo: ―Esse padrão, mais previsível, pode atenuar o desgaste político da presidente. FHC, com média semelhante, governou entre crises sucessivas que elevaram o desemprego e multiplicaram a incerteza dos investidores.‖ O repórter utiliza a expressão ―voo de galinhas‖ para um rápido crescimento do PIB e faz uso errado das aspas, que não têm como função identificar uma expressão como citação de outra pessoa. A página 6 possui ainda um infográfico (Figura 10) que explica como o PIB é calculado e uma reportagem assinada pelos repórteres Mariana Carneiro e Pedro Soares com o título: ―Analistas revisam para baixo crescimento desde ano‖ e a linha fina ―Economistas preveem que expansão neste ano pode ficar mais próxima de 1%; perda de confiança e Copa devem afetar resultado.‖ São citados nela economistas não identificados do banco Itaú, um economista do banco e uma economista da consultoria econômica Tendências, que tem como sócio Gustavo Loyola, presidente do Banco Central durante o Governo FHC, mencionado no item 5.1.3. A última matéria sobre o PIB no caderno, na página 7, é assinada pela repórter Mariana Carneiro. Tem como título: ―Renda das famílias passa a crescer em velocidade menor que a do PIB‖ e como linha fina: ―Revisão mostra que PIB per capita cresceu mais no ano passado e renda perdeu fôlego em 2013.‖ A matéria não apresenta adjetivos negativos, mas possui trechos de carga opinativa, como o primeiro e o quarto parágrafos:

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Figura 9 – Comparação do crescimento do PIB em governos

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014) Figura 10 – Infográfico explicativo sobre o cálculo do PIB

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014) ―A revisão (para cima) do crescimento da economia no passado indica que a discrepância entre o desempenho do PIB e da renda dos brasileiros se reduziu em 2013.

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O resultado saiu no fim do ano passado e, desde então, o debate entre economistas e cientistas sociais pegou fogo. Como a renda pode crescer tão mais do que a economia é capaz de produzir?‖

A reportagem entrevista três fontes. A primeira consiste em um ministro do governo, Marcelo Neri, da Secretaria de Assuntos Especiais, e a segunda, em Edmar Bacha, ―um dos formuladores do Plano Real‖, como a própria matéria o credita, e ligado ao governo FHC. A terceira fonte consiste na economista Maria da Conceição Tavares, filiada ao partido governista e ligada ao pensamento econômico marxista. É a única vez que uma matéria na análise do noticiário pelo estudo falta com a pluralidade em favor, e não contra, o governo. O jornal O Estado de S. Paulo, por sua vez, tratou da notícia sobre o PIB em 5 das 18 páginas de seu caderno de economia. A primeira matéria, de capa, tem como título: ―Investimento e consumo caem e PIB cresce apenas 0,2% no 1º trimestre‖ e como linha fina: ―Ritmo lento. Com queda na confiança e aumento do pessimismo, a economia brasileira desacelera e leva os especialistas a revisarem para baixo suas projeções para 2014, com a expectativa mais otimista agora sendo de uma alta de 1,9% no PIB este ano.‖ O advérbio ―apenas‖, o adjetivo ―lento‖ e a locução adverbial ―mais otimista‖ expressam opinião. O lead da matéria, ao contrário de como acontece no texto principal da Folha, segue o padrão de pirâmide invertida e dá a informação principal. O segundo parágrafo, assim como a linha fina, invoca a questão sobre otimismo e pessimismo e cita fontes não identificadas: ―Pessimismo e falta de confiança são palavras recorrentes nas análises dos economistas. Após conhecer os dados, revelados ontem, muitos revisaram para baixo suas projeções para o crescimento da economia neste ano. Agora, a previsão mais otimista é de alta de 1,9%, segundo pesquisa da Agência Estado.‖ A primeira fonte consiste em um consultor econômico, Luis Paulo Rosenberg, que afirma que o pessimismo é ―exagerado‖. Essa afirmação poderia não ter sido utilizada no texto, caso o objetivo dele fosse reforçar o pessimismo na economia. A segunda economista entrevistada pela matéria é creditada de maneira correta, como ―professora da PUC-Rio‖ e sócia de uma consultoria. Sua origem acadêmica ou do

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mercado financeiro poderia ter sido omitida. Monica Baumgarten15 afirma que a inflação motiva a falta de confiança. As duas opiniões representam pluralidade na reportagem, embora ambas as fontes sejam ligadas ao mercado financeiro como consultores. Cinco repórteres assinam o texto: Vinicius Neder, Daniela Amorim, Idiana Tomazelli, Mariana Sallowicz e Gustavo Porto. A primeira matéria da página 3, assim como foi feito na Folha, apresenta um infográfico (Figura 11), com o título irônico ―Menor que um pibinho‖, onde o crescimento do PIB nos últimos quatro anos é comparado. Aqui são colocadas fotos em preto do branco dos três presidentes, diferente da Folha que apresentou suas fotos dentro de cartas de baralho, o que induz o leitor a interpretar o assunto como um jogo político. O título do texto é: ―Mercado reduz previsão do PIB de 2014‖ e linha fina consiste em: ―Para analistas, economia pode crescer apenas 1% este ano; alguns especialistas dizem que o Brasil vive um quadro da estagflação‖. O lead apresenta o adjetivo ―fraco‖ para caracterizar o crescimento do PIB. A reportagem é feita com base em pesquisa da Agência Estado com 20 analistas financeiros. O mercado possui o poder de afetar a expectativa de melhora ou piora da economia de um país. O texto ao mesmo tempo em que apura qual é essa expectativa, do ponto de vista jornalístico, também funciona como um canal de interferência do mercado financeiro, como explicado na capítulo 2 da monografia, já que dá voz a ele por meio da entrevista com seus economistas. São entrevistados aqui o economista do banco que prevê um menor crescimento do PIB, o economista de uma gestora de investimentos (introduzido no texto com ―Também pessimista para o PIB deste ano está o economista...‖), uma outra economista de uma empresa gestora de investimento e Luis Paulo Rosenberg, entrevistado para a matéria de capa. Sua fala, que termina a reportagem, é ponderada, pois critica o governo, mas afirma que o mesmo já resolveu alguns problemas. Mas o consultor também politiza a discussão e critica o intervencionismo do Estado na economia, defendendo o neoliberalismo de

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Também é colunista do jornal, analisada no item 6.2.1.10 da monografia. Aparece sem o sobrenome “de Bolle” na reportagem.

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forma subjetiva. O adjetivo ―bolivariano‖ é utilizado geralmente de forma pejorativa pelo governo intitulado socialista na Venezuela, portanto, antimercado. Falta pluralidade nas fontes da matéria. Figura 11 – Comparação do crescimento do PIB feita pelo Estado

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014) ―Mas os desacertos cometidos pelo governo no passado, alguns deles já corrigidos como a entrada maior nas privatizações e concessões, trouxeram um ranço de que o governo é intervencionista, bolivariano. E uma associação com o que ocorreu na Argentina e na Venezuela é assustadora ao empresariado.‖

Assinam o texto Maria Regina Silva e Flavio Leonel, com colaboração de Francisco Carlos de Assis e Gustavo Porto. Já a segunda matéria na página, com título ―Investimento volta ao cenário do início de 2009‖ é assinada pelos repórteres Vinicius Neder, Mariana Durão e Francisco Carlos de Assis. Não apresenta adjetivos e palavras que remontem a negatividade. Tem como fonte a coordenadora do IBGE entrevistada também pela Folha, assim como a mesma economista da consultora Tendências ouvida, Alessandra Ribeiro. Uma terceira fonte é

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ouvida, a consultora da XP Investimentos com fala já reproduzida na reportagem de capa. Por último, é citada a opinião do presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social), Luciano Coutinho. A soma de duas opiniões vindas do governo e duas, do mercado, poderia conferir pluralidade à matéria. Mas o verbo declaratório negativo ―minimizou‖ e a locução verbal e o verbo ―seria sido‖ e ―apontaria‖ no futuro do pretérito tiram a credibilidade da opinião do presidente do banco estatal no sexto parágrafo. ―O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, minimizou o recuo nos investimentos, que seria explicado por fatores conjunturais e não apontaria uma tendência. Segundo ele, houve antecipação de compras de equipamentos no fim de 2013 por causa da mudança de taxas do Programa de Sustentação de Investimento (PSI).‖ Um texto de analise, ainda na página 3, com o título ―Atividade mais fraca já reflete aperto da política monetária‖. É escrito por Bráulio Borges, economista-chefe da LCA16 Consultores e defende uma pausa na alta de Selic. É uma opinião, portanto, que não representa os interesses dos bancos. A página 4 apresenta uma reportagem com título: ―Consumo perde força como motor da economia‖ e linha fina: ―Demanda das famílias caiu 0,1% em relação ao fim do ano, o pior desempenho desde 2011‖. A queda de 0,1%, que mostra estabilidade, foi tratada como o pior resultado desde 2011. O significado do número poderia ter sido relativizado ao invés de associado a um resultado ruim. O lead do texto coloca a alta da taxa Selic como responsável pela queda do consumo e exalta o crescimento de renda da população. O gancho de início da reportagem vai contra os interesses da agenda neoliberal, que defende a alta dos juros.

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A LCA Consultores divide com a Tendências a liderança do mercado de consultorias, segundo o informado ao autor da monografia em junho de 2014 pelo economista Edgar Perlotti, gerente de projetos na empresa. A LCA foi fundada por Luciano Coutinho, mas segundo Edgar, o atual presidente do BNDES não possui mais ligações e interferência na empresa, já que se desligou dela em 2007 para assumir a presidência do banco estatal. Um diretor da consultoria foi entrevistado para o item 7.3.

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A expressão ―só não foi maior‖, entretanto, dá uma carga negativa ao momento atual de oferta de crédito no país. ―O encarecimento do crédito, por causa da alta dos juros, esfriou o consumo das famílias no primeiro trimestre. O resultado foi um recuo de 0,1% em relação aos três últimos meses de 2013, o pior desempenho desde o terceiro trimestre de 2011. A desaceleração só não foi maior porque a renda do trabalho continuou crescendo acima da inflação‖ O sexto parágrafo do texto adjetiva o cenário do consumo com a expressão ―um panorama ruim‖. São entrevistados na reportagem a coordenadora do IBGE, uma professora da FGV, um economista de banco e um professor da UFRJ. Enquanto a primeira se limita ao analisar o cenário, a economista da FGV e o economista do Banco Fibra têm expectativa negativa quanto ao crescimento do consumo no país, enquanto o professor da UFRJ pensa em um cenário mais otimista. O texto, portanto, assinado por Idiana Tomazelli e Carla Araújo, apresenta pluralidade nas fontes. A página 4 segue com uma análise do colunista José Paulo Kufter, de título, ―PIB do 1º trimestre mostra economia em ajuste forçado‖, que afirma que os números mostram uma desaceleração da economia. Uma terceira matéria tem como título: ―Terceira queda consecutiva indica indústria em recessão‖ e como linha fina: ―No primeiro trimestre, PIB industrial teve queda de 0,8%, com recuo nos bens de capital e nas obras de infraestrutura‖. O texto da repórter Daniela Amorim se inicia contrapondo um lado positivo e outro negativo do PIB industrial: ―A indústria brasileira teve um desempenho melhor do que o esperado em 2013, mas começou 2014 com o pé esquerdo.‖ Já o segundo parágrafo começa adjetivado: ―O mau desempenho no início do ano foi puxado pelos segmentos de transformação e construção civil‖. São entrevistados um economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), outro da FGV e a gerente do IBGE Rebeca Palis. Todos possuem declarações que a indústria passa por um momento ruim. Falta pluralidade no texto, portanto. O primeiro economista pertence à entidade que no início de 2014, como citado

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na introdução da monografia, criticou a credibilidade econômica do governo por meio de seu presidente, em entrevista ao jornal. A última matéria da página 4 compara o desempenho do PIB brasileiro com o estadunidense. Tem como título: ―Desempenho brasileiro é inferior aos dos EUA‖ e nenhuma linha fina. A reportagem não possui pluralidade, pois entrevista apenas uma fonte: um economista da agência de risco Austing Rating. A empresa é ligada ao mercado financeiro, já que verifica a credibilidade da economia dos países, o que é de interesse do mercado, que deseja saber onde é mais seguro efetuar seus investimentos. Um infográfico (Figura 12), elaborado pela agência, acompanha a reportagem. Pode se supor que a ideia de elaboração da matéria surgiu após release divulgado pela agência, acompanhado provavelmente pelo infográfico. O texto da matéria assinada por Mariana Sallowics é equilibrado, pois afirma que o Brasil teve crescimento melhor que países e pior do que o de outros. O economista analisa que o baixo crescimento brasileiro sem nenhuma crise econômica mostra que a economia passa por problemas. O lead fala sobre o desempenho melhor do Brasil em relação a países, contrapondo o título que fala sobre uma comparação ruim: ―O desempenho da economia do Brasil no primeiro trimestre do ano, quando comparado com o mesmo período de 2013 (1,9%) superou o de nações, que ainda tentam se recuperar dos efeitos das turbulências globais, como Espanha (0,6%), Portugal (1,2%) e Itália (-0,5%), mas ficou abaixo do de países [sic] sofreram fortemente os estragos da crise de 2008, como os Estados Unidos 92,3%) ou a Grã-Bretanha (3,1%), destacou o economista-chefe da Austing Rating, Alex Agostini.‖ A página 7 inteira apresenta uma entrevista (―Caminhamos para um PIB de 1% ao ano‖) com o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn. O representante do setor bancário analisa em suas respostas como a economia está crescendo pouco. Afirma na segunda resposta que o cenário eleitoral deixa incerteza nos investidores e que deverá melhorar em 2015. A análise pode ser interpretada como a ideia de que um novo governo seria melhor para a economia. Também lamenta o sinal do governo de mais compromisso com uma política fiscal mais ―expansionista‖, o que remete ao tripé econômico.

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―Além disso, não dá para enxergar em 2015 nenhum estímulo expansionista da política fiscal ou monetário, ao contrário. Bem, é possível que, passadas as indefinições eleitorais, possa haver uma melhora de confiança que afete positivamente o investimento.‖

Figura 12 – Comparação do crescimento do PIB entre países

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

Goldfajn também faz uma crítica na quinta resposta ao intervencionismo do governo na economia, em relação ao preço do combustível, ao falar sobre a inflação: ―Por outro lado, há os preços administrados subindo, como a energia elétrica, que já teve aumentos.‖

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A página 6, última do caderno que fala sobre o PIB, começa com uma matéria de título: ―PIB do 1º ano de mandato será o maior da era Dilma‖ e de linha fina: ―Mesmo apostando em uma reação, governo já se resignou com expansão mais baixa esse ano.‖ A reportagem é feita com base em declarações de uma fonte do governo não identificada. O texto, assinado por João Villaverde, é correto ao afirmar que as declarações da fonte são políticas, conforme dita por ela própria. O verbo ―resignar‖ tem conotação negativa e é utilizado mais duas vezes no texto, além da linha fina. O segundo uso vem acompanhado de opinião, no sétimo parágrafo. Não fica claro se ela pertence ao repórter ou a fonte ouvida por ele: ―A resignação que se instalou ontem com o fato de que o avanço de 2,7% do PIB em 2011 terminará sendo o maior do governo Dilma se dá por uma razão específica: tanto Fernando Henrique Cardoso (1998-2002) quanto Luiz Inácio Lula da Silva (20032010) conseguiram avanços expressivos em seus primeiros mandatos.‖ A segunda matéria da página tem como título: ―Mantega culpa seca, inflação e câmbio‖ e como linha fina: ―Ministro cita várias causas para explicar o PIB de 0,2%, inclusive o cenário internacional, e evitar fazer previsões.‖ O texto sobre a entrevista coletiva de Guido Mantega é neutro na linguagem, mas adquire um tom de questionamento da credibilidade dos argumentos do ministro devido ao verbo ―culpar‖ no título da reportagem assinada por Ricardo Leopoldo e Francisco Carlos de Assis. A última reportagem da página tem como título: ―Oposição classifica resultado como ‗pífio‘ e ‗medíocre‘ e como linha fina: ―Para líderes do PSDB e do DEM, desempenho fraco é resultado das medidas equivocadas tomadas pelo governo‖. Falta pluralidade no texto já que são repercutidas as declarações de uma nota e de dois políticos da oposição e apenas a de um político governista.

5.1.5 Petrobras

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O governo tem recebido críticas por controlar o aumento dos preços do combustível para reduzir a inflação. O prejuízo do preço baixo tem aumentado o endividamento da Petrobras, o que é criticado pelo mercado. O aumento da dívida da estatal faz com as ações da empresa caiam, o que é ruim para quem as possui. O chamado ―controle dos preços‖, entretanto, beneficia a população. A situação mostra, portanto, um conflito de interesses. A Petrobras captou no dia 10 de março o montante de US$ 8,5 bilhões com a venda de títulos de dívida. A Folha de S.Paulo noticiou o fato em uma matéria no dia seguinte, na página 8 de seu caderno de economia, com o título: ―Petrobras é autuada em R$ 8,8 bi pela receita‖ e a linha fina: ―Valor se refere ao não recolhimento de tributos; estatal recorre e não comenta.‖ A venda de ações é citada nos dois últimos parágrafos da reportagem. ―Captação Com a captação ontem de US$ 8,5 bilhões por meio de Global Bonds oferecidos a investidores no exterior, a Petrobras, [sic] supera, em tese, o volume de recursos que precisaria buscar no mercado neste ano, segundo seu plano de investimentos, de US$ 12 bilhões. Os novos recursos pioram o grau de endividamento da companhia, que chegaria ao equivalente a 4,2 vezes sua geração de caixa anual, calcula Flávio Conde, analistachefe da Gradual Investimentos. A empresa encerrara 2013 com esse indicador em 3,5.‖

A matéria assinada por Samantha Lima não apresenta pluralidade, pois entrevista apenas uma fonte, no caso, um economista de uma gestora de investimentos, ligada ao mercado financeiro. A expressão ―em tese‖ retira a credibilidade de a Petrobras seguir o seu plano de investimentos. Já a autuação da Petrobras tratada no resto da matéria, embora tenha sido noticiada de forma neutra, dá a entender que a situação de endividamento da empresa é ruim, já ela terá que arcar com mais gastos ao pagar o montante de R$ 8,8 bilhões à Receita Federal.

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Já O Estado de S. Paulo noticiou a captação de recursos da empresa na primeira página de seu caderno de economia com o título: ―Petrobrás17 capta US$ 8,5 bi, mas ações caem com preocupação com dívida‖ e com a linha fina: ―Risco. Investidores estrangeiros demonstraram forte interesse na compra dos títulos da dívida da estatal, com a procura pelos papéis chegando a US$ 22 bilhões, mas o valor das ações na Bolsa caiu ao longo do dia, refletindo o receio com o endividamento da empresa.‖ O lead do texto apenas noticia a captação, segundo ―fontes do setor bancário.‖ O segundo parágrafo fala sobre o endividamento. ―As ações da Petrobrás reagiram mal no mercado diante da perspectiva de aumento do endividamento, que já é o maior entre as grandes petroleiras do mundo e está bem acima dos limites considerados internamente na estatal como confortáveis. As ações ordinárias (ON) caíram 1,73% e as preferenciais (PN), 2,33%‖

A única fonte identificada da reportagem consiste no diretor de uma consultoria ligada ao mercado de energia, Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura. Ela afirma, no quinto parágrafo, que a estatal garantiu suas necessidades de capital sem reajustes no curto prazo e que ―até a Copa, não tem chance de reajuste‖ nos combustíveis. A afirmação do especialista, utilizada pelas repórteres Cynthia Decloedt e Sabrina Valle, coloca o controle dos preços feito pelo governo como algo errado. O sétimo parágrafo do texto mostra o endividamento como responsável por um possível rebaixamento do grau de investimento da estatal. O texto não cita que isso faz com que as ações da Petrobras percam valor. O parágrafo também apresenta a opinião da Petrobras sobre a emissão de títulos, mas não cita a opinião do governo sobre o ―controle de preços‖, que não é mencionado em todo o texto. ―Um aumento excessivo do endividamento elava a possibilidade de que a estatal possa perder sua nota de ‗grau de investimento‘ concedida por agências internacionais de classificação de risco. A Petrobrás considera que está emitindo dívida para investir em aumento da produção, o que no futuro aumentará o caixa da empresa, reduzindo o

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O jornal acentua o nome da empresa.

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risco de calote e, portanto, melhorando sua avaliação de risco. A partir de 2014 [sic] a Petrobrás espera aumento de produção de petróleo, [sic] e a previsão é que a estatal diminua significativamente as captações no mercado internacional até 2018.‖ Um infográfico (Figura 13) junto à matéria ainda tem como chapéu e título: ―Retrato. Petrobrás vem registrando queda nas ações e no valor de mercado.‖

5.1.6 Pessimismo no mercado

O governo anunciou no dia 3 de janeiro que cumpriu a meta prometida em 2013 de superávit primário, equivalente a 1,5% do PIB. A economia foi de R$ 75 bilhões, R$ 2 bilhões acima do prometido, embora o mercado fosse cético em relação ao cumprimento. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ter antecipado o resultado, que sai geralmente ao final do mês, para ―baixar a ansiedade, já que havia analistas dizendo que não cumpriríamos a meta. Isso vai acalmar os que estavam nervosinhos‖. A Folha, por conta do esquema de plantão do jornal no começo do ano, colocou as notícias do caderno Mercado no primeiro caderno. A matéria abre as notícias da editoria na página A10 com o título: ―Para ‗acalmar os nervosinhos‘, Mantega anuncia superavit fiscal‖ e com a linha fina: ―Esfera federal economizou R$ 75 bilhões no ano passado; valor supera a meta de 1,5% do PIB‖. A matéria ainda apresenta um pequeno texto antes de seu início: ―Dado é antecipado para ‗baixar a ansiedade do mercado‘, diz Mantega; Ministro não definiu Patamar para este ano.‖ O lead cita novamente a declaração de Mantega. A escolha das repórteres Valdo Cruz e Mariana Schereiber de evidenciar a declaração do ministro com o mercado e articulistas da imprensa pode ser interpretada como uma crítica à declaração. O terceiro parágrafo relativiza o cumprimento da meta ao citar de forma subjetiva a chamada ―contabilidade criativa‖, quando o governo retira recursos de outros setores do governo para cumprir suas metas orçamentárias.

76

Figura 13 – Infográfico sobre queda do valor de mercado da Petrobras

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014) ―O dado, obtido graças a receitas extraordinárias neste final de ano, ainda depende de ajustes, mas supera a meta de 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) - ou R$ 73 bilhõesfixada para essa esfera de governo.‖ O sexto parágrafo é mais claro quanto à questão da ―contabilidade criativa‖: ―A medida mostra uma tentativa de recuperar a credibilidade perdida na área fiscal, depois de o governo ter feito manobras contábeis para fechar a meta de 2012.‖

O oitavo e nono parágrafos relativizam o possível não cumprimento da meta para o superávit de todo o setor público, que é da responsabilidade das federações, não apenas do governo federal. Já o décimo e 11º parágrafos explicam no que consiste o superávit primário sem a menção do interesse em seu cumprimento por bancos, maiores compradores de títulos, e de onde podem ser economizados os recursos do orçamento.

77

―A meta de todo o setor público para 2013, de 2,3% do PIB, contudo, não deve ser atingida, pois depende de Estados e municípios. Até novembro, eles haviam economizado juntos R$ 20,3 bilhões, nem metade do valor fixado para o ano (R$ 47,8 bilhões). A expectativa é que a economia fique em 2% do PIB, número considerado razoável pelo mercado e suficiente para manter estável a dívida pública do país. O objetivo do superavit primário é manter o endividamento público sob controle, ao mesmo tempo que limita o crescimento dos gastos públicos, diminuindo a pressão sobre a inflação.‖

Os três últimos parágrafos politizam a questão da inflação, ligado ao superávit primário. O governo eleva a carga tributária sobre investidores privados quando gasta mais e necessita de mais recursos. O maior custo é repassado aos preços. ―Inflação e juros A alta dos preços neste ano ajudou a derrubar a popularidade da presidente, o que levou o governo a subir os juros. Diante da inflação alta, o Banco Central passou a elevar as taxas em abril, levando a Selic de 7,25% para o atual patamar de 10%. Ainda assim, é certo que o IPCA -índice oficial de inflação- fechou o ano apenas levemente abaixo do de 2012, quando ficou em 5,84%. O resultado oficial sai na sextafeira (20). Pelo terceiro ano seguido, a administração Dilma Rousseff não entregou a inflação no centro da meta de 4,5%.‖

Um pequeno texto acompanha a página, sem assinatura e fontes entrevistadas, com o título: “Resultado fiscal é o mais baixo desde o pós-crise global‖. A matéria atribui o cumprimento da meta aos ―recursos extraordinários‖, assim como na reportagem principal. O texto tem um tom mais elevado de crítica. ―Apesar de o Ministério da Fazenda ter comemorado o cumprimento da meta fiscal de 2013, o resultado do governo federal é o segundo pior de todo a administração petista, iniciada em 2003.

78

Em proporção ao PIB (Produto Interno Bruto), o valor economizado no ano passado só supera o de 2009, ano de forte crise, em que o país teve retração econômica. Naquele ano, o superavit primário ficou em 1,3% do PIB. Em 2013, em cerca de 1,5%. E a meta de R$ 73 bilhões só foi superada porque houve arrecadação de mais de R$ 35 bilhões em receitas extraordinárias -R$ 15 bilhões pela concessão do campo de Libra e mais de R$ 20 bilhões com a recuperação de dívidas tributárias. A promessa original do governo federal era fazer uma economia bem maior, de R$ 108,1 bilhões, ou 2,2% do PIB, bem acima do 1,5%. [...] Na metade do ano passado, o governo desistiu oficialmente de cumprir a meta cheia. Ela foi reduzida de 3,1% para 2,3% do PIB, sendo 1,5% de responsabilidade do governo federal e o restante, de Estados e municípios. A justificativa foi o fraco crescimento da arrecadação, devido ao baixo resultado do PIB e também à perda de receita devido a cortes de impostos. Até novembro, o governo deixou de arrecadar R$ 70 bilhões com desonerações.‖

Os dois últimos parágrafos responsabilizam em tom de crítica gastos no setor de saúde, educação e social pelo não cumprimento de uma meta maior. O texto passa a mensagem ao leitor de que é mais importante economizar os recursos para pagar os juros da dívida pública do que investir nesses setores. A matéria não assinada também critica a continuidade do uso dos ―recursos extraordinários‖. ―Como o governo continuou ampliando gastos, principalmente nas áreas de saúde, educação e social, a economia teve que ser reduzida. Para fazer o ano que vem, o governo conta com um aumento da arrecadação e com novas receitas extraordinárias - dentre elas, segundo Mantega, um aumento da receita com dividendos de estatais, a depender do desempenho das empresas em 2014.‖

Já o Estado noticiou o fato em uma reportagem na primeira página de seu caderno de economia com o título: ―Mantega tenta ‗acalmar nervosinhos‘, mas deixa dúvidas sobre meta fiscal‖ e com a linha fina ―Superávit. Ministério da Fazenda antecipa anúncio das contas públicas do governo federal em 2013, com saldo de R$ 75 bilhões –

79

2 bilhões acima da meta, mas não dá detalhes, nem define o objetivo de 2014, provocando inquietação no mercado.‖

O lead, assim como na matéria da Folha, repete a citação irônica de Mantega. O superávit primário é explicado no segundo parágrafo, entre hifens, como ―o nome dado à economia que o governo faz para pagar os juros da dívida pública‖. O terceiro parágrafo traz a questão da ―contabilidade criativa‖ e mostra a versão do governo que nega o mecanismo para cumprir a meta: ―Esse volume foi atingido sem manobras contábeis, segundo Mantega, diferente do expediente adotado com as contas no ano anterior, que tantos problemas causou à imagem do governo Dilma Rousseff entre os mercados.‖ Os quatro parágrafos seguintes politizam a questão. O verbo ―esquivar‖ carrega a opinião de que Mantega não deseja falar sobre determinado assunto, assim como no trecho com a expressão ―o problema é que‖ e os adjetivos ―forte‖ e ―atípica‖. ―No intuito de mostrar apenas o lado bom da notícia, o ministro se esquivou de questionamentos sobre o curto prazo, isto é, quanto à meta de 2014, que costuma ser definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pelo Congresso em junho do ano anterior. A LDO e o Orçamento de 2014, aprovados pelo Congresso no ano passado, preveem uma meta fiscal de 1,1% do PIB. O problema é que o ministro informou que o governo vai revisar o índice, mas ontem não quis antecipar se pretende elevar ou reduzir o porcentual. O mercado vê com ceticismo a promessa de aperto fiscal no ano eleitoral, especialmente porque a meta de 2013 foi cumprida com forte ingresso de receitas extraordinárias – R$ 35 bilhões, aproximadamente, entraram nos cofres federais em novembro e dezembro de forma atípica.‖

O décimo parágrafo passa a mensagem ao leitor de que a redução de recursos de um mecanismo social como o seguro-desemprego para aumentar o superávit é correta, ao invés de discutível conforme outras correntes de pensamento econômico.

80

―Despesas. Sem indicar qual será o esforço fiscal para este ano, que somente será definido em fevereiro, quando o governo anunciar o decreto de execução orçamentária, Mantega voltou a repetir o compromisso feito pelo governo em 2012 e em 2013: que as despesas com seguro-desemprego e abono salarial devem ser reduzidas.‖

A reportagem é assinada por João Villaverde, com a colaboração de Renata Verissimo, Laís Alegretti e Ricardo Della Coletta. A página tem em seguida um texto de análise do colunista José Paulo Kufter com o título: ―Antecipar superávit foi a novidade mais importante‖. O colunista afirma que a antecipação do governo mostrou atenção dele com o mercado e que criticar a meta, como ―fizeram em coro analistas do mercado‖, é ―chover no molhado‖, já que ―se sabe faz tempo que os resultados de 2013 incorporam truques e receitas extraordinárias‖. A página também apresenta uma matéria com título: ―Sem anabolizantes, resultado ficaria abaixo de 1% do PIB‖ e com linha fina: ―Para mercado, na prática, não houve austeridade porque o governo usou receitas extraordinárias para chegar a R$ 75 bi‖. Cinco fontes foram entrevistadas para a reportagem. A primeira consiste em Raul Velloso18, membro do Instituto Millenium, entidade ligada à oposição, já citada no capítulo 3. Velloso é creditado na reportagem como ―especialista em finanças públicas‖, embora tenha ocupado cargo no ministério da economia durante o Governo Collor (1990-1992). A omissão dessa experiência pode ter sido feita para dar mais credibilidade à fonte perante o leitor da matéria, já que o governo em questão foi responsável pelo confisco das poupanças pelo Plano Collor. A segunda fonte consiste em um economista da consultoria Tendências. O terceiro entrevistado é um economista da MCM Consultores, e o quarto, outro especialista em economia, da Mauá Sekular Investimentos, gestora de investimentos financeiros. O quinto entrevistado é um economista do banco Besi Brasi, As quatro primeiras fontes criticam, segundo a reportagem, o uso dos ―recursos extraordinários‖ para o cumprimento da meta de superávit. A quinta afirma que será difícil o governo ter um bom superávit em 2014. 18

O economista também escreve artigos para o jornal. Tem texto analisado pela monografia no item 6.1.2.19.

