Cores de uma memória afetiva - Bazar Monalisa - Fábio Sampaio

May 28, 2017 | Autor: Lilian França | Categoria: Arte Contemporanea, Arte contemporáneo
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Natural de Santos, São Paulo, Fábio Sampaio conviveu em sua adolescência, antes de se radicar em Aracaju, Sergipe, com uma pequena loja da cidade, que vendia “um pouco de tudo” e que carregava em seu nome comercial dois pontos de interesse materializados em sua atual produção: o bazar, como ágora de uma comunidade e a tela icônica de Leonardo Da Vinci. Fábio Sampaio tem a sua trajetória alicerçada na arte urbana, crítica dos costumes, intervenções em espaços públicos, grafites, colagens, desenhos e pinturas que se mesclam à Pop Art. No Bazar Monalisa era possível encontrar inclusive materiais de construção: tijolos, cimento, fios de prumo, pás e carrinhos de mão, objetos que, em meio a uma profusão de outros elementos, organizavam-se criteriosamente no exíguo limite da loja. O projeto gráfico dos sacos de Cimento Poty ficou gravado na memória afetiva do artista constituindo-se no fio condutor de uma narrativa intrigante, instalada nas salas da Galeria de Arte J. Inácio. Intervindo na embalagem original (Figura 1), Fábio reorganiza o discurso e cria vazios geométricos, tencionando a leitura de signos amplamente conhecidos e recontextualizando a sua fala.

Figura 1 – Bazar Monalisa, Fábio Sampaio, 2016. Foto: Lilian França. A figura que representa a marca do cimento, o índio Poty, guarda uma semelhança emblemática com a “Monalisa” de Leonardo da Vinci, recuperando um campo simbólico de significados que inquietam a mente e provocam o expectador. O logotipo, que já havia aparecido em outra série de 2014, "(Ré)Invenção da paisagem doméstica", que o autor classificava como pós-grafites (Figura 2), continua a assombrar a memória de Fábio e ressurge como protagonista na paleta do artista.

Figura 2 – “Pitty um índio exuberante com uma ideia colorida, brilhante e estonteante”, Fábio Sampaio, 2014. Foto: Fábio Sampaio. O terreno da similitude se adensa quando, pendurado por fio de prumo e trena, encontrase um estandarte (Figura 3) cartografando os sacos de cimento em mapa de anunciação, recuperando a obra do artista sergipano Arthur Bispo do Rosário, que, com seus bordados, traçava rotas em direção ao céu. Pequenos índices acentuam propositalmente a

proximidade: a silhueta da roda da fortuna, as flâmulas penduradas, os desenhos de volumes geométricos, o azul dos uniformes desfiados.

Figura 3 - Bazar Monalisa, Fábio Sampaio, 2016. Foto: Lilian França. É interessante notar que o Grupo Votorantim se instalou em Sergipe no final da década de 1960 e, na década de 1970, implantou, em Aracaju e Laranjeiras, duas de suas mais inovadoras fábricas, justamente com a marca Cimentos Poty, constituindo-se numa importante alavanca para o desenvolvimento do Estado, processo representado, sutilmente, em outra das obras do artista (Figura 4).

Figura 4 - Bazar Monalisa, Fábio Sampaio, 2016. Foto: Lilian França. Bazar, do persa bāzār, derivado do termo baha-char, pertencente ao dialeto pahlavi, significava “o lugar dos preços”, espaço de comércio popular considerado como importante força econômica e política, às vezes em oposição aos interesses das elites

detentoras do poder. Nessa perspectiva, o artista dialoga com o mercado de arte, acidamente o comparando a um grande bazar, inserindo no grafismo de um saco de cimento Poty a marca “Sotheby´s” (Figura 5), mencionando a conhecida casa de leilões, e dedicando uma parede da galeria a palavra “Tate” (Figura 6), construída com pedaços de saco de cimento, em referência a Tate Galery.

Figura 5 - Bazar Monalisa, Fábio Sampaio, 2016. Foto: Fábio Sampaio.

Figura 6 - Instalação Bazar Monalisa, Fábio Sampaio, 2016. Foto: Lilian França. A intrincada trama arquitetada por Fábio Sampaio escreve mais um capítulo (Figura 7) ao evocar a técnica da azulejaria, já esboçada nas formas dos recortes e colagens, parecendo remeter ao trabalho de Athos Bulcão, em sua modulação e geometrismo, ao que Fábio acrescenta cruzes/sinais de adição (cada detalhe é uma argumentação) e duas imagens do Poty/Monalisa, invertidas e em negativo, encerrando a costura poética que faz do bazar santista metáfora para o mercado de arte contemporânea, a história da arte e a transcendência.

Figura 7 - Bazar Monalisa, Fábio Sampaio, 2016. Foto: Lilian França.

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