Marina Mapurunga (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB, professora mestra do curso de Cinema e Audiovisual e Artes Visuais)
[email protected] - www.sonatorio.org RESUMO: Com a revolução tecnológica surgem milhões de possibilidades para o audiovisual. Cada realizador pode criar seu modo de fazer audiovisual. O cinema já nasce como um experimento e se mantém assim até hoje, investigando novas ferramentas a partir das tecnologias de nosso tempo. Neste trabalho boratório de Pesquisa, Prática e Experimentação Sonora – Sonatório, projeto de extensão da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, na cidade de Cachoeira-BA. O Sonatório vai propor um corpo-tela/corpo-sonoro. Nesses corpos são projetados samples visuais por meio da técnica de
. O som é reali-
zado em tempo real pelos corpos-telas a partir da linguagem de sinais soundpainting regida por um painter (compositor-regente). PALAVRAS-CHAVE: corpo-tela, corpo-sonoro, soundpainting. convergem entre si: a sala escura de cinema, a proCom a revolução tecnológica surge uma série de
ta uma história. Na forma cinema, “a experiência do
possibilidades para o audiovisual. Cada realizador pode criar seu modo de fazer audiovisual. O cinema já nasce como um experimento e se mantém assim -
até hoje, investigando novas ferramentas a partir das tecnologias de nosso tempo. O cinema sempre
cinema pode se encontrar. O cinema está para além p. 211) disserta que se pensarmos em um sentido
de uma sala escura, de uma projeção e de uma his-
mais expandido do cinema, seguindo a etimologia
tória. O cinema se desvia, é múltiplo, variado, com
- ématos + gráphein, escrita do movimento), o cinema se-
reinventa de diversas maneiras. Um pós-cinema, ou
ria uma das formas de expressão mais antigas da
melhor, outra(s) forma(s) cinema(s), busca soluções
humanidade, surgida na pré-história, quando o ho-
inovadoras que rompe com formas e práticas já “fos-
mem projetava imagens em sombras, formadas por mais do que sua forma cinema, há mais camadas.
suas mãos, nas paredes das cavernas.
Vários conceitos surgem para explanar este outro ciDurante o percurso vital do cinema, uma “forma
nema que vai surgindo. O cinema experimental abre
-
as portas para outros espaços, outras telas, outras
te, hegemônica, é o cinema convencional. Segun-
sensações e maneiras de perceber o cinema.
ve três elementos de três dimensões distintas que * Apoio institucional: Pibex (Programa Institucional de bolsas de Extensão Universitária)/ UFRB.
40
Marina Mapurunga
Corpo-tela, corpo-sonoro: outras formas de pensar/fazer cinema
-
hibridização entre diferentes mídias. [...] O cinema
mento de transição entre a Era Industrial e a Era
expandido é o cinema ampliado, o cinema ambien-
-
ria mais voltado a um processo de radicalização do
-
cinema experimental, por meio dos happenings e de
ria “um processo de se tornar uma unidade histórica
performances com o uso de projeções múltiplas e/
contínua do homem para manifestar sua consciên-
ou em outros espaços além da sala de cinema, geral-
-
mente combinando a projeção com outras expressões artísticas. O cinema expandido tenta criar um
Cinema Expandido seria um processo de expansão,
-
de externalização, das ideias do homem, como uma
cando os efeitos perceptivos visuais e sonoros sobre
forma de aprimorar a percepção humana. Esse cine-
seu corpo.
ma não estaria ligado apenas a uma disciplina, mas a várias relações no ambiente, especialmente à rede
Nos anos 2000, Katia Maciel nos traz o conceito de
intermídia do cinema e da televisão, que funcionaria
transcinema, o qual ela utiliza para
esse Cinema Expandido. Entre elas está o cinema sinestésico (synaesthetic cinema) que sai da mente
que a presença do participador ativa a trama de-
e transforma-se em visualidade, gerando sentidos
senvolvida. Trata-se de imagens em metamorfose
além da visão que são estimulados pelo processo
que podem se atualizar em projeção múltipla, em
criativo. O cinema sinestésico
blocos de imagem e de som, e em ambientes inte1
a única linguagem estética adequada ao ambiente
Os transcinemas seriam formas híbridas entre as ar-
feita pelo homem pós-industrial, pós-alfabetizado
tes visuais e o cinema que envolvem o espectador
com sua rede multi-dimensional simulsensorial de
sensorialmente em um espaço criado. Os transcine-
fontes de informação. É a única ferramenta estéti-
mas representariam o cinema como interface, “como
ca que se aproxima do continuum da realidade da
uma superfície em que podemos
existência consciente na não-uniforme, não-linear, não-conectada atmosfera eletrônica da Idade Pa-
exemplo de transcinema
-
leocibernética. [...] o cinema sinestésico transcende
cas nas quais podemos, como participadores, atra-
as restrições de drama, história e enredo e, portan-
vessar o espaço da tela, não apenas mental e visualparticipador
to, não pode ser chamado de um gênero.