81

O governo é citado no penúltimo parágrafo: ―No evento que fez o anúncio, Mantega não quis discutir rebaixamento da nota do Brasil nem antecipar a meta de superávit deste ano‖. Falta pluralidade no texto assinado por Alexa Salomão e Maria Regina Silva, já que foram entrevistadas apenas fontes ligadas ao mercado financeiro, sem a opinião de outro setor econômico ou do governo.

5.1.7 Plano Real

O plano econômico de 1994 consistiu em um conjunto de medidas que acabou com a hiperinflação por meio da criação de uma unidade monetária desinflacionada (URV), do corte de gastos da máquina pública, que resultavam em inflação devido à emissão de moeda acima da demanda para custear despesas, e do aumento dos juros. O sucesso e popularidade do plano, após o fracasso de tentativas de controlar a inflação em governos anteriores, fez com que o então presidente Itamar Franco (1992 – 1994) elegesse o seu sucessor e ministro da Fazenda na época do Plano Real, o tucano Fernando Henrique Cardoso. O plano econômico é lembrado pelo PSDB e utilizado pelo partido como bandeira política. No dia 25 de fevereiro, o senador tucano e então pré-candidato à presidência da República, Aécio Neves, fez discurso contra o governo em evento de comemoração aos 20 anos do Plano Real19. A confraternização teve a participação do ex-presidente Fernando Henrique. A imprensa deu matérias sobre o Plano Real durante os seis primeiros meses do ano, devido ao seu aniversário. A Folha e o Estado não publicaram reportagens sobre o Plano Real no mesmo dia, o que diferencia a comparação feita neste item do capítulo em relação aos outros. As matérias sobre o Plano Real saíram por diferentes recortes sobre como o plano afetou a economia. Foram selecionadas para a análise, aleatoriamente, duas reportagens de serviço sobre como o Plano Real facilitou aplicações no mercado financeiro. 19

BRAGON R.; GUERREIRO, G. FHC critica PT e pede fim dos 'encastelados' no poder. Folha de S.Paulo. Brasília, 26 fev. 2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/154027-fhc-critica-pt-epede-fim-dos-encastelados-no-poder.shtml Acesso em: 7 out. 2014.

82

A Folha de S.Paulo publicou no dia 30 de junho, na primeira página do caderno de economia, reportagem com o chapéu: ―20 anos depois‖, com o título ―Estabilização alonga prazos de aplicações‖ e com a linha fina: ―Inflação alta levava investidor a buscar proteção no curso prazo, ‗overnight‘, com rendimento diário, era rotina.‖ O texto mantém um tom positivo, sem críticas, ao Plano Real, como demonstrado no lead: ―A estabilização da economia trazida pelo Plano Real provocou transformações na forma de investir. O controle da inflação permitiu que o horizonte de investimento ficasse mais longo, as aplicações pagassem juros ‘menores‘ e o investidor tivesse mais opções para diversificar, além de acesso a crédito.‖ A matéria apresenta pluralidade nas fontes, que consistem em três professores de diferentes universidades. Um deles, Jurandir Macedo, é creditado também como consultor de finanças pessoais do banco Itaú Unibanco. A matéria é assinada por Danielle Brant e Anderson Figo. Um texto de análise ainda acompanha a matéria, do repórter de economia Toni Sciarretta, com o título ―Brasileiro ainda espera que aplicação renda pelo menos 1% ao mês.‖ Toni analisa o benefício do Plano Real para os investimentos assim como na reportagem. Entrevista um professor da FGV, o presidente de uma associação do mercado financeiro e o ex-presidente do Banco Central durante o Governo FHC, Gustavo Franco. Ele é creditado pelo seu antigo cargo e pela ocupação de estrategista da Rio Bravo Investimento. Falta credibilidade devido a duas fontes ser oriundas do mercado financeiro, além de uma delas ser ligada ao Plano Real e ao partido de oposição ao governo atual. Já o Estado publicou matéria na página 6 de seu caderno de economia, no dia 7 de abril, com o título: ―Em 20 anos de Plano Real, rentabilidade a renda fixa superou a do Ibovespa‖ e com a linha-fina: ―CDI, índice que serve de referência aos investimentos de renda fixa, teve retorno quase 2.000% maior que o mercado acionário no período.‖ O texto relata com neutralidade o rendimento da renda fixa e como foi executado o Plano Real, sem o uso de adjetivos ou trechos que contextualizem algo mais positivo ou negativo para o plano. São entrevistados um professor de economia da faculdade FipeCafi e um economista da consultoria econômica Instituto Assaf, ligada ao mercado financeiro. A escolha das fontes é plural.

83

5.2 CONCLUSÃO SOBRE A ANÁLISE DO NOTICIÁRIO

A análise do noticiário dos dois jornais demonstrou que a Folha possui uma cobertura econômica bem mais opinativa e menos plural que a de O Estado de S. Paulo. Entretanto, ambos apresentam os interesses vinculados à agenda neoliberal, seja por meio da linguagem do texto que apresenta opiniões econômicas ortodoxas como verdade absoluta, seja por meio da opinião dos entrevistados vinculados ao mercado financeiro. O discurso do noticiário absorve o pessimismo do mercado com o não cumprimento de medidas econômicas desejadas pelo setor, como um maior superávit primário. A negatividade presente nas notícias, portanto, ocorre mais por questões ideológicas do que pelo valor notícia da negatividade, analisado no capítulo 3. Percebe-se ainda mais o uso de adjetivos, verbos e locuções verbais declaratórias negativos na Folha, como ―baixo‖ e ―ruim‖ para indicadores econômicos, como ao falar que o ministro da Fazenda foi ―evasivo‖ ao dar uma declaração (item 5.1.1) ou que Mantega ―voltou a culpar o cenário internacional‖ pelo crescimento do PIB (item 5.1.4). O Estado oferece maior opção ao leitor de questionamento do discurso neoliberal já que suas matérias são mais plurais, em geral, na questão das fontes. O jornal ainda apresentou trechos em reportagens e textos de análises com ideias opostas aos interesses neoliberais. O mesmo não ocorreu na análise do noticiário da Folha. Essa diferenciação no jornal, em relação à Folha de S.Paulo, reflete um maior cuidado com as reportagens, que são realizadas por mais repórteres e seguem mais à risca o padrão jornalístico da neutralidade na linguagem e da pirâmide invertida. Fontes no noticiário analisado foram mal creditadas, o que omitia a vinculação delas com o mercado financeiro. A Folha de S.Paulo também possui a característica de contextualizar as notícias de forma a politizar as ações do governo, o que já não é constante no caso de O Estado de S. Paulo. Percebe-se uma diferença de foco entre os dois cadernos de economia. O da Folha parece buscar atingir um público maior em relação ao do Estado e menos conhecedor dos assuntos econômicos, visto que explica por meio de infográficos questões como a

84

taxa Selic. Já o Estado oferece explicações mais simples e apresenta linguagem mais restrita, como ao utilizar chapéus na linha fina como ―política monetária‖ (item 5.1.1). A análise do noticiário mostrou que o pessimismo da Folha, admitido pelas ombudsman do jornal, tal como visto no capítulo 3, não se trata apenas de uma característica da Folha, mas um reflexo do ceticismo do mercado financeiro, no caso do caderno de economia. Chamou a atenção na análise o modo como a Petrobras é tratada pela cobertura dos dois jornais. A estatal é analisada mais como uma empresa com ações na bolsa de valores do que como um ente público a serviço da população. A subordinação do noticiário dos jornais ao pensamento neoliberal chega ao ponto de os diários sugerirem que é preferível ao governo investir verba orçamentária em agendas como a do superávit primário do que em questões sociais como o programa Minha Casa, Minha Vida, ou o fundo do seguro-desemprego. Isso foi feito no item 5.1.6 em texto de reportagem escrito pelos repórteres, e não, por meio da reprodução da opinião de entrevistados. O Plano Real, nas duas notícias analisadas pela monografia, foi citado com tom ufanista pela Folha e com neutralidade pelo Estado. O plano poderia ter sido citado em um tom mais neutro pela Folha de S.Paulo, visto que é utilizado como bandeira política do PSDB em um ano de eleições. Trata-se, portanto, de uma opção de abordagem escolhida pelo jornal ou pelos autores da reportagem. Essa reponsabilidade pelo resultado final das reportagens da Folha será questionada em entrevista no item 7.1. A mesma necessidade de cuidado pode ser dita em relação às fontes ligadas ao PSDB e à oposição nas reportagens de ambos os jornais. O Estado de S. Paulo, ao menos, pluraliza as reportagens nesse caso, como ao entrevistar o ex-secretário do Tesouro do Governo Lula, Carlos Kawall. A inserção de economistas da consultoria Tendências no noticiário (inclusive em reportagens do mesmo dia nos dois jornais) e a elaboração de uma reportagem a partir de um infográfico enviado provavelmente a imprensa, no item 5.1.4, demonstram a eficiência do mercado financeiro em pautar tanto a Folha, como o Estado, tal como analisado no capítulo 2. A primeira notícia analisada sobre a alta dos juros básicos é um exemplo de como o interesse de um setor econômico pode ser inserido no noticiário por meio de uma fonte. A reportagem em questão entrevistou apenas um especialista sobre

85

o aumento da taxa Selic, no caso, um economista do setor bancário, interessado na alta dos juros. A seleção aleatória de notícias para a análise comprovou que os dois jornais seguem a agenda neoliberal em seu noticiário de forma constante, já que a associação não deixou de aparecer em nenhum dos sete temas de notícias escolhidos para o noticiário ao longo do primeiro semestre de 2014. O único tema no qual a ligação à agenda neoliberal apareceu menos foi o relacionado ao câmbio flutuante. Uma explicação para isso pode ser o fato de o mercado não ter críticas a essa questão como tem em relação aos outros itens do tripé econômico (superávit primário e metas de inflação). O governo segue o câmbio flutuante. Embora tenha programas de intervenção diária20 na BM&FBovespa, isso não impediu que a cotação do dólar ultrapasse o preço de R$ 2,50 ao final das eleições presidenciais, em outubro de 2014, por exemplo. O pensamento ortodoxo poderia estar mais presente nas notícias relacionadas ao tema caso o governo interferisse mais na flutuação do câmbio. Isso não quer dizer que a intervenção seja de agrado do mercado financeiro. O candidato à presidência pelo PSDB, Aécio Neves, por exemplo, teve como promessa de campanha acabar com essas operações do Banco Central. Conclui-se que o noticiário da Folha de S.Paulo e de O Estado de S. Paulo possui um discurso ideológico que está de acordo com a sua linha editorial. As teorias ainda da ―identificação pessoal com o público‖ e do ―desencorajamento sobre inovações‖, citadas no capítulo 3, também levam a conclusão de que os dois jornais possuem um público que em sua maioria está em conformidade com a tendência ideológica dos dois diários, motivo também pelo qual o discurso em questão se mantém veiculado. O capítulo 5 analisará se o discurso vinculado à agenda neoliberal também está presente nos artigos econômicos publicados na Folha e no Estado. A questão do nível de conhecimento dos jornalistas em economia ainda permanece em aberta no estudo. Para isso, foram entrevistados um jornalista econômico da Folha de S.Paulo e outro de O Estado de S. Paulo no capítulo 7.

20

O Banco Central oferece a oportunidade de troca rendimento do dólar, com a cotação do momento, por preços futuros. Isso faz com que investidores mantenham a moeda no país. A maior quantidade da divisa faz seu preço abaixar. Um dólar mais caro resulta em inflação, já que encarece a importação de produtos como o trigo. O maior custo é repassado para o preço dos produtos.

86

6. ANÁLISE DA PARTE OPINATIVA DOS CADERNOS

6.1 PERFIL DOS ARTICULISTAS E DISCURSOS NOS TEXTOS

A primeira quinzena do mês de junho foi selecionada como período de análise para os textos dos articulistas. Para se preencher as duas tabelas abaixo, foi analisada a experiência estudantil dos articulistas, se eles já trabalharam em algum local ligado ao mercado financeiro, e se defendem em um artigo ideias vinculadas à agenda neoliberal, para se preencher as duas tabelas abaixo. Cada colunista teve analisado o seu primeiro texto publicado no período de análise em questão. Também foi verificado quantos artigos cada um escreveu durante quinzena, a fim de analisar o peso da importância de cada colunista nesse recorte da parte opinativa dos dois cadernos de economia. Por último, foi analisado o primeiro editorial econômico de O Estado de S. Paulo, no período.

Folha de S.Paulo

Nome

Nº de

Experiência

Experiência

Ligado ao

Defende

artigos na

estudantil

profissional

mercado

agenda

quinzena e

financeiro neoliberal

frequência

em artigo

de publicação Vinicius

13. Escreve

Letras e

Jornalista no

Torres Freire

de terça-

Ciências

Grupo Abril,

feira a

Sociais, na

Grupo Estado

domingo.

USP, MBA

e Grupo

em Finanças

Folha.

X

87

na Master of Public Administrati on e Desenvolvim ento Econômico e Internacional em Harvard. Samuel

2. Escreve

Físico,

Pesquisador

Pêssoa

semanalmen

mestre em

do Ibre/FGV

te.

física e

e sócio da

doutor em

consultoria

economia,

de

títulos todos

investimentos

pela Usp.

Reliance.

2. Escreve

Economista,

Colunista da

semanalmen

mestre em

Folha,

te.

economia e

comentarista

doutor em

da Globo

administraçã

News e

o e Ph.D in

professor de

Bussiness

economia da

Administrati

FGV.

Samy Dana

X

on pelo IE Business School. Experiência na área de Administraçã o e Finanças. Marcia

2. Escreve

Formada em

Sócia-

X

X

88

Dessen

semanalmen

administraçã

fundadora do

te.

o pela PUC-

Brazilian

SP.

Management Institute, professora convidada da Fundação Dom Cabral e cofundadora do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros.

Benjamin

1. Escreve a

Formado em

Empresário,

Steinbruch

cada duas

administraçã

diretor da

semanas.

o pela FGV.

Companhia Siderúrgica Nacional e membro do conselho de administraçã o da Federação das Indústrias de São Paulo.

Alexandre

2. Escreve

Schwartsman semanalmen te.

Formado em

Diretor de

administraçã

Assuntos

o pela FGV,

Internacionai

em economia s do Banco

X

X

89

pela USP e

Central

doutor em

durante o

economia

Governo Lula

pela

(2002 –

Universidade 2010), sócioda

diretor da

Califórnia.

Schwartsman & Associados Consultoria Econômica e professor do Insper.

Marcelo

2. Escreve

Graduado

Trabalha

Miterhof

semanalmen

em

como

te.

Economia e

economista

mestre em

no BNDES.

economia

Foi

pela

responsável

Unicamp.

pelos

Possui curso

editoriais da

de MBA em

Folha (2000

Finanças

– 2002) e

pelo Ibmec.

professor da

X

Universidade Federal de Juiz de Fora. Pedro Luiz

1. Escreve a

Graduado

Passos

cada 14 dias. em

Empresário, presidente do

engenharia

Iedi e

de produção

conselheiro

pela USP e

da Natura.

em

X

90

Administraçã o pela FGV. Kátia Abreu

1. Escreve

Formada em

Empresária e

semanalmen

psicologia

pecuarista,

te.

pela

senadora pelo

Universidade PMDB de Católica de

Tocantins e

Goiás.

líder da bancada ruralista.

Nizan

1. A cada 14

Formado em

Publicitário e

Guanaes

dias.

administraçã

presidente do

o pela

Grupo ABC,

Universidade da área de Federal da

publicidade.

Bahia Luiz Carlos

1. A cada 2

Formado em

Engenheiro e

Mendonça de semanas

engenharia

economista,

Barros

pela Usp e

ex-presidente

doutor em

do BNDES e

economia

ex-ministro

pela

das

Unicamp.

Comunicaçõe s no Governo FHC. É sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi analista

X

91

financeiro e operador da Bovespa.

O Estado de S. Paulo

Nome

Nº de artigos

Experiência

Experiência

Ligado ao

Defende

na quinzena e

estudantil

profissional

mercado

agenda

frequência de

financeiro neoliberal

publicação

em artigo

Celso

13. Escreve de

Formado em

Jornalista de

Ming

terça-feira a

ciências

economia,

domingo.

sociais pela

passou por

Usp.

outros veículos como a Folha, Jornal da Tarde e Rede Globo.

Suely

3. Sem

Formada em

Jornalista de

Caldas

periodicidade.

jornalismo

economia,

pela UFRJ.

passou também por veículos como Gazeta Mercantil, O Globo, Folha, Jornal do Brasil e Exame. É professora de jornalismo da

X

92

PUC-RJ. Amir

2. Sem

Mestre em

Consultor

Khair

periodicidade.

finanças

tributário. Foi

públicas pela

secretário de

FGV.

finanças da prefeitura de São Paulo na gestão da petista Luiza Erundina (1989 – 1992).

Renato

4. Sem

Formado em

Foi repórter

Cruz

periodicidade.

jornalismo e

de tecnologia

mestre e

do Estado.

doutor em

Escreveu

ciências da

livros obre o

Comunicação

assunto e é

pela USP

professor do curso de Audiovisual do Senac.

Claudio

1. Sem

Economista e

Economista e

Adilson

periodicidade.

doutor e

diretor da

economia

MCM

pela Usp.

Consultores.

Gonçalez

Foi consultor do Banco Mundial e chefe da assessoria econômica do

X

X

93

Ministério da Fazenda no Governo Sarney (1985 – 1889). Antonio

2. Sem

Formado em

Presidente da

Penteado

periodicidade.

direito na

Academia

Usp e

Paulista de

especializaçã

Letras, sócio

o em seguros

da Penteado

na FGV.

Mendonça

Mendonça

Advogacia e comentarista da Rádio Estadão. É presidente do Grupo Nacional de Trabalho, Ética e Seguro da Associação Internacional de Direito do Seguro. Também é membro do Instituto Millenium. Camilo

2. Sem

Formado em

DJ e

Rocha

periodicidade.

jornalismo

jornalista, é

pela PUC-

editor da

94

SP.21

parte de tecnologia do caderno de economia. Já colaborou para a Revista Bizz e a Folha. Passou pelo O Globo e Jornal da Tarde

José

1. Sem

Graduado e

Professor da

Pastore

periodicidade.

mestre em

FEA-USP e

ciências

presidente de

sociais pela

conselho da

Usp, doutor

FecomercioS

honoris causa

P. Foi chefe

em ciência e

da assessoria

Ph. D. em

técnica do

sociologia

ministério do

pela

trabalho no

University of

Governo

Wisconsin.

Figueiredo

X

(1979-85), além de consultor de entidades patronais e trabalhistas. José Paulo 2. Sem

21

Formado em

Um dos

X

Informação fornecida pelo jornalista ao autor da monografia, por e-mail, em outubro de 2014.

95

Kupfer

periodicidade.

economia

criadores do

pela Usp.

caderno de economia do Estado. Passou por diversos veículos como a Revista Exame, Gazeta Mercantil, Rádio CBN, Jornal do Conmércio e TV Bandeirantes.

Sérgio

1. Sem

Engenheiro

Professor do

Lazzarini

periodicidade.

agrônomo e

Insper e

mestre em

membro do

administraçã

Instituto

o pela Usp.

Millenium.

Ph.D em

Foi professor

administraçã

do Ibmec e

o pela John

consultor do

M. Olin

Banco

School of

Rabobank.

Business. Everardo

1. Sem

Formado em

Consultor

Maciel

periodicidade.

engenharia

tributário e

geológica na

professor do

Universidade

Instituto

X

X

96

Federal de

Brasiliense

Pernambuco.

de Direito

Doutor em

Público. Foi

economia

secretário da

pela

Receita

Universidade

Federal e

de Harvard.

ocupou interinamente os ministérios da Educação, Interior e Fazenda durante os governos FHC (1994 – 2002). É membro do Instituto Millenium.

Rogério

1. Sem

Formado em

Professor de

Werneck

periodicidade.

economia

economia da

pela UFMG e

PUC-RJ.

PHD pela Universidade Harvard. Neil Irwin

1. Sem

Jornalista

Corresponde

periodicidade.

com MBA

nte

em economia

econômico

na

do New York

Universidade

Times. Foi

de Columbia.

editor de economia do

X

97

Washington Post. Escreveu livro sobre a crise de 2008. Felipe

1. Sem

Graduado em

Professor da

Salto

periodicidade.

economia e

FGV e

mestre em

especialista

administraçã

da

o pública

Tendências

pela FGV.

Consultoria

X

X

Integrada. Sócio fundador do Instituto Tellus. Kenneth

1. Sem

Ph. D. em

Professor de

Rogoff

periodicidade.

economia

economia da

pela MIT.

Universidade

X

de Harvard. Foi economista do FMI. Jorge J.

1. Sem

Estudou

Jornalista e

Okubaro

periodicidade.

engenharia e

escritor. Foi

jornalismo na

editorialista

Usp.

de O Estado de S. Paulo e passou pela Folha da Tarde, Veja, Diário do

X

98

Comércio, Visão e Jornal do Brasil. Antônio

1. Sem

Formado em

Professor

Márcio

periodicidade.

direito na

livre docente

UERJ, em

na Unicamp.

Buainain

economia na FCPERJ, mestre em economia pela UFPE e doutor em economia pela Unicamp. Marcelo

1. Sem

Graduado em

Professor de

de Paiva

periodicidade.

Engenharia

economia na

Industrial

PUC-RJ.

Abreu

X

Mecânica pela PUC-RJ e doutor em economia pela Universidade de Cambridge. Raul

1. Sem

Formado em

Consultor

Velloso

periodicidade.

economia

econômico.

pela UERJ,

Foi secretário

mestre em

de assuntos

economia

econômicos

X

99

pela FGV-RJ

do ministério

e Ph. D. em

do

economia

planejamento

pela

e

Universidade

coordenador

de Yale.

de setores e áreas do IPEA no Governo Sarney (1985 – 1989), ocupou cargo no ministério da economia e foi secretário nacional adjunto do ministério do planejamento no Governo Collor (1990 – 1992). É membro do Instituto Millenium.

Monica

1. Sem

Graduada e

Professora de

Baumgart

periodicidade.

mestre em

economia da

en de

economia

PUC-RJ e

Bolle

pela PUC-RJ. sócia-diretora Ph.D. em

da

economia

Galanto/MB

X

X

100

pela London

B

School of

Consultoria.

Economics.

Membro do Instituto Millenium e diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica. Chefiou a área de Pesquisa Macroeconô mica Internacional do Banco BBM e foi economista do FMI.

Joseph E.

1. Sem

Graduado

Nobel de

Stiglitz

periodicidade.

pelo Amherst

economia de

College e Ph.

2001. Foi

D. pelo

presidente do

Massachusett

conselho de

s Institute of

assessores

Technology.

econômicos do presidente Bill Clinton e vicepresidente sênior e

X

101

economistachefe do Banco Mundial. a) João de

1. Sem

a) Mestrado

a) Secretário

Negri, b)

periodicidade.

em economia

executivo do

Glauco

pela UGMG

ministério da

Arbix e c)

e doutorado

ciência,

Fernanda

em economia

tecnologia e

de Negri.

pela UnB.

inovação. Foi

b) Graduado

coordenador

em filosofia e

geral na

doutor em

secretaria de

sociologia

comércio

pela Usp.

exterior do

c) Mestrado e

ministério de

doutorado em desenvolvime economia

nto, indústria

pela

e comércio

Unicamp.

exterior em 1999 (Governo FHC) e diretor e vicepresidente do Ipea no Governo Lula (entre 2005 e 2007). b) É presidente da

102

Finep, professor livre-docente do departamento de sociologia da Usp. Foi professor visitante da Universidade de WisconsinMadiso, durante o Governo Lula (entre 2003 e 2006), coordenador geral do Observatório de Inovação e Competitivid ade do Ipea e também presidente do instituto. c) Diretora de inovação do Ipea. Foi assessora do ministério do desenvolvime

103

nto, indústria e comércio exterior no Governo Lula (entre 2007 e 2009) e diretora adjunta da diretoria de estudos setoriais do Ipea no governo (entre 2009 e 2010). Gilles

1. Sem

Estudou

Foi redator

Lapouge

periodicidade.

história e

econômico de

geografia.

O Estado de S. Paulo. Escreve para o jornal como corresponden te da França desde 1953. Colaborou para jornais franceses como o Le Monde e escreveu diversos livros sobre o

104

Brasil.

6.1.1 Colunistas da Folha de S.Paulo

6.1.1.1 Vinicius Torres Freire

O colunista em questão da Folha publica artigos de terça-feira a domingo. Escreveu 13 artigos ao todo na quinzena. Sua análise é a que tem mais peso, portanto, no discurso da parte opinativa do caderno Mercado. Vinicius faz uma análise equilibrada do Governo Dilma no artigo ―Dilma 1: fim‖, publicado em 1º de junho. Pondera nos três primeiro parágrafos que o índice de crescimento do PIB não é suficiente para se analisar o desempenho da política econômica do governo e que Dilma herdou problemas a se resolver do governo Lula. ―É mais difícil do que parece medir o sucesso econômico de um governo por um número tal como o do aumento do PIB. Sob Dilma Rousseff, a economia terá crescido abaixo de 2% ao ano. ‗Menos que nos anos FHC‘, diriam críticos com a inteligência de debates das redes insociáveis. Mas o problema não está bem aí. Qual teria sido do crescimento caso o governo tivesse mantido a política econômica "feijão com arroz" adotada de 1999 a 2008, por aí, em vez do "angu de caroço" dilmiano? Dificilmente muito mais que 2%. Havia os excessos do biênio final de Lula para limpar, houve crises no mundo de 2011 a 2013 etc. Enfim, quando Dilma assumiu, estavam esgotadas as folgas que permitiram ao Brasil crescer os 4% lulianos (em suma, capacidade ociosa de produção e trabalho; folga nas transações com o exterior).‖

O quarto parágrafo atribui a ampliação de direitos sociais e econômicos no Brasil a uma continuidade de governos e não a apenas um: ―mas é claro que a presidente também

105

aceitou, com gosto, a pressão do trem da ampliação de direitos sociais e econômicos, que partiu em 1988, acelerou sob FHC e desembestou sob Lula.‖

Os parágrafos seis a 11 analisam como o governo separou recursos para políticas sociais, sem as criticar. ―O governo Dilma passou a ‗comprar‘ os frutos de um crescimento que não vinha. O fez por meio do aumento da dívida: gastando o que não tinha, tomando emprestado. Comprou empregos subsidiando empresas privadas (fez mais dívida para manter as margens de lucro dessas firmas); tentou comprar investimento, que não veio. Comprou o aumento dos empréstimos bancários adquirindo fatias de mercado bancário para os bancos públicos, que concederam mais crédito (que usamos em parte relevante para importar mais mercadorias, dados o custo e a escassez das nacionais). Comprou benefícios sociais com dívida pública também, pois não houve alta de impostos (alíquotas), menos ainda sobre os mais ricos. Quando não conseguia comprar, tentou tabelar preços, imaginando que, mesmo assim, o mercado ofertaria crédito, energia elétrica, combustível, infraestrutura. Não rolou. Dívidas maiores elevam as taxas de juros, para dizer o efeito mínimo. Juros altos aprofundam o problema da produção restrita, que era o empecilho inicial para Dilma.‖

O penúltimo parágrafo critica a ausência de uma reforma econômica e relativiza a importância de qual corrente econômica essa reforma poderia seguir. Esta relativização geralmente é aplicada por defensores do pensamento ortodoxo que separam questões ideológicas das ciências econômicas, como analisado no capítulo 2. Entretanto, o artigo como um todo não passa essa ideia de separação, já que menciona questões sociais e ainda a ausência de imposto sobre os ―ricos‖. ―Essa é apenas uma linhas das narrativas do problema que Dilma vai legar a si ou outro na área macroeconômica. Enfim, além do tempo perdido na picuinha cotidiana e na desordem administrativa centralizada de seu governo, ela não fez reforma econômica de fundo alguma, de ‗esquerda‘ ou ‗liberal.‘‖

106

6.1.1.2 Samuel Pêssoa

O colunista escreve uma vez por semana e é ligado ao mercado financeiro, já que é sócio de uma consultoria de investimentos. Essa sociedade não é informada pela Folha na descrição ao final do artigo. Criticou a heterodoxia da política econômica do governo em entrevista para a revista Financeiro, em setembro de 2014, e foi tratado pelo veículo como ―ex-petista militante nos anos 1980‖ e ―uma das principais vozes do PSDB quando se fala em economia‖. Samuel dissertou sobre a implantação do pedágio urbano em São Paulo no artigo ―Rodízio ou pedágio‖, publicado em 1º de junho. Não entra na discussão de temas vinculados a correntes de pensamento econômico.

Defende a medida como uma

solução de mercado para o trânsito na cidade, como explicado no segundo, terceiro e quarto parágrafos: ―Quando falta um produto, seu preço se eleva. Se quisermos tabelar o preço do produto, como a Venezuela faz agora ou tentamos fazer no Plano Cruzado, nos anos 1980, o problema se resolve com fila. A fila é a forma pela qual o mercado raciona o uso de um recurso escasso se há impossibilidade de o preço subir. Perde-se tempo na fila em troca de pagar o preço controlado. Se a pessoa tem renda muito elevada e não deseja os desconfortos de esperar na fila, acaba contratando alguém para fazê-lo por ela. A subida do preço é sempre mais eficiente como forma de racionar um produto ou serviço de oferta escassa do que a fila.‖

6.1.1.3 Samy Dana

O articulista escreve uma vez por semana na coluna ―Caro Dinheiro‖ no caderno Folhainvest, versão especial do caderno Mercado que sai às segundas-feiras e que é voltada para aplicações no mercado financeiro e para as finanças pessoais. É conhecido do autor da monografia e serve como exemplo de um economista que se colocava disponível à imprensa com frequência. Mudou de posicionamento por volta de

107

setembro de 2014 devido a ter de manter a exclusividade com os veículos de mídia onde trabalha.22 Seus artigos dão dicas de investimentos. Samy falou no texto ―Escolha do tipo CDB deve considerar retorno‖, publicado em 2 de junho, sobre como escolher o melhor título emitido por bancos para se comprar.

6.1.1.4 Marcia Dessen

A articulista escreve sobre finanças pessoais e investimentos uma vez por semana no caderno Folhainvest, assim como Samy Dana. È ligada ao mercado financeiro devido a ser sócia fundadora do BMI, empresa que presta serviços de treinamento para o mercado, e também cofundadora do IBCF, escola de planejamento financeiro. Marcia explica o que é a inflação no artigo ―A minha, a sua, a nossa inflação‖ publicado em 2 de junho. A explanação é feita com neutralidade, com exceção para o quarto e quinto parágrafos que dão a entender que o aumento dos preços é um problema do momento e não inerente à economia. Esse entendimento contribui para reforçar no leitor o discurso de inflação descontrolada e, por tanto, é vinculado à agenda neoliberal. Aqui, uma opinião é passada pela colunista ao leitor em tom educativo. O texto também não explica que o aumento dos preços é importante para estimular o crescimento econômico, já que promove a competição no mercado. ―Os preços sobem basicamente por duas razões: 1) em razão da escassez do produto, cuja oferta é insuficiente para atender a demanda de mercado; 2) quando a procura por produtos e serviços é maior do que a quantidade ofertada, ocorre a chamada inflação de demanda. Estamos vivendo no Brasil um período com essas características, expansão do consumo em razão do aumento no poder aquisitivo das pessoas e produção insuficiente para acompanhar o aumento da demanda.‖

22

Informação fornecida pelo economista à editoria de economia do Portal R7 no mês em questão.

