Corpos Públicos [notas sobre a Prostituição Feminina na cidade do Funchal]

June 6, 2017 | Autor: Graça Alves | Categoria: História das Mulheres, Prostituição, MAdeira island, Historia Da Madeira, Funchal
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Centro de Estudos de História do Atlântico 2015

Corpo(s) Público(s) [notas sobre a prostituição (feminina) na cidade do Funchal] Being on the Street [considerations about (female) prostitution in the city of Funchal]

Graça Alves

Anuário do Centro de Estudos de História do Atlântico 2015, N.º 7 ISSN: 1647-3949 Funchal – Madeira

pp. 347 - 393

Região Autónoma da Madeira

Anuário do CEHA 2015, N.º 7

CORPO(S) PÚBLICO(S) [notas sobre a prostituição (feminina) na cidade do Funchal] BEING ON THE STREET [considerations about (female) Prostitution in the city of Funchal]

GRAÇA ALVES

Graça Maria Nóbrega Alves [[email protected]] nasceu no Funchal. É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas e é professora do Ensino Secundário, destacada no Centro de Estudos de História do Atlântico, onde tem desenvolvido projetos ligados à literatura e às histórias de vida – Memória das Gentes que fazem a História. É coautora da publicação Biblioteca Digital de Autores Insulares – Irene Lucília Andrade, 2011 e de Paisagens Literárias. (quadros da Madeira) 2012, CEHA. Tem artigos publicados nos Anuários do CEHA, nºs 3, 4, 5, 6. É autora de alguns trabalhos na área da literatura – contos e romance. Assina alguns textos de catálogos de pintura e fotografia e uma coluna num jornal da Região.

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RESUMO Porto de mar, cedo se tornou visível, no Funchal, a prática da prostituição, pelo que, desde o século XV, se encontram referências a “molheres publicas”, a meretrizes e a mancebias. Neste artigo, pretendemos disponibilizar a informação recolhida e abrir algumas pistas para o estudo desta realidade de sempre, não obstante focarmos o nosso olhar no período compreendido entre meados do século XIX e meados do século XX, altura em que “meretriz” aparecia como profissão e a prostituição era permitida em casas “toleradas”, autorizadas pelo Estado e sujeitas a inspeções sanitárias. Palavras-chave: Prostituição, Funchal, Casas Toleradas.

ABSTRACT Being a port of call, it was inevitable for Funchal to become a bustling center where prostitution grew side by side with the developing of the city.  In this paper, we wish to make a contribution in this field and in particular to a period from the middle of the 19th century to the middle of the 20th century, a time when prostitutes were recognized as an occupation and where establishments were authorized by authorities provided they were supervised by Health Services. Keywords: Funchal, Prostitution, Establishments

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A Abrir

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o longo do tempo, a prostituição foi um fenómeno quase sempre tratado no feminino, de uma forma intermitente, marcado por silêncios apenas interrompidos quando a moral ou o medo [das doenças, sobretudo] se sobrepunham: no fim do século XIX e no princípio do século XX, por exemplo, em que aparecem alguns trabalhos motivados pela consciência dos problemas de ordem física e moral que este “mal necessário” podia trazer à sociedade. As mulheres, ora eram toleradas, ora excomungadas, ora eram tratadas como devassas, ora como casos clínicos, ora eram vistas como escravas do vício – do seu e de outros - ora como vítimas dos diversos tipos de pobreza que pode revestir o ser humano e o ser social. Enfeitiçavam os homens. Eram feiticeiras, portanto, que se opunham [opõem] às fadas do lar, cujo prazer se situa(va), [apenas], no asseio da casa, no cuidado com o marido, na educação dos filhos. O que se segue pretende apenas olhar para estas mulheres e para a forma como elas foram tratadas pela sociedade e pela lei, com particular atenção entre meados do século XIX e os anos 60 do século XX, em que “meretriz” era uma profissão que aparecia nos documentos oficiais, estas mulheres habitavam em casas toleradas e tinham regulamentos claros que definiam a sua conduta social, dois dos quais transcrevemos e incluímos, como anexos. Este ensaio será uma viagem. Pela (i)moralidade. Pelos (pre)conceitos. Pelos documentos que escaparam ao esquecimento. 1

Do Funchal - Cidade - Porto «O porto do Funchal […] manteve diversos papéis ao longo de cinco séculos […] Movimento de colonos, povoadores, funcionários, militares, religiosos, técnicos, mercadores, prostitutas, políticos, escravos...» Alberto Vieira2

“Junto ao mar”, primeiro, dentro da cidade, depois, cedo se tornou visível a prática da prostituição, na cidade do Funchal, sobretudo à conta das embarcações de passagem que aportavam à baía, havendo registos de “molheres”, “mancebas” e “meretrizes”, desde o século XV. Por esse tempo, estariam contabilizadas cerca de 20 meretrizes no Funchal, sabendo-se que, em 1495, uma representação à Câmara solicitava que a mancebia «fosse tirada de junto do mar, porque os de fora saltavam com as mancebas, faziam arruído e se acolhiam aos batéis e a justiça não os prendia».3 Sabemos, ainda, que algumas casas que agasalhavam os escravos também 1

Arquivos da Polícia de Segurança Pública, da Câmara Municipal, do Governo Civil, do Tribunal da Comarca da Madeira, da Santa Casa de Misericórdia do Funchal e alguma imprensa regional. 2 VIEIRA, Alberto, «Do lugar, da cidade e do porto do Funchal», Anuário, n.º 5, 2013, CEHA, p. 36. 3 ARM, Vereações, l. 1301, fl. 78.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 funcionavam como antros de prostituição, ou lugares de jogo, ou desonestidades. Aliás, roubos, furtos, jogos ilícitos e prostituição fazem parte da vida que se organiza nas imediações do porto e do quotidiano dos escravos forros. Os homens bons do concelho preocupavam-se, efetivamente, com aquele que seria, naturalmente, um dos problemas da cidade, a avaliar pelas discussões, em sede de poder municipal: na vereação de 12 setembro de 1496, decide-se que «Martim Mendez de Vasconcelos ffaça mancebia em Valverde, na Rua Direita e que a dicta rrua sse tape da banda da rua e lhe faça as portas contra a rribeira e que ffaça as casas na dicta mancebia».4 No foral da capitania do Funchal, datado de 6 de agosto de 1515, também o rei D. Manuel estabelece, com clareza, que todo aquele que fosse apanhado «na mancebia com armas, assim de dia como de noite, perdesse as armas e pegasse de pena 500 reis, e que todo o homem casado que se provasse ter mancebia, «theuda e mantheuda», pagasse a quarentena de metade da fazenda que tivesse»5. A prostituição era, deste modo, assunto de debate, fazia parte dos documentos oficiais e era tida em conta, na hora dos impostos. Veja-se, por exemplo que, a propósito das estimativas das receitas para a construção da cerca do Funchal (1493), é determinado que «toda a molher de partido que for achada na ylha paguara trecentos reaes e pode valer por anno seys mil rs».6 Nas posturas da Câmara7, aprovadas em meados do século XVI (por volta de 1550), delimita-se os locais das “mancebias” que, em alguns documentos, parecem designar o lugar de residência ou de serviço das prostitutas. Essas eram as ruas “públicas”, muito frequentadas, sobretudo quando os marinheiros desembarcavam, muitos em escala no Funchal. Estariam, naturalmente, localizadas nas imediações do calhau, centrando a sua atividade perto dos clientes mais importantes e evitando o escândalo no resto da cidade. Os relatos dos estrangeiros que passaram na ilha dão conta de um grande número de prostitutas. Giulio Landi, ao descrever a Ilha da Madeira (1530), associa-lhe três pragas – ratos, pulgas e meretrizes, conotando a ilha com falta de higiene e desregramento de costumes: conta de uma velha cortesã ali existente e de relações escandalosas entre uma mulher branca e um escravo negro; o padre Biet considera que os mercadores e os burgueses da Madeira tinham o «vice de la chair»8, explicando, deste modo, a profusão de meretrizes na cidade do Funchal; Ovington (1689) há de escrever, um século mais tarde, sobre a excessiva licenciosidade dos portugueses na ilha, comentando o facto de uma mãe recusar a mão da sua filha a um jovem que se revelava casto e de costumes moderados e que nunca contraíra qualquer doença venérea, o que revelava, do seu ponto de vista, fraqueza física, única explicação para a sua inexperiência sexual.9 O universo social feminino desta época [não o será de outras, também?] distinguia as senhoras, das mulheres. Neste grupo, onde se integrarão, ao longo da História da Madeira, as criadas de servir, as camponesas, as bordadeiras, apenas para nomear algumas, estavam também as meretrizes, sempre condenadas pela moral e os bons costumes, não obstante se revelarem importantes para o equilíbrio da sexualidade masculina e serem procuradas por gente de todos os quadrantes da sociedade. Na correspondência do mercador Diogo Fernandes Branco (1649-1652), encontramos a referência a uma mulher «mui enfeitada e com suas plumas» que terá acenado, da sua janela, ao príncipe Roberto, que passava por uma rua do Funchal, acompanhado pelo governador, o que nos leva a crer que as ruas das meretrizes eram frequentadas por homens de todas as classes sociais, que procuravam também os seus serviços: o príncipe terá mandado dizer que «desejou muito servil-a e que por hir com gente não fizera sua obrigação e que desejava lhe desse ocazion para o servir».10 Sabe-se que, ao longo do século XVIII, com a cidade do Funchal cada vez mais aberta ao mundo, a prostituição aumenta. Há, então, algum cuidado na delimitação das ruas públicas, sempre muito concorridas, numa cidade muito frequentada por marinheiros. Não sendo exclusiva da cidade, era, porém, na baixa, que mais prostitutas se encontravam, sobretudo nas ruas «da área do calhau». 4 5 6 7 8 9 10