“experimenta sensorialmente as imagens espacializadas, de múltiplos pontos de vista, bem como pode termo Cinema Expandido, autores do cinema expe-
interromper, alterar e editar a narrativa em que se
se caracteriza “por duas vertentes: as instalações que reinventam a sala de cinema em outros espaços e as instalações que radicalizam processos de
1 - “Conceito criado pelo artista plástico brasileiro Hélio Oiticica para tornar o espectador parte da obra, que não existe sem a sua participação. Por exemplo, um Parangolé, sem que o participador o vista, é apenas uma capa pendurada num
41
Marina Mapurunga
Corpo-tela, corpo-sonoro: outras formas de pensar/fazer cinema
, como o próprio nome
composição sonora por meio de improvisação livre
já aponta é o cinema ao vivo. Este não é como o cine-
utilizando instrumentos musicais, objetos sonantes
ma do início do século passado, em que os músicos
e o corpo. Uma das técnicas de improvisação uti-
executavam a música ao vivo durante a projeção de
lizadas em nossos ateliês foi o Soundpainting. Esta
Outro cinema é o
de hoje iniciou Brasil. O Soundpainting é uma linguagem de sinais/
do VJ.
gestos, universal e multidisciplinar, utilizada para a é permeado por imagens visuais e so-
composição em tempo real para músicos, atores,
noras transformáveis, vivas, recombinantes e trans-
dançarinos e artistas visuais. Atualmente, a lingua-
mutáveis por meio de manipulações, reconstruções
gem é composta por 1200 gestos. Estes gestos são
é
sinalizados por um soundpainter (compositor) que
uma apresentação de artista(s) que se utiliza(m) de
indica aos performers o tipo de material que deve
O
elementos visuais e sonoros que são manipulados sintaxe para a indicação dos gestos pelo soundpainter Os softwares de edição, programação e mapeamen-
soundpainter
to visual e sonoro em tempo real, como Isadora,
indicaria o sinal de quem executaria o que está sendo pedido: instrumentistas de cordas, sopro, percussão, cantores, atores, artistas visuais ou até mesmo
sido importantes ferramentas para os artistas de
uma única pessoa para realizar a ação. Segundo,
cinema. Cineastas como Francis Ford Coppola e Pe-
viria o sinal do que seria executado, por exemplo:
-
nota longa e grave. Em terceiro lugar, como essa ação será realizada, por exemplo: se é com pouca ou
desenvolvendo pesquisas neste cinema que tem se
muita intensidade, lento ou rápido. Por último vem
tornado mais visível ao longo destes últimos anos.
o gesto de quando a ação será executada: se entra aos poucos ou imediatamente. Ou seja, o soundpain-
O lugar do cinema não é somente em uma sala es-
ter primeiro indica quem realizará, depois apresenta
cura com uma projeção em que há uma narrativa já
-
pronta, fechada, delimitada. O cinema é repensado,
performers. Além, destes parâmepalettes
tão. Por meio desse pensamento, partirmos para e os palettes de Pesquisa, Prática e Experimentação Sonora – So-
ou design visual já escritos/ensaiados. Trabalhamos
natório, projeto de extensão da Universidade Fede-
no Sonatório com os gestos base do primeiro Wor-
ral do Recôncavo da Bahia – UFRB. O Sonatório é formado por alunos de Cinema e Audiovisual e Artes Visuais, pela professora coordena-
dora e um professor colaborador e, algumas vezes,
liês sonoros no Sonatório que visava a exploração
recebemos participantes externos a UFRB que par-
da experimentação de atividades sonoras, desde
-
a composição sonora por meio de software até a
mos muitos alunos que não eram músicos ou não 42
Marina Mapurunga
Corpo-tela, corpo-sonoro: outras formas de pensar/fazer cinema
tocavam instrumentos musicais, logo foi necessário
. Cada corpo que iria performar rece-
algumas aulas extras sobre teoria musical e um tra-
bia um mapeamento a partir de sua silhueta. Esse
balho de preparação vocal e corporal para que nos-
mapeamento acabava por fazer com que cada cor-
so instrumento principal fosse nossas vozes e nos-
po se tornasse estático, pois qualquer movimento, o
sos corpos. Junto a isso, aderimos objetos sonantes
mapeamento era desfeito. Para ter uma maior mo-
às performances de soundpainting. Estes objetos fo-
bilidade era preciso ter sensores que não tínhamos.