108

6.1.1.5 Benjamin Steinbruch

É diretor da Companhia Siderúrgica Nacional e membro do conselho de administração da Fiesp. O colunista da Folha é, portanto, ligado à indústria e pode usar sua coluna, publicada a cada duas semanas, para defender interesses do setor. Seu texto publicado em 3 de junho, entretanto, com o título ―Violência e direitos‖, não trata de economia. Fala sobre a falta de liderança nos protestos de junho do ano passado e na greve dos ônibus de junho de 2014.

6.1.1.6 Alexandre Schwartsman

O colunista é ligado foi ligado governo Lula, por ter participado de seu governo, e também ao mercado financeiro, por ser sócio de uma consultoria econômica. Escreve para a Folha uma vez por semana. Em seu artigo publicado no dia 4 de junho, ―Pibículo‖, critica a política econômica heterodoxa do atual governo. No caso, faz a crítica ao pensamento heterodoxo keneysiano. Segue o pensamento neoliberal ao realçar a importância do crescimento do PIB e do controle da inflação, como explicitado nos dois últimos parágrafos. ―Eis o resultado da "nova matriz econômica", anunciada com fanfarra há alguns anos, e hoje pouco defendida, seja pelo governo, seja pelos nossos ‗keynesianos de quermesse‘: crescimento medíocre, inflação em alta, desequilíbrio externo, queda do investimento e desarrumação geral da economia. Pensando bem, meu encantamento pelo "pibículo" vai além do diminutivo pouco usual, ainda que preciso; rima com "ridículo", esta sim uma expressão que define bem o desempenho do país nos últimos anos, assim como o modelo de política econômica adotada no período, além, é claro, de descrever exatamente o que penso dos formuladores e defensores dessa política.‖

109

Também fala sobre ―produtividade do trabalho‖ no nono parágrafo, algo defendido pelo pensamento ortodoxo como condição para o aumento dos salários: ―Por outro lado, a divulgação do PIB permite novas estimativas da expansão da produtividade do trabalho. Ignorando as flutuações cíclicas dessa medida, chegamos a um número inferior a 1% ao ano (0,8% ao ano, caso queiram saber), também o mais baixo dos últimos 11 anos.‖

6.1.1.7 Marcelo Miterhof

O colunista, que escreve semanalmente, trabalha no banco estatal BNDES. Faz parte, portanto, do governo Dilma. Chama a atenção da descrição colocada pela Folha na biografia de Marcelo ao fim do artigo: ―O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.‖ O jornal parece querer deixar claro para o leitor que a opinião do colunista possui independência em relação ao governo. Esse zelo, entretanto, não está presente em nenhum outro colunista do caderno Mercado ligado à oposição ou a algum setor econômico específico. O articulista também já trabalhou no jornal e foi responsável pela redação de seus editoriais entre os anos 2000 e 2002. Marcelo defende a política industrial do banco em seu artigo ―Bola pra frente‖, publicado em 5 de junho. Mostra-se equilibrado em relação ao nível de intervenção do Estado na economia, como mostram o terceiro e quarto parágrafos: ―São dois os tipos mais comuns de críticas. Um é que a política industrial deveria mirar o apoio a setores na fronteira tecnológica. Outro é que teria sido o BNDES (e não o mercado) quem escolheu os grupos bem sucedidos. O curioso é que essas críticas apontam em direções opostas. A primeira condena a falta de ativismo e ousadia do Estado. A segunda, seu excesso. O entendimento das motivações que pautaram a ação do BNDES ajuda a explicar tal contradição.‖

O antepenúltimo e penúltimo parágrafos possuem um discurso que se assemelha mais a um porta-voz do banco do que de um colunista de um jornal.

110

―O BNDES opera a partir do capitalismo brasileiro existente, apoiando sua evolução. O suporte à internacionalização em commodities foi uma etapa disso. Porém é preciso olhar para frente. Por isso, a atuação da BNDESPar também tem envolvido o desenvolvimento da indústria de fundos de investimento em empresas tecnológicas e a participação em grupos privados que atuam em concessões de infraestrutura.‖

6.1.1.8 Pedro Luiz Passos

O presidente do Iedi foi mencionado na introdução da monografia. É ligado à candidata oposicionista à presidência Marina Silva (PSB) e criticou publicamente a falta de credibilidade do empresariado com a política econômica do governo no começo do ano. Escreve a cada duas semanas. Também é conselheiro da empresa de cosméticos Natura. No artigo ―Uma perda de tempo‖, publicado em 6 de junho, Passos critica a falta de credibilidade e o baixo crescimento do PIB. Também critica o desempenho da indústria, setor o qual representa. O primeiro e segundo parágrafos dão o tom do artigo por inteiro. ―Precisou que os dados do PIB do primeiro trimestre do ano e os últimos resultados do desempenho industrial fossem divulgados para que se cristalizasse a percepção sentida pelos empresários de um modo geral no dia a dia de seus negócios: a economia está prostrada, para não dizer que regride a olhos vistos. Quem ainda não se deu conta desta realidade, ou prefere não acreditar no que está ocorrendo, é o governo, ao insistir em adotar a política de nada fazer em período eleitoral.‖

6.1.1.9 Kátia Abreu

A colunista, que escreve semanalmente, é política do PMDB e líder da bancada ruralista no Senado. Sua ligação ao setor econômico é informada pela Folha em sua descrição ao

111

final do artigo: ―Kátia Abreu é senadora (PMDB-TO) e a principal líder da bancada ruralista no Congresso‖. O PMDB apoiou a candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Kátia critica no artigo ―Desconhecimento ou má-fé‖, publicado no dia 7 de junho, a candidata Marina Silva e defende o setor agropecuário das críticas da candidata do PSB e adversária do governo petista. Os três primeiros parágrafos exemplificam a defesa feita no artigo inteiro. ―No começo desta semana, em seminário promovido pela Folha, tive a oportunidade de ouvir, ao vivo, um dirigente de uma ONG ambiental que foi o segundo na hierarquia do Ministério do Meio Ambiente quando Marina Silva era ministra do governo Lula. Ele expôs sua visão – que é também a de seu grupo de fiéis– sobre os males do agronegócio para o nosso país. Embora todas as pessoas livres para pensar reconheçam que o agronegócio é o maior feito da nossa economia nos últimos 50 anos, experimentei, por alguns segundos, a sensação de que a moderna agropecuária brasileira foi um erro. Felizmente, essa sensação durou pouco. Quando ele passou a desenvolver seus argumentos, percebi logo o tamanho de seus equívocos e, mais uma vez, perguntei-me, sem ainda encontrar a resposta, por que essas pessoas nos repudiam tanto.‖

6.1.1.10 Nizan Guanaes

O colunista é presidente de um poderoso grupo do setor publicitário. Possui interesses, portanto, no setor. Escreve a cada duas semanas. O articulista não fala sobre economia no artigo ―A Copa das cidades‖, publicado no dia 10 de junho. Analisa que tipo de imagem as cidades brasileiras iriam passar para os turistas durante a Copa do Mundo, nos mês de junho e julho.

6.1.1.11 Luiz Carlos Mendonça de Barros

112

Mendonça é ligado ao segundo governo FHC (1998 – 2002) e sócio fundador da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e Ministro das Comunicações nesse período. Deixou o governo após ser envolvido no escândalo do suposto favorecimento em licitações da privatização da Telebrás. Também é ligado ao mercado financeiro, visto que já trabalhou como operador da bolsa. Escreve a cada duas semanas. A Folha não esconde a ligação do colunista com o governo tucano: ―Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro e economista, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações (governo FHC).‖ O economista declarou-se ―tucano‖ em seminário de economia da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), em 6 de novembro de 2014, assistido pelo autor da monografia. Mendonça faz uma análise crítica ponderada do governo Dilma no texto ―O criador e a criatura‖, publicado em 13 de junho. Ressalta a distribuição de renda após o Plano Real, bandeira política do PSDB, por exemplo, ao mesmo tempo em que diz que ela se acentuou mais no governo petista Lula, no décimo parágrafo. ―Antes do Plano Real, em 1993, apenas um terço dos brasileiros vivia no mundo formal. Hoje são 70% da população que vive na formalidade. Mas o grande movimento ocorreu nos anos Lula, principalmente depois de 2004, o que faz com que, para esse imenso número de brasileiros, a figura do criador seja associada a Lula.‖

Já nos três últimos parágrafos, insinua o distanciamento do governo Dilma de um governo melhor de seu antecessor. Entretanto, relativiza as críticas ao momento econômico atual e dá importância ao nível de emprego, algo que tem pouca importância ao pensamento ortodoxo. Também não segue a agenda neoliberal ao dizer que a inflação não está disparada. ―Como já disse, ocorre com frequência em nossa história, a criatura – apesar do reconhecimento pelo o que ocorreu– passa a se afastar de seu criador. E isto parece estar acontecendo hoje com o governo Dilma Rousseff e seu criador político, Lula. Com a economia entrando em seu quarto ano de dificuldades, a nova classe de brasileiros está sentindo uma desaceleração importante em seus ganhos de renda e de

113

qualidade de vida. Nada dramático, pois o emprego está preservado e a inflação está em um nível que não corrói ainda o poder aquisitivo dos salários. Mas os sinais de que a vida hoje é diferente da anterior são suficientes para criar certo sentimento de medo de perda. E isto está certamente sendo revelado pelas pesquisas.‖

6.1.2 Colunistas de O Estado de S. Paulo

6.1.2.1 Celso Ming

Celso Ming escreve de terça-feira a domingo e, portanto, é o articulista que tem mais peso na parte opinativa do caderno Economia & Negócios. Construiu sua carreira como jornalista econômico. Seu texto publicado no dia 1º de junho, com o título ―Pecados Capitais‖ faz uma defesa da importância do crescimento do PIB e do controle da inflação. O primeiro e o segundo parágrafo mostram as ideias do artigo. ―A sucessão de resultados medíocres do PIB e de inflação alta demais (à altura dos 6,0% ao ano) ao longo do governo Dilma não pode ser atribuída à crise global, como dizem as autoridades de Brasília. Esta é, em si mesma, uma alegação incoerente. Se a situação externa tivesse tanta influência, como quer fazer crer o governo, a inflação também estaria em torno de zero, como lá.‖

O nono parágrafo ainda defende uma mudança na corrente de pensamento que baliza a política econômica do governo, ao falar em ―recalibragem nos fundamentos‖. Ming, provavelmente, defende a mudança para uma política econômica ortodoxa. ―Há quem argumente que a economia precisa só de certos ajustes. Não é verdade. Além de uma forte recalibragem nos fundamentos para que voltem a dar sustentabilidade ao crescimento, a economia precisa de reformas. E isso, por sua vez, exige uma custosa transferência de contas a pagar para toda a sociedade.‖

114

6.1.2.2 Suely Caldas

A colunista também é uma jornalista que construiu uma carreira na cobertura de economia, assim como Celso Ming. O Estado de S. Paulo não possui uma periodicidade constante para as publicações dos articulistas. Caldas teve três textos publicados durante a quinzena analisada. É autora do livro ―Jornalismo econômico‖, citado pela monografia no capítulo 2. No texto ―O impasse dos fundos de pensão‖, publicado no dia 1º de junho, a colunista fala sobre as suspeitas de desvio dos fundos na Petrobrás. O texto, por falar de corrupção, poderia ter sido publicado no caderno de política do jornal. O artigo é neutro com exceção do terceiro parágrafo onde se parece fazer uma menção positiva ao governo FHC. ―No passado, os funcionários de estatais não precisavam fiscalizar seus fundos porque eles nunca arriscavam perdas: as regras lhes garantiam aposentadorias de valores definidos e, se o fundo apresentasse rombo, a estatal patrocinadora o cobria, obviamente transferindo o ônus para todos os brasileiros, seus acionistas. No governo FHC as regras começaram a mudar e os prejuízos passaram a ser obrigatoriamente divididos entre empresa e participantes – os aposentados com redução do benefício e funcionários ativos com aumento das contribuições. A população ficou livre de mais esse ônus.‖

6.1.2.3 Amir Khair

O colunista é um consultor tributário ligado ao PT. Teve dois textos publicados na quinzena. Possui uma coluna fixa, assim como Celso Ming. Khair, no artigo ―Barreiras ao crescimento‖, publicado em 1º de junho, critica o crescimento baixo do PIB e a política econômica. Se a preocupação com o crescimento do PIB pode atender à agenda neoliberal, a crítica do colunista à política econômica do governo não é feita do ponto de vista ortodoxo, entretanto. Khair critica os juros altos,

115

como mostram o nono e décimo parágrafos. Também fala da concentração de renda promovida pelo sistema tributário brasileiro. ―Barreiras. As principais barreiras ao consumo são: taxas de juros do sistema financeiro, má distribuição de renda e tributária, alto custo de vida para atividades essenciais, e baixo valor dos programas de renda. Vejamos: segundo a Associação dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a taxa de juros do sistema financeiro foi de 100,31% em abril para financiamentos em doze meses, ou seja, dobra o preço dos bens para quem usa o crediário. Esse é a principal barreira ao consumo. Apesar do avanço ocorrido nos últimos anos com o salário mínimo e programas de renda, persiste a histórica má distribuição de renda, que reduz/alija do consumo as camadas populares. A carga tributária, altamente regressiva, pune a baixa renda, pois a onera em 49% dos seus rendimentos. A forte tributação do ICMS eleva em pelo menos um terço os preços dos combustíveis, energia elétrica e comunicações. Outra barreira ao consumo é o alto custo das atividades essenciais, como o transporte coletivo, energia, água e esgoto, comunicações, gastos com saúde, educação, habitação e alimentação, que reduzem a renda disponível para o consumo de bens e outros serviços.‖

6.1.2.4 Renato Cruz

O articulista também possui uma coluna fixa e teve quatro textos publicados na quinzena. Escreve sobre tecnologia. Seu texto ―Política de tecnologia‖, publicado em 1º de junho, atende à agenda neoliberal ao criticar o protecionismo da indústria de eletrônicos do país, da parte do governo, para se evitar a perda de empregos no Brasil com o aumento de importações (que desestimulam a indústria nacional), tal como é demonstrado nos dois primeiros parágrafos. ―O Brasil está mal em tecnologia e inovação. Quando pensamos nos eletrônicos, temos uma política antiquada, que impõe barreiras ao mercado interno para atrair a

116

montagem de produtos finais no País. Existem alguns benefícios, como empregos gerados por aqui e investimento obrigatório em pesquisa, que, na prática, acaba gerando desenvolvimento de software e treinamento de mão de obra. Os resultados, porém, são ruins para o consumidor e para a própria competitividade da economia brasileira. A tecnologia da informação é hoje insumo básico para qualquer setor econômico, e os celulares e computadores brasileiros estão entre os mais caros do mundo. A indústria instalada aqui não é competitiva principalmente por causa da carga tributária, de gargalos logísticos e da falta de produção local de componentes‖.

6.1.2.5 Claudio Adilson Gonçalez

O articulista é ligado ao mercado financeiro, já que é diretor de uma consultoria econômica, a MCM Consultores. Fundou a empresa com seu antigo chefe, o hoje sócio da Tendências Consultoria Integrada, Maílson da Nóbrega. Claudio chefiou a assessoria do ministério da Fazenda na época em que o ministério foi gerido por Maílson. O colunista teve um artigo publicado na quinzena analisada pela monografia. O texto ―Piketty e o PT‖, publicado em 2 de junho, liga o livro ―O Capital no Século XXI‖ ao partido governista. ―O Capital no Século XXI‖, escrito pelo economista francês Thomas Pikkety, tornou-se o centro das discussões entre economistas em 2014 ao defender um imposto sobre grandes fortunas. A obra, por meio do levantamento de duas décadas de dados de imposto de renda de diversos países, mostra que a renda no mundo se concentra nas mãos das classes altas cada vez mais, a ponto da mudança de classe social no futuro poder ser atingida por indivíduos talvez apenas por meio de heranças ou casamentos, como acontecia na Era Moderna. Segundo o economista, isso acontece porque a renda do capital (vinda do mercado financeiro, por exemplo) é maior e mais rápida do que a renda do trabalho. Embora Piketty não defenda ideias marxistas, também mostra no livro que a concentração de renda no mundo diminuiu apenas com o aumento da intervenção do Estado na economia, após a 2ª guerra mundial, até o surgimento de medidas neoliberais propostas por governos a partidos dos anos 90.

117

Essa explicação do conteúdo da obra também é feita por Gonçalez até o oitavo parágrafo. O colunista, então, critica a ideia de um imposto sobre grandes fortunas no parágrafo seguinte. ―Não é difícil concluir que tais medidas reduziriam fortemente o apetite para assumir riscos empresarias [sic] e desestimulariam os investimentos produtivos, especialmente em nações emergentes, como é o caso do Brasil.‖

Faz parte do discurso econômico ortodoxo defender a importância dos investimentos para o crescimento da economia. Já esse pensamento é criticado por discursos heterodoxo, que questionam a importância de investimentos via mercado financeiro (que não geram empregos e tem rendimento por meio da especulação) e a real possibilidade de fuga de capitais do Brasil, considerando-se a atratividade do mercado do país. O IGF (Imposto Sobre Grandes Fortunas) é determinado pela Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado. Projetos de lei relacionados nunca foram colocados para votação no Congresso Nacional. A questão é ligada à eleição, já que um deles foi proposto pela candidata à presidência Luciana Genro do PSOL, partido que defende a heterodoxia econômica. O PT, como analisado no capítulo 3, possui origem socialista e também é associado à heterodoxia. Gonçalez entra na questão eleitoral e critica o PT e essa linha de pensamento econômico nos dois últimos parágrafos. Também apresenta um tom crítico à ideia marxista de luta de classes em seu discurso e classifica a oposição do mercado ao governo, subjetivamente, como um sinal de que a política econômica governista é ruim e não como uma defesa de interesses do mercado. ―Impostos sobre grandes fortunas e alíquotas altamente progressivas de imposto sobre a renda são velhas aspirações da esquerda brasileira, especialmente do PT. E agora, às vésperas das eleições, surge um trabalho com expressiva repercussão mundial dando suporte ―científico‖ para elas. E o autor não é uma pessoa qualquer, é um Ph. D. pela École des Hautes Etudes em Sciences Socialies (França) e pela London School of Economics e ex-professor do conceituado Massachusetts Institute of Technology

118

(MIT). A esquerda brasileira não poderia esperar presente melhor, qual seja, contar com um aliado de tão alta qualificação. O sucesso do livro do Pikkety, a linha programática do PT e o teor que está tomando a campanha para reeleição (ricos contra pobres) formam uma combinação que aumenta a preocupação dos investidores em relação aos rumos da política econômica brasileira a partir de 2015 e reforça a tendência verificada nos últimos meses: o preços dos ativos brasileiros continuará oscilando na direção contrária às intenções de voto na presidente Dilma Rousseff.‖

6.1.2.6 Antonio Penteado Mendonça

O articulista é membro do Instituto Millenium e teve dois textos publicados na quinzena analisada. Explica de forma neutra no texto ―Seguro de fidelidade‖, publicado em 2 de junho, no que consiste esse tipo de seguro para empresas. Mendonça não entra em questões econômicas e não fica claro o motivo da publicação de um texto sobre o assunto, se acredita que o tema interessa ao público do diário paulista ou se estaria defendendo interesses próprios ou do jornal.

6.1.2.7 Camilo Rocha

O jornalista é editor de Link, a parte de tecnologia do caderno Economia & Negócios. Seus textos são publicados na coluna ―Homem Objeto‖. Teve dois artigos publicados durante os 15 dias de artigos. Analisa de forma neutra o cenário mercado mundial de tablets no texto ―A lua de mel com os tablets pode ter acabado‖, publicado em 2 de junho, como mostra o primeiro parágrafo do artigo. ―A lua de mel foi intensa, mas o fogo deve baixar de agora em diante. Depois de anos de exuberância, a venda de tablets dá claros sinais de cansaço. Se no Brasil, no ano

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passado, elas tinham crescido acima dos 120%, a expectativa para 2014 é de 35,4%, de acordo com a consultoria IDC.‖

6.1.2.8 José Pastore

O articulista é ligado ao setor de comércio, já que foi presidente do conselho da entidade que o representa em São Paulo. Teve um artigo publicado durante a quinzena analisada. Também é ligado a questões trabalhistas, já que integrou a pasta relacionada no último governo da Ditadura Militar e atuou como consultor tanto de sindicatos trabalhistas, quanto de entidades patronais. Pastore fala sobre o assunto no artigo ―Os que não querem trabalhar‖, publicado em 3 de junho. Faz uma análise do desemprego no Brasil em que faz críticas, mas também cita fatores positivos da situação atual. Afirma que os jovens têm deixado de trabalhar para estudar mais e os idosos, devido a benefícios sociais, como é falado no quinto parágrafo. ―Ou seja, a opção de não trabalhar tem motivação diferente nos grupos indicados. Os jovens, na sua maioria, adiam a entrada no mercado de trabalho para ficar mais tempo na escola. Os idosos, em lugar de adiar, simplesmente param de trabalhar. Nos dois casos, a melhoria da renda familiar parece operar como um fator facilitador.‖

No sexto e sétimo parágrafo, que terminam o texto, alerta para as razões do desemprego não serem tão boas como as defendida pelo governo. O texto poderia ser considerado neutro se não desse a entender que os salários devem aumentar conforme a produtividade, ideia que faz parte do discurso ortodoxo. O articulista também utiliza o adjetivo ―pibinho‖, usado na imprensa para se referir a um baixo crescimento do PIB. ―A retração da oferta de trabalho no Brasil não chega a ser um problema grave como ocorre em países da Europa ou no Japão onde faltam jovens para trabalhar. Mas, no médio prazo, estaremos na mesma situação com um agravante. Se o atual "pibinho" de

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1% saltar para 4% ou 5% ao ano, enfrentaremos uma escassez de mão de obra bem mais severa do que a atual. No curto prazo, a diminuição do número dos que buscam trabalho traz uma redução da taxa de desemprego e, indiretamente, uma melhoria da renda média. Estas duas consequências seriam bem mais benéficas se o desemprego caísse em decorrência de uma forte geração de empregos e se a renda aumentasse como resultado de uma substancial elevação da produtividade. Como nada disso acontece, temos de usar a taxa de desemprego e o aumento da renda com o devido cuidado para não transformar problemas em virtudes.‖

6.1.2.9 José Paulo Kupfer

Kupfer é colunista fixo do jornal e é um dos criadores do seu caderno de economia. Trabalhou como jornalista de economia em diversos veículos e teve dois textos publicados na quinzena. Critica os resultados da balança comercial do País (saldo de exportações menos importações) no texto ―Comércio embaraçado‖, publicado em 3 de junho, como mostra o primeiro parágrafo do texto. ―A balança comercial continuou a apresentar, em maio, resultados insatisfatórios. O superávit no mês, de US$ 712 bilhões, o mais baixo para meses de maio em uma dúzia de anos, reafirma as dificuldades competitivas do comércio exterior brasileiro.‖ O quinto parágrafo ainda coloca a análise como independente de ―razões políticas‖ e ―ideológicas‖. Essa separação entre a análise econômica e a política caracteriza o pensamento ortodoxo, como já visto na monografia. ―Um estudo comparativo, realizado sob coordenação do economista Lucas Ferraz, pelo Centro de Comércio Global e Investimento (CCGI), da Escola de Economia de São Paulo (EESP–FGV), mostra que, independente de razões políticas, ideológicas ou mesmo de processo de produção, problemas de eficiência logística dificultam – se não impedem – a integração brasileira às cadeias de valor.‖

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6.1.2.10 Sérgio Lazzarini

O colunista já foi consultor do banco Rabobank e, portanto, é ligado ao mercado financeiro. Também é membro do Instituto Millenium. Teve um artigo publicado na quinzena. Lazzarini discute no texto ―Práticas gerenciais e de produtividade‖, publicado em 4 de junho, a dificuldade de se aumentar a produtividade dos trabalhadores de empresas de países emergentes. Embora o colunista não entre diretamente na questão de aumento salarial conforme produtividade, seu discurso dá base para a ideia ortodoxa. Lazzarini também critica os sindicatos trabalhistas em relação a essa questão no nono e último parágrafo. ―Não menos importante, há o complexo contexto trabalhista no Brasil. Ouço de vários empresários que, em vários casos, é difícil de implantar planos de avaliação e remuneração por mérito. Alguns sindicatos, embora favoráveis a esquemas de distribuição de lucros, não permitem que os empresários reconheçam de forma diferenciada os funcionários mais produtivos. Muitas vezes se exige que a distribuição seja igualitária, independentemente de quanto cada pessoa contribuiu para o resultado. Isso pode funcionar em empresas relativamente menores onde uns monitoram os outros e onde todos são igualmente treinados e produtivos, mas não necessariamente em organizações mais complexas. Todos nós já sofremos por ter tido um colega, na escola ou na empresa, que simplesmente ‗pegou carona‘ no trabalho que fizemos. Ao serem refratários à distribuição de resultados por mérito, os sindicatos simplesmente prejudicam os melhores e mais competentes.‖

6.1.2.11 Everardo Maciel

O colunista foi secretário da Receita Federal durante o governo FHC e o responsável por aumentar a arrecadação de impostos do governo da época. Ocupou interinamente três ministérios (Interior, Educação e Fazenda) e é membro do Instituto Millenium. Portanto, é bem ligado ao PSDB, partido que faz oposição ao governo atual.

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Assim como Claudio Adilson Gonçalez, Everardo também fala sobre Thomas Pikkety e ―O Capital no Século XXI‖ em seu primeiro e único artigo publicado durante a quinzena analisada, com o título ―Piketty, charme e fantasia‖, do dia 5 de junho. Também critica a proposta de um imposto sobre grandes fortunas, além de questionar a credibilidade do levantamento de dados de Piketty, como demonstra no sexto e sétimo parágrafos do artigo. ―Os dados utilizados na pesquisa foram duramente contestados por Chris Giles, editor do Financial Times. A resposta de Piketty foi pífia. Alega que os dados podem ser melhorados ou corrigidos, sem que implique mudança de sua tese. Lembrei-me da frase atribuída ao humorista Groucho Marx: "Esses são meus princípios. Caso não lhes agradem, eu tenho outros". De minha parte, vejo com ressalvas informações coligidas de declarações de imposto de renda. Sua consistência pode ficar comprometida pelos históricos fenômenos da evasão e elisão fiscais. A questão mais polêmica, contudo, é a proposta de Piketty para reduzir as desigualdades sociais: universalizar a tributação progressiva do imposto de renda, com alíquotas de até 80%, e das heranças. Universalização de tributos é algo impensável. No máximo, pode haver convergência de alíquotas em virtude de competição fiscal. Que tal reunir, para uniformizar tributação, americanos e nortecoreanos, russos e ucranianos, gregos e troianos?‖

Dentro do pensamento ortodoxo, critica nos dois últimos parágrafos do artigo a interferência excessiva do Estado na economia. ―Tributação das heranças é inerente à história dos impostos. O equívoco é torná-la confiscatória. Nada em demasia, como ensinavam os gregos. Ninguém quer ter o governo como herdeiro. Alíquotas pesadas, nas heranças, produziriam um estímulo extraordinário ao consumo ou, mais provavelmente, faria a festa dos planejadores fiscais. A luta pela redução das desigualdades sociais é um imperativo republicano. Não creio, todavia, em fórmulas salvacionistas, e muito menos nas que foram aventadas por Piketty. O debate provocado é, entretanto, oportuno.‖

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6.1.2.12 Rogério Werneck

Werneck teve um texto publicado na quinzena e é um economista de carreira acadêmica. O artigo de 6 de junho, com o título ―A reconstrução da política econômica‖, critica a alta da inflação e o nível do crescimento do PIB nos dois primeiros parágrafos. Também entra na questão dos ―preços administrados‖, que representam intervenção estatal na economia. ―O melancólico apagar das luzes do atual mandato presidencial vem surpreendendo até mesmo quem jamais escondeu seu pessimismo sobre as possibilidades do governo Dilma Rousseff. O desempenho da economia deteriora-se a cada dia. Na esteira de um colapso da confiança de consumidores e investidores, o nível de atividade praticamente estagnou no primeiro trimestre. E está em queda no trimestre em curso. Já se estima que o crescimento do PIB em 2014 não chegue a 1,5%. O que deixaria a taxa anual média de crescimento da economia no governo Dilma Rousseff abaixo de 1,9%. Apesar desse crescimento pífio, o quadro inflacionário segue preocupante.23 A inflação em 12 meses está prestes a ultrapassar o teto de tolerância da meta. Inflação de 7,5% em 2015, em decorrência da inevitável descompressão de preços administrados que ocorrerá depois das eleições, é o que agora prevê um dos principais responsáveis pela desastrosa pajelança ministrada ao País sob o rótulo de ‗nova matriz macroeconômica‘ (entrevista de Nelson Barbosa24, O Estado de S. Paulo, 29/5).‖

Deixa subentendido ainda no quarto e quinto parágrafos que prefere a eleição de um novo partido para governar o país e defende um ajuste fiscal na economia, o que segue bandeiras da agenda neoliberal como o superávit primário.

23

Como o crescimento econômico produz inflação, geralmente economias com alto crescimento do PIB têm inflação alta e vice e versa. A crítica aqui consiste em o Brasil ter um baixo crescimento e uma inflação alta ao mesmo tempo e, portanto, não se limita apenas à recorrente defesa do combate à inflação pelo pensamento ortodoxo, já discutida na monografia. 24 Foi secretário –executivo do ministério da Fazenda até junho de 2014 e é cotado para suceder Guido Mantega na chefia da pasta.

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―A análise do cenário alternativo, de vitória da oposição na eleição presidencial, permite vislumbrar com mais clareza a agenda de reconstrução da política econômica que terá de ser enfrentada em 2015. É bom notar que, em meio às muitas dificuldades, haveria amplo espaço para uma colheita fácil de resultados iniciais importantes, com o anúncio de medidas que possam dar lugar ao choque de credibilidade que há muito tempo se faz necessário na condução da política econômica. A simples nomeação de uma equipe econômica respeitável, que soubesse manter um discurso coerente e fosse capaz de restabelecer a sintonia entre as atuações da Fazenda e do Banco Central (BC), já faria grande diferença. Na área fiscal, a restauração da credibilidade do registro das contas públicas seria um grande avanço. Bastaria um anúncio singelo de encerramento definitivo do festival de truques contábeis que vêm pautando a política fiscal. Naturalmente, isso exigiria a desmontagem do gigantesco orçamento paralelo que, há muitos anos, o governo vem alegremente mantendo no BNDES.‖

6.1.2.13 Neil Irwin

O articulista é um jornalista estadunidense e seu texto foi publicado no The New York Times e traduzido para O Estado de S. Paulo. Apenas um artigo seu foi publicado pelo Estado na quinzena analisada. Irwin fala sobre o problema da deflação na economia europeia por meio do texto ―Deflação levada, afinal, a sério‖, que foi publicado no Estado no dia 6 de junho. A baixa dos preços desestimula a competição na economia e o seu crescimento. Irwin faz um relato dos acontecimentos e da atuação do presidente do Banco Central Europeu, sem entrar em questões de corrente de pensamento econômico, como mostra o décimo parágrafo. ―No tocante a Mario Draghi esta é a mais recente prova de suas qualidades táticas. No verão de 2012, quando a moeda comum corria o risco de desaparecer, o BCE reuniu apoio interno à promessa de escorar os governos dos países financeiramente. Quando prometeu "tudo o que for necessário" para preservar a unidade europeia, ele conseguira um amplo consenso no conselho diretor de 23 membros do BCE.