COSTA, Vereações, 1995, p. 540. SILVA e MENESES, 1984, Elucidário Madeirense, vol. III, p. 158. AHM, XVI, p. 287. ARM, Posturas, l. 1685, fls. 10-14. VERÍSSIMO, 2000, Relações de poder […], p. 82. VERÍSSIMO, 2000, Relações de poder […], p. 82. VIEIRA, Alberto, 1996, O público e o privado na História da Madeira, vol. I, p. 223.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Lugar de chegadas e de partidas, ao porto, chegavam meretrizes de outras paragens e partiam mulheres da ilha, ao encontro de outros lugares. Um alvará de setembro de 1726 mostra a preocupação do bispo relativamente à entrada de mulheres suspeitas, ordenando ao meirinho geral, escrivão de armas ou qualquer outro oficial que notificasse da resolução de não as deixar desembarcar, todos os capitães e proprietários de embarcações, sob pena de excomunhão e 50 cruzados. Por outro lado, temos notícia de que, no princípio do século XVII, eram organizados embarques de pequenos grupos de jovens órfãs para casarem no Brasil e, deste modo, povoarem o espaço.11 Sabemos de muitas que acabaram a prostituir-se. Não sabemos, contudo, se havia jovens madeirenses nestas condições. Sabemos, sim, que a coroa terá apoiado um recolhimento para apoiar estas donzelas, à chegada, evitando que a incerteza do futuro que as esperava as fizesse cair na indigência e na prostituição. O assunto “Brasil” volta a ser tratado no século XIX, num momento difícil, no meio de uma crise medonha, numa reunião da Junta Geral do Distrito, no dia 4 de maio de 1854, pela voz de António Gil Gomes que fala de uma «malfadada terra sem governo que lhe dê vida, onde se verificam scenas dolorosas e de amarguras por que tem passado os Madeirenses, que desconsolados gemem no seu drama de agonia desde a fatal epocha de 1852», apresentando algumas propostas no sentido da «salvação comum, […] a salvação d’esta bella porção do território portuguez, à qual estamos presos pelos vínculos mais sagrados […]».12 A primeira proposta, que é a que nos interessa, neste particular, é de caráter moral e reporta-se ao tráfico da escravatura branca, esse «trafico de sangue», em que o deputado acusa a «vergonha das vergonhas» da emigração ilegal e refere-se, especificamente, a mulheres e ao Brasil, nos termos seguintes: «[…] que trafica escandalosamente com as mulheres, convertidas em objectos comerciáveis, fazendo das cidades uns lupanares de abominável devassidão, como nos temos presenciado no nosso Funchal que deve ser limpo d’ esta praga, e como temos noticia de estar acontecendo no Brazil onde a beleza da mulher imigrante é posta em hasta pública, para fins de brutal sensualidade! ».13

Na verdade, e mesmo durante o século XX, sobretudo no princípio, a emigração clandestina foi um dos motores da prostituição de madeirenses, no Brasil. Uma monografia sobre gentes de Gaula que embarcaram para a terra prometida indica-nos casos de moças que, para pagar a passagem, se fizeram criadas de servir e sobreviveram, graças à prostituição exercida nas baiucas e pensões da cidade de Santos.14 Outros documentos, assim como notícias de jornal, dão conta de casos como estes, em terras de acolhimento de emigração. É o caso de uma nota publicada no Diário de Notícias de 30-07-1889, referente à colónia portuguesa das Ilhas Sandwich, em que se transcreve o Luso Hawaiano, jornal que se publica em Honolulu que apresenta a decadência moral da comunidade, a perda de todas as noções de moralidade e o lançamento na prostituição das filhas, pelos pais. Na ilha, ao longo do tempo, continua a ser à volta do porto, que a prostituição se opera, com maior relevância, sobretudo nas alturas de crise económica. Dizia-se que, na Madeira, havia gente a morrer de fome, havia crianças nas ruas: «Acossados pela necessidade e difficuldade da existência, os proletários impelem os filhos para a rua muito antes que estes estejam preparados para o conflicto da vida; e o resultado é a vagabundagem, a mendicidade e a prostituição em uma proporção assombrosa e deplorável.» – pode ler-se no Diário de Notícias de 17 de agosto de 1889, sob o título “Protecção e Educação ás creanças”, tema desenvolvido na rubrica, “Assumptos geraes”. Num conto de 2007, cuja ação se situa na segunda metade do século XIX, Os Colonos15, há referências a estas «mulheres desenganadas, frágeis, sem ilusões nem amor-próprio, que ele [Anjo, o protagonista] empregava na única coisa que dava certo no porto do Funchal: a prostituição». Em 1847, muitos mendigos da cidade são recolhidos, à força, num armazém da Fazenda Nacional, sito à 11 COSME, 2006, «Nótulas sobre a presença feminina na colonização brasileira», Islenha n.º 39, pp. 113-122. 12 ARM, Governo Civil, l. 269, fls. 98 – 101 vº. 13 ARM, Governo Civil, l. 269, fls. 98 – 101 vº. 14 FREITAS, 2000, Gaula, a Terra e as Gentes, p. 248. 15 http://www.esferadocaos.pt/pt/docs/WEBSITEPDFCOLONOS07003.pdf : TRABULO, António, Os Colonos, 2007.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Rua dos Medinas, para onde também tinham sido afastadas as prostitutas, por ordem emanada pela Câmara, em 1838. Sabe-se, porém, dos poucos resultados deste afastamento, na medida em que há informação de que elas continuam a escandalizar as boas famílias, nomeadamente no Teatro, que estavam proibidas de frequentar. O século XX traz diversos momentos de crise, alguns dos quais referidos por autores que passaram pela ilha. Nos anos 40, em plena guerra, Marmelo e Silva comentava: «a Madeira jaz ainda na fase da escravatura, retida pelo colonialismo inglês, com as inevitáveis consequências de fome, roubo, prostituição e suicídio».16 Em 1953, Assis Esperança no romance, Trinta Dinheiros, parte do qual se passa na Madeira, escreve sobre o pós-guerra, sobre a crise dos bordados que tornava ainda mais pobres os pobres da ilha: De cambulhada, prostitutas já sem fregueses ou a angariarem-nos para outras mulheres, bordadeiras semi-cegas, gente que vive em tocas, que escavou o buraco que habita, como para se sepultar17 ou ainda, Muitas passavam fome e outras iam para criadas, para a cidade, mas não tardavam a desgraçar-se. O ponto era serem bonitinhas…18 O Funchal era, para muitas mulheres, o lugar da desgraça. Ou da utopia. Vinham à procura de salvação. Raramente se salvavam. O movimento à volta do mar trazia o sonho da possibilidade do futuro, mas trazia também a perdição.

Dos (Pre)Conceitos e Pecados O conceito de prostituição – e, consequentemente a forma como é abordado – não foi sempre o mesmo, ao longo dos séculos, desde a antiguidade. A mulher prostituta foi considerada sagrada, delinquente, débil, viciosa, vítima. Na sociedade – a funchalense não é exceção – a forma de olhar para este grupo social foi, também, sendo alterada, conforme as [muitas vezes aparentes] moralidades. A Igreja católica teve, neste, como noutros aspetos, uma grande influência, seguindo, muitas vezes, à letra, as palavras de S. Paulo, na sua Epístola aos Gálatas (5,19-21): «Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes. Eu os advirto, como antes já os adverti: Aqueles que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus».

As mulheres que se dedicassem à prostituição incorriam, assim, num pecado de tal modo grave que o sacramento da confissão não absolvia. A devassidão conduzia à excomunhão, conforme o texto das Constituições Sinodais do Bispado do Funchal de 1578, que preconizava três admoestações para as mulheres que publicamente viviam mal. Se não se emendassem, a pena podia ir até ao desterro. «ainda que as molheres publicas por seus maos costumes, e impenitentes coraçoes se não ajão de absolver, são todavia obrigadas pelo dito tempo da Coresma a confessar inteiramente todos seus peccados, dos quaes os confessores as ouvirão, declarandoles que não vão absoltas, e admoestandoas que se apartem do estado de condenação em que estão, e se convertam ao Senhor e não cumprindo assi, encorrerão nas ditas penas postas aos não confessados».19

