Corpo-tela, corpo-sonoro: outras formas de pensar/fazer cinema

May 31, 2017 | Autor: Marina Mapurunga | Categoria: Soundpainting, Live Cinema
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Marina Mapurunga (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB, professora mestra do curso de Cinema e Audiovisual e Artes Visuais) [email protected] - www.sonatorio.org RESUMO: Com a revolução tecnológica surgem milhões de possibilidades para o audiovisual. Cada realizador pode criar seu modo de fazer audiovisual. O cinema já nasce como um experimento e se mantém assim até hoje, investigando novas ferramentas a partir das tecnologias de nosso tempo. Neste trabalho boratório de Pesquisa, Prática e Experimentação Sonora – Sonatório, projeto de extensão da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, na cidade de Cachoeira-BA. O Sonatório vai propor um corpo-tela/corpo-sonoro. Nesses corpos são projetados samples visuais por meio da técnica de

. O som é reali-

zado em tempo real pelos corpos-telas a partir da linguagem de sinais soundpainting regida por um painter (compositor-regente). PALAVRAS-CHAVE: corpo-tela, corpo-sonoro, soundpainting. convergem entre si: a sala escura de cinema, a proCom a revolução tecnológica surge uma série de

ta uma história. Na forma cinema, “a experiência do

possibilidades para o audiovisual. Cada realizador pode criar seu modo de fazer audiovisual. O cinema já nasce como um experimento e se mantém assim -

até hoje, investigando novas ferramentas a partir das tecnologias de nosso tempo. O cinema sempre

cinema pode se encontrar. O cinema está para além p. 211) disserta que se pensarmos em um sentido

de uma sala escura, de uma projeção e de uma his-

mais expandido do cinema, seguindo a etimologia

tória. O cinema se desvia, é múltiplo, variado, com

- ématos + gráphein, escrita do movimento), o cinema se-

reinventa de diversas maneiras. Um pós-cinema, ou

ria uma das formas de expressão mais antigas da

melhor, outra(s) forma(s) cinema(s), busca soluções

humanidade, surgida na pré-história, quando o ho-

inovadoras que rompe com formas e práticas já “fos-

mem projetava imagens em sombras, formadas por mais do que sua forma cinema, há mais camadas.

suas mãos, nas paredes das cavernas.

Vários conceitos surgem para explanar este outro ciDurante o percurso vital do cinema, uma “forma

nema que vai surgindo. O cinema experimental abre

-

as portas para outros espaços, outras telas, outras

te, hegemônica, é o cinema convencional. Segun-

sensações e maneiras de perceber o cinema.

ve três elementos de três dimensões distintas que * Apoio institucional: Pibex (Programa Institucional de bolsas de Extensão Universitária)/ UFRB.

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Corpo-tela, corpo-sonoro: outras formas de pensar/fazer cinema

-

hibridização entre diferentes mídias. [...] O cinema

mento de transição entre a Era Industrial e a Era

expandido é o cinema ampliado, o cinema ambien-

-

ria mais voltado a um processo de radicalização do

-

cinema experimental, por meio dos happenings e de

ria “um processo de se tornar uma unidade histórica

performances com o uso de projeções múltiplas e/

contínua do homem para manifestar sua consciên-

ou em outros espaços além da sala de cinema, geral-

-

mente combinando a projeção com outras expressões artísticas. O cinema expandido tenta criar um

Cinema Expandido seria um processo de expansão,

-

de externalização, das ideias do homem, como uma

cando os efeitos perceptivos visuais e sonoros sobre

forma de aprimorar a percepção humana. Esse cine-

seu corpo.

ma não estaria ligado apenas a uma disciplina, mas a várias relações no ambiente, especialmente à rede

Nos anos 2000, Katia Maciel nos traz o conceito de

intermídia do cinema e da televisão, que funcionaria

transcinema, o qual ela utiliza para

esse Cinema Expandido. Entre elas está o cinema sinestésico (synaesthetic cinema) que sai da mente

que a presença do participador ativa a trama de-

e transforma-se em visualidade, gerando sentidos

senvolvida. Trata-se de imagens em metamorfose

além da visão que são estimulados pelo processo

que podem se atualizar em projeção múltipla, em

criativo. O cinema sinestésico

blocos de imagem e de som, e em ambientes inte1

a única linguagem estética adequada ao ambiente

Os transcinemas seriam formas híbridas entre as ar-

feita pelo homem pós-industrial, pós-alfabetizado

tes visuais e o cinema que envolvem o espectador

com sua rede multi-dimensional simulsensorial de

sensorialmente em um espaço criado. Os transcine-

fontes de informação. É a única ferramenta estéti-

mas representariam o cinema como interface, “como

ca que se aproxima do continuum da realidade da

uma superfície em que podemos

existência consciente na não-uniforme, não-linear, não-conectada atmosfera eletrônica da Idade Pa-

exemplo de transcinema

-

leocibernética. [...] o cinema sinestésico transcende

cas nas quais podemos, como participadores, atra-

as restrições de drama, história e enredo e, portan-

vessar o espaço da tela, não apenas mental e visualparticipador

to, não pode ser chamado de um gênero.