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Similarmente, ao mesmo tempo que economistas se inquietavam com a ameaça deflacionária nos últimos meses.‖

6.1.2.14 Felipe Salto

O articulista é ligado ao mercado financeiro, já que é especialista da consultoria Tendências. É sócio-fundador do Instituto Tellus, entidade educacional que tem como membros do conselho consultivo o apresentador Luciano Hulk e o empresário Carlinhos Jereissati, ligados ao PSDB, e o Centro Ruth Cardoso como parceiro, que carrega o nome da esposa de Fernando Henrique Cardoso, já falecida. Afirma que é ―PSDB desde que se conhece por gente‖ em texto publicado em seu blog em 27 de outubro com o título ―não vamos nos dispersar‖. O colunista teve um texto publicado no Estado durante a quinzena analisada, com o título "O grande desafio do próximo presidente‖, de 7 de junho. O texto faz uma defesa do livre mercado e da rigidez fiscal na economia, como demonstra o primeiro parágrafo do artigo que cita o ex-governador de São Paulo pelo PSDB, Mario Covas. ―No discurso O desafio de ser presidente, em 28 de junho de 1989, o senador Mario Covas, que acabara de ser escolhido para candidatar-se à presidência da República, [sic] pelo PSDB, disse: ‗Basta de gastar sem ter dinheiro. Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidades comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de tanta proteção a atividades econômicas já amadurecidas. Mas o Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa, também, de um choque de capitalismo, um choque de livre-iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios.‘ As palavras de Covas seguem vivas. Teremos a sabedoria de seguilas afim de acelerar os avanços econômicos e sociais?‖

6.1.2.15 Kenneth Rogoff

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O economista estadunidense trabalhou para o FMI (Fundo Monetário Internacional), entidade que concede empréstimos a países em troca da adoção de medidas econômicas ortodoxas, como ocorreu durante o governo FHC. Tem, portanto, a sua carreira profissional ligada à agenda neoliberal. Seu texto ―Uma moeda para o século 21‖, publicado em 7 de junho, o único da quinzena analisada, não entra em questões de pensamento econômico. Fala sobre o problema da deflação na economia europeia e propõe a adoção de uma moeda virtual para que os bancos centrais tenham mais controle do dinheiro em circulação, como mostram os três últimos parágrafos do artigo. ―Infelizmente, o sistema entrou em colapso depois que a guerra começou, em agosto de 1914. Depois da guerra, conforme as coisas se acalmaram, os governos tentaram retornar ao padrão-ouro. Mas o padrão-ouro restaurado entre as guerras acabou ruindo, entre outros motivos por causa da impossibilidade de reconstruir a confiança do público. Uma jogada dos bancos centrais no sentido de definir uma meta de inflação de longo prazo em 4% corre o risco de colocar em movimento a mesma dinâmica. Felizmente, há uma maneira melhor. A adoção de uma moeda eletrônica não exigiria uma alteração desestabilizante na meta de inflação. Pequenos problemas técnicos poderiam ser facilmente reduzidos. Cidadãos comuns, por exemplo, poderiam receber cotas de transações a juro zero (até certo limite). Supõe-se que os juros nominais só entrariam em terreno negativo em resposta a uma profunda crise de deflação. Mas, quando uma crise desse tipo ocorrer, os bancos centrais poderiam escapar dela muito mais rapidamente do que seria possível atualmente. E, como já defendi antes, faz tempo que os governos agem mal ao distribuir notas de alto valor, já que boa parte delas é usada na economia subterrânea e no financiamento de atividades ilegais. A mudança para uma moeda do século 21 tornaria mais simples a transição para um regime de bancos centrais também dignos do século 21.‖

6.1.2.16 Jorge J. Okubaro

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O articulista tem carreira como jornalista na imprensa e já foi editorialista de O Estado de S. Paulo, ou seja, responsável por escrever os editoriais do diário. Okubaro teve um artigo seu publicado na quinzena. Falou sobre a competitividade da indústria no texto ―Inovação, competitividade, sobrevivência‖, publicado em 9 de junho. Critica, no nono parágrafo, o crescimento do PIB atual e fala que a inflação está em um ―nível muito alto‖, análises ligadas ao pensamento ortodoxo. Também pode dar a entender no décimo parágrafo que seria melhor para a economia a eleição em 2014 de um novo partido para o governo. ―Lamentavelmente, porém, o momento parece impróprio. O baixo crescimento econômico dos últimos anos e as previsões de que o ritmo de atividade se manterá baixo no futuro próximo desestimulam investimentos. Da mesma forma, a persistência da inflação em nível muito alto, nas proximidades do limite de tolerância da política de metas do Banco Central e às vezes o rompendo, alimenta o desânimo do empresariado constatado em diversas pesquisas das entidades representativas da indústria. A proximidade das eleições, de sua parte, faz crescer as dúvidas sobre como será a condução da economia a partir de 1.º de janeiro de 2015, o que igualmente retarda a disposição de investir, sobretudo em projetos de risco como são os de inovação, pesquisa e desenvolvimento.‖

6.1.2.17 Antônio Márcio Buainain

O colunista é um economista de carreira acadêmica e teve um texto publicado durante o período analisado pela monografia. Faz uma análise ponderada e neutra de oportunidades perdidas pelo governo Dilma na área de economia, sem entrar em bandeiras ortodoxas, no texto ―Oportunidades perdidas‖, publicado em 10 de junho. O segundo parágrafo mostra o tom do texto. ―E qual era a fonte do otimismo? O enfrentamento dos problemas da economia e da sociedade, quase todos relacionados aos déficits de infraestrutura das políticas públicas, formatava uma agenda virtuosa e viável para guiar a política econômica e

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social nos anos seguintes. O crescimento havia sido acionado pelo consumo público (gasto dos governos) e privado (crédito e crescimento da renda descolado da evolução da produtividade), e o desafio era elevar o investimento sem o que nenhum crescimento se sustenta. Em um mundo em crise, o Brasil aparecia como uma fronteira de oportunidades para capitais ociosos em busca de bons negócios. Democracia estável, com instituições cuja respeitabilidade havia sido restaurada com o Plano Real e com as conquistas sociais consolidadas na gestão do presidente Lula, tinha quase tudo por construir: novos aeroportos e portos, rodovias, ferrovias e hidrovias, usinas hidrelétricas, armazéns, presídios, hospitais e até escolas. O potencial na área de energia renovável aparecia como quase "infinito", e o pré-sal afigurava-se muito promissor. E, claro, acreditei nas promessas relacionadas à Copa e Olimpíada.‖

6.1.2.18 Marcelo de Paiva Abreu

Marcelo também é um economista de carreira acadêmica e teve um artigo publicado na quinzena. Seu texto ―Bogotazos e maracanzos‖, publicado em 11 de junho, fala sobre a influência do desempenho da seleção brasileiras nas Copas do Mundo de futebol nas eleições presidenciais. O primeiro parágrafo, entretanto, cita a preocupação ortodoxa com a inflação. Isso é feito sem haver relação com o tema do artigo. ―Uma ampla maioria dos brasileiros acredita que o Brasil obterá o ‗hexacampeonato‘ na vigésima Copa do Mundo de futebol. No passado, quando as firulas de marketing eram mais modestas, hexacampeonato queria dizer seis títulos seguidos. Mais em um país com tradição de inflação alta talvez tal ufanismo seja compreensível.‖

6.1.2.19 Raul Velloso

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O colunista já foi citado como fonte de reportagem de O Estado de S. Paulo no item 4.1.6. É ligado aos governos Sarney e Collor e membro do Instituto Millenium. Ao final de sua coluna, o jornal o credita apenas como ―consultor econômico‖. Velloso defende no texto ―Hora de reajustar o modelo‖, publicado em 12 de junho, as bandeiras ortodoxas de reajuste fiscal, combate à inflação e aumento de produtividade, como mostram os dois primeiros parágrafos. Também critica os preços administrados pelo governo, além de questionar por meio de ironia a declaração do ex-presidente petista Lula. ―Inquieto com as pesquisas eleitorais, o ex-presidente Lula, patrono do atual governo, questionou publicamente o secretário do Tesouro a respeito da razão pela qual o governo aperta o crédito oficial ‗se a gente não tem inflação de demanda‘. Arno Augustin não respondeu, mas alguém deveria explicar a Lula que, se a inflação anual de serviços está rodando próxima de 9% ao ano quando a meta oficial é de 4,5%, é óbvio que existe inflação de demanda. Com a variação dos preços administrados próxima de zero, e dados os preços externos e a taxa de câmbio, a inflação só cairá no curto prazo se cortarmos a demanda por serviços. Sem ajuste fiscal, sobram elevação dos juros e contenção do crédito público. Num prazo mais longo, é preciso criar condições para os investimentos privados em serviços não apenas serem ampliados, como terem como foco maior produtividade, inclusive porque o governo não para de expandir o gasto corrente. O ponto é: além do elevado peso no PIB, por sua natureza o setor de serviços é atendido basicamente pela oferta interna. Assim, se esta não cresce adequadamente, os estímulos de um modelo econômico como o nosso, puxado pelo rápido crescimento do consumo, produzem uma forte pressão sobre os preços de serviços, por conta dos aumentos salariais que são parte do mesmo processo. Não adianta forçar uma baixa artificial, como se fez com os preços administrados, a exemplo da energia elétrica, ou nos quais se interfere fortemente, como os pedágios e as tarifas de ônibus. Quando a hora da verdade chegar, os preços terão de ser realinhados e ocorrerá a velha ―inflação corretiva‖. Ou seja, é preciso ampliar investimentos com redução de custos a médio e a longo prazos.‖

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6.1.2.20 Monica Baumgarten de Bolle

A colunista, citada como fonte no item 5.1.4, é ligada ao mercado financeiro. É sócia diretora da consultora econômica Galanto, foi economista de banco BBM e do FMI, além de ser membro do Instituto Millenium. Ela fala sobre o livro de Thomas Piketty25 no texto ―O Estado e a desigualdade‖, publicado em 13 de junho. Foi o único artigo seu publicado na quinzena analisada. Monica não critica a ideia de imposto sobre grandes fortunas. Utiliza o assunto do livro, no quinto e último parágrafo, para criticar o sistema tributário do país, onde pobres e ricos pagam o mesmo (não é explicado que isto acontece por meio da tributação sobre produtos). Em seguida, entra na defesa ortodoxa do combate à inflação. ―Há mais. Consideremos os impostos brasileiros. Quando se fala da redução da desigualdade no Brasil, geralmente se considera a renda das famílias antes do pagamento dos impostos. Contudo, se levássemos em conta a renda após o pagamento dos impostos, é possível que a redução da desigualdade alcançada nas últimas décadas tenha sido menos impressionante do que parece à primeira vista. A razão? Os impostos brasileiros, além de complexos, ainda têm um grau incômodo de regressividade: a classe média paga mais impostos como proporção da renda do que os mais ricos. Tudo isso seria mais transparente e elucidativo se dispuséssemos dos dados da Receita Federal para fazer as contas, tal qual fez Piketty. Mas, não dispomos dessa informação. O que sabemos é que a inflação é um imposto regressivo, ataca quem dela não pode se defender. E a inflação no Brasil anda alta, mais alta do que seria compatível com um processo de contínua redução da desigualdade social. A insatisfação do povo não é à toa.‖

O último parágrafo apresenta um tom de crítica à interferência do Estado na economia: ―Cheguei até aqui sem sequer mencionar a política de ‗campeões nacionais‘, o crédito camarada do BNDES para grandes grupos empresariais brasileiros. O espaço acabou.

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Monica ficou responsável por traduzir o livro para o português brasileiro, pela editora Intrinseca.

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Mas, a narrativa está aí para ser esmiuçada: a história do ‗Capital no Século XXI‘ no Brasil, aquela em que o Estado é o grande protagonista.‖

6.1.2.21 Joseph E. Stiglitz

Stiglitz é Nobel de economia e ligado ao mercado financeiro, já que foi economista do Banco Mundial. Teve um texto traduzido e publicado no Estado durante a quinzena. Faz uma análise ponderada e neutra no texto ―Criar uma sociedade de aprendizado‖, publicado em 13 de junho, do progresso tecnológico na economia capitalista. Afirma no terceiro e quarto parágrafo que a economia de mercado trouxe essa inovação e o papel dos monopólios nessa questão. ―Há um século, o economista e cientista político Joseph Schumpeter argumentou que a vantagem central de uma economia de mercado era sua capacidade de inovar. Sustentou que o foco tradicional dos economistas em mercados competitivos estava equivocado: o que importava era a competição pelo mercado, não a competição no mercado. Competição pelo mercado conduz à inovação. Uma sucessão de monopolistas levaria, segundo essa ótica, a padrões de vida mais elevados a longo prazo. As conclusões de Schumpeter não deixaram de ser questionadas. Monopolistas e firmas dominantes, como a Microsoft, podem na verdade suprimir a inovação. A menos que sejam monitoradas pelas autoridades antimonopólio, elas podem se engajar em comportamento anticompetição, que reforça seu poder monopolista.‖

Reflete também sobre a eficácia do mercado no sétimo e oitavo parágrafos. ―Políticas industriais — nas quais governos intervêm na alocação de recursos entre setores ou em favor de algumas tecnologias — podem ajudar ―economias jovens‖ a aprender. Tais políticas, quando adotadas, têm sido alvo frequente de crítica. Governos, costuma-se dizer, não devem escolher vencedores. O mercado é muito melhor nisto. Mas as evidências não são tão contundentes quanto alegam os defensores do livre mercado. O setor privado dos EUA foi notoriamente ruim em alocar capital e gerenciar

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riscos nos anos que precederam a crise financeira global. Estudos mostram que o retorno médio para a economia de projetos de pesquisa do governo é, na verdade, mais elevado do que os da iniciativa privada. Especialmente porque o governo investe mais em pesquisa básica relevante. É só se pensar nos benefícios advindos das pesquisas que levaram ao desenvolvimento da internet ou à descoberta do DNA.‖

6.1.2.22 João de Negri, Glauco Arbix e Fernanda de Negri

Os três articulistas possuem cargos e funções ligadas ao governo federal. Escreveram o mesmo texto, de título ―Olhar para o futuro, não para o retrovisor‖, publicado em 14 de junho, onde defendem ações do governo, como mostra o quarto parágrafo do artigo. ―Nos últimos anos o Brasil fortaleceu suas instituições, reduziu a pobreza e a desigualdade social e gerou milhões de empregos - avanços que ajudaram a detectar constrangimentos estruturais, dos quais a baixa produtividade é apenas a síntese. Temos de melhorar a qualidade e o foco da educação; avançar na infraestrutura; criar um ambiente regulatório e institucional mais favorável aos negócios; aumentar a produção de conhecimento, tecnologia e inovação. O debate é sério e precisamos evitar a contaminação eleitoral. Os passos dos últimos 11 anos, ainda que insuficientes, foram mais velozes e de maior qualidade que em outras épocas.‖

O artigo tem como assunto principal defender ações governamentais para elevar a produtividade do trabalho no país, como ainda mostra o parágrafo seguinte. ―O Plano Inova Empresa elevou o patamar das políticas públicas ao fixar como alvo o aumento da produtividade por meio da inovação tecnológica. A experiência internacional evidencia, entretanto, que é preciso avançar mais. Os EUA destinam mais de US$ 130 bilhões por ano para Ciência e Tecnologia. Cerca de US$ 30 bilhões vão para os 27 Institutos Nacionais de Pesquisa em Saúde e de US$ 12 bilhões para 17 Laboratórios Nacionais de Energia, mobilizando mais de 6 mil pesquisadores. Nesse

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ambiente, altamente subsidiado, pesquisas de ponta geram novas drogas, equipamentos e tratamentos produzidos por empresas privadas associadas aos Institutos.‖

6.1.2.23 Gilles Lapouge

O articulista escreve textos da França para o jornal desde 1953. Teve um texto publicado pelo jornal na quinzena analisada pela monografia. No artigo ―A punição ao BNP Paribas‖, publicado em 14 de junho, fala sobre a multa imposto ao banco pelos EUA, devido a instituição ter desobedecido o acordo de não manter relações comerciais com Cuba, Irã e Sudão. O fato é contado de forma neutra.

6.1.2.24 Editorial Econômico

O editorial econômico é publicado pelo caderno Economia & Negócios de terça-feira a domingo. Representa a opinião do jornal, já que se trata de um editorial. O primeiro texto do gênero da quinzena, com o título ―Poupança menor não afeta o crédito à moradia‖, foi publicado em 1º de junho. Analisa o mercado imobiliário com neutralidade, com exceção da menção no quinto parágrafo a um problema inflacionário no país. ―O aumento das retiradas da poupança se explica pela queda do poder aquisitivo dos salários decorrente da inflação e pela necessidade de cobrir gastos correntes, mas também pelo elevado endividamento das famílias e, em especial, pelo avanço dos juros. Esse avanço tem dois efeitos imediatos: eleva o valor das prestações nas operações de crédito e desloca aplicações em caderneta para outras modalidades, tornadas mais competitivas pela alta da Selic, de 7,25% para 11% ao ano, interrompida agora pelo Copom.‖

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6.2 CONCLUSÃO DA ANÁLISE DOS ARTICULISTAS

A montagem da tabela teve como objetivo verificar quantos colunistas, dentro do período analisado, possuem a carreira profissional ligada ao mercado financeiro, defendem ideias ortodoxas e são membros do Instituto Millenium, entidade ligada à oposição ao governo atual. O recorte dos primeiros artigos publicados por cada articulista na quinzena, embora não possa determinar o pensamento econômico do qual cada colunista é adepto, mostra o discurso geral dos dois jornais em um período quando se olha o conjunto de artigos. Dos 11 colunistas analisados na Folha de S.Paulo (Figura 14), sete trabalharam ligados ao mercado financeiro ou defenderam temas ligados à agenda neoliberal em seu artigo analisado. Entre esses sete (Figura 15), quatro apenas são ligados ao mercado, um apenas defende ideias ortodoxas e dois são ligados ao mercado e defendem ideias neoliberais. Nenhum dos 11 colunistas da Folha analisados é membro do Instituto Millenium. Já entre os 23 colunistas do Estado que tiveram seu primeiro texto da quinzena analisado (Figura 16), 13 trabalharam ligados ao mercado financeiro ou defenderam temas ideias ortodoxas nos artigos. Destes 13 (Figura 17), quatro apenas tem a carreira profissional ligado ao mercado, um apenas defende a agenda neoliberal e dois são ou já foram ligados profissionalmente ao mercado financeiro e defenderam ideias da agenda neoliberal. Ainda entre os 23 articulistas de O Estado de S. Paulo (Figura 18), cinco são membros do Instituto Millenium. Entre estes cinco (Figura 19), dois são ligados ao mercado e defendem temas ortodoxos, dois não se enquadram em nenhuma dessas duas definições e um apenas defende temas ortodoxos.

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Figura 14 – Dois terços têm ligação com mercado ou defendem a ortodoxia

Folha - Análise dos colunistas Ligados ao mercado financeiro ou defendem agenda neoliberal Não são ligados ao mercado e nem defendem agenda ortodoxa 36% 64%

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014) Figura 15 – Especificação da análise

Mercado e agenda neoliberal Apenas ligados ao mercado financeiro Apenas defendem agenda neoliberal Ligados ao mercado e seguem agenda 29% 57% 14%

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

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Figura 16 – Número é menor na análise do Estado

Estado - Análise dos colunistas Ligados ao mercado financeiro ou defendem agenda neoliberal Não são ligados ao mercado e nem defendem agenda ortodoxa 43% 57%

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

Figura 17 – Especificação da análise

Mercado e agenda neoliberal Apenas ligados ao mercado financeiro Apenas defendem agenda neoliberal Ligados ao mercado e seguem agenda 15% 31% 54%

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

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Figura 18 – Analistas que pertencem ao Instituto Millenium

Estado - Análise dos colunistas São membros do Instituto Millenium Não integram a entidade 22%

78%

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

Figura 19 – Especificação da análise

Membros do Instituto Millenium Apenas defendem agenda neoliberal Ligados ao mercado e segue agenda Não são ligados ao mercado, nem defendem agenda 20% 40% 40%

Fonte: (REPRODUÇÃO, 2014)

A análise mostra que tanto a Folha e o Estado, segundo o recorte de análise, possuem uma significativa quantidade de articulistas ligados ao mercado financeiro ou que defendem o pensamento ortodoxo (64% e 57%, respectivamente). O percentual mais plural em O Estado de S. Paulo pode decorrer do fato de ele ter tido mais que o dobro de articulistas na quinzena em relação à Folha (23 contra 11).

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Entretanto, é feita aqui a ponderação de que os colunistas Vinicius Torres Freire e Celso Ming devem ser destacados na análise, já que ao contrário dos demais articulistas, escrevem quase todos os dias no veículo em que trabalham. Enquanto Torres apresentou em seu artigo um texto mais neutro, Ming realizou uma análise macroeconômica ortodoxa em seu artigo de economia. O Estado de S. Paulo, portanto, é considerado aqui como um jornal com um caderno econômico menos neutro em relação ao da Folha de S.Paulo. A análise dos colunistas mostra que a comparação entre os diários feita na análise do noticiário se inverte na parte opinativa dos cadernos. Se o noticiário da Folha é menos plural que o de o Estado, acontece o contrário em relação à parte opinativa dos cadernos. Do ponto de vista da neutralidade jornalística, O Estado de S. Paulo é mais correto com os seus leitores, já que possui mais neutralidade no noticiário, que tem como função passar informações para o público formar as suas próprias opiniões. Já a parte opinativa do caderno não tem o objetivo de ser neutra e para ela seria menos questionável o fato de veicular um discurso em conformidade com a linha editorial do veículo. Também foi observado na análise que todos os colunistas da Folha são fixos, ao contrário do Estado onde a maioria colabora com artigos. Isso faz com que o discurso opinativo da Folha seja menos sujeito a mudanças com o tempo em relação ao de O Estado de S. Paulo. Outra questão observada é que a Folha possui articulistas que defendem setores econômicos específicos, como a senadora pelo PMDB Kátia Abreu, líder da bancada ruralista, e ligados à oposição, como o ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Essas ligações já presumem a tendência de artigos do caderno Mercado representarem interesses específicos. Já o caderno Economia & Negócios chama a atenção por ter, na quinzena analisada, cinco articulistas membros do Instituto Millenium. Dois deles não tem a carreira profissional ligada ao mercado e nem defenderam ideias ortodoxas nos artigos analisados. A ausência dessa defesa de ideias vinculadas à agenda neoliberal pode não ter sido capturada pelo período de 15 dias de análise. Esse recorte temporal, entretanto, mostra que a defesa do pensamento ortodoxo pelos membros do Instituto Millenium ao menos não é constante. O Estado de S. Paulo ainda possui um colunista, Felipe Salto, que não esconde ser eleitor do PSDB, partido de oposição ao governo.

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No comparativo entre os dois cadernos, os artigos da Folha tratam de temas mais livres e que se afastam mais da macroeconomia, ao contrário de O Estado de S. Paulo onde a maioria dos artigos analisados tratou de temas macroeconômicos. Essa diferença de perfil editorial dos dois jornais já havia sido observada na análise do noticiário, por meio de infográficos e chapéus, por exemplo. Tanto a Folha como o Estado creditam mal os articulistas nas descrições ao final do artigo, de modo que a maioria das informações que compuseram as tabelas foi pesquisada para o estudo, conforme a página de ―links consultados‖ ao final da monografia. Essa falta de informação faz com que os leitores não possam perceber os interesses vinculados aos colunistas analisados na monografia. Há na parte opinativa dos cadernos de economia da Folha de S.Paulo e de O Estado de S. Paulo certa pluralidade, ainda que pequena, ao contrário do noticiário onde, conforme a análise feita anteriormente, a vinculação à agenda neoliberal foi constante. Isso é preocupante, já que o noticiário representa um gênero jornalístico onde o público presume neutralidade e por isso se utiliza dele para se informar. Opiniões serem encaradas pelo público como verdades é uma possível consequência dessa falta de neutralidade. Portanto, se vê aqui a emissão de um discurso único e a legitimação do pensamento econômico ortodoxo por meio do noticiário dos dois jornais. Por último, ainda foi analisado um dos editoriais do caderno de economia de O Estado de S. Paulo, que seguiu a linha de pensamento econômico do jornal, analisada no capítulo 3. O caderno Mercado, da Folha de S.Paulo, não possui editorial.

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7. ENTREVISTAS

Foram entrevistados para esse capítulo um repórter de economia da Folha de S.Paulo, outro repórter de economia de O Estado de S. Paulo, um economista de uma corretora de investimentos e um economista que dá aula sobre a financeirização do noticiário.

7.1 ANDERSON FIGO

O jornalista é formado na profissão pela Universidade Metodista de São Paulo e começou a carreira como estagiário no jornal Gazeta Mercantil em 2011. Deixo-o para estagiar no site Infomoney em 2009, onde foi efetivado como repórter antes de sair em 2012 para viajar para fora do país. Foi contratado como repórter de economia da Folha em 2013. É o responsável pela notícia sobre a meta de superávit primário analisada no item 5.1.2 e pela reportagem sobre o Plano Real analisada no item 5.1.7. Faz matérias sobre o mercado financeiro, macroeconomia e finanças pessoais. A entrevista foi realizada e gravada pelo autor da monografia presencialmente em 26 de outubro de 2014.

Autor: Como é o dia a dia da editoria Mercado em relação ao tempo e à pressão para se terminar as matérias?

Anderson: Bom, é um jornal diário. Então, assim, é sempre muita pressão, porque a gente fica sabendo com pouco tempo antes, o horário que o caderno vai fechar. Às vezes a gente tem dois cadernos, cada um fecha um horário diferente, então a gente fica apreensivo, a gente vai tocando as matérias ao longo do dia, mas só em cima da hora, faltando uma hora um pouco mais que isso, que a editora comunica: ―olha, esse caderno vai fechar às sete ou às oito.‖ Normalmente, fecha entre sete e oito horas, o caderno de economia da Folha. Às vezes, pode ser que feche um pouco mais tarde, mas, principalmente nesse ano que a gente teve Copa do Mundo, eleições, então tem cadernos que precisam fechar mais tarde. Durante a Copa, foi Esporte; agora, está sendo

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Poder. Então eles puxam o fechamento dos outros cadernos para um pouco mais cedo. É pressão de jornal diário: você vai escrevendo, vai escrevendo, às vezes você ganha um espaço que o seu texto cabe, às vezes não, você tem que cortar em cima da hora, mas, faz parte.

A: E como é que você avalia a imparcialidade da cobertura econômica da Folha, em geral?

AF: Eu acho que é boa... Pelo menos, eu já tinha trabalhado em outros lugares; tanto na Folha, como nos outros lugares que eu trabalhei, eu nunca tive problema em relação à censura do que eu vou falar ou do que eu vou escrever. Assim, sempre foi muito aberto isso. É claro que eu acho que a Folha sempre se preocupa muito em a gente ter o ―outro lado‖, tanto é que a única regra que a gente tem em relação a isso, é que a gente não pode publicar uma matéria se a gente não tiver o outro lado ainda. Por mais que os outros concorrentes já tenham dado a matéria, se a gente não tiver todos os lados na matéria, a gente segura para dar quando ela tiver todos os lados. Às vezes é difícil, às vezes a gente não consegue a tempo, então tem que soltar uma matéria falando que a gente não conseguiu o contato no tempo que a gente tinha. Acontece, mas a regra é essa, a gente tem que sempre procurar ouvir todos os lados possíveis da história e colocar no texto antes da gente publicar, mesmo no online, que tem essa pressão de ter que sair um pouco mais rápido, mas na Folha a gente prefere dar a matéria um pouco mais completa do que dar primeiro aquele assunto.

A: A pressão com o fechamento às vezes atrapalha essa questão da imparcialidade de ouvir, sei lá, duas fontes do governo, duas de determinado setor envolvido na matéria, por exemplo?

AF: A pressão de fechamento... É que assim, quando a gente precisa de fontes, um outro lado do governo, a gente não fica sabendo em cima da hora, à noite. Geralmente, a gente fica sabendo isso mais cedo, então a gente tem tempo durante o dia de procurar. Às vezes, se for difícil da gente aqui de São Paulo de conseguir esse contato, a gente sempre aciona o pessoal de Brasília que está lá perto do governo, então eles conseguem agilizar um pouco essa resposta. A gente sempre procura isso, é muito difícil até essa

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decisão de ―ah, não vai ter essa lado porque não deu tempo‖ ou se precisa ter esse lado e não deu tempo para o fechamento, então a gente vai ter que segurar a matéria para talvez dar no outro dia. Essa decisão, a gente nunca toma sozinho, a gente tem que falar com a editora e a editora fala com a Secretaria de Redação, então não é nada: ―ah, eu jornalista consigo ter essa decisão‖, a gente sempre tem que tomar isso em conjunto com a cúpula do jornal. Eles que vão decidir se a gente segura ou não segura, o que a gente vai fazer. Mas a regra é sempre ter os dois lados.

A: Quando você vai entrevistar as fontes, você percebe interesses em determinados setores econômicos nas opiniões que eles dão na entrevista? Por exemplo, o mercado financeiro, ou alguém da indústria, do comércio. Por exemplo, alguém do comércio critica os impostos falando que isso é ruim para a população. O mercado financeiro defende a alta da Selic, mas também tem o interesse dos juros dos bancos.

AF: É... eu acho que cada um defende o que é interessante para si. Acho que o papel do jornalista é exatamente esse: ―ah, o Copom subiu os juros‖. Claro que vão ter uma série de setores que vão criticar e uma série de setores que vão gostar. Aí você tem que pegar essas avaliações, você tem que ter discernimento de saber: ―olha, esses aqui estão criticando, mas é claro que para eles, estão ganhando ou perdendo com isso. Esses aqui estão gostando, mas estão ganhando ou perdendo com isso‖. Você tem que saber quem é a fonte, e porque ela está tendo aquela opinião, e em cima disso tem que construir o seu texto. A Folha tem muito essa questão da pluralidade. Às vezes quando o tema é muito importante, a gente acaba tomando a decisão de colocar as opiniões na íntegra justamente para o leitor ter essa visão e ele mesmo fazer esse filtro. Olha, a gente coloca: ―essas são as opiniões... veja as opiniões, sei lá, dos setores em relação à alta dos juros‖ e aí a gente coloca todo o posicionamento de cada um dos setores. Acho que é mais honesto com o leitor, ele ter essa resposta, essa avaliação na íntegra.

