CORPOREIDADE NEGRA ENQUANTO DISCURSO: CORPO E CABELO COMO SIGNOS DE IDENTIDADE

June 2, 2017 | Autor: Joyce Gonçalves | Categoria: Discurso, Corporeidade
Share Embed


Descrição do Produto

CORPOREIDADE NEGRA ENQUANTO DISCURSO: CORPO E CABELO COMO SIGNOS DE IDENTIDADE.

JOYCE GONÇALVES DA SILVA Mestranda do Programa de Pós-graduação em Relações Étnicorraciais do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (PPRER-CEFET/RJ) (Rio de Janeiro - Brasil) E-mail: [email protected]

RESUMO O corpo é um dos meios pelos quais a cultura se estabelece em uma sociedade. Desta maneira, o corpo serve como linguagem. O que dizer então dos corpos negros? Os corpos de negros e negras no Brasil são linguagens de discursos provenientes de uma sociedade racista onde este corpo vive e expressa a violência do racismo e também a sua resistência a ele. Os elementos nos quais o racismo se apoia está nos sinais diacríticos da cor da pele e nos cabelos. Estes dois elementos configuram ao corpo e à subjetividade de negros e negras sentimentos de rejeição /aceitação de seus traços e consequentemente de sua identidade. Neste trabalho, discutiremos a constituição da identidade negra a partir da prática discursiva expressa pelos corpos de negros e negras por meio de sistemas de representação dos discursos da sociedade sobre os negros. PALAVRAS-CHAVE: Corpo; Corporeidade, Discurso, Representações raciais.

INTRODUÇÃO O corpo é a dimensão biológica que materializa a presença do ser no mundo. É o lugar concreto onde manifestamos vontades, desejos, tudo o que foi aprendido e observado ao longo da história pessoal e por esta razão é fruto de construção social, repleto de representações culturais e simbólicas da sociedade. O corpo, como relata Foucault (2010:01), "é uma jaula desagradável, na qual terei que me mostrar e passear. É através de suas grades que eu vou falar, olhar, ser visto. Meu corpo é o lugar irremediável a que estou condenado." Assim, o corpo é o canal por meio do qual nos diferenciamos dos outros, é por onde somos vistos, observados e interpretados. É também o caminho pelo qual as sensações e percepções que temos sobre nós mesmos e sobre todas as pessoas e coisas ao redor se interiorizam, tornando parte de um conceito que préestabelecemos sobre a diferença. Apesar de ser compreendido, na maioria das situações, apenas em sua dimensão biológica, o corpo é uma importante ferramenta de controle psicossocial de indivíduos. É por meio da educação e da cultura que a sociedade institui seus padrões e normas de convivência estabelecendo um bem estar social. Sabemos, portanto, que as transformações na percepção sobre o que é corpo, assim como a constituição da corporeidade e da identidade social dos sujeitos ocorre de acordo com as modificações políticas e culturais nos discursos vigentes. A corporeidade como agir no mundo, seria a relação com outros corpos e com as coisas do mundo, a complexidade do entendimento do ser/estar. A vivência corporal carregada de movimentações simbólicas, caracteriza e situa a presença no mundo, compondo uma gama de signos e representações sobre o Eu e os Outros, alicerçando as diferenças. O momento que estabelecemos uma relação de diferença entre corpo e o que é externo a ele seria o ponto em que constituímos nossa corporeidade. Ao estabelecer os limites, as fronteiras, a diferença se constitui socialmente, isso por meio das interpretações e reinterpretações dos sistemas de representação e classificação existentes na cultura. Assim, com a interposição entre cultura e corpo, envoltos pela diferença, temos na "corporeidade uma estrutura simbólica" (LE BRETON, 2012:18). Isto posto, a significação expressa pela corporeidade abrange os conceitos e percepções sobre si próprio, pois a estruturação desta se caracteriza pela união entre a noção 2