Rui Carita (1999)20 cita uma ordem de D. Frei Manuel Coutinho, datada de 1725, em que todo aquele que «se entregava ao vício», muitas vezes pela miséria fosse obrigado a pagar «1050$000 reis de condenação, cada uma pelo seu trato». Explica o autor que estamos perante «um alargado trato, envolvendo os estratos mais desfavorecidos da população», que abrangia mulheres que não as habituais meretrizes, as amas dos expostos pela sua pobreza, dando-nos, ainda, a informação da existência de prostituição feminina e masculina praticada por escravos – «pretos e pretas cativos que andam pela rua» – Ora, para pagar tal condenação, «era-lhes forçoso 16 Citado por NEPOMUCENO, 2014, A Madeira na obra de escritores portugueses, p. 450. 17 ESPERANÇA, Assis, Trinta Dinheiros, Guimarães Editores, Lisboa, 1957, citado por NEPOMUCENO, 2014, A Madeira na obra de escritores portugueses, p. 197. 18 NEPOMUCENO, 2014, A Madeira na obra de escritores portugueses, p. 198. 19 Constituições Synodais do Bispado do Funchal, título 5, Const. 1. 20 CARITA, História da Madeira, Volume V, 1999, p. 249.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 fazerem mais ofensas a Deus, como muitas declararam no palácio episcopal ao escrivão da câmara»21 e é neste ponto que assenta a queixa da Câmara contra o prelado diocesano. Por outro lado, há a tentativa de restringir o seu espaço de manobra a certas ruas da cidade, evitando, desta forma, o escândalo e o mau exemplo. Nas vereações de novembro de 1725, era «determinado a todas as mulheres mundanas e públicas, que se achassem a morar no centro da cidade, pelo muito escândalo que dão a esta República» que se deslocassem para o Valverde, um quarteirão acima da Rua do Bom Jesus. Sabe-se, ainda de «furtos e desonestidades, num bequinho» existente entre o Beco do Forno e a Ribeira, denunciado, em 1707, pelo padre Manuel Rodrigues Faleiro, cura da Sé.22 Sabe-se, ainda, que, no Beco da Malta, «assistem as molheres publicas» e se praticam «actos torpes». Rui Carita refere, ainda, situações de ações que, nomeadamente ao longo do século XVIII, nos indicam como angariavam os clientes. Afirma o autor que uma das formas de se intrometerem com os passantes era cuspirem-lhes em cima, sobretudo quando aqueles não lhes prestavam a atenção desejada. Apresenta, como exemplo, o caso de Domingos Caetano Pereira de Melo (1776) que, à custa do processo que resultou do facto de ter ferido algumas mulheres, com a sua espada, teve de «se passar» para Lisboa e daí para Espanha. Para que pudesse regressar à Ilha, duas das queixosas, cujos nomes estão omissos, para que pelo nome não percam, se comprometeram a perdoar-lhe as ofensas corporais, mediante determinada quantia em dinheiro. De registar a expressão «que pelo nome não percam» usada para que os nomes não figurassem nos documentos oficiais, o que nos leva a colocar duas hipóteses: a vergonha e/ou a mancha de quem os escrevesse ou o facto de as ditas queixosas não serem identificadas como “meretrizes”, no caso de, eventualmente, pertencerem, aos olhos da sociedade, ao grupo das “senhoras”. Especulamos, portanto. Está ainda documentada a atitude paternalista do governador João António de Sá Pereira (1767-1777)23: em abril de 1770, pede ao vigário Bentos Gomes de Jardim a «diligencia de reduzir ao matrimónio», Isabel de Melim, natural do Porto Santo, mas a levar uma vida dissoluta no Funchal, adiantando, para o efeito, 40$000 reis. Igual procedimento tem relativamente a Josefa Joaquina Rosa de Almeida que «levava uma escandalosa vida e depravado procedimento», presa na cadeia do Funchal e transferida para Santana, «para sossego daqueles que lhe frequentam a comunicação», dadas as muitas visitas que recebia. De preços, pouco se sabe. No entanto, ainda no século XVIII, um documento de um processo do Tribunal Eclesiástico, dá-nos uma informação relativamente a um frade foragido das Canárias acusado de procurar os serviços de prostitutas, mencionando-se o montante de um tostão atirado à prostituta em pagamento dos serviços, enquanto, um pouco mais adiante, se refere o valor de cinco tostões prometidos a uma escrava, caso ela aceitasse manter relações com ele24. Segundo Cristina Trindade, estes dados permitem verificar que as quantias atribuídas ao pagamento do ato variavam substancialmente, de acordo com o estatuto da destinatária. Quererá também dizer que o estatuto de prostituta era ainda inferior ao de escrava? Não nos podemos esquecer do facto de as meretrizes estarem incluídas no grupo da “gente baixa”, junto com os vadios, os rufiões e os ciganos.25 Mais para o fim do século XVIII, a atitude da igreja madeirense parece alterar-se: D. José da Costa Torres, num Documento Avulso de 1796, propõe a angariação de fundos para construção de um recolhimento de prostitutas, um lugar onde «possão viver chistãmente fazendo penitencia de seus pecados, e occupandose em trabalho honesto. […], uma boa obra, muito meritória e agradável a Deos ».26 Este Bispo do Funchal (17841796) apela à rainha, no sentido de mandar retirar da Madeira o Corregedor António Rodrigues Veloso de Oliveira, sob vários pretextos, entre os quais, a sua falta de esforços para reprimir a prática da prostituição, na 21 «[…] as molheres damas expostas que por cauza de sua pobreza se entregam ao seu visio foram constrangidas por ordem do mesmo Illustrissimo prelado de pagarem mil e cincoenta reis de comdemnasam cada huma pelo seu trato, e para pagarem as ditas comdemnasoins [ ... ] era lhes forçozo fazerem mais offensas a Deus, como muitas o disseram no palasio episcopal ao escrivão da Câmara». (ARM, CMF, Livro 1346, fl. 63v, citado por TRINDADE, 2012, Plantar Nova Christandade […], p. 105). 22 CARITA, 1999, História da Madeira […], p. 249. 23 CARITA, 1999, História da Madeira […], p. 250. 24 TRINDADE, 2012, Plantar Nova Christandade […], p. 106. 25 VERÍSSIMO, 2000, Relações de poder […], p. 81. 26 TRINDADE, 1999, A Moral e o Pecado Público […], p. 203.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 cidade do Funchal. Nas devassas de 1794, 1795 e 1813, são acusados 18 crimes de prostituição, todos cometidos por mulheres, sendo um outro pecado contra o Sexto Mandamento, “não cometerás adultério”, a Mancebia, praticado por 143 mulheres e 152 homens. Um olhar sobre as denúncias constantes no Livro da Vizitação da Freguesia de Santa Maria Maior, em 1813, indica-nos o «grandíssimo numero de publicas e escandalosas prostitutas» existentes nesta cidade. A linguagem destas acusações encerra um vocabulário específico, de que destacamos expressões como: “theudas e mantheudas com publico e geral escândalo”; “trato eleito”, “amizade ilícita e escandaloza”, “trato ilícito de mancebia adulterina”; “anda amancebada com”, “ilicitamente amigado”. Nestas Devassas, são acusadas claramente «mulheres prostitutas publicas», uma residente no «citio da Roxinha» e «no Hospital Velho» que «admitem toda a qualidade de homens para mao fim»27. Em muitos testemunhos, aparece claramente a referência à observância da Lei: à de Deus e à dos homens, porque considerado pecado “publico e escandaloso”, ofendendo, portanto, a moral e os bons costumes. Um exemplo: He publico e constante, que não so na fregª de Santa Maria Maior, mas em toda esta cidade ha muitos públicos refractarios dos Mandamentos da Lei de Deos, muita libertinagem, muita mancebia publica e escandaloza e muita falta de Relegiao28.

Nas Pastorais do Bispo Manuel Agostinho Barreto, prelado do Funchal entre 1877 e 1911, é clara a preocupação com este problema: nesta Carta Pastoral, critica-se o «vício que emmurchece a flor da vida, arrancando a pudicícia da alma e o verniz das faces» e se afirma serem poucos aqueles que «estigmatizam a escandalosa e publica prostituição, os fundos golpes dados na moral dos esposos e dos filhos, a purulenta relaxação dos costumes»29. Ao longo do século XIX e, arriscávamos a dizer, também do século XX, acreditava-se, mais ao menos caladamente, que a manutenção da ordem e da moral da família dependia, em grande parte, da prostituição. É importante referir o quão ténue é a linha que separa o condenável do tolerável, sobretudo porque muitas práticas, onde se inclui a prostituição, eram apenas condenadas quando ganhavam visibilidade. A tolerância social e a própria igreja - cujo papel era extremamente importante na sociedade – acabavam por “fechar os olhos” para um “pecado” considerado “necessário” para a sociedade patriarcal e para o ideal de família. Estas mulheres eram necessárias para manter o equilíbrio dentro das casas, retirando à mulher - esposa - mãe outras funções que não procriar e cuidar da casa e dos filhos. No entanto, desejava-se a invisibilidade desta situação, havendo, por isso, que disciplinar a prática, limitar a sua movimentação nas ruas da cidade, controlá-las. As meretrizes foram, então, obrigadas a matricular-se, cabendo ao Estado identificá-las, quantificá-las, disciplinar os seus modos, zelar pela sua inspeção sanitária, com o fim essencial de evitar a propagação das doenças venéreas. A verdade é que a Prostituição foi marcada por silêncios que se quebram, apenas, quando há ameaças. Aconteceu assim na transição do século XIX para o século XX, com a sífilis a pôr em causa a saúde pública, a entrar nas casas “honestas” e a marcar, com o sinal da prevaricação, as famílias “sérias”.

Das Toleradas Quem são? Que caminhos de vida levaram estas mulheres a serem “públicas”? Entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, uma série de adjetivos acompanhavam estas mulheres. Elas eram vagabundas, provocadoras, devassas, viciosas. A prostituição é, então, considerada uma questão (quase) fisiológica, apoiada na teoria de Inácio Santos 27 ARM, APF, 1813, Livro de Vizitação da Freguesia de Santa Maria Maior, n.º 98. 28 ARM, APF, 1813, Livro de Vizitação da Freguesia de Santa Maria Maior, n.º 99. 29 BARRETO, Pastorais, p. 558.

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Abertura do livro Matrícula das Meretrizes. Fonte: ARM, PSP, Matricula das Meretrizes.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Cruz (1841)30, a quem o Conselho de Saúde Pública31 solicitou um estudo sobre a sífilis. Procurou, nas prostitutas, traços fisiológicos e individuais que as distinguissem das outras, ditas “honestas”, concluindo que estas mulheres entravam na prostituição por causas gerais – sexualidade desordenada, sedução, engano, vaidade, cobiça – e específicas – a miséria, a pobreza, o abandono familiar. Tovar de Lemos tentou, depois, perceber o ponto de vista de Inácio Santos Cruz. Certo de que «naquelas mulheres deveria existir um desvio da mulher normal, uma cerebração diferente e que a deveríamos considerar como um tipo degenerado»32, procurou traços que predispusessem para a prostituição. Concluiu que, fisiologicamente, as prostitutas não diferiam das outras mulheres, preocupando-o apenas o facto de a sua infertilidade ser superior, explicando-o com causas como o alcoolismo, a tuberculose, a vida que levavam33, donde se conclui a presunção de causas de ordem médica, biológica, fisiológica e, mesmo patológica. Eram consideradas mulheres sem vontade, preguiçosas, incapazes de desempenharem outras funções. A partir dos anos 40, o entendimento é outro e, por entre as causas apontadas, estão fatores sociais, económicos e sociais. Na Madeira, também. Precárias condições de vida, sobretudo no campo, trazem muitas raparigas para a cidade, na ilusão de uma vida melhor, de um casamento feliz, de um emprego menos duro. Vinham servir para casa de senhores ou – já no século XX - para os bordados. Vinham fugidas da vergonha de um “mau passo” ou de violações, muitas vezes ocorridas dentro das casas, ou à procura do sonho de encontrar alguém que as protegesse, que lhes pusesse casa, que cuidasse delas. A cidade, porém, (e aqui sabemos que o Funchal não é exceção) não foi (e não é) capaz de resolver todos problemas - é o desemprego, são os salários baixos, é o engano: «Muitas vezes, as mulheres passam das casas onde têm servido como creadas, costureiras ou operarias a agencias que disfarçam os seus serviços com pretextos honestos […] Uma vez aqui é facil suppor como são levadas às casas de tolerância, depois de fazerem escala na prostituição clandestina».34

