Corpos perfeitos, insatisfação constante.

June 15, 2017 | Autor: Clarissa Magalhães | Categoria: Food and Nutrition, Human Nutrition and Dietetics
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro Biomédico
Instituto de Nutrição
Programa de Pós-Graduação Alimentação, Nutrição e Saúde
Disciplina: Ciência, gênero e ciência: nexos entre educação e saúde
1º semestre de 2015
Aluna: Clarissa Magalhães




Corpos perfeitos, insatisfação constante.

O Excesso de preocupação com a alimentação especialmente em mulheres jovens vem ganhando destaque nas mídias, sendo valorizado e aclamado por nossa sociedade. Ao mesmo tempo as pessoas fazem verdadeiras orgias alimentares em datas festivas enquanto no dia-a-dia se privam dos prazeres a mesa. Chocolate, fritura apenas nos finais de semana são associados a prêmios por bom comportamento. Falas como "malhei muito hoje, eu mereço esse pedaço de torta" são ditas constantemente por diversas faixas etárias, mais especificamente por mulheres.
Em contrapartida muitas pessoas, pela força da mídia ou de amigos e familiares comem em excesso alimentos que não gostam só por serem associados a uma boa saúde. A cada dia, mais soluções em forma de alimentos ou em pó(leia-se whey protein) nos são apresentadas. Essa consciência alimentar que faz as pessoas quererem comer melhor, analisar rótulos antes de comprar os alimentos parece ser algo saudável, porém não é. A angústia de não corresponder a esses padrões de beleza causa uma insatisfação constante. Algumas vezes sem qualquer embasamento podemos ler em blogs ou revistas pessoas que se consideram formadoras de opinião em um lugar de autoridade já que determinam o que devemos comer para chegar ao sucesso. O corpo magro é construído a partir de privações, cirurgias estéticas e imposições de discurso sobre uma vida saudável.
Um olhar reducionista sobre a comida faz com que o consumo de alimentos saudáveis por vezes não ajude a atingir a tal meta. Não é somente o que se come, mas como e onde se come que fazem o resultado. Um bom exemplo é o que ocorre na França e na Itália. O chamado paradoxo francês é o curioso dado: uma população com vida sedentária, fumante e que consome uma grande quantidade de gordura, mas com baixa incidência de doenças cardiovasculares. As explicações são diversas, desde clima até alto consumo de vinho.
Só que esse processo de globalização e padronização da beleza, pouco é questionado, vivemos mergulhados em um "ideal de beleza magra", que carrega significados simbólicos, tais como "sucesso", "felicidade" e "poder". Ao abrir jornais e revistas vemos corpos "perfeitos", ao ir em lojas encontramos redução da modelagem das roupas que nos obriga a encaixar. Ao buscarmos uma identificação com um modelo padronizado e, geralmente, inatingível de beleza, afastamo-nos de nossa própria identidade, que mesmo sendo esquecida precisa ser respeitada e valorizada.
Historicamente, a partir do século XX o excesso de peso passou a ser visto como falta de saúde e estar dentro "dos padrões" passou a ser considerado como beleza. A gordura se transformou em inimigo número um da elegância e da felicidade. As medidas corporais tornam-se uma marca de beleza e os concursos de beleza popularizam esse novo padrão estético. (FERREIRA.2010). Ao perguntarmos a pessoas nascidas na década de 50 o que seus pais preparavam para jantar, alimentos como gordura de porco apareciam naturalmente nos cardápios assim como pratos de origem daquela família. Hoje, além de ser considerado um crime nutricional o uso de gordura saturada, as pessoas tendem a comer cada vez mais dentro dos padrões ditos saudáveis. Sem respeitar as origens e muitas vezes nem o gosto individual.
Um dos caminhos usados para se atingir as metas é de se restringir o que se come. Uma das consequências dessa restrição é a perda da sociabilidade. O preparar do alimento para se tornar comida é raro, e partilha-lo é mais comum em redes sociais do que a mesa. Deixa-se de escolher a comida pelo sabor e contexto para escolher a partir de números- calorias, gorduras, proteínas etc. Elas são processadas mesmo que ditas saudáveis e são criadas para atender este novo público. As embalagens são bonitas, e dão destaque para as propriedades daquilo que se vende. Frases como "carboidrato e gordura zero" estampam esses produtos. Eles geram uma demanda a partir da idealização de suas propriedades(KRAEMER,2014) A publicidade apela para "pessoas formadoras de opinião" que ajudam na divulgação e reforço desse discurso. Frequentemente encontramos artistas magros, bem-sucedidos e belos nessas mídias mostrando qual o a meta a ser atingida. Só que esse padrão não é para qualquer um.