de esquema corporal (percepção das partes do corpo, localização e função de cada uma delas), com a imagem corporal (percepção que temos sobre nós mesmos, de como é nosso corpo e de como ele se comporta na sociedade) e a motricidade (o movimentar-se intencionalmente no mundo). Com isso, como se estabelece pela interação entre estes componentes e a cultura, acaba por ser influenciada pelas regras impostas diretamente aos comportamentos, modificando-os, ressignificando-os, moldando-os aos preceitos dispostos como norma social, atribuindo ao simbólico da corporeidade a imagem da sociedade na qual convive. A cultura nas sociedades é expressa pelos corpos de seus indivíduos, o corpo cidadão se torna um arcabouço de símbolos e singularidades culturais do local e do tempo onde vive. Sendo assim, entender o corpo como matéria sociológica é ter em mente esta contribuição da cultura, da educação e consequentemente da política na formação deste cidadão, na constituição de sua corporeidade como sujeito social e das identidades coletivas deste. "Não há sociedade que não modifique de alguma forma o corpo de seus membros, cada uma, portanto, se especializando na produção de determinados tipos de corpos, os quais servirão como insígnas da identidade grupal, no qual o corpo biológico trabalhará como matéria sociológica." (PAIM; STREY, 2004:04)

Apreendendo o corpo e suas representações enquanto construção social, buscamos a compreensão sobre a produção de sentidos sobre a corporeidade no cotidiano através de sua movimentação simbólica. Os corpos de negros e negras na sociedade brasileira em sua convivência com ideais políticos e ideológicos que regem a convivência e que possuem uma especificidade, o racismo, pode ser entendida como uma prática discursiva que possui uma particularidade. Essa particularidade seria a compreensão de que corpo e cabelo para a população negra seriam os repertórios linguísticos de sua linguagem corporal. Logo, o entendimento do corpo como prática discursiva, responsável por uma linguagem gestual composta por importantes repertórios linguísticos que se instituíram como aportes identitários será o nosso ponto de discussão neste trabalho. O CORPO E A PRODUÇÃO DE SENTIDOS O corpo como depositário da cultura, tem em suas expressões os códigos e signos linguísticos adquiridos mediante o convívio em sociedade e é por intermédio deste convívio que fixam-se as memórias, trajetórias de vida, origens e posição social dos sujeitos. Os comportamentos dos círculos sociais também são incorporados estabelecendo entre a 3

sociedade e o corpo uma mediação onde a cultura e a expressão tornam-se textos no qual os gestos são signos passíveis de interpretações através da linguagem corporal. A interpretação dos textos corporais nos remete ao lugar do corpo enquanto prática discursiva, posto que as práticas discursivas "são as linguagens em ação, as maneiras pelas quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas." (SPINK, 2013:26). A produção de sentidos no cotidiano através dos corpos é realizada por meio da corporeidade, na atuação corpórea e simbólica no tempo, no espaço e em sociedade. "O sentido é uma construção social interativa por meio da qual as pessoas constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta.(SPINK, 2013:22), estando presente todo o tempo a história e as percepções de vida de cada participante da interação e assim vislumbramos a participação da cultura e de seus elementos na construção dos sentidos no cotidiano. A linguagem, juntamente com signos e significantes, é o ingrediente pelo qual esta interação social se estabelece. Para tal interação, temos inscritos no corpo, muitos códigos de comunicação. A fala, os gestos, as características físicas são alguns deles. Como agente cultural, o corpo, acaba por ser o veículo de comunicação dos indivíduos, considerando que antes, durante e após a fala temos posturas e atitudes corporais que afirmam ou negam o que é dito. Estes diferentes códigos são classificados por Campelo (apud NEIRA e NUNES, 2007:07) como hipolinguísticos, linguísticos e hiperlinguísticos.