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A: Como é que é feita essa pluralidade nas matérias? São entrevistadas várias fontes... Por exemplo, matérias sobre a alta da Selic, um economista de um banco dá a entrevista, mas também o professor de uma faculdade?26

AF: É... a gente procura, assim. A gente usa alguns recursos, então tanto antes da Selic, a gente costuma dar matérias falando quais são as perspectivas. Tanto nós da Folha - a equipe geralmente sou eu, a Danielle Brant, nós somos de finanças pessoas, e a Mariana Carneiro, que é de macro -, a gente procura falar com os economistas. A gente fala com economistas todos os dias, tem uma série de economistas que a gente liga todo dia, mesmo tendo matéria ou não tendo matéria, a gente liga para discutir algum assunto que aconteceu, alguma coisa da economia que a gente sabe que mais para frente pode dar uma matéria, então a gente sempre liga para conversar com eles, ver o que eles estão achando e aí a gente já pergunta sobre perspectivas. Copom, por exemplo. Claro que a gente não fala com tantos assim, então a gente sempre procura outros recursos. Por exemplo, na Folha, a gente usa muito o pessoal da Bloomberg27, que eles constantemente fazem pesquisas com sessenta, setenta economistas, principalmente para indicadores econômicos, para pegar opiniões, eles até ranqueiam isso. A gente compra o conteúdo deles, então a gente usa esse material para ajudar a gente a balizar: ―olha, a Bloomberg falou com setenta economistas, sessenta estão falando que a Selic vai subir. É um número grande‖. Então a gente pega os dez que acham que não vai subir, a gente pega... converso com eles, porque eles estão indo contra o mercado, e a gente fala com o mercado, com a maioria que está achando que vai subir. A gente sempre tenta fazer esse meio termo, de porque tem gente falando, mesmo que seja minoria, e porque que a maioria está falando que vai subir ou o contrário.

A: E às vezes a presença desses interesses pode ser colocada na matéria de algum jeito ou é uma coisa muito subjetiva?

AF: Eu acho que não... Assim, não sei. Sinceramente, talvez pode ser que passe alguma coisa, é muito complicado, porque o trabalho é bem: ―eu faço, eu tenho todos esses 26

A notícia do jornal sobre o assunto analisada na monografia, no item 5.1.1, teve apenas um economista de banco como fonte. 27 A Bloomberg é uma das maiores empresas fornecedoras de informações para o mercado financeiro do mundo e possui terminais de notícias em bancos e bolsas de valores, por exemplo.

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critérios, ele passa por pelo menos um, dois ou três editores até, às vezes quase todos os editores da equipe leem a matéria antes do fechamento. A gente tem bastante editor na nossa editoria, acho que são uns quinze ou dezesseis editores só em economia. Então, assim, passa por vários olhares, a Secretaria também monitora isso muito de perto quando é um assunto que eles sabem que é de interesse para o país. Então, por exemplo, a alta de juros é um assunto de bastante interesse para o país e para a economia com um todo. Então, eles sabem que quando a gente está desde manhã cedo fazendo a reunião de pauta, eles sabem que vai ter Copom, eles já passam a orientação: ―olha, tem que ter a opinião desses setores. Tem coisa diferente, tem que confrontar‖. Às vezes, se é uma diferença muito grande, eles pedem para fazer uma matéria especial sobre isso: ―por que que tem gente que está...‖ Às vezes está muito dividido, às vezes tem muita gente que acha que vai subir, tem muita gente que acha que vai cair. Não tem um consenso, então por que que está tendo isso? Acho que é muito mais profundo. Tanto que para o jornal impresso, precisa disso. ―Ah, o Banco Central subiu os juros hoje e amanhã, a notícia de que o Banco Central subiu os juros já não é novidade. A gente precisa trazer alguma coisa nova‖. Então eu acho que esse debate existe, assim. Pode ser que em um fechamento ou outro... A gente sempre fica com aquela cara, aquela sensação igual repórter de TV ou, de área impressa é a mesma coisa, a sensação de que: ―poxa, se eu tivesse mais um tempão, poderia ter ficado melhor‖. Mas, no geral, acho que sempre essa neutralidade, essa pluralidade de opiniões, acho que é o básico que tem que ter.

A: Esses diferentes setores econômicos, que estratégias comunicacionais eles têm para se inserir na mídia?

AF: Depende. Varia. Tem alguns setores que a gente já acompanha, principalmente esses jornais grandes, Folha, Estadão, a gente costuma trabalhar muito com os setoristas. Então, quando a pessoa é setorista, ela já tem um contato muito mais próximo com o setor. Então, assim, ela já conhece os presidentes dos sindicatos, ela já tem esse contato direto. Tendo pauta ou não tendo pauta, é aquilo que eu falei, acho que é uma cultura do jornal a gente manter sempre um contato com essas fontes e estar próximo desses setores e estar próximo dessas empresas, e estar próximo do governo, estar próximo de todos os lados para a gente ter esse acompanhamento. A gente conversa com eles antes de acontecer alguma coisa, depois de acontecer alguma coisa. Então a

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gente tem essa noção, a gente não cai de paraquedas: ―ah, aconteceu isso, vamos falar com um setor‖. Eu acho que aí tem um risco, a gente reduz o risco de errar nessa mão aí: ―ah, não estamos colocando o lado certo ou a pessoa está querendo passar uma visão que talvez não seja a melhor visão‖. Porque se a gente acompanha isso direto, a gente sabe ter esse discernimento: ―a pessoa sempre falou tal coisa. Aconteceu isso, ela está com um discurso diferente‖. A gente sabe identificar isso se a gente faz esse acompanhamento. Essa questão de acompanhar setores específicos, acho que facilita muito. E, claro, quando acontece alguma coisa, eles mandam de todas as formas: tem gente que liga, tem gente que manda assessoria de imprensa. O Copom, por exemplo, é muito comum: ―ah, vai ter Copom, então a gente já fala com eles antes, já combina de quando sair a decisão, a gente conversar com eles novo para ver se mudou a opinião, se depende do comunicado do Banco Central. A gente tem esse contato próximo com eles. Acho que essa é a principal fonte nossa. Quando acontece alguma coisa, a gente já tem esse contato com eles.

A: Algum setor se destaca nessa inserção na mídia? Você acha que aparece mais, consegue colocar mais a sua opinião?

AF: Em relação a setores?

A: Indústria, comércio, mercado financeiro...

AF: Olha, não sei, eu acho que varia muito também do que está acontecendo na conjuntura do país. Por exemplo, agora o mercado financeiro está muito em destaque, a gente está tendo as eleições, as eleições estão mexendo muito com o mercado financeiro. Então diariamente tem matérias grandes até, às vezes muitas capas sobre o que aconteceu, repercussão de pesquisas28, por exemplo, na bolsa, no câmbio. Então, nesse momento, o mercado financeiro está com um destaque um pouco maior. Às vezes, a indústria está caindo, a indústria não está crescendo, a gente acaba fazendo mais matérias sobre isso porque é um assunto que está chamando mais a atenção. Acho que o espaço que cada um acaba tendo varia de acordo com o que o cenário macroeconômico

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Pesquisas eleitorais de intenção de voto dos candidatos à presidência da República.

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está dizendo. Então, se é um setor específico que está chamando mais a atenção e que realmente tem mais pautas por causa disso, ele vai ter um pouco mais de espaço. Se é um setor que talvez não tenha tanta atenção ou tanta importância para o país nesse momento, ele vai ter menos espaço. Mas aí é uma coisa que os jornais tendem a caminhar juntos nesse sentido; quando o mercado financeiro está chamando a atenção, não só a Folha, mas como todos os jornais vão dar mais atenção para esse setor. Mas é uma decisão que cabe à Secretaria de Redação. Eles que vão determinar o espaço que cada assunto vai ter no jornal e aí cabe à gente estar acompanhando esse assunto, pegar esse espaço que nos é dado e montar aquela matéria em cima daquilo. Mas aí é uma decisão que já foge um pouco da redação.

A: Quais especialistas, fontes, economistas, estão, assim, sempre disponíveis, sempre enviando textos... que naquele momento de desespero, você sabe que aquele economista daquele setor econômico vai te ajudar?

AF: Citando nomes?

A: Não, o setor econômico.

AF: Setores? Olha, o mercado financeiro tem muita gente que está disponível, até porque os caras, eles têm que ficar 24 horas ligados em tudo o que acontece, não só quando o mercado está aberto, mas tudo que acontece quando está fechado, principalmente o que quando ele abrir, vai repercutir. Então, acho que é mais fácil conversar com essas pessoas, porque elas estão de madrugada, qualquer horário eles estão acessíveis. A gente também tem bastante economista que é acessível. Acho que eu diria que talvez o lado industrial das grandes companhas, é claro que a gente não tem tanto. Algumas sim, mas é claro que fica mais difícil de você conseguir um contato direto com os diretores em um momento que não seja muito hábil. A gente precisa de mais tempo para poder conversar. São pessoas mais ocupadas que tem uma rotina puxada, muitas vezes estão viajando ou tem que interromper reuniões para falar com a gente. Então acaba dificultando um pouco mais o contato. Acho que, de mais fácil acesso para gente entre os setores, o mercado financeiro é um pouco mais.

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A: Professores de faculdade, por exemplo, eles são bem disponíveis? Menos ou mais que os analistas do mercado?

AF: Eles são disponíveis. A gente costuma falar bastante com eles. Principalmente eu faço não só matérias de mercado financeiro e de macroeconomia, mas também de finanças pessoais. Eu acho que é também muito mais enriquecedor conversar com professores, eles são muito mais acostumados a passar... É o tipo de matéria que precisa de um didatismo muito, que talvez o cara que é profissional - claro que a gente vai conversar com ele também, o cara que opera no mercado – mas ele talvez não tenha esse didatismo do professor de poder explicar como funciona um produto financeiro, sabe, para: ―ah, em ações‖, ele vai conversar com você em uma linguagem de mercado e talvez, o professor, ele vai te ensinar de uma forma que um leigo consegue aprender, consegue ler aquele texto e entender. Acho que essa é uma preocupação que tem de ser grande, não só você está falando... Você pode estar com a melhor pessoa do mercado em relação àquilo, mas se ele não for didático para você poder escrever para uma forma que o leitor leigo vai poder entender, não adianta, então acho que você tem que falar tanto com os especialistas do mercado, mas também tem que falar com professores ou com economistas, ou com planejadores financeiros, ou com alguém que vai poder explicar de uma maneira mais fácil tanto para você quanto para o leitor. Então acho que é bom, sim, a gente costuma falar com professores também.

A: Em relação a essa pluralidade das fontes, existe também uma preocupação com o pensamento econômico dos entrevistados? Por exemplo, você entrevista um economista desenvolvimentista e também um mais ortodoxo na mesma matéria? Existe esse contraponto?

AF: Existe, é, existe sim. A gente sabe... por acompanhar esse mercado, a economia há algum tempo, a gente cria as fontes e a gente sabe mais ou menos como a fonte tem um determinada tendência ou outra, então a gente sabe que quando a gente vai conversar com essas pessoas, a gente tem que levar isso em consideração, a gente não pode falar com uma pessoa só que a gente sabe que tem uma visão que vai ser ortodoxa e não falar com outra que a gente sabe que vai ter uma visão um pouco diferente, que o ideal, pelo menos eu vejo isso acontecer muito em todos os casos, é a gente conversar tanto quanto

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com pessoas mais ortodoxas, tanto com pessoas... nem tanto assim. Acho que tem que ter as duas opiniões. Talvez o espaço, é, tanto na Folha como em todos os jornais impressos, acho que o espaço é um limitador, assim, acho que a gente não tem tanto espaço para as matérias, mas é uma prioridade, assim, é uma coisa que a gente tem na redação de regra: tem que escrever um texto didático, tem que escrever um texto que as pessoas vão entender, tem que fazer contexto, bastante contexto, mas a gente prioriza as opiniões, então o espaço, se a gente tiver que cortar ou resumir todo o contexto para colocar todas as opiniões, é isso que a gente tem que fazer, a gente prioriza ter esses mesmos lados todos. Acho que quanto mais opinião, melhor o leitor pode formar a sua própria. Se você fizer uma matéria com uma só fonte, vai ficar difícil para o leitor pensar diferente daquilo. Se tiver duas, três ou quatro opiniões, ele vai conseguir juntar tudo aquilo e fazer uma opinião dele mesmo.

A: Exige um esforço essa pluralidade de pensamento econômico? Por exemplo, como você disse, analistas do mercado, que são ortodoxos, estão mais disponíveis do que um economista ligado à indústria, um professor desenvolvimentista, por exemplo. Então existe um esforço de ir atrás? AF: Existe. É aquilo que eu falei, acho que a gente não solta: ―ah, se só tem um analista que tem uma visão X, específica, falando sobre isso‖. A gente não vai dar se só tiver ele. A gente vai ter que falar: ―está difícil falar com outro? Tudo bem a gente vai tentar falar com outros economistas, a gente vai conseguir‖. Mas enquanto a gente não tiver essas visões diferentes, a gente não pode dar a matéria. Acho que aí não tem a matéria, se colocar só um lado ou uma opinião, acho que acaba nem tendo notícia nisso. É mais um espaço que você acaba dando para a pessoa divulgar as ideias dela sem ter ninguém para contrapor, para falar: ―olha, não é bem assim‖ ou ―está bom, a sua opinião é essa, mas a minha é essa‖ e os dois têm fundamentos para defender o que eles acham. Acho que isso é o que enriquece a matéria.

A: Acontece, eventualmente, desses objetivos não serem alcançados, de acabar, por algum motivo de fechamento, a matéria acabar não saindo com a pluralidade? Ou, por exemplo, uma matéria como a alta da Selic, a única fonte é um economista de um banco?

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AF: Olha, não que eu me lembre que tenha acontecido isso. Não sei se isso pode acontecer, se isso pode passar de alguma forma. Acho difícil, até nessa questão da Selic, mesmo, porque a gente costuma falar com pessoas antes e depois e já deixa muitos agendados. Assim, como é uma coisa que a gente sabe que vai acontecer, hoje, a gente já tem os calendários das reuniões do Banco Central nesse ano, então, a gente já consegue se programar, então a gente sempre tem mais opiniões, sempre tem mais do que uma opinião sobre aquilo, e, principalmente em relação às Selic, é muito comum a gente receber não só a opinião de pessoas que a gente entrevista, mas de pessoas que mandam relatórios. Bancos, esses grandes bancos, por exemplo, mandam relatórios, que a gente sabe é mais difícil os economistas estarem disponíveis para entrevistas, mesmo se a gente não consegue uma entrevista com eles, eles mandam uma nota para gente com a opinião deles, então a gente costuma ter sempre os lados, assim. Acho difícil sair só uma opinião sobre assuntos importantes, geralmente tem mais.

A: Em relação ao pensamento econômico, nesse caso, os bancos mandam muitos relatórios, aí já tem que correr atrás de um professor para entrevistar, por exemplo?

AF: É, a gente tem... Bancos mandam relatórios, a gente costuma ter um acesso bastante grande com os bancos, também. Muitos economistas de grandes bancos já são nossas fontes há algum tempo, aí a gente consegue acessá-los mesmo sendo fora dos horários, geralmente a reunião do Copom acontece à noite, mas a gente consegue acessar eles através de telefones pessoais, enfim, dá para ter sim.

A: A Folha, pelo menos segundo o Manual de Redação dela, tem uma linha de pensamento econômico mais próxima da ortodoxia. Isso influi na cobertura, nas propostas de pauta, nos enfoques?

AF: Olha, eu acho que não diretamente. Talvez, é claro que em um resultado final do trabalho, a gente não pode fugir do que o manual do jornal diz, então, a gente tem que manter isso. Mas eu acho que não. Durante a apuração dos fatos, durante a... quando a gente coleta as opiniões, faz todo o processo, acho que aí não tem nenhuma, acho que a

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gente tem... a nossa regra é realmente falar com todos os lados e é tentar escrever o texto da maneira mais neutra possível. Claro que a gente sempre tem que seguir o manual, mas acho que não é uma preocupação. Pelo menos eu, pelo menos quando a gente escreve as nossas matérias, a gente sempre tenta balancear. Acho que, diretamente, para mim, pelo menos, pessoalmente, escrevendo os meus textos, eu não tenho essa influência, não, de sentir alguma forma: ―ah, eu estou desviando um pouco disso ou daquilo‖. Não, eu acho que eu nunca passei por isso.

A: Não segue, assim, um pensamento econômico no enfoque, segue as normas do manual para ter a pluralidade, mesmo?

AF: É, a gente não fica muito, não fica totalmente apegado àquilo, acho que quando você está fazendo a apuração, se você ficar muito focado: ―ah, só tenho que chegar até aqui‖, eu acho que você acaba restringindo até possíveis pautas e enfoques que outras pessoas podem não ter, mas você pode ter. Acho que quando você está apurando alguma coisa, você não pode ficar restrito a: ―só vou até aqui‖, acho que você tem que ouvir realmente o máximo possível daquela história, o máximo possível de dados e informações possíveis, você tem que colher para ter bastante coisa, bastante conteúdo para você poder decidir por onde vai, por onde que é o caminho mais correto para você seguir escrevendo a tua matéria. Então acho que não tem essa limitação, o manual não traz esse: ―ah, vou só até aqui porque o manual me diz que é para ir só até aqui‖. Acho que não tem isso não.

A: A antiga ombudsman, que era a Suzana Singer, e atual, que é a Vera Guimarães, elas falam que a Folha tem uma tendência pessimista. A Vera falou isso até em tom de brincadeira nos textos dela. Você percebe no caderno Mercado essa tendência pessimista? Se sim, em que momentos, que fatores você atribui a essa tendência negativa?

AF: Eu acho que uma tendência pessimista, eu acho que não. É claro que, acho que o jornalista, por formação, acho que ele tem uma coisa natural de sempre estar sempre mais disposto de questionar, questionar, questionar, questionar e acho que talvez por isso, em alguns momentos, pode ser que alguém erre a mão ali também, questione muito

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mais do que deveria, pega um pouco mais pesado, mas eu não acho que haja uma tendência pessimista por causa disso, acho que é até bom em certo ponto, você sabendo que quando tem que falar bem, vai falar bem, quando tem que falar mal, vai falar mal. O jornalista tem que ter esse discernimento, ele não pode querer falar mal de tudo. Tem coisas que realmente são boas que você vai ter que ouvir coisas favoráveis àquilo e não tem problema nisso, desde que seja a verdade, conforme você apurou. Mas acho que não tem uma tendência pessimista, acho que algumas matérias, pode ser que a gente pese mais a mão porque o conteúdo exigiu do jornalista que fez, viu que realmente precisa daquilo, aí ele foi desse lado e aí acho que é questão do próprio jornalista. Acho que não tem no geral, acho que não é legal generalizar e falar: ―no geral, é um caderno pessimista‖.

A: Então também tem uma variação conforme o repórter que escreve o enfoque dele?

AF: Acho que sim, totalmente. Cada repórter é um repórter, tem um texto diferente e uma apuração diferente. Acho que a Folha tem muito essa questão de a gente trabalhar em equipe, acho que isso facilita também, acho que você acaba aprendendo muito com as outras pessoas, assim. A Folha é muito aberta o repórter poder ter: ―ah, eu sou de economia. Eu tive uma ideia muito legal de Mundo.‖ Não é porque eu não sou de Mundo que eu não vou poder fazer essa matéria, sabe? Eu vou lá, eu falo com o repórter de Mundo, a gente senta junto e trabalha junto nisso. Então eu acho que tem muita troca nisso, acho que isso até facilita um pouco, porque eu acho que você acaba aprendendo, tem muita gente na Folha que é 20 anos de Folha, tem mais de 20 anos de Folha, principalmente para quem é mais novo, acaba aprendendo bastante. Não é muito difícil você ver no caderno Mercado, principalmente, várias matérias que você tem três ou quatro nomes assinando às vezes um texto razoavelmente pequeno. É exatamente por isso, cada um entra com alguma parte, a gente vai conversando e aí no final a gente faz um texto único com todo mundo assinando, mas que acaba sendo muito mais rico, porque tem a apuração de formas diferentes, conforme cada um tem o costume de apurar, sobre aquele mesmo assunto. Acho que isso enriquece mais a matéria e minimiza o erro também de pesar na mão, ver um que está pesando na mão, se a gente está fazendo a matéria junto, eu vou poder dar um toque: ―olha, não, mas eu

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acho que a gente tem que colocar isso aqui, porque não pode colocar apenas uma visão ruim, a gente tem que colocar uma visão boa também‖. Acho que minimiza um pouco esse risco de poder ser pessimista demais.

A: O resultado, então, das matérias é sempre bem coletivo, inclusive com as pessoas da hierarquia mais alta? Nunca é de apenas alguém?

AF: Sim, sim. Tudo que a gente faz, tem a visão e a supervisão dos editores. A gente tem esse acompanhamento de perto, até porque é uma coisa muito importante, a gente não tem margem também para chegar lá no fechamento e o texto não estar como deveria estar. Aí não vai ter mais tempo de arrumar. A gente não pode correr o risco. Conforme a gente vai apurando, a gente tem que passar isso para os editores e os editores vão falando: ―olha, assim está legal, assim não está legal. A gente deveria ouvir mais isso, mais aquilo‖. A gente vai conversando junto para quando chegar lá no fechamento, na correria do fechamento, a gente só ter que se preocupar mais com padronização de texto, com cortar texto, aumentar texto, com coisas que independem da apuração para a gente não chegar no fechamento com falhas de apuração, que aí já não vai ter mais como arrumar mesmo, que o fechamento é muito corrido, você não consegue fazer essa apuração em cima da hora, você tem que ter um preparo antes.

A: Em relação à questão do pessimismo, o mercado está esse ano bem pessimista em relação à política econômica do governo por ser mais heterodoxa do que o mercado gostaria e também por causa das eleições. Você acha que esse pessimismo acaba sendo capturado um pouco pelo noticiário?

AF: Eu acho que se o mercado está pessimista, a gente não pode fazer uma matéria falando que o mercado está otimista. Então a gente tem que falar o que é a realidade, se o mercado está pessimista, é claro que o tom das matérias vai ser um pouco mais pessimista. Mas acho que tem que ter os dois lados. Nem sempre é unanimidade. Quando for unanimidade, acho que a gente tem que deixar claro: ―olha, todo mundo que a gente conversou achou isso‖. Acho que isso tem que ficar claro nos textos. Mas acho que sim, se o mercado, a indústria ou o setor específico que a gente está escrevendo está com um tom mais pessimista, acho que a matéria vai ter que refletir o que o mercado

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está dizendo, o que os setores estão passando para a gente, a gente não pode falar uma coisa diferente disso. Então, com certeza, se o mercado está mais pessimista, as matérias tendem a ter um tom mais pessimista.

A: Em relação à neutralidade do texto, as matérias da Folha no caderno Mercado costumam ser muito adjetivadas? Por exemplo, os verbos declaratórios como “disse” ou “confessou”, existe esse cuidado também de não ter uma opinião no verbo?

AF: Existe, existe. Esse é um cuidado, acho que quem toma mais esse cuidado é a editora, quando ela vai dar a palavra final dela na edição, que aí, claro que o jornalista quando está escrevendo, ele sabe das regras do Manual, os verbos que ele pode usar, os verbos que ele não pode usar, ele sabe que tem que tomar muito cuidado com isso. Acho que a regra geral é a gente não adjetivar nunca, a não ser que tenha alguns casos específicos, que isso talvez possa ser: ―ah, faz mais sentido você ter um adjetivo ou não‖, ou às vezes está dentro das aspas de alguém, então você tem que deixar claro que não foi você, foi a pessoa que falou. Mas tem bastante cuidado, principalmente quando você faz o texto, quando a editora vai ao final do dia passar o olhar crítico dela, fechar o caderno, com certeza ela presta atenção nisso e se não estiver de acordo, ela muda. A: Aparecem adjetivos com expressões como “crescimento baixo”, “perspectiva pior do que em relação a outro período”?

AF: Olha... eu... acho que... pode ser que apareça, mas aí é muito mais em relação a opiniões assim: ―ah, de acordo com fulano de tal, crescimento do país continua sendo baixo por causa disso, disso, daquilo‖. É a opinião dele, de tal pessoa, acho que a gente nunca coloca em um texto analítico - ou pelo menos, me preocupo em fazer isso - de não colocar adjetivos, até porque eu não sou economista, eu sou jornalista especializado em economia, cubro isso há alguns anos, mas eu não posso dar as minhas opiniões dessa forma, os economistas estão aí para isso, para avaliar, para dar as opiniões deles, eu acho que colocando as opiniões deles, pode ser que apareça. Eu, nas minhas análises, eu acho que eu não posso fazer isso. A gente tem essa preocupação de tentar diminuir. Pelo menos eu não lembro de casos que tenham aparecido.

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A: Em relação às fontes, existe um cuidado em entrevistar um ex-presidente do Banco Central de um governo do PSDB, que é um partido de oposição, ou entrevistar alguém que esteve no governo Lula, por exemplo? Existe a preocupação de creditar: “ex-presidente do Banco Central tal governo...”? A preocupação de entrevistar tanto alguém da oposição, tanto alguém ligado ao governo?

AF: A gente sempre tem essa preocupação, sim. E quando a gente entrevista, a gente sempre tem que falar, é óbvio, quem foi, quando foi, o que ele fazia e em qual governo. Acho que é mais honesto com o leitor, aliás, é muito mais honesto com o leitor. E é a questão da pluralidade, é o que eu falei, se a gente vai falar com alguém do governo, a gente tem que falar com alguém da oposição. A gente tem que ter os dois lados da história, a gente não pode falar só de um só. Acho que existe esse cuidado sim, é muito forte.

A: Para você que está lá dentro, qual a visão que você tem dos colunistas do caderno Mercado. Eles são plurais? Existe esse debate lá dentro?

AF: Eu imagino que sejam plurais, acho que não só do caderno Mercado, acho que da Folha como um todo. A Folha costuma ter, a Folha tem muitos colunistas, são mais de cem colunistas, é gente pra caramba e muito gente com opiniões diferentes. Eu, lá dentro, eu nunca tive, eu nunca presenciei de: ―ah, isso aqui você não pode falar, isso aqui você pode falar‖. Tem alguns colunistas que eu tenho o contato direto para ter uma ideia do quão livre que é essa opinião deles. O Samy Dana, que é um colunista nosso há algum tempo já, os textos dele, eles são publicados... Quando a gente recebe os textos, é claro que a gente lê, a gente adapta, coloca nos padrões..., o colunista como ele não está na redação, ele não tem a obrigação de saber todas as regras do Manual de Redação, então quando a gente recebe o texto, a gente vê se está de acordo, se não está de acordo e aí a gente devolve o texto para ele e ele manda para a gente dar o ok: ―ah, essa edição aqui que vocês fizeram de tamanho‖, às vezes ele manda um texto muito maior e a gente precisa cortar o texto, então a gente faz a edição e manda para ele e ele dá o aval para a gente: ―ah, isso aqui está ok, pode mandar, isso aqui, eu não gostei dessa mudança, eu vou fazer diferente‖. Mas é muito livre, assim, a gente não tem essa

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restrição. O colunista, o espaço é dele, ele coloca o que quiser, pelo menos nos que chegam para a gente. Tem alguns colunistas que eu mesmo publico tanto no site, quando no caderno impresso - a gente retranca a matéria no caderno impresso – e é nessa dinâmica que a gente faz, a gente liga para ele e fala: ―e aí fulano, qual é o seu tema dessa semana, que que você vai escrever essa semana?‖ Ou, às vezes, a gente mesmo, por demanda de leitor, a gente liga para ele e fala: ―olha, você tem algum tema para essa semana? Porque a gente recebeu de vários leitores que queriam falar sobre tal coisa. Será que se acha que pode falar sobre isso?‖ ―Ah, posso, posso, bacana.‖ Aí ele pega, escreve o texto e manda para a gente. Aí é essa questão: a gente coloca no formato da página, no tamanho certinho, manda para eles, eles dão o aval e a gente publica. É sempre essa a regra. Mas em relação à censura de opiniões, acho que eu nunca..., estando lá dentro, pelo menos na minha área ali onde eu cubro e os colunistas que eu tivesse acesso, acho que eu nunca tivesse esse problema.

A: Em relação aos interesses das fontes, você acha que os colunistas às vezes também defendem interesses? Por exemplo, no caderno Mercado, a gente tem a Kátia Abreu, que é da bancada ruralista, tem o Luiz Passos, que é presidente do Iedi.

AF: Então, eu acho que é aquilo que eu falei, cada um do seu setor vai defender o que é interessante para ele. Acho que vai do jornalista. Você vai falar com um colunista, acho que a gente tem essa liberdade, assim. A gente tem colunistas muito bons na Folha, pessoas que foram presidentes do Banco Central, a gente tem ex-presidentes, a gente tem pessoas muito boas e sendo os nossos colunistas, a gente tem contato direto com eles. Vale a pena a gente falar com eles, com certeza a gente tem que saber a opinião deles. O que vai do jornalista é ter esse discernimento que a gente não pode pegar a opinião deles e colocar como regra. Então é a opinião deles, se é uma matéria nossa e a gente quer ter a opinião deles, a gente pega a opinião deles, mas também conversa com todos os outros lados e pega a opinião de todos os lados e aí faz um mix disso e coloca lá a opinião de todos os lados. Acho que aí vai mais do jornalista e não tanto do colunista. O colunista, ele é o perfil dele, ele está ali para escrever sobre aquilo mesmo, então é claro que ele vai ter uma tendência mesmo de falar mais sobre aquilo. O jornalista tem que ter esse trabalho de saber pegar a opinião do colunista e pegar a

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opinião de todos os lados e juntar isso no texto, colocar isso da forma mais plural possível.

A: Em relação às consultorias econômicas, a Tendências e a LCA aparecem bastante no noticiário da Folha. Como é essa relação com eles, esse contato com os jornalistas?

AF: É, elas são consultorias bem antigas no mercado. Acho que não só a Folha, todos os veículos conversam bastante com elas. Acho que eles são bem preparados e tem uma equipe que já tem uma dinâmica, sempre que saiu um indicador econômico, eles são muito rápidos em relação a ter pessoas de plantão para avaliar aquilo, analisar aquilo e mandar um feedback do que que eles acharam sobre aquilo. Então, acho que talvez eles possam até aparecer um pouco mais porque eles têm essa dinâmica já estabelecida há anos com todos os veículos de comunicação. Então acho que isso facilita muito mais. O contato, ele é constante com essas consultorias. Não só com a Tendências e a LCA, a gente costuma falar com várias outras, mas a gente procura manter esse contato constante. Foi o que eu falei, a gente trata como fontes mesmo. A gente não procura eles só quando acontece alguma coisa. ―Ah, hoje não teve indicador nenhum‖, mas vai ter um indicador na semana que vem que pode já estar pesando na bolsa, que hoje já pode estar, que os analistas já podem estar prevendo um resultado, que isso pode estar afetando o mercado hoje, então a gente já conversa com todos eles, tanto com as consultorias, com os bancos, com os analistas de mercado, já conversa com todo mundo para saber a opinião deles sobre aquilo. A gente pode não usar, isso acontece muito, a gente falar com muitas pessoas e a gente não usar nada, assim. No final do dia, a gente não tem matérias e a gente não usa o que a gente conversou com eles. Mas a gente já teve feedback e já sabe o que eles estão pensando. Então quando acontece alguma outra coisa, quando a gente for conversar com eles, já vai ter um histórico lá trás para confrontar: ―olha, antes, sei lá, semana passada, a sua opinião era essa. Continua hoje? Ela mudou? Por que ela mudou? O que aconteceu para ela mudar?‖. Acho que é importante isso. É importante a gente manter contato tanto com as consultorias LCA, Tendências e outras, quanto com os bancos, com as outras fontes.