Não é possível contabilizar corretamente o número de prostitutas da cidade do Funchal. Se, por um lado, não há registos de todos os anos em que elas foram “toleradas”, por outro, sabemos que muitas não estariam inscritas, não se sujeitavam à inspeção sanitária – e que, como em todo o país, havia clandestinas. Às vezes, estas eram denunciadas ou apanhadas pela Polícia dos costumes e obrigadas a matricular-se, tendo em conta o risco que representavam. Veja-se, por exemplo, o caso da Observação que acompanha a matrícula n.º 410, do Livro 2 das Meretrizes35: «Aos dez dias do mês de setembro de mil novecentos e trinta, no Comissariado da Polícia Cívica do Distrito do Funchal, perante o Exmº Comissário Tenente Avelino Aguiar Câmara, foi, por este meio, ordenada a matrícula de ………36, solteira, de 23 anos, filha de ………, já falecido e de ……, natural da freguesia e concelho de Câmara de Lobos, em consequência de se ter provado com declarações de várias pessoas de que se entrega no Funchal à prostituição clandestina, que se torna perigoso á Saúde Pública, e tendo previamente sido examinada pelo Sub-Inspector de Saúde, foi considerada pouco limpa».

Conhecemos, portanto, uma parte da verdade. E foi com essa parte que trabalhamos. A oficial. A que os documentos que escaparam ao fogo nos deixam analisar. Se, por um lado, contamos com a falta de fontes de arquivo, contamos também com a total falta de referências ao universo insular, nos estudos sobre a prostituição em Portugal.

30 31 32 33

Vide https://archive.org/details/daprostituio00cruz . Criado, no Reino, por decreto publicado a 11 de janeiro de 1837 e promulgado pela Rainha D. Maria. LEMOS, 1908, A Prostituição. Estudo anthroplogico […], p. V. Vide, também, FONSECA, 1902, Da Prostituição em Portugal, p. 81: «Moralmente é um produto pathologico do meio que a perverte, adaptada a todas as condições e circumstancias, sem vontade que a reabilite». 34 FONSECA, 1902, Da Prostituição em Portugal, p. 52. 35 ARM, Polícia de Segurança Pública, Matrícula de Meretrizes, Lv. 40. 36 Omitimos os nomes, tentando, desta forma proteger os atores, eventualmente ainda vivos.

357

Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Quadro 1- Movimento Geral da Tolerância

Fonte: Fonseca, Angelo, Da Prostituição em Portugal, Porto, 1902, p. 48.

Este é um dos quadros da prostituição em Portugal. O distrito do Funchal não consta de nenhuma das 129 páginas deste estudo, que analisa, com pormenor, nos seus concelhos e nas suas freguesias. Procuramos, então, perceber quem são as mulheres cujos nomes constam dos três livros de matriculadas que escaparam à lei e não foram queimados com os outros. O mais antigo pertence ao fundo da Câmara Municipal do Funchal37 – município do arquipélago a que restringimos o nosso estudo. Quadro 2 - Registo das Prostitutas Matriculadas (1861-1879) Matriculadas 487

Madeirenses 471

Continentais 10

Estrangeiras 6 [5 com origem espanhola e 1 italiana – 31 anos, casada, de Génova]

Fonte: ARM, Fundo CMF, Registo de Prostitutas – 1861-1879.

Vários autores relacionam o aumento do número de meretrizes com os momentos mais dramáticos da História do Arquipélago: as primeiras décadas do século XVIII, quase todo o século XIX e os primeiros decénios do século XX. O livro não está completamente preenchido e reporta 487 mulheres inscritas, entre aquela data e 1879, pelo que não temos qualquer número anterior que nos permita fazer comparações ou, eventualmente, ousar tirar conclusões. Sabemos, contudo, que estes terão sido anos difíceis, com a crise do vinho38, as fomes, as diversas qualidades de pobreza, o que talvez se explique o elevado número de mulheres madeirenses 37 ARM, CMF, Registo de Prostitutas – 1861-1879. 38 «A conjuntura da primeira metade de oitocentos, demarcada pelos conflitos europeus, guerra de independência das colónias, associada aos fatores de origem botânica (oídio, em 1852 e filoxera, em 1872), conduziu ao paulatino apagamento da pujança económica do vinho. Como corolário disto, sucederam-se fomes, nos anos 40 e a sangria emigratória, as décadas de 50 e 80, para o continente americano», in VIEIRA, 2014, Nova História Económica da Madeira, p. 72.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 que enveredaram pelos caminhos da prostituição: das 487 matriculadas, apenas 10 são continentais e 6 são estrangeiras (5 vieram de Espanha e 1 de Génova). São, portanto, 471 mulheres, com idades compreendidas entre os 14 e os 40 anos, provenientes de todas as freguesias da ilha: Funchal (Sé, S. Pedro, Santa Maria Maior, Santo António, Monte), S. Vicente, Caniço, Porto Moniz, Boaventura, Calheta, Estreito da Calheta, Arco da Calheta, Santana, Fajã da Ovelha, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Madalena do Mar, não nos sendo possível estabelecer qualquer padrão – nem de proveniência, nem de idade. Da análise destas tabelas manuscritas constantes desse registo – muitas a lápis – se pode verificar da quantidade de mulheres que têm – na coluna das “observações” – anotações como “faleceu”, “tísica”, ou que emigraram – “embarcou” para Lisboa, para o Brasil, uma para a Jamaica e muitas para Demerara, o que parece provar, face ao laicismo do nosso olhar, da pobreza, da impossibilidade de sobrevivência, da necessidade de sair da ilha ou da obrigação de o fazer, face às exigências de um qualquer gigolô que as tem por conta. Muitas dessas mulheres e raparigas são “expostas” ou filhas de “pai incógnito”, podendo, eventualmente, indiciar que, no caso das últimas, a mãe seria (mera especulação) mãe solteira ou prostituta também, atendendo às características do meio e aos preconceitos da sociedade madeirense. Muitas destas mulheres não têm nome de família. Aparecem com os nomes próprios, apenas, tendo, em alguns casos, dentro de parênteses, a alcunha, como se esse “nome de guerra” fosse a sua verdadeira identificação39: Lord (18), Escuna (21), Ratada (22), Caicai (24), Macaca (40), Quarteleira (70), Cabeça de Vaca (73) Careca (76), Ramelica (135)40. Uma nota apenas – sem qualquer comentário – para o caráter pouco abonatório destes cognomes. Para além da necessidade de sobrevivência – um dos grandes mobiles da prostituição – às crises económicas costumam juntar-se outras, nomeadamente de ordem moral e social, bem patente pela quantidade de expostos nas Misericórdias e conventos e pelo engrossar das fileiras de mendigos que incomodam os estrangeiros41 pelas ruas da cidade. Há um interregno nas datas de inscrição destas mulheres. Não se encontra, no Arquivo, qualquer livro de matrículas entre 1879 e 1914, começando, no livro 1 (há dois disponíveis), com o número de inscrição 1. Entre 24 de janeiro de 1914 e 26 de janeiro de 1931, estão registadas como “Meretrizes”, 673 mulheres: Quadro 3 – Registo de Meretrizes (1914-1931) ANO

N.º DE MATRICULADAS

MADEIRENSES

1914

138

33

1915

56

7

1916

31

4

1917

17

11

1918

25

19

1919

44

23

1920

49

6

1921

41

2

1922

30

4

39 Os números são os de ordem da matrícula. 40 ARM, CMF, Registo de Prostitutas – 1861-1879. 41 «There is extreme distress amongst the humbler classes, and no provision whatever for the poor», HOUSTON, 1845, Texas and the Gulf of Mexico […], p. 61.

359

Anuário do CEHA 2015, N.º 7

1923

15

9

1924

29

3

1925

25

4

1926

33

8

1927

30

1

1928

24

2

1929

60

20

1930

24

3

1931

2

1

Fonte: ARM, Fundo PSP, Matricula das Meretrizes (24 de janeiro de 1914 a 26 de janeiro de 1931), 2 livros42.

Um olhar primeiro permite-nos verificar da diminuição de madeirenses inscritas, relativamente ao livro anteriormente observado. São 160 mulheres cuja proveniência, por concelhos, está assim distribuída: Quadro 4 – Origem das meretrizes madeirenses matriculadas (1914-1931)

Fonte: ARM, Fundo PSP, Matricula das Meretrizes (janeiro de 1914 a janeiro de 1931).

A maioria das mulheres madeirenses matriculadas é, claramente, natural do Funchal: S. Pedro (11), S. Martinho (10), Sé (10), Santo António (8), Santa Maria Maior (8) e Santa Luzia (8), Monte (3), S. Gonçalo (2) e S. Roque (2). Parece-nos, portanto, que, por este tempo, é na cidade que se colocam as maiores dificuldades. Note-se que os anos de 1917 e 1918 são aqueles em que há mais inscrições de madeirenses nesta vida. A guerra terá naturalmente influenciado estes números. No entanto, é clara a prevalência de meretrizes de fora da ilha. Dos Açores, estão inscritas, neste período, 34 mulheres. Da metrópole, vêm sobretudo dos grandes centros – Lisboa (148), Porto (55), Covilhã (20), Algarve (15), Coimbra (10). Um olhar mais detalhado sobre as suas naturalidades permite-nos concluir que vêm mais dos distritos do norte e do centro do que do Alentejo (5 de Beja, 1 de Évora, 1 de Sines), o que pode, eventualmente, demonstrar maiores dificuldades nas zonas norte e centro do país, nestes primeiros decénios do século XX ou outros circuitos escolhidos por estas mulheres, que não a Madeira. 42 O 2º livro não está completo. Não existem mais livros de matrículas, neste Fundo.