Os autores Neira e Nunes (2007:07),

exemplificam estes códigos e apresentam como "códigos hipolinguísticos da comunicações no corpo as alterações fisiológicas, como códigos linguísticos a comunicação generalizada e produzida no contexto social e como códigos hiperlinguísticos as linguagens verbais e não verbais específicas de diversos grupos, suas expressões, suas danças, músicas e formas de organização com seus rituais, gestos, adereços são signos culturais expressos em seus corpos." Consequentemente, acabamos por identificar as linguagens corporais como códigos hiperlinguísticos, onde os repertórios linguísticos1 seriam as unidades ou os elementos que participam da expressividade deste corpo. Compreendemos como parte das linguagens corporais: os gestos, a atitude corporal, assim como as características marcantes que diferenciam este corpo de outros. Composta a 1

Se trata de circulação de unidades de construção das práticas discursivas:os termos, as descrições, os lugares comuns e as figuras de linguagem que demarcam o rol de possibilidades da produção de sentidos. (SPINK,2014:229)

4

corporeidade, esta se torna o código hiperlinguístico deste corpo, por ser uma estrutura simbólica, suas representações são significações para os grupos que compartilham tal linguagem e por esta razão, são os seus repertórios utilizados como signos de identidade social, compondo um discurso sobre o grupo. A identidade social dos indivíduos seria a primeira relação da corporeidade com mundo. Se estabelece na relação dialógica entre os grupos sociais e seus discursos. Entendemos então, a identidade como algo fluido, que se molda a partir dos dialogismos e da interação social com os diferentes discursos que se instituem em uma sociedade. A questão da identidade não é um perfil essencializante e sim uma condição de identificação, onde ao incorporar a linguagem do grupo social ao qual faz parte, seus discursos se tornam representatividade na corporeidade do sujeito. A corporização2 dos discursos dos grupos sociais realizam a ação de tornar visível as particularidades culturais, estando estas particularidades diretamente relacionadas com a identidade de tais grupos. Assim, como ressalta Souza (2009:38): "A ideia de identidade se marca pela compreensão de que existe uma diferença que permite o balizamento daquilo que é distinto para se estabelecer o que é igual." enaltecendo a importância dos processos de diferenciação no estabelecimento das identidades sociais. Como dito, o corpo e sua atuação no espaço são construções sociais que influenciam a construção da identidade, através dos sistemas de classificação e representação cultural. Deste modo, quando relacionamos o tema à corporeidade da população negra, visualizamos que o diálogo entre os discursos identitários dos grupos sociais que compuseram a sociedade brasileira ganharam amplitude na constituição desta. A interpretação da corporeidade negra esteve balizado pela maneira como foram veiculados os discursos sobre a identidade nacional, influenciando a forma como a população negra construiu sua autoimagem e por fim sua identidade coletiva. Seguindo a observação de Hall (2013:06) podemos enxergar o corpo como um texto, um texto pronto para ser lido e interpretado. Um texto que, segundo Fanon (2008:104), tratando-se da população negra, já tem uma leitura pronta, que é aquela do observador branco: "Pois o negro não tem mais de ser negro, mas sê-lo diante do branco". Atentamos, então, para o fato do corpo, enquanto texto, ser construído a partir do que se assiste dele, do que se sabe 2

Corporização: Ação de corporificar; atribuir corpo a (o que não o tem). In: Michaelis On Line. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=corporificar.

5

sobre ele e também sobre o que é dito sobre ele. A construção do corpo, com vimos, organizase socialmente. As concepções que aprendemos e dispusemos como conhecimento são adquiridas como consequência da mediação entre corpo e cultura, sendo esta responsável por moldar os sujeitos e seus corpos de acordo com discursos e normas sociais de cada sociedade, pois como nos alerta Rodrigues (2006:123), "é a sociedade que manipula o corpo para expressar-se." CORPOREIDADE NEGRA Concebida enquanto ação simbólica no mundo, a corporeidade, é repleta de códigos hiperlinguísticos. Identificamos como os seus repertórios linguísticos auxiliam na produção de sentidos e como os signos utilizados como aportes identitários se tornam indispensáveis para a representatividade entre os componentes da comunidade negra brasileira, pois de acordo com Bakthin (2006:44): "o signo se cria entre indivíduos, no meio social; é portanto indispensável que o objeto adquira uma significação interindividual; somente então é que ele poderá ocasionar a formação de um signo. Em outras palavras, não pode entrar no domínio da ideologia, tomar forma e aí deitar raízes senão aquilo que adquiriu um valor social."