“experimenta sensorialmente as imagens espacializadas, de múltiplos pontos de vista, bem como pode termo Cinema Expandido, autores do cinema expe-

interromper, alterar e editar a narrativa em que se

se caracteriza “por duas vertentes: as instalações que reinventam a sala de cinema em outros espaços e as instalações que radicalizam processos de

1 - “Conceito criado pelo artista plástico brasileiro Hélio Oiticica para tornar o espectador parte da obra, que não existe sem a sua participação. Por exemplo, um Parangolé, sem que o participador o vista, é apenas uma capa pendurada num

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, como o próprio nome

composição sonora por meio de improvisação livre

já aponta é o cinema ao vivo. Este não é como o cine-

utilizando instrumentos musicais, objetos sonantes

ma do início do século passado, em que os músicos

e o corpo. Uma das técnicas de improvisação uti-

executavam a música ao vivo durante a projeção de

lizadas em nossos ateliês foi o Soundpainting. Esta

Outro cinema é o

de hoje iniciou Brasil. O Soundpainting é uma linguagem de sinais/

do VJ.

gestos, universal e multidisciplinar, utilizada para a é permeado por imagens visuais e so-

composição em tempo real para músicos, atores,

noras transformáveis, vivas, recombinantes e trans-

dançarinos e artistas visuais. Atualmente, a lingua-

mutáveis por meio de manipulações, reconstruções

gem é composta por 1200 gestos. Estes gestos são

é

sinalizados por um soundpainter (compositor) que

uma apresentação de artista(s) que se utiliza(m) de

indica aos performers o tipo de material que deve

O

elementos visuais e sonoros que são manipulados sintaxe para a indicação dos gestos pelo soundpainter Os softwares de edição, programação e mapeamen-

soundpainter

to visual e sonoro em tempo real, como Isadora,

indicaria o sinal de quem executaria o que está sendo pedido: instrumentistas de cordas, sopro, percussão, cantores, atores, artistas visuais ou até mesmo

sido importantes ferramentas para os artistas de

uma única pessoa para realizar a ação. Segundo,

cinema. Cineastas como Francis Ford Coppola e Pe-

viria o sinal do que seria executado, por exemplo:

-

nota longa e grave. Em terceiro lugar, como essa ação será realizada, por exemplo: se é com pouca ou

desenvolvendo pesquisas neste cinema que tem se

muita intensidade, lento ou rápido. Por último vem

tornado mais visível ao longo destes últimos anos.

o gesto de quando a ação será executada: se entra aos poucos ou imediatamente. Ou seja, o soundpain-

O lugar do cinema não é somente em uma sala es-

ter primeiro indica quem realizará, depois apresenta

cura com uma projeção em que há uma narrativa já

-

pronta, fechada, delimitada. O cinema é repensado,

performers. Além, destes parâmepalettes

tão. Por meio desse pensamento, partirmos para e os palettes de Pesquisa, Prática e Experimentação Sonora – So-

ou design visual já escritos/ensaiados. Trabalhamos

natório, projeto de extensão da Universidade Fede-

no Sonatório com os gestos base do primeiro Wor-

ral do Recôncavo da Bahia – UFRB. O Sonatório é formado por alunos de Cinema e Audiovisual e Artes Visuais, pela professora coordena-

dora e um professor colaborador e, algumas vezes,

liês sonoros no Sonatório que visava a exploração

recebemos participantes externos a UFRB que par-

da experimentação de atividades sonoras, desde

-

a composição sonora por meio de software até a

mos muitos alunos que não eram músicos ou não 42

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tocavam instrumentos musicais, logo foi necessário