360

Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Parece-nos interessante referir o facto de, em muitos casos, no ato de inscrição, se apresentarem mulheres naturais dos mesmos lugares, no mesmo dia e a dar como residência as mesmas moradas. Viriam já contratadas para a mesma casa? O mesmo acontece relativamente às estrangeiras, sobretudo espanholas e francesas que são inscritas no mesmo dia, têm números de matrícula sequenciais e dizem habitar nas mesmas casas43. Virão a ser, muitas vezes, governantes, de acordo com observações constantes dos livros44 e têm, na generalidade, idades superiores às portuguesas. Um olhar sobre as fotografias que alguns livros [ainda] possuem, apesar de muitos retratos terem desaparecido, sido descolados ou cortados – situação para a qual não encontramos explicação – permitem-nos, também, perceber que se trata de mulheres com um outro tratamento e com uma forma de vestir mais cuidada e, quiçá, mais arrojada: decotes maiores, plumas e adereços diferentes das portuguesas. Temos, assim: Quadro 5 – Origem das Meretrizes Estrangeiras Matriculadas Proveniência Espanha França Brasil Itália Gibraltar Demerara Marrocos Ilhas Sandwich Buenos Aires

Matriculadas 43 19 3 2 1 1 1 1 1

Fonte: ARM, PSP, Matricula das Meretrizes, Livros n.º 38 e 39.

Registam-se, ainda, algumas matrículas – poucas - respeitantes a naturais do Ultramar (todas registadas em 1920): uma de Benguela, uma de Moçâmedes, uma de Luanda [que tem a indicação de “preta”] e uma de Lourenço Marques. Estas mulheres são maioritariamente solteiras, mais desprotegidas, não obstante termos encontrado, no conjunto das matriculadas, 23 casadas – duas das quais com o nome do marido («casadas com…») - 7 viúvas e 2 divorciadas. Num dos textos da matrícula, pode ler-se: «… (nome da mulher), casada com… (nome do marido), de 20 anos, natural da freguesia de Ponta do sol, declarou que, devidamente autorizada por seu marido, desejava matricular-se como meretriz»45.

Entendemos que, neste caso particular, como noutros, talvez, a conivência dos maridos poderá significar uma ligação (deles, também) ao mundo da prostituição. Estes livros de Meretrizes divergem do outro que referenciamos anteriormente. A cada página, corresponde a matrícula de uma mulher que segue a minuta seguinte: «Aos … dias do mês de … de…, neste comissariado de polícia, matriculou-se como meretriz…, natural de… filha de … e de… residente à …… n.º… Signaes Caracteristicos: estatura [alta, baixa, regular], cor dos olhos, nariz [forma], cabelo [cor], rosto [formato, cor: alva, macilenta, trigueira], beiços [grossos, finos]. [O texto 43 Veja-se, a título de exemplo, os números 106 e 107, espanholas que vêm morar na Rua dos Medinas ou os números 142 e 143, francesas, que apresentam para a Rua do Anadia, 19. 44 ARM, PSP, Matricula das Meretrizes, Livros n.º 38 e 39; ARM, PSP, Registo das Casas Toleradas, 1886-1937, Lvs. 41, 42, 42,44, 45, 46 e ARM, PSP, Registo de Alvarás de Casas Toleradas, Lv. 47. 45 ARM, PSP, Matricula das Meretrizes, Livro n.º 38, matrícula n.º 158.

361

Anuário do CEHA 2015, N.º 7 muda, ligeiramente, a partir de abril de 1918]: […] declarou que, por sua livre e espontânea vontade, desejava/ queria matricular-se como meretriz.46

Alguns destes registos trazem algumas observações que nos podem ajudar a identificar alguns traços da vida destas mulheres. São jovens pouco – ou nada - escolarizadas: nunca assinam as suas inscrições e, em alguns registos, sobretudo nas últimas páginas referentes a 1930 e 1931, aparece “analfabeta”, como observação (n.ºs 407 a 416). Parece-nos estranho que esta informação só tenha aparecido nas duas últimas páginas escritas dos livros. Não nos parece provável que as anteriores tivessem qualquer grau de escolarização, dando-nos a ideia de que aquela teria sido apenas preocupação daqueles anos ou sensibilidade do funcionário que as registara. Algumas – poucas – deixam a vida: duas foram “viver com a família” [n.ºs 40 (livro 38) e 24 (livro 39)]; duas (n.ºs 62 e 71) reformaram-se, com 34 e 35 anos, respetivamente; uma casou (n.º 158), tendo sido arrancada a sua fotografia da página de matrícula e constando um informe «(Vide termo n.º 268, l. º21)» que não pudemos verificar, na medida em que tal fonte não existe; uma “recolheu à vida honesta” (n.º 46). Algumas, com mais de 30 anos, passam para “criadas”. Há, porém, um caso paradigmático de uma rapariga de 18 anos, matriculada com o número 87, que tem a seguinte indicação: «Deixou a vida, foi para os bordados». Mesmo conhecendo os parcos rendimentos que este mister lhes permitirá auferir: Catorze, quinze, dezasseis horas trabalhavam em cada dia, porque só assim conseguiam agenciar duas ou três patacas. Nem na sua idade de oiro o mester apagara de todo a fome das que lhe davam a vida pois se lucros havia que se acumulassem em riqueza, não eram para quem produzia, mas para quem exportava47.

Porque os bordados eram, certamente, um lugar de salvação, um trabalho “honesto” que não as envergonharia, que não envergonharia os pais, mesmo que [cremos que acontecia em alguns casos] continuassem a prostituir-se, clandestinamente. Falamos de pobreza, portanto. De muita pobreza. Do facto de muitas destas raparigas / mulheres se prostituírem por falta de alternativa para sobreviver, na cidade. Um processo organizado na Polícia de Segurança Pública contra J. P., viúvo de 45 anos de idade, acusado, entre outros atos, por incitar as suas filhas, todas menores, Maria V, Maria B. e Maria O., residentes à Rua de Santa Maria, «a que se governem, registando-se como toleradas, deixando de lhes pagar o quarto que habitam, que se matriculassem e fossem governar a vida por meios desonestos e imorais»48 é exemplificativo deste tipo de situação, agravada pela falta de valores ou de um sentimento qualquer, cujo qualificativo não encontramos. Note-se que, neste caso concreto, o pai, embriagado, já tinha convidado a filha «para copular»49 . Um outro aspeto a ter em conta é a forma como os relacionamentos eram encarados, nomeadamente a sexualidade antes do casamento, associada a promessas de casamento ou à ilusão do “e foram felizes para sempre”. Encontramos um exemplo na literatura que, neste particular, se aproxima da vida: «Mas, porque o António prometera casar com ela, todas as noites, à hora do costume, Mafalda abria a porta cautelosamente, e curvejava a vista para o telheiro […]. Mafalda e António em um só corpo, são duas sombras inseparáveis. […] Após o episódio que decorrera no terreiro da casa do Garipo, toda a freguesia censurava o proceder de Mafalda. Por esse motivo, amachucada de vergonha, fugiu aos pais e foi para a cidade como criada da madrinha. Mas a madrinha morava em uma rua muito frequentada por magalas, […] Começou de namorar um soldado […] Mais tarde, encontrava-se com ele em uma hospedaria na Rua da Alfândega. Ali relacionou-se com desventurada loireira, amigada com um polícia, e por fim, a madrinha arredou-a de casa ai saber da sua vida desonesta. Foi então que, sem desgosto, transitou para o segundo andar de um prédio de má nota na Rua dos Medinas.»50

A 13 de fevereiro de 1908, o Diário de Notícias anuncia um crime de morte perpetrado contra Maria Vir46 ARM, PSP, Matricula das Meretrizes, Livros n.º 38 e 39. 47 CASTRO, 1977 (13ª ed.), Eternidade, p. 237. 48 Arquivo do Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, 1951, Autos de Corpo de Delito, n.º 225, distribuído à 3ª Secção do 2º Juízo, fl. 1. 49 Arquivo do Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, 1951, Autos de Corpo de Delito, n.º 225, distribuído à 3ª Secção do 2º Juízo, fl. 5. 50 GOUVEIA, 2008 (4ª edição), Canga, p. 77.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 gínia dos Passos, «mulher de faceis costumes, procurada na sua residência por mais de um homem». O teor da notícia lança algumas pistas sobre um dos motivos pelos quais algumas mulheres enveredavam pelo caminho da prostituição: o passo errado – geralmente com a consequência de uma gravidez inesperada, indesejada, impossível de assumir: «Dado o primeiro passo errado, a desgraçada não teve mão em si, deixando-se arrastar no caminho vicioso e desregrado que a levou á prostituição e á morte. Consta que terá tido um filho, “fructo dos amores ilícitos” da mísera, e que ella engeitou para a freguesia da Ribeira Brava».