ram construídos no ateliê de criação de Objetos Sonantes, feitos a partir de materiais recicláveis. Estes
roupas mais claras, mas não cobríamos todo nosso
foram utilizados pelo grupo como percussão.
corpo. Cabeça, mãos e pés sempre estavam expostos. Nestas experiências iniciais, nos aproximamos
Algumas performances de soundpainting procuram
mais de um cinema de sensações, sinestésico, uti-
dividir grupos de músicos, atores, artistas visuais e
lizando formas geométricas e orgânicas e cores. As
dançarinos. Em nossas performances, todos podiam
formas visuais eram indicadas pelos gesto de palet-
cantar, tocar, atuar, dançar e iluminar (quando usá-
tes (formas já ensaiadas e combinadas antes da per-
vamos lanternas). Apenas o artista visual, que pro-
formance). As cores, do modo
, vermelho (Red),
verde ( reen) e azul ( lue) eram indicadas com os gestos de notas agudas (R), médias ( ) e graves ( ).
poesias.
Pensamos em como as formas poderiam se relacioDurante nossas experimentações com o soundpain-
nar aos sons, que cor teria um certo som ou qual
ting, percebemos que este teria uma relação muito
seria a forma de um respectivo som. Cores com me-
próxima com outras formas de cinema (cinema ex-
nos brilho teriam sons mais graves, com mais brilho
pandido, transcinemas,
). O soundpainter
teriam sons mais agudos. Formas pequenas teriam
seria esse montador ao vivo, uma espécie de DJ/
sons curtos, formas grandes com sons graves. Nesse
demos dizer que o pré-cinema estava lá, nas cavernas, o “ de seu corpo, com as sombras de suas mãos. Por que não pensar agora esse corpo com outras funAs experiências realizadas com o soundpaiting e com partiu de um ensaio o qual começamos a projetar
corpo-sonoro/corpo-tela foram uma tentativa de
formas geométricas nos performers, logo pensamos
realizar um cinema expandido ao vivo, com múlti-
em como poderíamos usar estes corpos como tela
plas telas não convencionais por meio de sensações,
além de já ser um corpo-sonoro. Esse corpo-sonoro
relacionando imagens visuais abstratas a seus possí-
é o corpo que vibra, que realiza sons através do can-
veis sons. Nos primeiros experimentos, ainda sentía-
to, da percussão corporal, da execução de um ins-
mos uma imersão mais voltada à performance que
trumento/objeto, da fala, do assobio. Além de sono-
uma imersão cinema, isso se deu ao utilizarmos as
ro, queríamos que este corpo fosse agora receptor
-
de imagens visuais.
to para o corpo do performance. Chegamos a nos apresentar no evento Quartas Experimentais realiza-
Os primeiros experimentos utilizando a projeção nos
-
corpos foi pensando em como esta projeção poderia
reu foi de a projeção servir somente como efeito. A
ser desenhada neles. Isso foi resolvido por meio do
partir disso, nas experiências seguintes, buscamos 43
Marina Mapurunga
Corpo-tela, corpo-sonoro: outras formas de pensar/fazer cinema
dar mais atenção às imagens, não fazer delas mera-
apresentações com soundpainting e cinema. Acredi-
mente um efeito. Para alcançarmos uma imersão ci-
tamos que o processo de experimentação nos ajuda
nema, precisaríamos entender som e imagem como um bloco único, os dois com a mesma importância,
a prática. Às vezes, realizamos algo querendo che-
um complementando o outro.
gar em um ponto X, porém acabamos encontrando
Atualmente, ainda estamos em processo de ex-
o qual acaba por nos levar a uma rede para outros pontos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & Pós-cinemas.
_______. Cinemáticos: Tendências do Cinema de Artista no Brasil. Rio de Janeiro: +2 Editora, 2013
Live Cinema, o futuro é agora!
Soundpainting: the art of live
. Disponível em:
Expanded Cinema. P. Dutton PARENTE, André. A forma cinema: variações e Transcinemas. Rio
MAPURUNGA, Marina. Corpo-tela, corpo-sonoro: outras formas de pensar/fazer cinema. In: Anais do Encontro Internacional Grupo de Estudos sobre História e Teoria das Mídias Audiovisuais. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, n. 1, 2016. p. 41-44. Disponível em: . Acesso em: 9/08/2016.
44