A produção de sentidos sobre a população negra no Brasil tem em seus repertórios os significantes sobre o Ser Negro. Significantes específicos da condição sócio-histórica dos negros e negras no país, convergindo concepções sobre a ancestralidade africana, a escravidão e o diálogo com a cultura europeia na diáspora. A interpretação sobre os corpos de negros e negras tiveram nos estereótipos disseminados pelo discurso europeu a base de sua estruturação, restando aos sujeitos aos quais este discurso difamavam ressignificar seus signos a fim constituir uma linguagem contra hegemônica que representasse sua identidade. O valor social dos aportes identitários para a população negra, como o corpo e o cabelo crespo, são tanto objetos de identificação e resgate da ancestralidade africana refutando o racismo, como objetos de rejeição passando por reinterpretações ancoradas no branqueamento na pretensão de inserção social. Dito isso, é necessária a compreensão da significância destes objetos para a população em questão. "Para que o objeto, pertencente a qualquer esfera da realidade, entre no horizonte social do grupo e desencadeie uma reação semiótico-ideológica, é indispensável que ele esteja ligado às condições sócio-econômicas essenciais do referido grupo, que concerne de alguma maneira às bases de sua existência material." (BAKTHIN, 2006:44). 6

Referindo-se a sociedade brasileira, observamos que nesta, alicerçada

em um

pensamento social onde as teorias racistas do XIX, a eugenia e a democracia racial foram preponderantes em sua organização, o corpo e sua linguagem tornaram-se mecanismo de leitura da realidade social de seus indivíduos, cabendo às características físicas, posturas, atitudes e comportamentos sociais serem interpretados como retrado da realidade social dos sujeitos que a expressam. Deste modo, é neste ensejo que enxergamos as condições nas quais os corpos de negros e negras foram interpretados na sociedade brasileira. Como bem expõe Stuart Hall (2013:324) "dentro de toda exclusão e opressão sofrida na colonização, restou às populações de descendência africana o seu corpo como forma de expressão e significação na diáspora." tornando assim, os corpos de afrodescendentes, um espaço de significação onde memórias, tradições, valores, posição e situação social são evidenciados e interpretados a partir de seus gestos, atitudes corporais e características físicas. O corpo negro se torna um discurso pela liberdade e pela cidadania, assim como uma denúncia à exclusão social e ao abandono das autoridade políticas na integração da população negra na sociedade por todo o período em que não teve acesso à educação e à dignidade humana. A sociedade brasileira esteve durante o período de 1930 a 1945, em seu projeto político e ideológico de Estado o enfoque aos corpos dos brasileiros. Durante este período da história, o Estado promoveu inúmeras formas de disciplinarização e domesticação dos corpos de seus operários, elite e pobres, enfim, de toda a massa populacional na sociedade. Um projeto onde a disciplina e a higiene seriam as soluções para os problemas de saúde que assolavam a população urbana e rural, assim como a busca de um perfil identitário para o que se esperava do povo brasileiro, estabelecendo como ideal estético um Homem Brasileiro. "Para a 'raça em formação', para os 'bons mestiços', desde medidas profiláticas, como higiene sexual das famílias, até as práticas corporais, como o canto orfeônico, a ginástica, a educação física, o escotismo, teriam resultados benéficos para a constituição do corpo saudável, belo, branco, harmonioso quanto às formas físicas e nobre quanto ao caráter espiritual" (FLORES, 2007:64)