Algumas mulheres, como Maria Virgínia, terão vindo fugidas de um “mau-passo”; outras, ainda, à procura do sonho de uma vida melhor: nas casas dos senhores, como criadas de servir, onde eram muitas vezes abusadas, onde engravidavam, donde eram despedidas e, envergonhadas, não voltavam a casa, o que não aconteceu com a personagem de Horácio Bento: «Vinha mudada. As feições eram outras. Notavam-se as rugas bem vincadas ao canto dos olhos e o carmim na comissura dos lábios parecia uma pinta de amora. […] Mafalda, com receio de que o pai não lhe falasse, não se aproximou e foi dizendo à mãe que não voltava para a cidade. Não se sujeitava mais a ser um farrapo na mão dos homens. Repugnava-lhe a vida que tinha levado, transportada nos desejos enganosos da luxúria. […] Agora, abominava o passado vivido no lupanar e havia de o esquecer […]».51

Falamos de vergonha: «Não foi matriculada por se ter arrependido na ocasião da matrícula», pode ler-se no n.º 120 do livro n.º 39.52 Falamos de tristeza, apresentada, na Canga, na personagem do Garipo, o pai da Mafalda, a rapariga que, desonrada, tinha saído de casa: «Remoía, na sua tristeza, o desgosto da perdição daquela filha».53 E da angústia dos pais que se dirigem à Polícia para anular os nomes das filhas: «No dia 1 de agosto de 1929 foi retirada da matrícula, à reclamação do pae e da mae, [nomes], indo viver com estes para o sítio dos…, no Caniço».54 Falamos do constrangimento das famílias, numa sociedade moralista, no ato de ir “reclamar” estas mulheres ou “retirá-las” da vida. «No dia 9 de agosto de 1929, compareceu na Secretaria do comissariado da Polícia, [nome], casado, morador em …, declarando que a meretriz n.º 376, [nome] é tia de sua mulher, e por isso toma a responsabilidade por ela, a partir desta data, levando-a para sua casa, comprometendo-se a apresental-a neste comissariado se por acaso continuar na vida anterior».55

E falamos de intimidade. Isto sem conseguirmos imaginar as condições em que eram feitas as observações médicas, quer nos dispensários, quer nos domicílios, sempre apresentadas, nos regulamentos como “inspeções” ou “revista”. Encontramos, então, informações variadas, de ordem geral: “boa”, “menstruada” (que aparece grafada de diversas formas, indiciando, a pouca escolarização de quem fazia o registo: “amostruada”, “mostruada”, “misturada”), “[muito] doente”, “cada vez pior”, “doente cama”, “doente de pele”, “doença / moléstia não venérea”, “vaginite”, “urethrite”, “(suspeita de) sarna”, “melhor”, “doença de parto” (repetida durante 3 inspeções), “sífilis”, “ulceração de carácter suspeito”, “com tinha”, “ doença de olhos”, “operada”, “em tratamento”, “mordida”. São mulheres em mobilidade: que vêm de fora, que permanecem no Funchal durante uns meses e que voltam a sair – para a metrópole, para os Açores, ou para as Canárias – sobretudo para Tenerife; outras, madeirenses, que tentam a sua sorte noutras paragens. Algumas embarcam clandestinamente para lugares onde ainda houvesse a possibilidade de sonhar, o Brasil, por exemplo. Outras vão por conta de algum estrangeiro que passou por aqui. No requerimento dos seus passaportes, na linha referente ao “estado civil”, está averbado: “solteira, meretriz”; ou como observação: «Meretriz. A requerente é muito pobre» (1891; destino: Brasil): «a requerente acha-se inscrita como meretriz com o n.º …, no Comissariado de Polícia Cívica do Funchal» (outubro de 1919; destino: Las Palmas).56 51 52 53 54 55 56

GOUVEIA, 2008 (4ª edição), Canga, p. 217. ARM, PSP, Matricula das Meretrizes, livro 39. GOUVEIA, 2008 (4ª edição), Canga, p. 217. ARM, PSP, Matricula das Meretrizes, livro 39, n.º 377. ARM, PSP, Matricula das Meretrizes, livro 39, n.º 376. http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/passaportes/.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 São mulheres que transitam de umas casas para outras, não sabemos se para uma vida melhor ou não. Num dos pouco estudos que conhecemos sobre a Prostituição em Portugal e que já referenciamos, a explicação é a seguinte: «São sollicitadas d’umas para outras casas, pelo proxenetismo que as contrata. Depois, são postas fóra da concorrencia e assim vao procurando casas mais baratas, descendo progressivamente d’ordem».57 São mulheres que fogem das casas onde estão inscritas58, por razões que [apenas] imaginamos e desaparecem sem deixar rasto. Os maus-tratos parecem ser, efetivamente, uma constante na sua vida. Nos Registos Cirúrgicos do Banco do Hospital da Santa Casa de Misericórdia do Funchal, “Meretriz” é apresentada como profissão: entre 1879 e 1884, deram entrada, nas Urgências, 12 mulheres [uma das quais tem também a observação de “vagabunda”], entre os 20 e os 35 anos, todas com ferimentos – no braço, na cabeça, nos braços. De registar que, em muitos casos, está escrita a hora da entrada das pacientes: onze da noite, três da manhã, uma da manhã, o que nos leva a considerar pouco provável que se trate de acidentes. O número aumenta nos anos 1884-1888.59 Há registo de 33 meretrizes: destas, 16 entram com doenças variadas (diarreia, febre tifoide, febre rosada, úlceras, metrorragia, angina, pleurisia, anemia, bronquite, embaraço gástrico, gânglios e abcessos) e 17 com ferimentos, hematomas, escoriações e membros quebrados ou deslocados. No dia 3 de abril de 1887, por exemplo, deu entrada, no Banco, uma meretriz, de 20 anos, com «ferimento por arma de fogo na parte posterior e superior da caixa torácica dirigida obliquamente de fora para dentro, debaixo para cima para o bordo interior da omoplata direita» ou, então, com «ferimento por instrumento cortante a nível da articulação rádio cúbito direito, com hemorragia», apresentado por outra, de 20 anos, também, no dia 29 de janeiro de 1888. Um outro registo diz respeito a um «ferimento contuso de 5 cm de extensão na cabeça», com a referência de que a meretriz, de 25 anos, havia dado entrada no dia 11 de março de 1888, às duas horas da manhã. Estes dados permitem-nos concluir de agressões, da violência exercida sobre estas mulheres, mesmo residentes com outras, em casas devidamente identificadas, tendo, algumas delas sido objeto de procedimento judicial: foi, por exemplo, levantado um auto de notícia e investigação60 contra Álvaro F., por alcunha, o Africano, solteiro, 21 anos, sapateiro, morador em S. Gonçalo, «por ter ofendido voluntaria e corporalmente, na rua do Ribeirinho de Baixo, 29, Ilda …, casada, meretriz, ali moradora, produzindo-lhe um ferimento, pelo que teve que receber curativo na Cruz Vermelha». Aliás, já no século XV, as Vereações da Câmara Municipal do Funchal aludem ao facto de, junto ao mar, no local onde a prostituição era mais evidente, terem acontecido mortes de homens. E há de sê-lo, até ao século XX, a comprovar por autos de queixa existentes no Arquivo do Tribunal da Comarca da Madeira: um cidadão embriagado envolve-se em desordens junto com meretrizes, na Rua Direita desta Cidade61; uma tolerada agride outra, «pensionista do chamado “Palácio de Cristal”, à rua dos Medinas, com uma pedra, à porta do Posto Médico, por ocasião da Inspecção Sanitária feita semanalmente às meretrizes e dentro do edifício onde está instalado o respectivo dispensário, na Rua Júlio da Silva Carvalho, atingindo-a na cabeça e causando-lhe ferimentos e inutilizando-lhe um casaco e um vestido».62 No Livro dos Curativos, apenas se reconhecem 4 mulheres como “toleradas”, 3 das quais com ferimentos na cabeça e na face. Falamos de doenças. As da fome e as venéreas. No livro da Nomenclatura das Moléstias (1878-1882), aparecem 8 casos de sífilis e 4 de blenorragias. No entanto, não nos foi possível identificar a profissão dos pacientes na lista dos problemas entrados no Hospital: encontramos algumas doenças femininas, de foro íntimo: vaginites, uretrites, ulcerações do colo do útero. Não encontramos mais nada, a partir desta data. “Meretriz” deixou de aparecer como indicação dos pacientes ou como profissão, o que significa que, do século XX, pouco se sabe relativamente a estas mulheres (e homens e crianças) e à sua saúde. Deixamos, 57 58 59 60 61 62

FONSECA,1902, Da Prostituição em Portugal, p. 79. ARM, PSP, Registo de Casas Toleradas, livro 421. ARM, Santa Casa da Misericórdia do Funchal, Registo Cirúrgico- Banco Hospital da Santa Casa, 1884-1888. Arquivo do Tribunal da Comarca da Madeira, Auto de Polícia Correcional, s/n, 1935. Arquivo do Tribunal da Comarca do Funchal Auto de Queixa, 1933. Arquivo do Tribunal da Comarca do Funchal, Auto de Polícia Correcional, 1935.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 aqui, porém, um outro registo, porque de vida, porque testemunho de uma realidade que, em momento algum, deixou de existir. No âmbito do Projeto Memórias das Gentes que fazem a História, ouvimos Lília Velosa, 78 anos, enfermeira aposentada. Nasceu na Madeira, no Beco do Socorro, Santa Maria Maior, um lugar de marítimos, perto do porto, frequentado por “mulheres de má fama”. Lembra-se de haver a cultura de que um homem que não frequentasse prostitutas, não era macho, expressão que já tínhamos encontrado em documentos do século XVII63: «Não é que não amassem as mulheres e os filhos… Era assim: procuravam nessas mulheres o que não pediam às suas». Lembra-se de haver umas casas, “uns cabarés” para onde eles iam à noite e onde gastavam tudo o que tinham ganho durante a semana. Lembra-se de ouvir falar nuns andares na Rua Direita e na Rua 31 de Janeiro onde não podia passar: «mulheres honestas não passavam nessas ruas». Lembra-se de não poder frequentar a Barreirinha aos sábados à tarde, porque aquelas mulheres iam para lá tomar o banho da semana e havia muitos homens. Nos anos 60, foi para Lisboa trabalhar no Hospital do Desterro, onde eram internadas prostitutas com sífilis e blenorragias, as doenças sexualmente transmissíveis, de que se falava, na altura. Das suas memórias, fazem parte as dores dessas mulheres, que, ao encontrar quem não as julgava, contavam da vida, das causas que as tinham levado a uma vida que «era tudo, menos fácil». Lília lembra-se de muitas que tinham sido abusadas pelo pai. «Na Madeira, também havia essa cultura de que os primeiros homens das filhas haviam de ser os pais. As mães sabiam, muitas vezes, mas esse drama ficava dentro das casas. Muitas dessas pequenas fugiam de casa, com vergonha ou com medo e, para sobreviver, prostituíam-se. Conheci, também, algumas casadas, que apanhavam dos maridos e que passavam a vida a fugir deles, de terra em terra, de homem em homem. Encontrei algumas madeirenses. Muita miséria. Muita hipocrisia. Muita tristeza».