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A: Em relação a correntes de pensamento econômico, na economia, a gente tem temas que são mais próximos a pensamentos. Distribuição de renda está mais próxima da heterodoxia, e para a ortodoxia, a gente tem o superávit primário, a questão da inflação... Você acha que a Folha prioriza mais alguns desses temas? A gente viu muito nesse ano a questão do superávit primário, de uma inflação baixa, questões exigidas pelo mercado.

AF: Eu acho que isso varia muito de acordo com o cenário. O cenário que vai demandar o que a gente vai falar mais ou o que a gente vai falar menos. Se o mercado está reagindo às pesquisas eleitorais, a gente vai atrás do por que as pesquisas estão atingindo isso. ―Ah, porque o mercado não está satisfeito com isso, isso, isso, aquilo. Mas por que o mercado não está satisfeito com isso, isso, aquilo?‖ Então a gente vai procurar: ―olha, porque o resultado foi esse, não foi conforme o mercado esperava. O mercado esperava tal coisa. Mas e o economista? O economista acha que isso foi ruim mesmo ou é o mercado que está especulando?‖ Então eu acho que varia muito qual é a pauta do momento. Então, se é um momento que as pessoas estão olhando mais e é mais importante para o país falar sobre determinadas questões, a gente vai falar sobre aquelas questões. Se não for, a gente não vai falar sobre elas, a gente vai falar sobre o que estiver mais quente, mais presente, mais afetando a vida dos leitores. Pelo menos eu vejo muito disso, eu não vejo uma regra estabelecida de: ―não, vamos focar mais nisso, não, naquilo‖. Aliás, muito pelo contrário, quando a gente percebe que tem um tema muito recorrente no caderno, a gente costuma fazer algumas reuniões para a gente falar: ―olha, tudo bem, esse tema está muito recorrente porque é demanda, porque o público quer ler sobre isso, mas vamos procurar enfoques diferentes para esse tema, para a gente sair do mesmo, para a gente não dar todo dia só aquela questão, mas vamos pegar esse tema e como outros setores estão vendo isso? Como é que isso pode impactar lá para frente? É a primeira vez que esse tema está em destaque? Não é a primeira vez‖, que aí que está a diferença, não tem problema você falar muito sobre um determinado assunto que está demandando atenção dos leitores, mas aí a questão de você criar novos enfoques pra aquilo, acho que esse é o diferencial e é o que um jornal diário precisa ter. Todo dia, a notícia acontece hoje e amanhã ela já é velha, então a gente tem que trazer alguma coisa nova, a gente tem que adicionar algumas coisas novas para aquele

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conteúdo que faça sentido eles estar lá naquela página de jornal. Esse é o grande desafio de trabalhar em um jornal diário.

A: Mas pelo que você está falando, então, ao menos esse ano, a cobertura está bem presa ao mercado?

AF: Ah... eu não sei se está bem presa, eu acho que está, em economia, pelo menos, acho que é um dos principais assuntos. A gente teve a Copa, então, durante o período da Copa, ficou bem de lado economia e os outros cadernos do jornal inteiro e, depois da Copa, as eleições estão pesando bastante e a gente está dando um enfoque maior para o mercado e o mercado está pedindo, assim. A gente está vendo aí que as eleições estão afetando bastante o mercado financeiro, então, isso é uma coisa que está afetando a economia como um todo e se está afetando a economia como um todo, a gente tem que dar mais espaço para isso. Acho que é por isso. Depois das eleições, pode ser que mude.

A: Você acha que o mercado consegue pautar, de certa forma, a cobertura ou é uma relação recíproca, que vem mais da imprensa? Quem ganha no cabo de guerra?

AF: Não, acho que... bem, bom, não sei se ele consegue pautar ou não. Pelo menos na Folha, a gente toma muito cuidado com isso, de o mercado está querendo... ―ah, claro que para o mercado é importante, quando mais tiver repercussão em determinado assunto, para ele é melhor‖. Então a gente pesa nisso, também, não vamos dar todo o caderno para ele porque a gente sabe que é o que ele quer. Quanto mais espaço para ele, melhor. Acho que isso tem um discernimento. Mas aí a gente também não pode se negar a dar a notícia. Se todo mundo vai dar que a bolsa subiu ou caiu por causa de determinado resultado de pesquisa e a gente não vai dar nada, acho que aí a gente está enganando o leitor, acho que a gente não pode fazer isso. O certo é a gente pegar o que está acontecendo e saber: ―olha, até aqui, é o que vale isso. A partir daqui, já não é mais notícia ou do jornal, ou do mercado, ou de qualquer coisa.‖ Acho que aí não é uma decisão do jornalista, acho que é mais dos editores e da cúpula do jornal, da Secretaria, de saber até onde a gente vai. O papel do jornalista é ficar ali colhendo as informações

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certas, todos os tipos de informações, e pegar o espaço que é dado e poder trabalhar em cima daquilo.

A: Também tem uma questão do público? Porque o caderno se chama Mercado, ele tem muitas coisas do mercado. Mas ele também tem infográficos que explicam temas econômicos. Qual é o público do caderno Mercado? É só para o mercado, para qualquer pessoa? Tem essa discussão?

AF: Acho que tem. Se você pegar o caderno Mercado e o do Estadão, por exemplo, tem muitas matérias que o Estadão é mais técnico que a Folha. A Folha tem uma preocupação de não ter muito um texto técnico porque o nosso público ele não é específico, não é segmentado, não é o do Valor Econômico, por exemplo. O público de Valor é específico. O público da Folha é um público que tem interesse por economia, mas ele não conhece totalmente economia, então a gente tem que fazer, nossa preocupação é fazer matérias mais didáticas; sempre quando a gente usa algum termo pode ser que para gente seja muito simples, para quem está na redação cobrindo aquilo, mas talvez o leitor não vá entender. Então a gente tem que gastar um parágrafo a mais para explicar aquilo, ou colocar alguém para explicar aquilo. A gente tem essa preocupação sim e o que eu acho bacana na Folha é que tem um rodízio muito grande de edições, de editores. Então os editores de Mundo às vezes vão para Mercado, os de Mercado vão para mundo. Então isso facilita porque às vezes chega um editor que vai ler um texto; você é especialista, você cobre há bastante tempo, você tem a obrigação de saber aquilo. Ele está lá para editar, ele está lá para ver as regras do textinho. Ele vai bater o conteúdo, ele vai ver se o conteúdo está de acordo, mas, como ele está vindo de uma outra experiência, ele traz a mesma dúvida do leitor. Ele vai esbarrar naquilo e falar: ―opa, espera aí, você falou isso, mas o leitor não vai entender. Então mexe nisso daí‖. Às vezes para gente está muito claro, para o leitor não está. Acho que isso contribui bastante. Isso é bom porque acaba deixando, evitando que passem alguns termos que sejam difíceis do leitor compreender. Acho que a questão do espaço influencia bastante nisso. O Estadão também tem mais espaço no caderno deles. Acho que a Folha prioriza muito mais ter fotos, ter frases, ter infográficos para facilitar a compreensão do leitor e até para chamar mais a atenção. Às vezes você pega uma página inteira que só tem texto, o cara não vai ter interesse de ler

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aquilo, ele vai se cansar antes de começar a ler. Se ele ver que tem um gráfico legal, alguma coisa, algum desenhinho, alguma coisa que facilite a compreensão dele sobre aquele assunto, aí já chama mais a atenção dele, então a gente tem muito esse cuidado, nós jornalistas, em pensar nos textos, mas pensar nos gráficos, nas artes, nas ilustrações de nossas matérias. Isso é muito forte. Diria que o mesmo cuidado que a gente tem, a mesma dedicação que gente tem ao texto, a gente tem com a ilustração. Em muitos casos, a gente está fazendo uma matéria que o assunto é muito difícil, a gente acha que só o texto não é suficiente para a pessoa entender, aí a gente vai lá, fala com o editor para te dar um espaço maior para você ir lá, sentar com um infografista e pensar em todo um esquema de como a gente vai fazer para o leitor entender aquilo. Isso é muito... é o que eu gosto da Folha, a gente tem muito essa liberdade de achar que realmente precisa de um espaço, a gente vai falar com a editora e se ela concordar, ela vai brigar por aquilo e a gente vai conseguir mais espaço. Por várias vezes, eu já vi acontecer de o repórter precisar, ter um assunto muito difícil para trabalhar e ele pedir uma página inteira gráfica, por exemplo. É uma página inteira que você pode sentar com um ilustrador e o ilustrador fazer. Acho que eu vejo bastante isso. A Mariana Barbosa faz isso no setor de aviação, sai bastante. Já vi bastante disso, de páginas gráficas de você pegar: ―ah, o assunto é muito difícil de você contar em um texto. Só em um texto, acho que fica difícil de a pessoa entender, então vamos botar uma página gráfica, que a pessoa vai entender melhor‖. A gente tem uma liberdade grande para fazer isso lá na Folha.

A: Você vê alguma outra diferença entre o caderno da Folha e o do Estadão?

AF: Olha, em relação ao espaço, acho que os textos deles são maiores. Eles, visualmente, acho que usam menos infográficos do que a Folha, acho que a Folha usa mais isso. Claro que cada um, óbvio, do mesmo jeito que a Folha tem as opiniões delas e as visões dela, o Estadão também tem as opiniões dele e as visões dele. Cada um defende o seu...

A: Em relação à linha editorial?

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AF: É, em relação à linha editorial. Cada jornal tem o seu. Cada um vai defender o seu, vai seguir a sua linha editorial.

A: E qual que você acha que é a do Estadão?

AF: Ah... aí eu prefiro não dizer (risos). Aí o Estadão é o Estadão. A Folha é a Folha, eu não estou lá próximo. Nunca trabalhei no Estadão, então eu não me sinto confortável em falar: ―olha, o Estadão defende isso, isso, aquilo‖. Acho que aí o Estadão tem que dizer. Eu falei tudo o que eu acho da Folha.

A: A Folha teria alguma linha editorial em relação a pensamentos econômicos?

AF: Não. Pré-determinado não. Acho que a gente é bem livre para isso.

A: Em relação ao conhecimento em economia dos repórteres do caderno Mercado, em geral, eles estudaram economia, fizeram cursos, estudaram sozinhos?

AF: Em Mercado, a gente tem bastante gente especializada. Como falei, tem os setoristas, eles já estão, pelo menos, cinco, dez anos cobrindo aquele setor, eles têm um relacionamento muito próximo. Acho que a grande maioria é formada em jornalismo, mas especializada em economia. Eu mesmo me formei em jornalismo, mas eu estou terminando agora o meu MBA em economia, em informações econômico-financeiras. Então acho que todo mundo, a formação jornalística, mas se especializa em alguma área de economia que seja mais próxima da sua cobertura. Então, quanto a isso, acho que o pessoal tem bastante formação. O pessoal é bastante antigo também, então tem bastante tempo de preparo, enfim. A própria editora fez jornalismo, agronomia.

A: Você cobre finanças pessoais, não é? Esse ano, o Plano Real teve muito destaque por causa do aniversário de duas décadas. No caso da Folha, existe um cuidado ao tratar o tema por ele ser uma bandeira do partido de oposição? Por exemplo, uma matéria sobre finanças pessoais dizer como o Plano Real ajudou a aumentar a possibilidade de se fazer aplicações financeiras no país. Existe cuidado com a linguagem com a qual se refere ao plano?

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AF: Não. Restritiva, não. Acho que o cuidado é o mesmo com qualquer assunto. É claro que a gente não vai fazer bandeiras e falar: ―olha, isso aqui foi maravilhoso‖. A gente não deve fazer isso com qualquer outro assunto, não só de economia, mas com qualquer assunto do jornal. O jornal não está lá para levantar bandeiras. Mas em relação especificamente ao Plano Real, eu inclusive fiz algumas matérias sobre isso, a gente teve um especial só sobre isso, a gente teve uma série de vídeos que a gente fez para o Folhainvest em relação a isso. Não teve nenhuma diferença em relação a: ―ah, a gente pode ir até aqui, até ali‖. Não tem essa restrição, não. O especial sobre o Plano Real, a gente vai fazer... é um assunto como qualquer outro na nossa cobertura do dia a dia, então a gente vai falar com pessoas sobre o Plano Real, ouvir todas as opiniões sobre isso e fazer a matéria de acordo com o que nos foi passado. Não teve nenhuma restrição por causa de partidos políticos. Não teve isso.

A: Você falou muito em relação à questão da tendência pessimista de que a imprensa tem de fiscalizar o governo. Você acha que cai muito na imprensa, ou no caso da cobertura econômica da Folha, aquela noção de “quarto poder” de que ela fiscaliza a ação dos três poderes, em especial a do governo na economia?

AN: Eu não sei, assim. Eu acho que o papel da imprensa é ficar, óbvio, correr atrás da notícia. É claro que a gente tem que acompanhar, falar não só das coisas ruins que estão acontecendo, mas das coisas boas. Não sei se seria um quarto poder. Óbvio que a gente sabe que o papel da imprensa é muito importante e por isso a gente tem que tomar essa série de cuidados, não é só ir lá e escrever um texto, você tem que se saber que você tem uma mega responsabilidade e tem que tomar uma série de cuidados para publicar um texto em um jornal. O papel da imprensa é muito importante, não sei se a gente pode comparar, um quarto poder, mas é muito importante e é por isso que tem que ter esse cuidado de apurar as coisas, principalmente em relação ao governo. Fica muito delicado você ficar com uma fama de que você só bate no governo, acho que não tem que ter isso. A imprensa tem que ser livre para bater quando tem que bater e falar bem quando tem de falar bem. Acho que não pode ter esse estereótipo de ―quarto poder‖, tem que fiscalizar, ficar em cima, só falar mal, acho que se a gente ficar com essa regra na cabeça, acho que isso

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prejudica o próprio leitor que só vai ter uma opinião ruim sobre as coisas. Acho que a gente tem que saber pesar e, claro, que a gente tem um papel importante de fiscalizar, de correr atrás, de saber o que estão fazendo de certo e errado, mas tudo tem a sua medida. Não pode ficar focado nisso, só vou falar mal.

A: Existe alguma crítica que você faria ao caderno Mercado?

AF: Crítica em relação ao conteúdo?

A: Em geral, não só em relação à neutralidade.

AF: Acho que assim, estando lá dentro, eu acho que eu vejo muito esse esforço de a gente querer falar cada vez mais, com mais fontes e ter mais essa preocupação mesmo de ver o que está mais afetando e o que não está afetando o Brasil, acho que a gente não pode falar sozinho. A gente não pode... claro que a Folha não é um formador de opinião no país, mas eu acho que tudo que a gente escreve, acho que não tem que vir da nossa cabeça, tem que vir do que o público está pedindo, do que os leitores estão pedindo, do que o país está passando mesmo. Eu vejo muito isso acontecer na Folha, acho que isso é um ponto positivo. Bom, eu não sei. Críticas negativas, acho que a gente sempre tem. Acho que a gente sempre tem que melhorar em diversos assuntos. Acho que pela própria dinâmica do jornal diário, acho que algumas coisas acabam acontecendo. Questão mesmo que eu falei do espaço. Claro que se a gente tivesse um espaço maior, a gente poderia trabalhar muito melhor, mas aí, por outro lado, aí o leitor às vezes prefere ter um texto mais conciso, mais mastigado para ele do que um monte de opiniões: ―ah, para o fulano de tal, isso, isso, aquilo, sicrano, isso, aquilo‖ e aí ele acaba não conseguindo centralizar todas as suas ideias. Acho que se você juntar uma coisa, fizer uma coisa mais mastigada para ele, também é melhor. Enfim, acho que tem algumas críticas diárias que nós mesmos nos monitoramos lá dentro que é de você sempre querer melhorar o que você já fez. Os assuntos em economia, eles se repetem muito. A gente citou na conversa a taxa de juros, a gente citou Plano Real. Então eu acho que a maior crítica que eu faria é essa: acho que é um trabalho que a gente vem fazendo na Folha e que tem que continuar fazendo, que é pegar um mesmo assunto e tentar dar uma abordagem nova para ele sempre. Falar de juros e não ficar no raso de falar em ―juros

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caiu, juros subiu‖, o que que isso vai mudar de fato na vida das pessoas, das pequenas pessoas, do leitor, do investidor e aí plural, de todo mundo, o que que isso muda para os setores, o que que isso muda para as empresas, para as pessoas, para o investidor; ver o que que isso muda para todo mundo. A gente não está falando para só um público, a gente está falando para todo mundo. Então acho que esse cuidado tem que continuar e ser melhorado a cada dia. Claro que a perfeição nunca existe, sempre tem que tentar melhorar.

A: Como é que você vê a cobertura de economia da imprensa de hoje, em especial da Folha, em relação à de antigamente? Mudaram-se os temas? Houve uma financeirização, entrou mais a questão do mercado de capitais, em relação à cobertura dos anos 80, 90?

AF: Eu acho que mudar, sempre muda. O jornal que não muda, ele acaba parando no tempo e aí não é legal, a gente sempre tem que acompanhar. A economia mudou, então o caderno que escreve sobre economia também tem que mudar. Está diferente. Especificamente em relação ao caderno Mercado, até pouco tempo atrás, a gente teve uma reunião com a editora e ela mesmo comentou da visão da cúpula do jornal de que o caderno tinha ganhado uma cara própria, a gente..., o jornal às vezes tem uma proposta com o caderno, mas a equipe que faz aquele caderno acaba dando uma cara nova para o caderno e isso acaba sendo mantido, ele acaba ganhando um cara de quem está lá dentro escrevendo.

A: Quando é que foi essa reunião e que cara nova seria essa? AF: Não, a cara nova que eu quis dizer, no sentido de que antes ele era muito – até mesmo você citou, questionado pela ombudsman de que era muito pessimista, ele tinha um viés um pouco mais negativo – acho que essa cara nova que ele quis dizer, é que o caderno ficou um pouco mais plural e um pouco mais analítico. Nos últimos anos, entraram repórteres especiais. Acho que o caderno de economia, da Folha, é uma das editorias que mais tem repórteres especiais... e plurais, que eram de outros grandes veículos, então, acho que isso era legal porque vieram com outras ideias, acho que deram uma repaginada no caderno. Então acho que, hoje, fala com muito mais gente,

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tem muitos mais assuntos e essa própria questão do jornal que dá para gente de liberdade de temas, acho que também fez o caderno mudar de cara. Acho que economia era muito fechadinha assim: ―ah vai ter a página de indicador econômico, vai ter a página, sei lá, da bolsa, vai ter a página...‖, era muito, sabe, fechado, cada página tinha um tema e hoje acho que não tem mais isso, hoje o tema é o que aconteceu. A gente tem várias matérias de enfoque criativo, a gente tem matérias de consumo, a gente teve uma matéria agora sobre a Chiquita Banana, que deu uma puta repercussão, e antes acho que você não leria uma matéria assim no caderno de economia e hoje você pode ler matérias diferentes, às vezes de empresas pequenas, mas que estão super fazendo sucesso e que vale a pena uma matéria contando aquela história. Pela liberdade que a gente tem e pelo perfil das pessoas que estão no caderno hoje, acho que essa cara do caderno é positiva.

A: E quando foi essa reunião que você falou? Quando você percebeu essa mudança que a editora viu?

AF: É, na verdade, isso é uma coisa que já vem sendo percebida há um tempão. A gente teve essa reunião faz uns três meses, assim. A gente costuma ter reuniões periódicas. A editora, ela tem o contato direito com a cúpula do jornal. Os jornalistas nem sempre têm esse contato com a cúpula do jornal, a editora tem. Ela faz essas reuniões periodicamente a cada X meses para ela passar essa opinião do que a cúpula está achando do nosso caderno e aí foi comentado isso. Mas é uma coisa que já vem sendo comentada há algum tempo. Pelo menos nos últimos anos, o caderno da Folha foi ganhando uma cara nova, até pela editora, a Ana Estela. Antes não era a Ana Estela. Acho que quando entra um editor, é claro que ele vai dar uma cara nova para o caderno, ele é a cabeça do caderno, então, claro, que cada um que entra tem essa função de reestruturar o caderno e colocar as visões dele. Então, acho que por isso é uma coisa natural que se tem percebido. E é bom, a Folha gosta disso, que os cadernos andem com as próprias pernas. É claro que eles são a cúpula do jornal, eles vão decidir por onde a gente vai, mas acho que dentro da nossa liberdade, a gente consegue fazer bastante coisa.

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A: Que cursos os jornalistas de economia da Folha costumam fazer? Você citou (quando o gravador estava desligado) o MBA da Bovespa.

AF: A Folha incentiva muito as pessoas a estudarem e, principalmente, se especializarem na área que estão cobrindo. Então, existem alguns cursos que as pessoas fazem sempre. Esse MBA da Bovespa que eu estou fazendo, por exemplo, que é um MBA voltado para a economia, jornalistas que cobrem economia, ele é bem tradicional, já existe há muito anos. Antes era uma parceria da Bovespa com a Usp, agora é da Bovespa com uma outra universidade. Mas ele continua sendo muito avaliado nesse meio e todo ano tem três ou quatro pessoas da editoria de Mercado que vão fazer esse MBA. Tem os cursos das Fipe, tem mestrados. A própria Folha, ela tem convênios com faculdade, não só no Brasil, mas no exterior. Tem a universidade de Michigan, que é uma parceira da Folha há um tempo. Todo ano, a Folha manda um jornalista pra fora, para o exterior, para estudar e ficar seis meses, se eu não me engano. Esse ano foi um repórter de Mercado, o Toni. Ele foi para Michigan, ficou acho que seis ou sete meses estudando lá e fazendo um trabalho voltado à economia lá, como se fosse um mestrado. Acho que o curso, se não me engano, o diploma é de mestrado. Aí, durante esse período, a Folha libera as pessoas para estudar, eles têm esse incentivo, não tem desconto de férias, desconto de nada, simplesmente liberam a pessoa para estudar, até porque é interessante para eles, né. Quando mais a pessoa estiver sabendo sobre o assunto que está escrevendo, melhor é o conteúdo do jornal e melhor eles vão vender, enfim, vão tem leitores gostando daquilo. Então para eles é muito importante estimular isso, eles estimulam bastante. A: No caso da Bovespa, por exemplo, é uma forma também dela se colocar mais em contato com os jornais, com os jornalistas?

AF: É, a bolsa, na verdade, ela faz esse trabalho a muito tempo não só de se aproximar da imprensa, que cobre esse assunto que é muito específico. A gente está falando de ações, não são só ações, a gente está falando de derivativos, a gente está falando de uma série de produtos que tem na bolsa, que não são de conhecimento do público e para o público ficar sabendo disso, os jornalistas tem de ficarem sabendo primeiro. Então a bolsa tem essa preocupação de manter os contatos com os jornalistas. Então esse curso

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já existe há bastante tempo, eles sempre chamam pessoas tanto da Folha, do Estadão, da Globo, de vários veículos, não só de São Paulo, também veículos de fora, tem gente de Manaus fazendo curso com a gente, do sul, bastante gente do sul fazendo o curso com a gente. É interessante tanto para o jornalista... Acho que todo mundo sai ganhando. O jornal ganha porque tem mais gente preparada para escrever; o profissional ganha, porque o conteúdo, o conhecimento que ele recebe, ele guarda para ele; e a própria bolsa ganha porque tem mais gente especializada falando sobre ela. Então, acaba que enriquece mais o assunto quando a gente escreve os textos. Mas é bom, o curso nem é só de bolsa. A gente tem aula de renda fixa, tem aula de tudo, assim. Composição de carteira, análise de risco, setores, empresas. Bastante coisa, bem amplo esse curso. A: Como é a questão das palestras que ocorrem na Folha? AF: Então, na verdade, a Folha não só incentiva que os jornalistas saiam da redação fazer cursos em outras faculdades, até fora do país, mas ela também incentiva, ela também leva esse conhecimento para dentro da redação. Então a gente tem um auditório lá que constantemente eles levam pessoas, profissionais, professores, pessoas da Usp de economia, de grandes universidades, para irem lá e conversar com a gente. Às vezes, a gente sabe que um determinado assunto, que vai pesar bastante, que a gente vai falar bastante sobre ele. Então chama alguém de fora que possa ir lá e dar uma aula mesmo para os jornalistas, explicar como funciona, o que que é, para aproximar mais o jornalista daquele assunto. Acho que enriquece muito mais quando você tem o domínio daquele assunto, tanto você tem mais facilidade para escrever, quanto para questionar. Você não pode fazer uma entrevista, como se diz, rendido, não é, à fonte. Não sabe nada sobre aquele assunto, então tudo que a fonte vai falar para você, você vai acreditar. Isso não pode acontecer, então tem que ter um conhecimento específico sobre aquele assunto para quando a fonte falar, você poder confrontar aquilo. Saber se aquilo que ela está falando faz sentido e você poder fazer perguntas que vão enriquecer mais a sua matéria. Então esse trabalho, esse incentivo, a Folha tem bastante. Às vezes, toda semana a gente tem seminário. Semana sim, semana não, mas é muito constante. A gente tem seminários, recebe e-mais da Secretaria de Redação, da coordenação falando: ―olha, dia tal vai ter seminário de tal assunto. É obrigatório para todos os jornalistas de Mercado, opcional para o resto do jornal‖. Às vezes tem um assunto que engloba mais editorias:

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―aí é obrigatório para todas as editorias‖. Aí a gente vai e é sempre muito enriquecedor. Sempre vale a pena, muito legal. Tem cursos que eles dão até dentro da Folha mesmo, assim, às vezes tem professores que vão lá e, ao invés de ter um seminário que vai durar bastante tempo, eles têm aulas, assim. São vários dias, uma hora, uma hora e meia de conversa e a gente termina como se tivesse feito um curso longo. Aí é muito mais íntimo, é você e mais algumas pessoas, o professor lá no auditório do jornal, você tem um contato muito maior. Isso vale muito mais a pena.

A: Como é a separação das notícias de política e economia no caderno Mercado? Existe uma contextualização, é colocada a questão eleitoral nas matérias, sobre o dólar, o crescimento do PIB?

AF: Eu acho que, assim, quando a gente, quando são assuntos que se conversam - por exemplo, eleições está agora, recentemente, conversando muito com câmbio e bolsa - a gente tende a unir as duas editorias. A gente faz a matéria sobre bolsa contextualizando com política. Nesses casos, a gente nunca escreve sozinho, então, por exemplo: o mercado financeiro como um todo na Folha, quando eu sei que o mercado teve bastante influência política, então desde cedo a gente vem conversando com o pessoal da política e, no final do dia, a gente fecha o texto não sozinho, eu fecho o texto com alguém da política, a gente assina junto a matéria, então eu entro com a parte do mercado, de como o mercado se comportou, e a pessoa entra com a parte da política, do que que fez o mercado agir daquela forma.

A: E ela assina o texto?

AF: Assina também. E às vezes quando o assunto muda também de caráter, o jornal, a própria Folha tem essa autonomia de mudar o assunto de editoria. Bolsa, por exemplo, aconteceu isso muito recentemente. Eu escrevia para economia, saíam no caderno Mercado as matérias de economia, só que como as eleições ficaram uma coisa tão presente, tão constante nos textos de bolsa, que a gente acabou migrando essa assunto para o caderno Poder, que é o caderno de política da Folha. As matérias, quando a influência de política é muito forte no mercado financeiro, a matéria de bolsa, por exemplo, ela não sai no caderno Mercado, ela sai no caderno Poder. Isso acontece muito

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no jornal. Vai muito do que o jornalista vê. Por exemplo, o meu papel é apurar o que está acontecendo no mercado. Se eu vejo que o que mais está mexendo com o mercado é eleições, política, então eu vou lá e aviso meus editores, eu falo: ―olha, o feedback que eu estou tendo é esse, assim, é o que afetando, por causa disso, daquilo‖. Aí a minha editora vai conversar com política, que vai tratar da gente se conversar e fechar aquela matéria junto. Aí no final do dia, a cúpula do jornal decide se vai entrar em economia e política, em Poder, no caso. Mas é muito livre, tem essa conversa, essa relação.

A: Como alguém que cobre essa área, você que o mercado, por meio da especulação, tenta interferir muito nas eleições.

AF: Eu acho que a questão não é interferir, a gente já viu bastante exemplo até nesse ano, a gente sabe que a eleição está meio doida, a gente já viu que o mercado antecipou uma coisa que a pesquisa disse que não era e depois teve que corrigir. É claro que o mercado, a função do mercado financeiro é especular. Não é que ele está especulando agora por causa das eleições. O mercado... se ganha dinheiro na bolsa ou no câmbio, sempre se ganhou dinheiro especulando, a não ser que a pessoa entre, seja um pequeno investidor, deixe o dinheiro muitos anos visando lucro lá na frente, mas os grandes players do mercado, os grandes participantes do mercado, eles sempre lucraram nessa especulação, seja política, seja econômica, seja qualquer tipo de especulação. E aí a gente tem visto isso, que nem sempre eles estão certos, nem sempre acertam, às vezes antecipam um coisa que se mostra diferente. A gente tem até o exemplo, o mercado estava antecipando muito essa questão da Marina, quando ela estava ganhando força nas pesquisas, e a gente viu que a Marina nem foi para o segundo turno, então, nem sempre o que o mercado especula, dá certo. Isso, o jornalista que cobre esse mercado, tem de ter isso na visão: ―po, o mercado está subindo, mas a gente tem de deixar claro que a bolsa está subindo em cima de especulação‖. A gente não tem nada palpável. Então isso tem que ficar muito claro para os jornalistas. Claro que o mercado vai especular mesmo, a gente vai ter que falar que o mercado está especulando, mas a gente tem que saber e deixar claro para o leitor que: ―olha, isso aí é especulação‖, ou seja, tem chance de estar certo, tem chance de estar errado. E aí fica ao seu critério e risco de levar isso em conta na hora de fazer o seu investimento ou avaliar esse tipo de notícia.

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7.2 JOÃO VILLAVERDE

Formado em jornalismo pela PUC-SP em 2009. Foi repórter de macroeconomia do Valor Econômico, na sucursal de São Paulo, entre 2008 e 2011. Mudou-se neste ano para a sede em Brasília e ingressou em O Estado de S. Paulo para cobrir o governo em 2012. Cobriu comissões de fábrica do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e fez entrevistas com Paul Krugman, Martin Wolf, Joseph Nye, Niall Ferguson, Robert Boyer, Ha-Joon Chang, Barry Eichengreen, entre outros. Também participou dos programas ―Fatos e Versões‖, da Globo News, ―Tribuna Independente‖, da Rede Vida, e ―Observatório da Imprensa‖. Possui especialização em macroeconomia e desenvolvimento pela FGV-SP realizada em 2012. É o responsável por notícias do Estado sobre a política econômica do governo analisadas na monografia. A entrevista foi realizada por telefone no dia 3 de outubro de 2014.