. Cada corpo que iria performar rece-

algumas aulas extras sobre teoria musical e um tra-

bia um mapeamento a partir de sua silhueta. Esse

balho de preparação vocal e corporal para que nos-

mapeamento acabava por fazer com que cada cor-

so instrumento principal fosse nossas vozes e nos-

po se tornasse estático, pois qualquer movimento, o

sos corpos. Junto a isso, aderimos objetos sonantes

mapeamento era desfeito. Para ter uma maior mo-

às performances de soundpainting. Estes objetos fo-

bilidade era preciso ter sensores que não tínhamos.

ram construídos no ateliê de criação de Objetos Sonantes, feitos a partir de materiais recicláveis. Estes

roupas mais claras, mas não cobríamos todo nosso

foram utilizados pelo grupo como percussão.

corpo. Cabeça, mãos e pés sempre estavam expostos. Nestas experiências iniciais, nos aproximamos

Algumas performances de soundpainting procuram

mais de um cinema de sensações, sinestésico, uti-

dividir grupos de músicos, atores, artistas visuais e

lizando formas geométricas e orgânicas e cores. As

dançarinos. Em nossas performances, todos podiam

formas visuais eram indicadas pelos gesto de palet-

cantar, tocar, atuar, dançar e iluminar (quando usá-

tes (formas já ensaiadas e combinadas antes da per-

vamos lanternas). Apenas o artista visual, que pro-

formance). As cores, do modo

, vermelho (Red),

verde ( reen) e azul ( lue) eram indicadas com os gestos de notas agudas (R), médias ( ) e graves ( ).

poesias.

Pensamos em como as formas poderiam se relacioDurante nossas experimentações com o soundpain-

nar aos sons, que cor teria um certo som ou qual

ting, percebemos que este teria uma relação muito

seria a forma de um respectivo som. Cores com me-

próxima com outras formas de cinema (cinema ex-

nos brilho teriam sons mais graves, com mais brilho

pandido, transcinemas,

). O soundpainter

teriam sons mais agudos. Formas pequenas teriam

seria esse montador ao vivo, uma espécie de DJ/

sons curtos, formas grandes com sons graves. Nesse

demos dizer que o pré-cinema estava lá, nas cavernas, o “ de seu corpo, com as sombras de suas mãos. Por que não pensar agora esse corpo com outras funAs experiências realizadas com o soundpaiting e com partiu de um ensaio o qual começamos a projetar

corpo-sonoro/corpo-tela foram uma tentativa de

formas geométricas nos performers, logo pensamos

realizar um cinema expandido ao vivo, com múlti-

em como poderíamos usar estes corpos como tela

plas telas não convencionais por meio de sensações,

além de já ser um corpo-sonoro. Esse corpo-sonoro

relacionando imagens visuais abstratas a seus possí-

é o corpo que vibra, que realiza sons através do can-

veis sons. Nos primeiros experimentos, ainda sentía-

to, da percussão corporal, da execução de um ins-

mos uma imersão mais voltada à performance que

trumento/objeto, da fala, do assobio. Além de sono-

uma imersão cinema, isso se deu ao utilizarmos as

ro, queríamos que este corpo fosse agora receptor

-

de imagens visuais.

to para o corpo do performance. Chegamos a nos apresentar no evento Quartas Experimentais realiza-

Os primeiros experimentos utilizando a projeção nos

-

corpos foi pensando em como esta projeção poderia

reu foi de a projeção servir somente como efeito. A

ser desenhada neles. Isso foi resolvido por meio do

partir disso, nas experiências seguintes, buscamos 43

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dar mais atenção às imagens, não fazer delas mera-

apresentações com soundpainting e cinema. Acredi-

mente um efeito. Para alcançarmos uma imersão ci-

tamos que o processo de experimentação nos ajuda

nema, precisaríamos entender som e imagem como um bloco único, os dois com a mesma importância,

a prática. Às vezes, realizamos algo querendo che-

um complementando o outro.

gar em um ponto X, porém acabamos encontrando

Atualmente, ainda estamos em processo de ex-

o qual acaba por nos levar a uma rede para outros pontos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & Pós-cinemas.

_______. Cinemáticos: Tendências do Cinema de Artista no Brasil. Rio de Janeiro: +2 Editora, 2013

Live Cinema, o futuro é agora!

Soundpainting: the art of live

. Disponível em:

Expanded Cinema. P. Dutton PARENTE, André. A forma cinema: variações e Transcinemas. Rio

MAPURUNGA, Marina. Corpo-tela, corpo-sonoro: outras formas de pensar/fazer cinema. In: Anais do Encontro Internacional Grupo de Estudos sobre História e Teoria das Mídias Audiovisuais. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, n. 1, 2016. p. 41-44. Disponível em: . Acesso em: 9/08/2016.

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