Muitas vezes, era um polícia que as vinha trazer ao hospital, quando chegavam doentes ao posto ou quando havia denúncias. Vinham quase presas, para ser tratadas: «as pústulas eram queimadas com um lápis, davam-lhes um banho de permanganato, depois pincelavam-nas com genciana, uma tintura arroxeada… Quando ficavam boas, tinham alta». Telefonavam, então para o Governo Civil e vinha um polícia tomar nota. Lília sabia que, muitas vezes, era para eles que elas trabalhavam. Por isso, «as autoridades faziam vista grossa». Era uma espécie de troca de favores: elas pagavam-lhes para eles não as denunciarem. Vinte anos mais tarde e depois de ter passado por muitos serviços, Lília voltou a contactar com prostitutas e, agora, prostitutos também, no Hospital Curry Cabral. O problema já era outro, era a SIDA. Por entre dramas que acompanhou – de madeirenses, também – conta a de um rapaz de Câmara de Lobos, o Zé (nome fictício), que morreu às suas mãos. Tinha estado em Madrid, onde era protegido por militar de alta patente da Guardia Civil Española, a quem entregava o suficiente para pagar o colégio às filhas. Morreu na maior das misérias, amparado pela caridade das enfermeiras. Esteve dois meses metido no gelo, à espera de que alguém viesse reclamar o corpo. Ele e outros e outras como ele. As motivações que levavam estes jovens – os da ilha também – à prostituição era a miséria, o facto de pensarem que a vida podia melhorar. Quanto às mulheres que conheceu nestes anos 80, já não fugiam do estigma de “um mau passo”, ou de um casamento sem amor. Em muitos casos, prostituíam-se – e acredita que as coisas não mudaram muito, desde então – para dar aos filhos as coisas que nunca puderam ter. «Mas depois ficam velhas, já não rendem dinheiro e os filhos têm vergonha das mães e não se lembram de que, muitas vezes, é por causa deles que elas se meteram naquela vida. E morrem sós, na rua, sem ninguém». E conclui: «Não sei na Madeira… mas não deve ser muito diferente…» A verdade é que encontramos, nos livros das meretrizes, anotações a lápis que dão conta do fim destas mulheres: “Casa dos Pobres” ou “Asylo”, o que deverá significar a mesma coisa. Afinal, não nos parece que seja muito diferente, na Madeira. 63 Cf. nota 8.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 A pobreza é, então, outro dos aspetos que tem de ser tratado, quando refletimos sobre este assunto, a maior parte das vezes, como causa do exercício da prostituição. Conhecemo-la, através de várias fontes: no Ofício n.º 838 do Governo Civil, regista-se o requerimento de um subsídio para lactação do filho de uma meretriz «que deu conta do nascimento do seu filho, por termo n.º 85: a requerente é meretriz matriculada, pobre e sem pessoa que a proteja e não tendo leite com que amamente seu filho, como atesta o facultativo…» 64. E o que acontecia aos filhos das meretrizes? Engeitá-los-iam, como Virgínia dos Passos, a prostituta assassinada65? O Registo de Ofícios do Governo Civil, 1866 – 187166 contém alguns «mapas das mulheres solteiras ou viúvas, não recatadas, residentes neste Cº que appareceram gravidas e forão intimadas no mês de […] findo para darem contra do ventre». São mapas mensais, assinados pelo Administrador do Concelho (neste livro, António Leite Monteiro) e, em alguns casos67, trazem algumas informações complementares: “Meretriz, n.º…”, ou “ignora o nome do pai”68, dando razão ao não recato apresentado no título do mapa ou, simplesmente, protegendo o cliente que a teria engravidado. Na mesma fonte, a pp. 199, denuncia-se uma mulher grávida, «uma tal Casemira da Câmara (que por este apelido é provavelmente exposta), solteira, creada de servir cuja morada é Travessa João d’Olliveira (vulgo becco do collegio)», uma das zonas de meretrício. O que era feito destas crianças? Onde eram criadas, se se proibia a permanência de menores, nas casas de tolerância69 e as famílias, ou não existiam, ou não ofereciam condições para cuidar delas? Seguimos algumas pistas no rasto desses meninos, fructos dos amores ilícitos. E encontramos: eram entregues a amas a quem era concedido um subsídio, por deliberação da Câmara Municipal do Funchal70. Apresentamos dois exemplos, no sentido de ilustrar a nossa convicção: na sessão do dia 12 de maio de 1887, no Título “Deliberações”, são dados mil réis mensais, por dois anos, à ama geral dos expostos para criação da filha de uma meretriz de Câmara de Lobos ou, em sessão de 2 de julho de 1896, pode ler-se que a filha da meretriz Maria Lasly, nascida a 23 de junho de 1896 «foi dada a uma ama para creação», acontecendo o mesmo, em outras sessões, com outros filhos, de outras mulheres.71 Teria continuado assim, ao longo do século XX? Como se organizariam estas mulheres para criar os filhos? Não temos respostas. A memória conta-nos de prostitutas mais velhas que levavam à escola (da Sé, na Rua da Conceição), muitas crianças que lhe chamavam “madrinhas”… e da delicadeza com que tratavam as “senhoras professoras” que olhavam estes meninos da mesma forma que olhavam os outros.

Da(s) Lei(s) A questão sanitária é um dos aspetos que, desde o século XVI, preocupa as autoridades civis e religiosas [Hans Sloane, um estrangeiro que passou pela ilha nesse século, apresenta a sífilis como uma doença vulgar no arquipélago72]. A moral e os bons costumes, também. Daí a necessidade de legislar, na tentativa de controlar a prostituição, entendida sob dois parâmetros: um eixo de equilíbrio da sexualidade masculina e uma vergonha para a sociedade, num jogo de ser e parecer que atravessou os séculos.

ARM, Governo Civil, Ofícios (Registo de), 1866 – 1871, p. 200. Diário de Notícias da Madeira, 13 de fevereiro de 1908. ARM, Governo Civil, Ofícios (Registo de), 1866 – 1871, pp. 10, 183,186,190, 196. Nomeadamente e, a título de exemplo, ARM, Governo Civil, Ofícios (Registo de), 1866 – 1871, p. 186. ARM, Governo Civil, Ofícios (Registo de), 1866 – 1871, p. 190. […] ter em sua casa a companhia de filhos ou quaisquer menores de mais de dois anos - vide §10, do art. 2º do Regulamento Policial das Meretrizes da cidade do Funchal. 70 ARM, Câmara Municipal do Funchal, Livro de Vereações, n.ºs 1384, 1385, 1386, 1387, (MF 39 a 42), relativos aos anos de 1887-1890, 18941897, 1897-1900. 71 ARM, CMF, Livro de Vereações, n.º 1385. 72 VERÍSSIMO, 2000, Relações de poder, p. 82. 64 65 66 67 68 69

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Quadro 6 – Documentos Reguladores do Meretrício Data 1603 1760

1781 1836

1858 1865 1877 1930

1931

1944 1949 1962 1982 2013

Documento Conteúdo Ordenações Filipinas. Livro V. Tit. 32 As mulheres e as alcoviteiras “que fazem mal ao seu corpo” eram pu§6 nidas e condenadas a cobrir a cabeça com uma espécie de lenço ou de touca vermelha, as “polainas” e “enxaravias”. Edital de 25 de junho Cria a Intendência Geral da Polícia da Corte e do Reino, para onde são transferidos os poderes de fiscalização da prostituição que estavam a cargo dos Corregedores e Juízes. Pina Manique, Intendente Geral da Polícia, cria casas de correção para as prostitutas encontradas em locais não autorizados. Prescrição de Pina Manique que dará Registo e inspeção médica de todas as meretrizes. As mulheres doeninício aos Regulamentos tes eram presas e tratadas e as que causassem escândalo, expulsas. Novo Código Administrativo Artigos direcionados para o controlo policial das prostitutas: entre outros, o art.º 109, §6: «Cohibir a devassidão publica e o escândalo causado pela immoralidade e dissolução de custumes de Mulheres Prostitutas, inhibindo, em quanto o Governo não publica regulamentos, que ellas permaneçam junto de Templos, Passeios Publicos, Praças, Ruas Principaes, Estabelecimentos d’Instrucçao Publica, Recolhimentos, […]; e fazendo punir judicialmente aquellas que não se sujeitarem a esta regra, bem como as que por seus maos exemplos, vícios e torpezas se tornarem escandalosas e indignas de avisinharem com famílias honestas e recatadas». Regulamento Sanitário das meretri- Regulamenta a prostituição, no que respeita a matrículas, a licenças, a zes e Casas Toleradas da cidade de comportamentos, a revistas sanitárias, a casas toleradas. Lisboa Novo Regulamento em Lisboa Acrescenta multas e aspetos de controlo sanitário. Regulamento Sanitário das meretri- Reproduz, de uma forma geral, o regulamento de Lisboa e de outras zes e Casas Toleradas da cidade do cidades do Reino. Funchal Edital do Governo Civil de Lisboa, de Declara, no seu art.º 1, a extinção das «casas de toleradas e casas de 23 de abril passe», cessando, a partir desse momento, «a concessão de alvarás de licença», determinando que «será creada uma classe de estabelecimentos de permanência transitória denominados quartos mobilados», estabelecendo as suas condições de sanidade: «são proibidos quaisquer sinais exteriores pelos quais da visinhança ou da via pública, se possa inferir da existência da indústria prevista neste edital». Regulamento Policial das Meretrizes Revoga o Regulamento de 1877, sem ter em conta o Edital exarado da cidade do Funchal do Governo Civil de Lisboa, o que indicia alguma autonomia nos normativos do Governo Civil do Funchal: as casas toleradas continuam a ser contempladas. Regulamento Policial das Meretrizes Cópia do Regulamento de 1931, do Governo do Distrito Autónomo da cidade do Funchal do Funchal. Lei 2036, de 9 agosto Proíbe novas matrículas e a abertura de novas casas de toleradas e a legislação em vigor só se aplica às mulheres já inscritas. Decreto-lei n.º 44579 Proíbe o exercício da prostituição, manda encerrar as casas de tolerância e apreender os seus bens. Os livros e outros documentos deveriam ser queimados. Decreto-lei n.º 400/82 Despenaliza o ato da prostituição e criminaliza o lenocínio. Resolução da Assembleia Legislativa «Em conformidade com a Constituição da República Portuguesa e da Região Autónoma da Madeira n.º com o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Ma24/2013/M [Prostituição e abolição deira, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira deda escravatura do século XXI] libera: 1 - Afirmar a necessidade urgente de serem tomadas medidas efetivas de apoio às mulheres vítimas de prostituição e tráfico para efeitos de exploração sexual;

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 2 - Recomendar a criação de linhas SOS de atendimento permanente para vítimas de prostituição; 3 - Recomendar a criação de uma rede de centros de apoio e abrigo para mulheres vítimas de prostituição e tráfico, que prestem assistência psicológica, médica, social e jurídica; 4 - Recomendar a adoção urgente de estratégias específicas de integração social das mulheres vítimas de prostituição, nomeadamente através de programas de formação profissional de emprego que aumentem as suas oportunidades económicas e de autonomia social. 5 - Recomendar a realização de parcerias e o apoio a organizações não-governamentais de reconhecida experiência que apoiem as mulheres vítimas de prostituição»*. * JORAM, I Série, n.º 176, de 17/12/ 2013.