Autor: Como repórter de economia, em geral na imprensa, na cobertura econômica, quais dificuldades você vê para manter a neutralidade? J: A dificuldade que eu vejo de manter a neutralidade? Olha, do ponto de vista editorial, pelo menos no Estadão, há uma separação bem grande e que eu não esperava quando estava no Valor e aceitou o convite de ir para o Estadão. Achei que ia ser: ―ah, vai ser tudo misturado‖. Mas não é não. Enquanto os editoriais são realmente conservadores, com um corte de Direita, tanto na política, quanto na economia – por exemplo, ortodoxo, liberal – nas reportagens, não tem nenhum filtro, nenhum impeditivo tipo: ―você precisa fazer esse tipo de reportagem‖. Eu, pelo menos, é muito pessoal, eu estou há mais de dois anos no Estadão e eu nunca sofri esse problema. Minha prioridade, como repórter de economia em Brasília é obter as informações que importam, quer dizer, o que governo vai fazer, qual a medida que está em estudo, porque que está em estudo, o que que pode ser feito quando estoura um evento internacional, conseguir boas entrevistas, boas informações e é isso. Então, parte do repórter também ter o seu senso crítico, acho que isso é importante como jornalista. Então você tem sempre que desconfiar e às vezes a cobertura, justamente por isso, acaba sendo mais crítica do que

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positiva. Mas eu já fiz várias matérias também com dados positivos, por exemplo, de mercado de trabalho, redução de jornada de trabalho, que são fatos e nem por isso elas deixaram de ser publicadas. Então, do ponto de vista, repórter mesmo – sempre falando em primeira pessoa, o meu caso – eu nunca tive um grande desafio para ser neutro. Eu faço o meu trabalho e tento fazer o melhor possível. A: Então tem uma separação, o jornal tem uma linha mais ortodoxa, mas isso fica mais para os colunistas? Por exemplo, se você entrevistar um economista bem heterodoxo, não tem problema nenhum? J: Nenhum. Não, pelo contrário, pelo contrário! É até bom, porque aí os editoriais vão lá e descem o cacete nele! (risos) Mas estou brincando. Isso acontece, é claro. Quando a gente publica, você vai atrás... isso é tudo conversado com o editor. Mas assim, o meu trabalho aqui em Brasília ele é menor de ouvir ―ah, economistas ortodoxos, heterodoxos‖, eu estou aqui para ouvir o governo. Os repórteres em São Paulo, onde fica a sede do jornal - e também da Folha, e também do Valor, no caso do Globo, a sede é no Rio -, esses repórteres de economia que ficam com a incumbência de procurar diferentes economistas, o mercado e tudo mais. A gente também tem de fazer isso, mas a nosso prioridade é o governo, por isso a gente está aqui em Brasília. Então, normalmente, as nossas reportagens são todas focadas em o que o governo está fazendo, seja certo, ou seja errado, o que ele pensa em fazer e as razões. Então é um pouco mais difícil de você entrar nessa discussão ideológica, porque é uma coisa mais pragmática. O governo, no momento, é o PT, então cobre-se o governo do PT. Se a Marina vencer as eleições, vamos cobrir a Marina do mesmo jeito. O que que o ministro da Fazenda da Marina está querendo, o que que o secretário de política econômica está estudando, quais são as manobras que eles estão fazendo nas contas fiscais, porque todos os governos acabam, de certa forma, se repetindo em alguns pontos da economia e a cobertura tem que ser o mais isento possível e aí deixa para os editoriais, os colunistas, para quem tiver opinião para dar para analisar esses fatos e tirar as conclusões se quiser. A: Quando você noticia uma ação do governo, você busca economistas para as comentar?

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J: Depende. Não é uma regra. Quando eu faço uma apuração mais complexa, por exemplo, eu tenho estado muito envolvido, eu e a colega Adriana Fernandes, em matérias sobre as pedaladas fiscais que o Tesouro tem feito nas contas públicas. É um assunto complexo que é o que: o Tesouro está atrasando o repasse de dinheiro público para os bancos pagarem as suas obrigações, tipo o Bolsa Família, aposentadoria, Bônus Salarial. Por que que ele está fazendo isso? Ao atrasar o repasse do dinheiro, ele não sai do caixa. Quando ele não sai do caixa, ele melhora as contas públicas, parece que o governo está com uma despesa menor do que ele deveria estar. Isso é um assunto complexo tanto para você mapear, quando para você provar, então a gente busca, nessas matérias, a gente têm buscado muitos especialistas em política fiscal de diferentes linhagens para entender mesmo onde a gente está pisando. Agora, isso é uma coisa muito específica que tem consumido o meu dia a dia de junho para cá. Agora, em outras reportagens, por exemplo, mais para as edições de domingo que dá para a gente trabalhar com mais calma, eu, pelo menos, tento buscar, prelo menos, no mínimo, um economista ortodoxo e um economista heterodoxo. Às vezes, quanto mais melhor, mais eu sempre busco um equilíbrio para não ficar aquela coisa, sempre um lado, seja só desenvolvimentista, ortodoxo, ou só ortodoxo, liberal. Eu tento fazer isso e as reportagens que a gente manda, elas saem publicadas quase que na íntegra. Tem a sua edição, mas nunca tem uma mudança de nada. A: E essa preocupação com a pluralidade ela é mais pessoal sua, está na pauta do jornal ou vai de cada repórter? J: Ela, assim, não tem uma regra. Você entrevista quem quiser entrevistar para a sua matéria. Eu garanto que é uma preocupação pessoal e garanto que não sou exceção, mas tem, por exemplo, a figura do editor - que em alguns jornais é mais atenta, em alguns é um pouco menos – mas ele sempre fica atento, por exemplo, você manda uma matéria – isso já aconteceu comigo – que eu não tinha conseguido achar nenhum economista desenvolvimentista, heterodoxo para comentar, tinha muito pouco tempo, tive que apurar tudo corrido, e ele falou: ―precisava ter uma outra voz aqui‖, e aí em alguns casos, se você não conseguir achar, vai daquele jeito porque é informação e tem que circular. Mas isso é uma exceção. Mas realmente sempre tem alguém em cima preocupado: ―não vamos pesar em cima desse analista, vamos procurar outro‖. Tem

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sempre essa preocupação em... e estou sendo muito sincero, sempre uma preocupação de fazer o melhor possível, especialmente porque sem essa... a gente sabe como a gente é percebido, então a gente precisa sempre fazer o mais equilibrado possível para as pessoas lerem, porque tem que muita gente que não lê e sai criticando para caramba (risos). Então nas matérias, invariavelmente, você encontra fontes dos dois lados. A: Então a disponibilidade de tempo das fontes acaba indo contra a gente nesta questão de pluralidade? J: Sim, sim, sim. E é uma coisa curiosa. Os economistas ortodoxos, liberais, normalmente eles são mais do mercado financeiro e eles têm uma disponibilidade muito maior, porque o cara fica em frente à máquina de operação, ao computador e fica, você liga em qualquer horário e você liga imediatamente. Já os desenvolvimentistas heterodoxos, eles são mais de academia, então tem outro timing, não atende telefone, não pode... Então tem essa complicação, quando é uma matéria mais especial, tranquilo. Quando é do dia, é complicado. Então tem esse assunto também. A: Então se você não tiver uma preocupação com a pluralidade, acaba tendo uma financeirização da pauta? J: É, claro, porque o mais fácil é... Por exemplo, você tem a sua prioridade com a notícia do dia, o que o governo vai fazer, vai deixar de fazer. Você precisa fechar aquilo no mesmo dia. Se você não consegue encontrar uma fonte para comentar – é sempre assim, para comentar, porque o mais importante é ter a informação – se você não conseguir para comentar, vai daquele mesmo jeito porque você tem que circular a informação, até porque tem competição, a gente está em um mercado que é competitivo. Se nós do Estadão não dermos, a gente corre o risco de, no dia seguinte, estar lá na Folha. Então se tem uma pressão pessoal e profissional do seu chefe de fazer aquilo circular, publicar. Mas nem sempre dá para você buscar a fonte. Nesse caso, quando não para buscar gente para comentar, e muitas vezes não dá mesmo - você consegue confirmar uma informação, tipo, 8h da noite, fechamento é dali 20 minutos – eu prefiro não procurar ninguém. Essa é a minha decisão, se não dá, eu publico só a informação: ―o governo estuda fazer tal. Por que razão? Pá pá pá pá pá. Segundo apurou o Estado, as razões são essa e o governo espera isso. Ponto.‖ Aí eu prefiro não botar ninguém comentando, jogo

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para o leitor e no dia seguinte dá para fazer uma suíte: ―ah, como isso é percebido, os economistas acham isso‖. Isso dá para fazer com mais calma. Eu prefiro fazer isso do que pegar um comentarista de só um lado para o cara ir lá e ou defender ou atacar totalmente. Acho que fica torto. A: E no noticiário, você percebe a interferência dos interesses das fontes? Por exemplo, o economista do banco fala da Selic, um do setor industrial fica muito contra os impostos? J: Sim, sim, claro, claro! E é isso que você tem que estar sempre atento para não ser capturado pelos lobbys, porque o mercado financeiro, invariavelmente, dá muita importância para a inflação - uma importância realmente muito grande – e como é que você combate à inflação? Principalmente, com aumento da taxa de juros. É um discurso mais ou menos montado mais ou menos dessa mesma forma. Já os economistas de linha desenvolvimentista, que são aqueles que acreditam que a industrialização é o caminho do desenvolvimento - e aí, por consequência, os industriais pensam dessa forma, é claro – eles acham que não, a taxa de juros tem que ser baixa para você facilitar o financiamento de investimentos e a taxa de câmbio tem que ser alta, então se tem que ficar sempre atento para não ser capturado por lobby. Mas é isso, é do jogo, cada um defende o seu interesse, o seu bolso e eu acho que cabe ao repórter fazer o seu trabalho o mais equilibrado o possível, aí acho que depende de cada um. A: Em relação aos assuntos que viram pauta no Estadão, em geral, por o jornal ter uma linha mais no pensamento ortodoxo, ele acaba indo em mais temas ligados a essa corrente, como o superávit primário, bolsa, ou não exatamente? J: Ah... em parte, sim. Mas... eu pensando aqui, eu não levo nada disso em consideração quando vou oferecer minhas pautas, nada, e acho que boa parte dos colegas também. Não posso falar em nome de todos. É, mas acho que quase ninguém leva isso em consideração. Agora claro que, é, como jornalista, o que nos diferencia da publicidade? A gente tem que, regra número 1, publicar informação e quando você está lidando com uma economia, e principalmente no governo federal, esse tipo de informação nunca pode sair, tem sempre muita pressão contrária para que você não publique as suas informações, por parte do governo. Tem muito interesse em jogo. E aí eu acho que é o

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grande tchan do jornalismo, você publicar aquilo que alguém não quer que seja publicado, porque o contrário é publicidade. Se alguém quiser que aquilo publique, você não está sendo jornalista, está sendo assessor de imprensa. Então, acho que assim, você tem que ter sempre um olhar crítico. Por exemplo, o mercado dá muita importância para o superávit primário. Mas é incorreto achar que: ―coitadinho. O governo vai lá e diz que vai fazer a meta fiscal, o superávit primário, de 1,9% do PIB‖. A partir do momento que o governo diz que vai fazer, ele tem que ser cobrado se não fizer. E o nosso trabalho muitas vezes é isso, é ficar atento: ―ah essa meta vai ser cumprida, não vai, por qual razão, o que está acontecendo para não ser‖. Então é ficar muito atento para não ser capturado por um discurso: ―ah, isso só é importante para o mercado‖. Não é. O governo vai atrás e tenta fazer também. A presidente Dilma Rousseff, por exemplo, no primeiro ano, o que ela fez? Ela aumentou o superávit primário. E ela cumpriu, ela entregou 3,1% do PIB de superávit primário em 2011. O mercado gostou? O mercado adorou. Mas a Dilma foi lá e fez, ela quis fazer. Ela estabeleceu como meta e o governo fechou um monte de gastos para entregar aquela meta. Em 2012, o que aconteceu, a meta continuou em 3,1% do PIB, mas o governo só entregou 2.4. Então, a gente, é o nosso trabalho, foi o nosso trabalho ao longo daquele ano mostrar que não vai ser cumprido, porque eles estão fazendo uma série de desonerações, os gastos estão aumentando e o governo está mantendo: ―não, vamos fazer 3.1‖. Então o nosso trabalho como jornalista é mostrar: ―não, não vai‖. Claro que esse tipo de informação na área fiscal interessa mais ao mercado, lógico, mas é parte do jogo. É informação, a gente tem que mostrar os problemas e porque que não está sendo feito. Então muitas vezes as nossas matérias aparecem: ―ah, eles estão fazendo isso para o mercado‖. O outro lado: ―ah, eles estão fazendo coisa para a indústria‖. Mas não é, a gente está lidando com informação. A: Então fica distante daquela noção da notícia como commodity, vou noticiar mais negativo na economia, por exemplo, porque vende mais notícia. O foco é mais informação, mesmo? J: Sim, sim, com certeza, com certeza, com certeza. E digo isso mesmo (risos), eu realmente acredito e é o que eu tento fazer. No momento em que eu achar que não está dando certo, eu vou fazer de tudo para ir embora. Mas, por enquanto, meu trabalho é

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super balizado por isso: buscar os problemas da política econômica e a gente tem hoje um prato cheio. A gente está hoje com recessão técnica, tivemos dois semestres consecutivos de queda no PIB, o PIB caiu no Brasil em 2014. A meta fiscal não vai ser atingida - embora o governo diga que vai - a taxa de juros está mais alta do que quando a Dilma assumiu – e ela disse que ia abaixar, ela abaixou, mas depois subiu tudo de novo, ficou mais alto do que quando ela chegou – e a taxa de câmbio, ela continua parada. Disse que iria desvalorizar, de fato desvalorizou, mas depois segurou, e a inflação nunca saiu de 6%. Pode não ser alta, também acho que é muito exagero: ―ah, o governo está com hiperinflação‖, isso não existe. Mas os sinais econômicos hoje são muito, muito, muito ruins. Eles não estavam assim em 2010, então eu acho que seria muito ruim, como jornalista, ter uma visão de conto de fadas sobre o que a gente está vivendo hoje. Tem que sempre fazer uma análise crítica e buscar fontes dos dois lados, até daqueles que defendem – acho que quem defende, tem que defender mesmo – mas o nosso trabalho é não ter lado. É, pelo menos, assim, ter como cidadão, todos nós temos, mas o nosso trabalho – porque isso é um trabalho – é buscar ser o mais imparcial possível e deixar o leitor atento para tirar as conclusões dele. Ler a sua matéria e dizer: ―puts, esse cara aqui defendendo não faz sentido‖. Ou então, o contrário: ―esse cara aqui defendendo está certo. A crise internacional, a fase é ruim, mas vai melhorar‖. Deixa para o leitor. Acho que isso que diferencia também a reportagem do colunismo. O colunismo é outra coisa, ele pega os fatos e passa pelo filtro da opinião. Aí é outro tipo de mensagem, outro tipo de jornalismo. A: Eu pergunto porque, na monografia, eu faço um comparativo entre a Folha e o Estadão. No caso da Folha, as ombudsman analisam que a Folha é negativa, tem a noção de que a notícia ruim vende mais. O Estadão é diferente, tem uma preocupação mais jornalística? J: Eu acho que, assim, é muito complicado dizer em alguns momentos, como o atual, por exemplo: ―ah, eles estão sendo menos críticos‖. Hoje, quase 100% das minhas matérias são críticas porque o quadro é muito ruim. É difícil você fazer alguma coisa positiva, e assim, aqui sem nenhuma coloração política-partidária, nenhuma, mas em 2010, por exemplo, o PIB estava crescendo sete e meio; até setembro de 2010, nos doze meses acumulados, o IPCA era de 4 e meio, ou seja, estava na meta; a política fiscal

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estava um pouco mais baixa justamente para gerar crescimento e o mercado de trabalho estava gerando 4 milhões de vagas formais. Agora, a gente está com o PIB negativo, em recessão, o IPCA está acima da meta, em 6 e meio, acima do limite da meta nos doze meses acumulados até agosto, em 6 e 51, e a política fiscal está ainda pior com o aumento da dívida bruta na proporção do PIB. E o mercado de trabalho não está ruim, mas não está bom. Então é muito difícil nesse atual estágio da economia, para um repórter de economia, não ser crítico. Você pode até achar que seria pior se fossem os tucanos, a Marina, pode até achar. Mas os fatos hoje são muito ruins e você como repórter tem que, é obrigatório você ser crítico a esse cenário. Como repórter, não é possível você estar feliz com o estágio atual da economia. Se você é militante, pode estar. Mas como repórter de economia, o quadro hoje é muito ruim e em 2010 ele era excelente. Então as matérias, de certa forma, respiram também um pouco o país, o estágio da economia. A: Isso cai muito naquela discussão: o governo diz que a imprensa é pessimista, o mercado diz que o governo é otimista. O importante é encontrar o equilíbrio? J: É tentar buscar o equilíbrio. É tentar não ficar impressionado com o que os outros não vão falar. Sempre vai ter achando que está errado, que está muito certo isso e aquilo. Na internet, a visão é de que os jornais fazem campanha contra o governo. Em parte, pode até estar certo. Quem sou eu para dizer o que está certo e o que está errado. Opinião eu posso ter. Mas foi em um jornal que as pessoas leram que o Aécio tem um aeroporto em Cláudio, do avô dele29. Não foi na internet que fizeram essa matéria, foi uma reportagem feita por um grande jornal. Aí você diz, por exemplo: ―ah, mas aí exageram nas coisas‖. Mas foi o jornal, por exemplo, que desvendou a compra daquela refinaria de Pasadena pela Petrobrás, foi feita com relatório falso, um relatório omisso, que não tinha dados. E quem disse isso foi a própria presidente da República, Dilma Rousseff 30. Então foi uma crise que partiu com informações oficiais da própria presidência da 29

Trata-se, na verdade, do tio do político. FERRAZ, L. Governo de Minas fez aeroporto em terreno de tio de Aécio”.O Estado de S. Paulo. São Paulo, 20 jul. 2014. Disponível em: Acesso em: 10 nov. 2014 30 MATAIS, A.; FABRINI, F. Dilma apoiou compra de refinaria em 2006; agora culpa “documentos falhos. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 19 mar. 2014. Disponível em: Acesso em: 10 nov. 2014

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República. Então, assim, pode ter exagero? Pode não, certamente tem dos dois lados. Sempre tem exagero, nunca nada é 100% perfeito. Mas é preciso também, assim, a calma como repórter para não entrar no jogo político. O governo sempre vai falar que é perseguido, qualquer o governo que seja perseguido. O PSDB, por exemplo, dizia que os jornais eram petistas e o PT diz que os jornais são tucanos. Mas é você ter paciência, ter calma e saber que o seu trabalho tem que ser o mais equilibrado possível, justamente para deixar um efeito, por exemplo, que acontece muito. Eu publico uma matéria, aí no site do Estadão tem os comentários. Aí um comentário diz o seguinte: ―ah, essa matéria é tucana e tudo mais e fora PSDB‖. Aí o comentário seguinte é: ―esses petistas nojentos, o PT tem que ir embora e tal‖. Eu acho que é o melhor dos mundos. O cara lê a matéria e acha um monte de coisas. Tudo bem, eu cheguei com a informação e o cara tira as conclusões que quiser. A: A matéria da Pasadena saiu em política no Estadão e na Folha, por economia. No Estadão, como é que ocorre essa separação de quem é a pauta? J: É o seguinte: Pasadena é uma operação de 2006, a compra foi autorizada no ano de 2006, e ela foi depois totalmente comprada pela Petrobrás em 2012. Isso foi revelado em 2014. Se é uma operação, embora seja econômica, que esteve revelando todos os dias uma série de questões políticas envolvidas e você vai estar revelando isso depois, para mim é inevitável que saia em política. Isso é uma questão política, não é mais uma questão econômica. Era uma questão econômica em 2006 e aí todos os jornais em 2006 publicar em economia a notícia: ―Petrobrás vai comprar refinaria de Pasadena, que fica no Texas e tudo mais‖. É uma notícia econômica. Agora virou uma notícia política. Essa é a minha visão, embora seja de cunho econômico, isso virou um fato político, não tem como você dissociar. No entanto, a crise que está acontecendo na economia, que são as pedaladas, são muito, muito, muito ruins para as contas públicas, isso de atrasar o repasse de dinheiro para os bancos, muito ruim, tanto que está sendo investigado pelo Ministério Público Federal e isso está saindo em economia porque isso aconteceu neste ano. A partir do momento em que o Ministério Público Federal, que ele resolver fazer alguma operação, enfim, chamar para depor o secretário do Tesouro, sei lá o que ele pode fazer, aí acho que passa a ser política, não é mais econômico. Mas no momento em que você está descobrindo, é econômico. Agora, Pasadena para mim é claramente

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político. Pasadena acabou. Economicamente falando, acabou. Ela é um impasse político. Por que que a Petrobras foi comprar aquela refinaria que não fazia sentido comprar? Quais eram os interesses em jogo? É algo realmente mais político do que econômico. A: O Estadão ele também dá muita importância para a economia, mais que outros veículos? J: Muita, muita. Isso foi uma das coisas que me fez aceitar o convite do Estadão e deixar o Valor. Eu pude fazer uma boa cobertura de economia em um jornal que é geral, diferente do Valor que é direcionado. Então, no Estadão, você compete, entre aspas, pela primeira página com matérias de cinema no caderno 2; matérias sobre o jogo do São Paulo, em esportes; matérias sobre a falta de água em São Paulo que é de Metrópole; e matérias sobre PT, PMDB, que é de política. Então é um cenário mais desafiador e eu acho mais instigante do que ficar no nicho, embora seja uma base muito instigante para a minha carreira. A: E, por exemplo, entre a cobertura econômica da Folha e do Estadão, quais diferenças você vê, fazendo-se um comparativo? J: Eu acho que a Folha dá uma importância maior para economia financeira, assim, para finanças pessoais, para... eu vejo muitas matérias na Folha do tipo: ―como aplicar na previdência, fundos da previdência, como reagir à crise, se é a hora de aplicar em renda fixa‖, essas coisas muito de finanças pessoais, assim, que no Estadão tem também, mas é bem menos e aí eu não sei é melhor ou pior, é só uma coisa que eu percebo como leitor. Eu acho que a cobertura de economia da Folha, que também tem os temas que a gente dá, então é um competidor, mas ela tem essa coisa mais para você leitor, então, por exemplo, eles vão pegar uma matéria - essa do Supersimples, por exemplo - super assim, tipo, ―o que que vai mudar na sua vida‖ e, no Estadão, eu tendo a ver que as reportagens são de cunho macroeconômico, o impacto desse projeto nas contas públicas, enfim. Acho que esse seria mais ou menos o corte que nos diferencia, sem dizer se é melhor ou pior, porque eu confesso que não sei (risos). Acho que depende. A: É uma diferença editorial?

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J: É. A: Nos últimos anos, o noticiário econômico ficou elitizado com assuntos os quais nem todas as pessoas têm acesso. A Folha e o Estadão, por exemplo, publicam assuntos difíceis e poucas pessoas acabam lendo. Você acha que acontece o contrário, já que o público leitor se interessa mais por esses assuntos, a Folha e o Estadão também ficam presos a dar esses assuntos. O processo tem duas vias? J: É uma boa pergunta. Eu não sei, mas eu sei o seguinte: você já pegou alguma edição da extinta Gazeta Mercantil? Ela acabou em 2007 ou 2008 - eu não lembro agora, acho que foi em 200831 - mas assim, a Gazeta era um jornal, era tipo o Valor antes do Valor, um jornal totalmente de economia - não entrava mais nada, quase não tinha política – e aí não tinha nada de esporte, nada de Metrópole, nada de cultura, era estritamente economia e a Gazeta fazia matérias bem densas, excelentes, para quem gostava de economia, era ―o jornal‖, e ela, nos anos 80, tinha uma circulação de 200, 300 mil exemplares. No final, a circulação devia ser de 40 mil. Mudou o jornal ou mudou o leitor? Quem que será que mudou? O nível caiu da Gazeta? Caiu. Muita gente boa saiu da Gazeta para, por exemplo, criar o Valor nos anos 2000; ou para outros jornais, Estadão, Folha; outros saíram para escrever livro. Então o ritmo caiu? Caiu, é verdade. Ao mesmo tempo, você teve a ascensão da internet. O Valor, por exemplo, nunca conseguiu chegar à marca de 100 mil exemplares de circulação, porque ele já chegou nessa fase da internet. Então tem uma série de fatores, não é uma explicação simples, mas eu confesso que eu não sei te responder como funciona esse jogo, será que o leitor foi indo? Será que os jornais estão piorando? Será que o leitor está ficando com outros tipos de interesse? O que será que está acontecendo? Eu não tenho uma resposta, acho que dificilmente alguém terá (risos). A: Mas isso acaba influenciando o noticiário, não é? Por mais que ele tenha uma preocupação, jornalística, ele tem que vender, ele tem que dar o que o público quer.

31

O jornal foi encerrado em 2009. ACERTO DE CONTAS. O fim da Gazeta Mercantil. Disponível em: Acesso em 11 nov. 2014.

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J: Exato. Isso impacta o nosso trabalho, por exemplo, mais na internet. Há sempre uma preocupação: ―ah, vamos fazer um negócio mais leve, com infográficos, com charge, com um texto mais...‖ Então, por exemplo, me foi oferecido um blog para o Estadão e eu comecei no final de julho, então deve ter... - ontem eu publiquei um post inclusive, então devo ter seis ou sete posts, acabei de começar - e ali eu faço um texto muito mais leve, tento ser bem mais simples, não tenho aquele rigor do jornal que você precisar ter as informações todas corretas... Informações todas corretas, não, desculpa, têm que ser sempre. Mas, assim, com aquele rigor, aquele formalismo do jornal. Na internet, você não precisa ter isso e você consegue pegar também um público mais amplo, assim, um público que não está no jornal e isso é bacana. Então tem essa busca para você tentar chegar ao leitor. Claro, você precisa sobreviver economicamente, ele precisa comprar o seu serviço para ele continuar existindo, mas eu acho que é uma luta inglória, porque a gente está sempre atrás do leitor, sempre. O New York Times, por exemplo, caiu drasticamente a circulação e, mesmo na internet, não consegue pegar os leitores que ele dominava. Então a gente está sempre atrás. Com os avanços da tecnologia da informação, a gente está sempre dois, três passos atrás. Quando a gente consegue chegar, ele já está lá na frente de novo. É uma disputa inglória. A: Como leitor e colega – não sei o quanto você tem contato com os colunistas do Estadão – você vê pluralidade na opinião dos colunistas ou eles são mais ortodoxos como o jornal? J: Eles são mais ortodoxos. Tem uma certa pluralidade. Por exemplo, no Estadão, na área econômica, você tem o Celso Ming, que é um jornalista de um corte mais liberal, ortodoxo, e você tem o José Paulo Kufter, que também é colunista, e que é um jornalista de um corte mais heterodoxo, mais desenvolvimentista. Se tem as duas opiniões. De modo geral, os colunistas, e aí não é só no Estadão, nos jornais, eles são mais conservadores. Merval Pereira, no Globo; Miriam Leitão, também no Globo; Dora Kramer, no Estadão; na Folha, o próprio Vinicius Torres Freire; você tem uma coisa mais conservadora, mais liberal na economia. Mas, no caso do Estadão, isso também é verdade, os colunistas são mais ortodoxos do que heterodoxos, mas há ali uma certa pluralidade, uma busca por pluralidade, acho que essa é a melhor forma de dizer, há uma busca por pluralidade.

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A: Jornalisticamente, você acha que as notícias têm mais a função de opinar e os colunistas podem passar mais a sua opinião? J: Claro. Para mim, é como seria o jogo perfeito. Nem sempre é assim que acontece, a gente sabe. Você como leitor percebe isso, não é uma regra. Mas eu acho que quando dá certo, é o melhor dos mundos. Vocês tem as matérias informando o que está acontecendo, o que que foi descoberto, o que que está sendo estudado e para onde isso vai e os colunistas botam isso em uma perspectiva: ―ah isso é uma maluquice, isso é um exagero, o governo é maluco...‖, porque aí o cara lê a informação, lê o colunista e fala: ―ah, eu concordo‖, ou então lê e: ―nossa, isso não faz nenhum sentido, acho totalmente o contrário.‖ Acho que, para mim, esse é o melhor dos mundos. A: No texto das notícias, existe uma preocupação nas palavras, nas linguagens, com a neutralidade? Por exemplo: “ah, eu não vou usar um adjetivo no lead, vou colocar nele o lado bom e ruim desse fato econômico”, ou isso vai também do repórter? J: Não, vai do repórter. Isso com certeza vai do repórter. O editor também apita, mas isso é principalmente do repórter. Você, eu acho que algumas coisas você precisa adjetivar. Não tem como você ser neutro quando você descobre e comprova que o Tesouro Nacional está atrasando o repasse de dinheiro para banco. Isso não é uma coisa legal. Isso não pode. Está errado. Você também ter que informar, claro, mas também tem que ser crítico na reportagem, trazer... não precisa exagerar, não é o seu trabalho. Em nenhuma das reportagens, eu ou quaisquer outros colegas, fizemos isso, porque isso seria também errado. Mas você tem que deixar claro para o leitor que o que está acontecendo é errado. Isso infringe, por exemplo, o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao você dizer isso, você está de certa forma adjetivando, você está informando e mostrando: ―olha, isso aqui que está acontecendo, isso é errado, isso não pode, não pode ser feito‖. E o próprio governo, até pouco tempo atrás, não fazia. Começou a fazer, então eu acho que em alguns casos você tem que botar o quadro crítico mesmo, não dá para você ser acrítico com um negócio que está errado. A: Que exemplo de adjetivação você pode dar, que já fez ou já viu?

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J: Você pode usar, por exemplo... um que a gente usa: ―o governo vai lá e faz uma contabilidade criativa das contas públicas‖. Isso não deixa de ser um adjetivo. Você diz: ―ah, o governo está fazendo contabilidade criativa‖ ou então ―manobra fiscal‖. Quando você deixa de repassar uma despesa que é obrigatória, você está fazendo uma manobra. Em algum momento, você vai ser obrigado a transferir aquele dinheiro. Quando você não transfere agora, isso é uma manobra e isso é um adjetivo. Então esses, em algumas reportagens, eu uso e uso mesmo.

7.3 FERNANDO SAMPAIO

É diretor de macroeconomia da LCA Consultores e também sócio fundador da empresa. Possui formação como economista pela Usp e pós-graduação pela Unicamp. Foi pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e da Fundap (Fundação de Desenvolvimento Administrativo), colunista da Gazeta Mercantil (2008 e 2009) e do Jornal do Brasil (2009 e 2010), além de editorialista da Folha de S.Paulo por oito anos, entre 2002 e 2009 e depois em 2011. A entrevista foi realizada por telefone no dia 5 de novembro de 2014.

A: Como é o seu relacionamento com os jornalistas da Folha e do Estadão, como fonte?