Estas imposições foram recebidas pelo povo através dos discursos proferidos por meio de programas de rádios, revistas, jornais e pelas instituições de ensino. Desta maneira, ao implementar uma cultura brasileira e um perfil de povo brasileiro, o Estado acaba por ancorar nos corpos brasileiros as suas posições ideológicas que seriam cabíveis para uma 7

reorganização da população brasileira. Com as determinações de ideal estético e de comportamento no momento de modernização nacional, vimos além da apropriação cultural de algumas vertentes da cultura negra uma possível modificação dos padrões estéticos da população negra, quando o branqueamento é o modelo de ascensão e integração nacional. O corpo da população negra que já possuía todos os seus signos e significantes atribuídos à escravidão, têm em seu percurso a reinterpretação do branqueamento como modelo de beleza. Os signos criados e reinterpretados pela população negra, possuem um significado social, compartilhado entre eles e compreendido a partir de olhares estereotipados pelos Outros. Até mesmo por que segundo Neira e Nunes (2007:06) "qualquer análise das formas simbólicas mediadas pelas relações humanas, dar-se-á em meio ao contexto no qual esses textos e seus significados são produzidos, transmitidos, traduzidos e assimilados." e ainda esta interpretação " dependerá de um interlocutor que possua o mesmo repertório cultural gestual". Desta maneira, os cabelos crespos e a cor de pele ao pertencerem a mesma realidade de ancestralidade e representação dos grupos negros brasileiros, tornam-se signos de comunicação destes entre si e na sociedade. Sobre a influência dos cabelos e cor de pele na identidade de negros e negras Nilma Lino Gomes (2008:20), nos esclarece que: "cabelo crespo e corpo podem ser considerados expressões e suportes simbólicos da identidade negra no Brasil. Juntos, eles possibilitam a construção social, cultural, política e ideológica de uma expressão criada no seio da comunidade negra: a beleza negra" e ainda que o "cabelo crespo na sociedade brasileira é uma linguagem e, como tal, comunica e informa sobre as relações raciais. Dessa forma, ele também pode ser pensado como um signo, uma vez que representa algo mais, algo distinto de si mesmo.(2008:26) De acordo com Neira; Nunes (2007:09): "pela representação, o signo se relaciona com outros, presentes nos intérpretes durante a comunicação. O que isto indica é que o signo faz parte do mundo exterior (cultura) e é internalizado pelo ser humano à medida que ele vai reconstruindo para si cada sistema simbólico, linguagem corporal, oral, etc."

Sendo assim, os significados são produzidos pela interação social, internalizados e tornados parte da identidade daquele que expressa tal signo. Daí a relevância dos signos, cabelo e corpo, para população negra. Através da apropriação, interpretação e ressignificação 8

da corporeidade negra, a beleza negra recria modelos e sugere novos meios de assegurar a autoimagem de negros e negras, colaborando com a refutação do racismo e a valorização da estética negra. Os discursos proferidos pelo corpo negro, então, são discursos construídos no diálogo entre a ideologia política do branqueamento, da democracia racial e a resistência da população negra com a manutenção de seus caracteres físicos como aportes identitários. Isso ocorre pelo fato de: "A força constitutiva das práticas discursivas está em poder prover posições de pessoa: uma posição incorpora repertórios interpretativos, assim como uma localização num jogo de relações inevitavelmente permeado por relações de poder. As práticas discursivas, portanto, implicam necessariamente o uso de repertórios e posicionamentos identitários. (SPINK, 2013:37)

A linguagem expressa pela corporeidade negra acaba por se institucionalizar, ao tornar-se parte da representação da identidade negra, tornando se discurso. E é desta forma que a população negra institui seu posicionamento identitário, através do uso de seus repertórios na relação de aceitação/rejeição da estética negra. O enunciado deste discurso seria a denúncia do preconceito atribuído aos corpos e cabelos da população negra, tratando tanto da valorização dos características físicas como pela reinterpretação destas, diretamente afetadas pelo convívio social, afinal: "Os modelos e práticas de estilização da beleza desenvolvidos pelas culturas negras na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil podem ser vistos como modalidades de luta cultural que se dão através de compromissos críticos com a cultura branca dominante. Tais modalidades e estratégias constroemse de maneira instável e contraditória, uma vez que a afirmação das diferenças dos grupos que se sentem excluídos frequentemente depende do inverso dessas, ou seja, da sua negação pelos setores dominantes."(GOMES, 2008:155)