O discurso se constitui a partir de reformulações, exclusões, transformações ou interditos, pois, assim como as palavras, o discurso não pode circular livremente, sem compromissos. (FERREIRA, 2006) Um autor que nos ajuda a compreender a naturalização dessa nova ordem é Michel Foucault. Este filósofo francês do século XX traz discussões sobre diversas áreas do saber. Ele constrói sua linha de pensamento em torno de três conceitos: o poder, o saber e o cuidado de si. Isso ajuda a compreender de uma maneira mais crítica a diversidade dos problemas do homem contemporâneo. Não existe sujeito sem meio social e ele é construído a partir da produção que se dá no eixo entre esses conceitos. Para Foucault a disciplina faz parte deste contexto, ou seja, cada um faz aquilo que pode e não o que quer, faz aquilo que cabe a cada individuo perante a sociedade.
Kraemer(2014) baseada em Foucault, complementa com a comida sendo medicalizada:
O alimento ocupa outros papéis no jogo social, e os sentidos criados a partir da alimentação saudável também participam das estratégias de biopoder ao colocar o alimento como uma etapa da construção do corpo perfeito. O discurso da Medicina estética invade o campo da saúde e transforma beleza, magreza e juventude em sintomas de saúde. Nesse contexto, só é saudável quem tem essas características e se alimenta de forma pragmática e funcional para construir o corpo perfeito. A comida é medicalizada, e mesmo a comida do cotidiano é controlada, mensurada, com suas calorias contabilizadas, seus nutrientes ressaltados. O sentido principal do alimento passa a ser sua função e sua eficácia no processo de construção do corpo ideal. (KRAEMER, 2014, p. 1338).
O discurso que ordena a sociedade é sempre o discurso daquele que detém o saber. O sujeito é aquele que está sempre determinado pelas ideias emanadas pelos superiores, ou seja, pela classe dominante ideologicamente determinada pela sociedade. Ele questiona a maneira desse controle, que não se opera somente pela ideologia ou consciência, mas sim do corpo a corpo. Corpo este que é moldado pelos afazeres diários, dietas, influenciado pelos valores e hábitos alimentares, e não somente por questões fisiológicas.
Os discursos são justificados pelos saberes científicos tidos por verdadeiros, positivos e por isso são aceitos
A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras. Ela não trata o discurso como documento, como signo de alguma coisa, como elemento que deveria ser transparente, mas cuja opacidade importuna é preciso atravessar frequentemente para reencontrar, enfim, aí onde se mantém a parte, a profundidade do essencial; ela se dirige ao discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento. Não se trata de uma disciplina interpretativa: não busca um "outro" discurso mais oculto. Recusa-se a ser "alegórica". (FOUCAULT, 1969, p. 159).

Todas essas regulações vindo dessas falas publicitárias levam a práticas questionáveis. Se por um lado temos o discurso vindo dos meios de comunicação sendo impositivo para as pessoas serem magras e comer saudavelmente por outro temos uma população infeliz por não seguir esses padrões. A luta pela felicidade está associada apenas ao corpo magro e como se nutre e o preço a ser pago muito alto. A beleza mudou de padrão, mas não necessariamente houve uma evolução positiva. Precisamos estar atentos para não ficarmos reféns de tantas imposições.


BIBLIOGRAFIA

FERREIRA, Francisco Romão. Os sentidos do corpo: cirurgias estéticas, discurso médico e Saúde Pública. 2006. Tese de Doutorado.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1999.Foucault, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das Ciências Humanas. São Paulo: Martins Fontes,1966

KRAEMER, Fabiana Bom et al . O discurso sobre a alimentação saudável como estratégia de biopoder. Physis, Rio de Janeiro , v. 24, n. 4, p. 1337-1360, Dec. 2014.

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