F: É um relacionamento tranquilo que depende essencialmente da vontade deles de nos procurar. Então, digamos, é uma rua que não é de mão dupla, tanto, é mais do interesse deles de nos procurar. É muito, muito raro de acontecer o oposto. De vez em quando, eles pedem matérias32 para a gente soltar antes para eles – não é uma coisa muito comum – como a gente tem relacionamento com os dois jornais, é delicado privilegiar um, raramente acontece, mas pode acontecer e, eventualmente, eles pedem artigos e aí, claro, você publica em um e não publica em outro, naquele momento. Mas no momento seguinte, virá – você já sabe pela experiência – um convite do outro jornal. Então, no fundo, o relacionamento é muito mais função do... na verdade, é uma decisão do jornal:

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Fernando se refere a sugestões de pautas para reportagens.

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―quem a gente vai entrevistar?‖ Então eu não sei em qual pé da pesquisa você está, mas eu acho que você vai constatar que a incidência não é homogênea. Tem jornal que tem uma inclinação maior a escutar uma fonte do que outra. O motivo é difícil de precisar, pode ser até algo banal, tipo hábito.

A: Em relação a tipo de fonte, você fala de conversar com uma consultoria ou um professor de faculdade, por exemplo?

F: Exatamente.

A: A LCA também possui estratégias comunicacionais? Aquele negócio de a assessoria de imprensa enviar releases, textos, pesquisas.

F: Então, não temos, já fizemos, mas nunca... Digamos, com pouca intensidade. Na verdade, para sair, sempre dependeu, mesmo quando a gente tinha assessoria de imprensa – a gente interrompeu o serviço - é muito mais da iniciativa do jornal do que iniciativa nossa. Então, nesse ponto de vista, era um negócio mais passivo, tipo: ―espera bater na porta‖.

A: E a maioria das consultorias tem assessoria de imprensa? Como você vê o cenário?

F: Não saberia te dizer. Assim, não ficaria surpreso se tiverem, mas não tenho como te afirmar. Eu nunca conversei com algum concorrente sobre isso, precisamente. Então, é comum ter. Tem empresas de portes bastante diferentes neste mercado, no mercado de consultoria. Tem desde escritórios quase individuais como o Pastore33, que foi presidente do Banco Central - acho que você deve já ter ouvido falar – e tem empresas com porte maior, mais estrutura, a LCA, a Tendências. Eu diria que as maiores, é mais provável que tenha esse tipo de suporte. Mas eu estou especulando (risos), eu não posso afirmar, eu não sei o que os concorrentes fazem. Eu sei que a gente já teve e curtia e tal, mas achou que já não estava valendo tanto a pena e interrompeu.

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Affonso Celso Pastore. A gestão ocorreu entre 1983 e 1985, no governo Figueiredo (1979 – 1985).

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A: Mas por que não estava valendo a pena?

F: Mas questão de custo-benefício, época de negócios mais devagar, eleger prioridades, tipo: ―vamos ter que maneirar em gastos, o que que dá pra sacrificar que não dói tanto‖? Então é uma decisão empresarial desse tipo. Também porque, com os anos, a gente já construiu uma relação com os órgãos da imprensa, quer dizer o pessoal nos conhece, nos procura, então faz menos falta a ajuda da assessoria de imprensa nessa situação. Não precisamos que abram as portas. As portas, volta e meia, estão se abrindo. Isso é também uma decisão mais ou menos recente, então não sei de daqui um ano, dois anos, eu estarei te dizendo a mesma coisa. Talvez aqui um ano ou dois eu fale: ―puts, estou sentindo falta, estamos diminuindo a nossa presença‖, talvez seja porque a assessoria de imprensa já não está lá fazendo mais o trabalho de cutucar, de procurar. Na verdade, a assessoria de imprensa buscava oportunidades e até por falta de tempo a gente não conseguia, digamos, a responder à provocação da assessoria: ―ah, vamos produzir material assim, assim, assado‖. A gente: ―ah, legal!‖ Mas na prática, não conseguia encaixar, então prosseguia no relacionamento mais passivo esperando os caras baterem na porta. Então, vamos ver, com o tempo, talvez, a minha avaliação mude, mas hoje eu acho que estamos segurando as pontas. A nossa presença e exposição continua sendo satisfatória.

A: Do ponto de vista comercial, para a consultoria, por que vale a pena você construir um relacionamento com a imprensa? É em relação à divulgação da consultoria, do nome?

F: Então, a gente precisa ser percebido. Então aparecer na imprensa é uma maneira de ser percebido e a assessoria pode ajudar. A gente, antes de contratar a assessoria, já às vezes aparecia, era procurado, mas depois aumentou. É difícil separar os fatores, a empresa cresceu ao mesmo tempo. O esforço de investimento para a empresa crescer etecetera, foi procurar a assessoria de imprensa, fazer esse esforço de um jeito mais sistemático. Eu diria, vai depender do momento das empresas, não vai ser igual para todo mundo, com certeza, mas tende a ser relevante, tende a ser útil uma consultora de macroeconomia, em particular, ter esse tipo de exposição.

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A: Para os economistas, colocar o nome na imprensa também é vantajoso?

F: Então, isso até do ponto de vista do patrão dos economistas, que é o meu caso (risos), essa a chamada faca de dois legumes, como se diz no futebol, porque a exposição do seu profissional facilita com que ele seja assediado, pelo potencial empregador. Ao mesmo tempo que, para os profissionais, é um fator de atração, o cara se dispor a parar um pouco a rotina e falar com o jornalistas, mas para o empregador, é um risco meio impossível de evitar, por que a alternativa seria – eu sou um dos sócios da LCA – seria eu canalizar todos pedidos para mim, mas isso obviamente diminuiria muito a capacidade de atender, porque eu estou em compromissos, estou com clientes e não posso conversar etecetera. Abrindo para a equipe atender, aumenta muito a capacidade de atender, de disponibilidade e tem esse feito útil, ambíguo, estimula o cara ao mesmo tempo em que corre o risco de perdê-lo justamente porque aumentou a notoriedade dele, tem mais gente que pode se interessar por leva-los.

A: Antes de participar da fundação da LCA, você já tinha relacionamento com a mídia, já dava entrevistas ou isso começou depois da consultoria?

F: Eu já trabalhava com análise de conjuntura econômica em uma fundação pública, então a gente tinha um boletim, fazia um lançamento todo mês e a imprensa cobria. Uma vez por mês, nesse evento, eu costumava encontrar jornalistas, eles iam na instituição para ouvir o lançamento e participar e tal.

A: Qual era a fundação?

F: A Fundap.

A: E você já tinha, então, um relacionamento com os jornalistas quando começou a LCA? Isso ajudou?

F: Já tinha relacionamento. Já tinha até relacionamento com uma menina que cobria lá, a Sandra Gomide. A Sandra trabalhava na Gazeta Mercantil – para você ver como faz

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tempo, existia a Gazeta Mercantil – e é a menina que aquele jornalista do Estadão, o Pimenta, assassinou. E a menina era super legal, super esperta, foi uma judiação.34

A: No trabalho, eu também falo sobre diversas correntes de pensamento econômico presentes na cobertura, tanto da Folha, quanto do Estadão. Em relação à LCA, os economistas dela seguem alguma corrente específica ou isso é variado.

F: A LCA é bastante variada. Acho que mais variada do que a média. Tem gente que estudou em escolas diferentes, então não tem uma ordem unida, nem todo mundo tem as mesmas opiniões, é bastante variado.

A: Como é o mercado de consultorias? É muito disputado?

F: Ele é muito disputado porque... é até difícil definir o mercado, porque tem muita gente que oferece avaliações da economia sem cobrar por isso, em especial, instituição financeira. Então é difícil dizer exatamente com quem a gente está competindo. Tem gente que participa dessa maneira no mercado, sem cobrar. É um mercado que tem uma variação grande de tipos de ofertantes. Tem empresa menor, especializada, tem empresa que procura prestar um serviço mais abrangente – que é o nosso caso. É um mercado, como eu vou lhe dizer, é um mercado muito disputado porque é informação e análise. De certa maneira, vamos pensando assim, você já ouviu falar de terminal de informações financeiras da Bloomberg? As pessoas querem ter e tal. Como o cliente uma verba obviamente limitada, de certa forma, você compete até com um serviço desses que é informativo, é de outra natureza, ele não é propriamente analítico, mas o cara tem uma verba X e, no fundo, ele pode achar que aquilo vale mais do que o serviço de consultoria. Então é um mercado bastante disputado, tem muita oferta variada, uma parte é informação, a outra é análise – essa fronteira é difícil de delimitar – então a gente tem que pular no rio. O mercado tem inovações, mesmo tecnológicas, isso de serviço noticioso. Quando chegou, abalou. As empresas falam: ―poxa, isso os outros 34

Antônio Marcos Pimenta Neves e Sandra Gomide trabalharam como jornalistas de economia na Gazeta Mercantil e em O Estado de S. Paulo. Na época do crime, Pimenta era diretor do Estado e Sandra, que havia sido editora de economia, tinha sido demitida por ele após o término do namoro. PAULA, C. Poder de vida e morte. Veja. São Paulo, 30 ago. 2000. Disponível em: Acesso em: 12 nov. 2014

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têm, eu preciso ter, então não me disponho tanto a gastar tanto quanto em me dispunha antes com consultoria‖. Sempre tem, tem que ficar de olho nesse tipo de desafio para responder rápido.

A: E a imprensa também pode ser usada nessa disputa com a concorrência?

F: Então, aí eu acho que é um pouco menos, quer dizer, a imprensa... Em grande média, eu tenho a impressão de que você constrói o relacionamento com esse ou aquele jornalista. Quer dizer, ele ligou, ele gostou da conversa, entendeu, da próxima vez ele vai lembrar de você, da próxima vez você vai estar ocupado aí, puts, de repente ele já te esquece. Então eu acho que é mais informal. Um bom pedaço, eu acho que é simplesmente o nome que o cara lembra e que calhou de atender e vamos que vamos e é um vínculo tênue. Se você, da próxima vez, está de férias, está com um cliente, ele desencana de você e vai para o outro, porque ele tem fechamento implacável, tem que fechar, não tem nem choro, nem vela.

A: Então tem que construir um relacionamento mesmo?

F: Sim, tem que construir um relacionamento para ele conhecer, confiar, saber que quando ele precisar, você vai fazer um esforço para atender.

A: No seu caso, em relação ao relacionamento com os jornalistas tanto da Folha, quanto do Estadão, como é esse relacionamento? Chega a criar uma amizade ou algo mais informal? Eles têm os seus contatos pessoais para ligar como agora eu estou te ligando, por exemplo, à noite35? Qual é o nível desse relacionamento?

F: É tênue. No caso da Folha, tem alguns jornalistas que eu tenho uma relação maior porque eu fui editorialista da Folha durante oito anos. Então eu conheci muita gente, convivi e tal. Minha relação com a Folha é atípica, os meus colegas da LCA não tiveram a mesma experiência, a mesma proximidade. É, mas no geral, assim, eu sei um pouco como o que acontece com os colegas. A gente muito de vez em quando, além de atender

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Eram cerca de 21h30.

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ao telefone, combina um almoço e, com esse ou aquele jornalista, vai lá, bate um papo. É bastante... é assim... A vontade é de dizer que é normal, mas é uma expressão meio enganosa.

A: É profissional?

F: Ah, é profissional. Profissional por oposição a amizade, você diz?

A: É.

F: Ah, pelo menos a minha experiência, tirando os jornalistas com quem eu convivi como colega quando trabalhei de editorialista da Folha, tenho uma relação cordial. Jornalistas, em geral, são muito comunicativos, são espertos, gente que é antenada, que é gostoso conversar. É uma conversa inteligente, mas contato superficial. Mas isso é muito caso a caso, eu não saberia te dizer. Eu não tenho notícia de algum colega ali tenha ficado muito amigo de algum colega jornalista em particular. Às vezes pode ser falta de informação minha, eu realmente não soube.

A: E com o Estadão, como é que é o relacionamento?

F: Então, tem colegas que atendem bastante o Estadão e outros que atendem menos. Aí realmente não tem uma regra, depende do jornalista procurar mais ou menos.

A: Quem você acha que está mais inserido na mídia, em relação a especialistas que dão entrevistas? Instituições financeiras, bancos, corretoras de investimento ou as consultorias econômicas como a LCA?

F: Olha, é que são muitos bancos e consultorias não tantas, então eu diria que, proporcionalmente, talvez as consultorias apareçam até um pouco mais. Mas os bancos também têm muita facilidade de acesso. Quer dizer, no fundo atendi ali, é a mesma coisa. O jornalista precisa perguntar para alguém, precisa repercutir e ligar para pessoas. Quem atender e ajudar ele, beleza. Mas nunca fiz uma estatística, mas as consultorias estão em tamanho menor. Acho que em proporção, se esforçam um pouquinho mais

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para aparecer do que as instituições financeiras porque, inclusive, para elas é mais importante.

A: Para um economista trabalhar na LCA, ele precisa ter alguma formação, experiência específica? Ter trabalhado em algum setor, na indústria, no mercado financeiro, por exemplo?

F: Não. Para começar, precisa ter uma boa formação como economista, uma faculdade legal, estudar e tal, ter uma base de conhecimento. O trabalho em si, ele vai aprender lá. Vai aprender fazendo, então não tem essa de experiência anterior, principalmente no começo - quando a pessoa está nos primeiros degraus - é lá dentro que ela vai tomar conhecimento que será vivido e vai aprender a responder.

7.4 ANTONIO CORRÊA LACERDA

É graduado e mestre em economia pela PUC-SP e doutor pela Unicamp. Coordena o programa de Estudos Pós-graduados em Economia da PUC-SP, onde dá aula para jornalistas sobre a financeirização do noticiário econômico brasileiro. Também coordena o Grupo de Pesquisas em Desenvolvimento Econômico e Política Econômica. É sócio-diretor da ACLacerda Consultores. Já foi presidente e é fundador e membro do conselho consultivo da SOBEET (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização). Também foi economista-chefe e estrategista da Siemens Brasil, presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia), membro do conselho fiscal da Eletrobrás e diretor do departamento de economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica). Colabora com artigos para O Estado de S. Paulo. A entrevista foi realizada por telefone em 3 de outubro de 2014.

A: Como você analisa a cobertura econômica da Folha e do Estadão?

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AC: Com relação à cobertura dos grandes jornais, o ponto comum entre eles, ao meu ver, é uma excessiva ênfase na questão das finanças. As finanças fazem parte da economia e finanças é um item importante, só que economia não é só finanças e o que a grande mídia deixa transparecer para o leitor é que tudo gira em torno das finanças. Qual a diferença básica? A diferença é que as finanças, o mercado financeiro, necessariamente, primeiro, é especulativo; segundo, é uma visão de curto prazo; então nem sempre aquilo que é ideal para o mercado financeiro é melhor para o país e vice e versa. Na verdade, economia é muito mais ampla do que a questão das finanças. Então predomina nesses jornais a visão do mercado financeiro na qualidade de seus portavozes, que são os economistas dos bancos e seus consultores. Então vira o samba de uma nota só, porque você não tem muito contraponto e isso transparece ao leitor um estresse e uma volatilidade que são próprios do mercado financeiro, mas que tem, às vezes, pouco a ver com a economia real. O exemplo disso é o que nós tivemos, nas últimas semanas, as oscilações entre taxa de câmbio e bolsa, motivados por questões meramente de especulação eleitoral.36 Então, em um primeiro momento, um encantamento com a oposição, a bolsa subiu fortemente. Agora está em um período de queda. Na verdade, o que isso tem a ver com a economia real? Investimentos produtivos, salários, emprego? Muito pouco. É apenas volatilidade dos mercados, porque os mercados agem com base em expectativas meramente especulativas. Então isso é uma parte da economia, mas isso não é tudo. Então você tem que ter uma cobertura mais equilibrada e, sobre tudo, diversificar as suas fontes.

A: Outras pautas acabam ficando em segundo plano para se fazer esse tipo de cobertura?

AC: Sim. Muitas vezes aquilo que não é tão relevante, acaba ganhando uma dimensão muito forte porque é do mercado financeiro, que é bem mais equipado, paga muito bem economistas para produzirem relatórios e tal. Então são fontes de acesso muito fáceis,

36

O mercado retirava investimentos em dólar da bolsa quando a situação eleitoral ficava melhor, ou acreditava que ficaria, para a candidata governista à reeleição, Dilma Rousseff, o que fazia com que a cotação subisse. Como já analisado no item 5.1.3 da monografia, o preço da moeda afeta o nível de emprego e os preços no país. O movimento inverso ocorria com o Ibovespa, índice de ações da bolsa, que caía.

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porque são pagos, de certa forma, para isso, os economistas dos bancos. Então você tem uma cobertura absolutamente distorcida.

A: No caso da Folha e do Estadão, você acredita que essa predominância acontece mais pela capacidade de comunicação do mercado financeiro ou por causa da linha editorial dos dois jornais?

AC: Acho que as duas coisas e é cômodo também, para o jornalista, reproduzir os relatórios dos bancos que são muito ágeis. Às vezes, são muitas vezes palatáveis, você pega uma matéria e ela está reproduzindo um relatório de um banco ou de uma consultoria. Eu acho que tem esse viés e isso nem sempre fica claro para o leitor, que é uma visão do mercado financeiro e não necessariamente de quem toma decisão na economia, porque não é só o mercado financeiro que toma decisão.

A: Na questão das fontes, essa influência do mercado financeiro, a gente pode perceber na pluralidade, na origem das fontes?

AC: Exatamente. Então não é importante só diversificar os nomes, mas também os setores, porque se você pegar cinco economistas, mas quatro são dos bancos A, B, C e D, na verdade, você não está diversificando, você está dentro de um mesmo espectro da economia, sendo que você tem o setor produtivo, você tem os trabalhadores, você tem a academia, que você poderia utilizar como fonte.

A: A imprensa também acaba ficando refém nessa questão da agilidade para fechar uma matéria e às vezes só está disponível aquele economista de banco, com um release pronto, também? F: Eu acho que é uma certa acomodação, também, por parte do jornalista: ―ah, eu recebo isso aqui pronto, então eu reproduzo‖. Essas outras fontes que eu falei, nem sempre estão disponíveis, porque têm suas atividades, nem sempre estão disponíveis a todo momento como o pessoal do mercado financeiro. Isso, de certa forma, acaba sendo um álibi, vamos dizer assim, uma desculpa para que os jornalistas centralizem a sua análise com base na visão do banco.

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A: As pessoas falam muito na discussão sobre a imprensa ser pessimista. No caso da Folha, as próprias ombudsman falam que a Folha tem essa tendência. Você acha que isso que é chamado de pessimismo tem a ver com a influência do mercado financeiro no noticiário?

AC: Eu acho que sim, porque o mercado financeiro, por ter uma visão de curto prazo, olha muito os indicadores presentes. Mas mais do que isso, eu acho que, de uma forma geral, tende a destacar as notícias negativas. Existe um velho ditado internacional: ―good news is no news‖. Então, boas notícias não são notícias. Tragédia é o que dá mais impacto.

A: A gente tem um governo que hoje, ao menos segundo o mercado, tem menos compromisso em cumprir o tripé econômico e as metas fiscais. Isso resultou em uma carga mais negativa na influência do mercado financeiro nos últimos quatro anos?

AC: Na verdade, há um preconceito ideológico claro do mercado em relação ao governo atual porque são coisas muito diferentes. O governo atual é um governo desenvolvimentista e o desenvolvimentismo, necessariamente, é de longo prazo, enquanto o mercado é curto prazista e liberal. O governo, de longo prazo, intervencionista. Então há uma incompatibilidade aí ideológica que reflete em como o governo é avaliado.

A: E também há esse conflito com as linhas editoriais dos dois veículos?

AC: Provavelmente. Provavelmente seja uma explicação para haver tanta crítica. Não que o governo não se equivoque, tem muito equívoco, claro. A gente pode enumerar vários, mas, economia, não existe almoço grátis e política econômica neutra e toda política econômica tem aspectos positivos e efeitos colaterais e seus custos. O papel de quem está conduzindo a política econômica é sempre escolher a opção que atenda mais os interesses do país e não apenas de um segmento.

A: A questão do custo-benefício?

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AC: Exato.

A: Outra questão na monografia é a adjetivação na cobertura da Folha e do Estadão. São usados adjetivos como em “crescimento baixo” e “ruim”.

AC: Isso faz parte do jogo. Na verdade, quando você exagera na adjetivação, você está tentando taxar, rotular, desqualificar mesmo aquelas ações que seriam resultado de médio e longo prazo, mas que não são ao sabor do mercado financeiro que é mais imediatista. Tem, portanto, esse viés ideológico.

A: E é a colocação de uma opinião na notícia, o que, jornalisticamente, é questionável?

AC: A não ser que você pondere bem, considere todos os fatores, o que normalmente não ocorre.

A: Quais diferenças você vê entre os dois jornais na questão da pluralidade das fontes? Algum tem menos influência do mercado do que o outro?

AC: Olhando assim, eu não vejo tanta diferença. A única coisa é que o Estado, acho que dá mais espaço para economia de um modo geral. Mantém a tradição de um caderno de economia já, a Folha foi para um caderno Mercado, que mistura macroeconomia com estratégia empresarial, negócios, então fica um pouco mais disperso, enquanto o Estadão procurou manter um jornal com a macroeconomia. Isso tudo é influenciado pelo que você está falando. Mas ainda é uma cobertura, a meu ver, mais abrangente.

A: Os próprios nomes dos cadernos já mostram o seu direcionamento? Mercado, Economia & Negócios?

AC: Exato. Então você teve claramente, no caso da Folha, substituição de economia por finanças e mercado.

A: Tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer, que eu não perguntei?

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AC: Eu acho que valeria um esforço da mídia em separa... Para a mídia, tudo é investimento. Então se o cara comprar dólares no mercado financeiro, isso é investimento. O cara vai construir uma usina hidrelétrica, isso também é investimento. São lógicas muito diferentes. Uma que é investimento em infraestrutura, produtivo, não necessariamente a longo prazo, e outro que é aplicação financeira. Muitas vezes é confundido e se usa a palavra ―investidor‖ para tudo. ―Ah, os investidores estão reticentes‖. Então você está falando do aplicador, do mercado financeiro, que é muito de curto prazo. Então há uma certa confusão de conceitos.

A: O quanto influi na cobertura, às vezes, a falta de conhecimento do jornalista?

AC: Não sei se é falta de capacidade ou se é um viés mesmo. É mais fácil botar tudo no mesmo barco e como eu sou pautado pelo mercado financeiro, acabo reverberando o que eles estão falando sem muito questionamento.

A: E segue uma linha mais negativa?

AC: Ou euforias exageradas. Eu vou até dar um exemplo. Normalmente, a mídia trata a valorização da moeda como algo ruim. Por quê? Porque o mercado financeiro, em geral, pensa assim. Muitas vezes, ele está apostando em uma valorização e ela se desvaloriza. Em geral, a mídia trata isso como negativo, mas isso, necessariamente, não é negativo. Aliás, na maioria das vezes, isso é positivo, porque você vai estar aumentando a competitividade da produção, das exportações, embora, para o mercado financeiro, isso seja visto como negativo. É um exemplo de diferença de abordagem.

7.5 COMENTÁRIOS SOBRE AS ENTREVISTAS

O repórter da Folha, Anderson Figo, ficou preocupado durante a entrevista em defender a neutralidade não só da cobertura econômica do jornal, mas como de todo o diário. Quando questionado em relação à neutralidade, pensava em questões como censura e não na pluralidade das fontes e na influência do mercado financeiro, por exemplo.

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Anderson demonstra na entrevista que existe um planejamento da editoria Mercado em sua rotina e, portanto, o fechamento não serve como explicação para o caderno ouvir mais fontes de outros segmentos além das ligadas ao mercado financeiro. O repórter, quando questionado em relação à pluralidade das fontes, muitas vezes acabou por falar em pluralidade de especialistas dentro do mercado financeiro, como ouvir economistas de bancos ou de corretoras. Citou o uso de informações da Bloomberg e de economistas ouvidos por ela como demonstração de pluralidade. Entretanto, a agência é ligada ao mercado financeiro ao ser uma das maiores fornecedoras de informações do mundo para o segmento. Anderson também demonstra que a produção jornalística de economia da Folha é um trabalho coletivo e tem diversos responsáveis, desde a Secretaria de Redação do jornal até os repórteres, que não impedem a influência do mercado no noticiário. O repórter defende cuidados com a pluralidade como: “o ideal, pelo menos eu vejo isso acontecer muito em todos os casos, é a gente conversar tanto quanto com pessoas mais ortodoxas, tanto com pessoas... nem tanto assim". Entretanto, como visto na monografia, não é o que se acontece na prática com a cobertura. Ele também afirma ser incomum a adjetivação das reportagens: "acho que a regra geral é a gente não adjetivar nunca, a não ser que tenha alguns casos específicos", o que contrasta com o observado na monografia. Afirma que não se deve dar ―o caderno todo‖ para o mercado, o que dá a entender que boa parte já se é dada ao setor. Anderson fez 23 referências ao todo durante a sua entrevista a ―ouvir o outro lado‖. Entretanto, a análise da monografia mostra que os lados na cobertura do caderno Mercado se resumem apenas ao governo e ao mercado financeiro na maioria das vezes e não a outros segmentos da economia e a especialistas de diversas correntes de pensamento. O repórter apresenta dificuldade e resistência em fazer críticas ao jornal em que trabalha. Anderson também falou sobre o MBA oferecido pela Bovespa a jornalistas, um exemplo de estratégia comunicacional do mercado financeiro para a imprensa. Já o repórter João Villaverde, que cobre macroeconomia no caderno Economia & Negócios, apresenta uma visão mais politizada da economia e do noticiário, o que pode ser resultado da diferença de área de cobertura em relação a Anderson, que cobre o mercado e finanças pessoais, além de também questões macroeconômicas.

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João afirma ter consciência do processo de financeirização do noticiário econômico e é crítico a ele. Mostra que, ao contrário da Folha, lida com um problema de tempo para ouvir fontes de diversas correntes de pensamento econômico, o que está entre as preocupações do repórter que cita correntes de pensamento econômico e a disponibilidade maior para dar entrevistas dos especialistas ligados ao mercado. Faz uma ponderação em relação a uma situação ruim da economia, a qual atribui um pessimismo do noticiário, mas sua visão combina em alguns momentos com ideias do mercado financeiro, embora procure manifestar uma opinião independente de correntes de pensamento econômico. Também mostra, ao contrário do que acontece no caderno Mercado, que há um menor trabalho coletivo no noticiário econômico do Estadão, onde os repórteres possuem mais autonomia em suas matérias. Villaverde, por exemplo, defende a adjetivação das matérias e reportagens adjetivadas analisadas pela monografia foram realizadas pelo repórter. Essa maior autonomia faz com que o noticiário fique menos refém da influência do mercado financeiro com o aumento da responsabilidade do repórter no processo. Villaverde também afirma que existe uma preocupação na edição do caderno com a pluralidade dos pensamentos econômicos das fontes, embora seja algo de mais responsabilidade do repórter. O diretor de macroeconomia da LCA, Fernando Sampaio, atribui a responsabilidade pelo relacionamento da consultoria com a imprensa mais aos jornalistas, mas ele próprio diz que a relação foi construída com o trabalho de assessoria de imprensa no passado. Mostra como o contato com os jornalistas pode ser útil comercialmente para se fundar uma consultoria, divulgar o nome da empresa e o seu próprio nome no mercado. Também é possível perceber que Sampaio entende da rotina de produção jornalística, ao falar sobre questões como o fechamento e a de jornalistas entrevistarem que os atende primeiro. Antonio Corrêa, por último, mostra o contraste entre os interesses do mercado financeiro e os do governo, onde os primeiros são veiculados pela imprensa. Fala sobre o noticiário econômico tratar aplicações financeiras como investimentos. Essa ideia disseminada pela mídia é utilizada pela ortodoxia para se associar a queda da bolsa de valores à perda de investimentos do país, assim como para aumentar a importância do mercado financeiro no crescimento da economia.

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Antonio fala sobre três fatores na inserção do mercado financeiro na cobertura da Folha e do Estado: estratégias comunicacionais do setor, linha editorial dos jornais e cumplicidade dos jornalistas. Um quarto fator ainda será observado nas considerações finais da monografia.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A monografia mostrou que a falta de neutralidade da cobertura econômica da Folha de S.Paulo e de O Estado de S. Paulo é complexa e devida a diversos fatores. Portanto, não pode ser reduzida apenas à tendência dos jornais defenderem determinado partido político ou de criticarem a atual sigla governista. As razões vão além disso ao se perceber a inserção de uma corrente de pensamento econômico no noticiário por meio de estratégicas comunicacionais que são eficazes ao disseminarem ideias que vão de encontro às linhas editoriais dos dois jornais; que são absorvidas por repórteres responsáveis pela cobertura, eventualmente; e que também atendem às características da produção jornalística que necessita elaborar conteúdo com rapidez e facilidade e que possui cobertura mais atrativa ao público quando tende à negatividade. A Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo se inserem aqui em um processo político onde a imprensa brasileira acaba por fiscalizar os três poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) e atua como se fosse um poder moderador, tal como o exercido por Dom Pedro II no século XIX, durante o Segundo Reinado, e também como o assumido informalmente pelas Forças Armadas nos momentos em que interferiram no poder político da República, o que é analisado pelo sociólogo e estudioso da comunicação Afonso Albuquerque em seu artigo Um outro ―quarto poder‖.

O papel da imprensa não é constitucionalmente definido, nem conta ela com recursos materiais que lhe permita impor a sua vontade através da coação física. Ao invés disso, a imprensa reivindica o papel de intérprete privilegiado da realidade, e o faz se referindo à tradição americana do Quarto Poder. (ALBUQUERQUE, p. 6, 2000)

Princípios do processo de produção jornalística, como ―ouvir o outro lado‖, mencionado no item 7.1, ainda servem por sustentar a ideia de neutralidade de um veículo jornalístico, o que legitima a instituição da representação de um Quarto Poder.

São frequentes as profissões de fé dos órgãos da grande imprensa nos valores basilares do jornalismo ―independente‖ objetividade, neutralidade, imparcialidade, compromisso com a verdade, com os fatos, com o interesse público - bem como

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também críticas à atuação desses mesmos órgãos, com base na sua incapacidade (ou desinteresse) em honrar esses mesmos princípios [...] Diferentemente do que acontece entre os cientistas, médicos ou advogados, os jornalistas não dispõem de linguagem, método ou treinamento que lhes permitam reivindicar o status de especialistas acerca dos assuntos sobre os quais falam ou escrevem. Deriva daí que a construção da objetividade jornalística se faz menos através do emprego de teorias e métodos precisos, que pelo uso de determinadas convenções narrativas - a ênfase em acontecimentos isolados, atores individuais e novidades, o lead e a estrutura da pirâmide invertida, a busca do equilíbrio na notícia (a apresentação dos ―dois lados da questão‖) [...] (ALBUQUERQUE, p. 3 e 9, 2000)

A Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, entretanto, não possuem poderes públicos e representatividade popular. Pelo contrário: como visto ao longo da monografia, servem por representar mais apenas um setor econômico da sociedade e não os diversos discursos e correntes de pensamento na área de economia.

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