Desta maneira, são constituídas a corporeidade e a estética negra, em uma relação dialógica com a cultura dominante, refutando o racismo e o preconceito e utilizando a apropriação cultural como meio de inserção e integração social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Negros e negras brasileiros têm em seus corpos atributos e repertórios linguísticos atrelados a sua condição sócio- histórica de inserção na sociedade. Negar esta condição seria o mesmo que invisibilizar o discurso proferido por estes corpos a cada momento em que seus 9

gestos, suas danças e sua beleza invadem os espaços sociais antes ocupados apenas por outros grupos sociais. A luta contra o racismo e a discriminação racial, se dá neste terreno contraditório da sociedade brasileira, onde as diferenças foram naturalizadas e as questões raciais foram decretadas como bem resolvidas pela famosa Democracia Racial. A corporeidade negra, luta em prol da diferenciação sim, pelo respeito à sua individualidade e pela sua fixação no cotidiano, modificando seus discursos, impregnando seus repertórios de representatividade. Assim as práticas discursivas dos corpos negros é aquela em que os discursos sobre o racismo e sobre o branquemento se fazem presentes em uma relação conflituosa e que acaba por sedimentar uma identidade coletiva onde os sujeitos, não essencializados, se apropriam de seus repertórios e utilizam-se deles como aportes e suportes para sua identidade pessoal.

10

REFERÊNCIAS: BHABHA, H.K. O local da Cultura. Belo horizonte: Editora UFMG, 1998. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 12 ed. 2006. HUCITEC. DAOLIO. J. Da cultura do corpo. 2.ed. Campinas, SP, Papirus, 1994. FANON, F. Pele Negra, Máscaras brancas. Salvador: UFBA, 2008. p. 103 - 126. FOUCAULT, M. O corpo Utópico. Trad. Cepat. Página/12 (Buenos Aires), 29/10/2010 (1966). Disponível em: GOMES, N.L. Sem perder a raiz: Cabelo e corpo como símbolos da identidade negra. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. HALL, S. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. _______. Raça, o significante flutuante. Revista Z Cultural (PACC-UFRJ), Ano VIII, N.2, 2013.

Disponível

em: LE BRETON, D. A Sociologia do corpo. 6ª ed; Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 2012. MATTOS, I.G. Estética Afirmativa: Corpo negro e Educação Física. Salvador: EDUNEB, 2009. PAIM, M.C; STREY, M.N. Corpos em metamorfose: um breve olhar sobre os corpos na história; e novas configurações de corpos na atualidade. EF Deportes, Revista Digital, Buenos

Aires,

Ano

10,

n.

79,

2004.

Disponível

em

<

http://www.efdeportes.com/efd79/corpos.htm> POSSENTI, S. Análise do Discurso: Um caso de múltiplas rupturas. In: MUSSALIN, F., BENTES, A.C.(ORG). Introdução à Linguística: Fundamentos Epistemológicos. São Paulo: Editora Cortez, p. 353-392, 2004. QUEIROZ, R. S.(org). O corpo do brasileiro. São Paulo: Editora SENAC, 2000. RODRIGUES, J. C. Tabu do Corpo. 7 ed. rev. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006. 11

SANT'ANNA, D. B (org). Políticas do corpo. 2 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. SCHWARCZ, L.M. Nem preto, nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. 1.ed - São Paulo; Claro Enigma, 2012. SOARES, C. L. Educação Física: raízes europeias e Brasil. 5 ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. SOUZA, P.P. Ensaiando a corporeidade: corpo e espaço como fundamentos da identidade. GEOGRAFARES, nº 7, 2009, p. 35-50. SKIDMORE, T. E. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870 - 1930) 1ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2012. SPINK, M. J.(orgs). Práticas discursivas e produções de sentido no cotidiano: Aproximações teóricas e metodológicas. 1.ed. – Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2013 (publicação virtual).

12

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.