No início do século XX, regressa o discurso moralista e higienista de Oitocentos, para além do que os pagamentos de licenças, multas e inspeções sanitárias são mais uma contribuição para o erário público. Isto depois de, nos anos 20, alguns sectores político-sociais se erguerem contra aquilo que considerava a dissolução dos costumes, associando o jogo, a prostituição e o crime. Em 1949, uma lei sobre a propagação das doenças infecto-contagiosas (Lei n.º 2036, de 9 de agosto) veio impor restrições à prostituição, fechando as casas que podiam ser um perigo para saúde pública e proibindo a abertura de novas casas de meretrício, o que, sabemos, apenas veio contribuir para o aumento da prostituição clandestina que nunca deixou de existir, mesmo quando a prostituição era tolerada ou quando passou a ser criminalizada. No Arquivo do Tribunal da Comarca da Madeira – que foi uma das nossas fontes, sobretudo para os anos calados, aqueles em que não há documentos, aqueles em que a miséria humana foi, de um certo modo, escondida – encontramos denúncias: algumas veladas atrás de injúrias73, de ofensas corporais, outras mais específicas, com casos concretos que reúnem crimes de diversas tipologias. Um caso74: uma denúncia deu corpo a um processo organizado pela Secção de Fiscalização da PSP, por prostituição clandestina com uma menor de 14 anos, internada num Abrigo para jovens desprotegidas: os arguidos são quatro indivíduos - dois por terem mantido relações sexuais com a rapariga e dois por terem facilitado a prostituição clandestina nas suas residências com a dita menor. A suspeita foi confirmada por um cliente, trabalhador da construção civil, natural de Amarante, que afirmou pagar 40$00, por noite, à dona da pensão onde se encontrava com a menor, revelando, ainda, ter sido contagiado com uma doença venérea pela dita rapariga. A menor já havia sido internada no Hospital dos Marmeleiros e, à data da declaração, já se encontrava totalmente curada da doença, afirmando não saber o nome do indivíduo que a contaminara. A mãe da menor foi ouvida, confirmando as declarações e atribuindo culpas a um rapaz que lhe havia prometido casamento e que a teria deixado, o que se veio a comprovar, por declarações do mesmo, justificando o facto com a leviandade da rapariga e com o mau comportamento da mãe, insinuando que era prostituta. Provou-se, entretanto, que a menor havia sido estuprada75 por um indivíduo, “marítimo” que se encontrava preso por crime de violação. Os outros homens com quem a Maria (nome fictício) havia mantido relações sexuais, nomeadamente em casa de uma meretriz, foram condenados a 6 meses de prisão, por atentado ao pudor – art.º 391 do Código Penal. Entendemos este caso como exemplar, na medida em que nos levanta uma série de questões: a prostituição de menores em casas que se conhecia como “de meretrizes”, apesar dos regulamentos não o permitirem, o conhecimento que as mães das menores tinham de tal facto, sendo, elas próprias, muitas vezes, também prostitutas, as pensões e os quartos alugados para fins “desonestos”, sem se averiguar a identidade dos hóspedes, as 73 Arquivo Tribunal da Comarca da Madeira, Auto de Polícia Correcional, s/n, 1934. 74 Arquivo Tribunal da Comarca da Madeira, Autos de Processo-crime Ordinário - Querela - Processo nº 1.152/60. 75 Encontramos muitos processos por estupro e violação de menores. Temos motivos para acreditar que muitas destas jovens acabaram na prostituição.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 causas que, muitas vezes, existiam por detrás das escolhas feitas, as doenças venéreas que continuavam a fugir ao controlo das inspeções sanitárias… Parece-nos que a questão dos menores terá sempre merecido alguma atenção por parte das autoridades, mesmo quando apresentados sob outras formas. Uma denúncia de 17 de outubro de 1925 dá origem a um processo do Tribunal da Tutoria da Infância da Comarca do Funchal76 de um caso destes, em que, nos termos do §4º do art.º 4º do art.º 12º do Decreto n.º 10.767 de 15 de maio, se prova que a menor de 14 anos, «Antonieta C., filha de Sara C. moradora à rua Alferes Veiga Pestana, n.º …, frequenta a casa de passe de que é diretora, Filomena de F., 65 anos, viúva, sita à Rua Latino Coelho, n.º … desta cidade, levada por uma mulher, mais conhecida por “Barbuda”». A participação foi feita por uma concorrente, Amélia Augusta, que acusou Filomena de F, viúva, dona da casa de passe já referida, de consentir a entrada na mesma casa de menores de 16 anos. Por não saber escrever, Filomena não assinou as declarações, que foram assinadas pelas testemunhas presentes no auto. Uma outra indicação deste processo diz respeito à situação socioeconómica da “diretora”, na medida em que um documento do Regedor da Paróquia de Santa Maria Maior, António de Miranda, atesta a sua extrema pobreza, tendo ficado isenta de pagar a multa de 200 escudos a que tinha sido condenada. Um outro processo77 datado de 14 do mesmo mês parece ter desencadeado esta denúncia, porque, desta feita, a arguida é Amélia A., viúva, de 40 anos, diretora de uma “casa de passe” na Rua Direita, na cidade do Funchal, acusada de acolher, na sua casa, a mesma menor. Mais uma vez, as suas declarações foram assinadas por testemunhas, na medida em que Amélia A. também era analfabeta e, à semelhança da sua concorrente, um atestado do regedor da paróquia da Sé atesta da sua impossibilidade de pagar a multa a que fora condenada. Nos termos do art.º 7 do Regulamento das Meretrizes da Cidade do Funchal, foi apresentada ao Tribunal, uma menor, de 17 anos, solteira, natural do Caniçal, órfã de pai, analfabeta. Respondeu que «frequentava casas suspeitas, a fim de ter relações com homens para ganhar a sua vida, tendo sido aconselhada pelo juiz a procurar vida honesta e prometendo a mesma deixar de ser prostituta e ir viver para casa de sua mãe e que se voltasse ao exercício da prostituição seria julgada como desobediente e mandou que a mesma fosse posta em liberdade.»78 Não obstante estas proibições – e sem que encontremos justificações para tal facto – 24 raparigas foram inscritas como “meretrizes” apesar de serem menores de idade (de 17, 16 anos e uma com 14). A sociedade desse tempo – como a atual – tolera(va) estas mulheres perdidas, mas condena(va)-as, porque elas representa(va)m uma das manchas sociais e um perigo para as mulheres e as casas honestas. Ao perfil de mulher do Estado Novo estava, sobretudo, associado o papel de mãe; a Igreja Católica, em consonância com o poder político, ditava os valores que uma senhora deveria preservar – a pureza, a obediência, a abnegação [que incluía a do corpo e dos sentidos]. À mulher honesta, competia a educação dos filhos, o asseio do lar e uma conduta moral irrepreensível. Estes terão sido, do nosso ponto de vista, alguns dos aspetos que prepararam as medidas tendentes à proibição da prostituição que virá a ter lugar em 1962 – com entrada em vigor no dia 1 de janeiro do ano seguinte. A lei proíbe, então, a prática da prostituição, encerra as casas, confisca os bens e queima os registos79, configurando, com este gesto, por detrás da explicação de salvaguardar a intimidade dessas mulheres, uma forma de tentar apagar a sua atividade da História e do futuro. Mesmo enquanto “toleradas”, a sociedade sempre assumiu, perante elas, uma atitude de condenação ou de ignorância. Talvez seja esta a razão pela qual só se encontraram os livros de 1861-1879, da Câmara Municipal do Funchal e do Fundo da Polícia, respeitantes às matrículas efetuadas entre os anos de 1914 e 1931, não nos parecendo, porém, completos. Os bens aprendidos deveriam ser vendidos em hasta pública, pela Direcção-Geral da Assistência e o respetivo produto usado no Fundo de Socorro Social, com destino a estabelecimentos de 76 77 78 79

Arquivo do Tribunal da Comarca da Madeira, Processo da Tutoria de infância da Comarca do Funchal, s/n, 17 de outubro de 1925. Arquivo da Comarca da Madeira, Processo da Tutoria de infância, s/n, 14 de outubro de 1925. Arquivo da Comarca da Madeira, Corpo de Delito, 1934, registado sob o nº 10, fls 6 do Livro de porta. Art. 4.2. – «Os livros e quaisquer outros documentos respeitantes às matriculas […] permanecerão em poder das autoridades competentes, pelo mesmo prazo (até 1 de Janeiro de 1963) […] para o efeito de serem facultados elementos a quaisquer serviços do Estado que os solicitem […] ; art. 4.3. – Findo o prazo referido nos números precedentes, os livros, livretes, e demais documento referidos serão queimados, lavrando-se auto» (Decreto-lei 44 579).

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 prevenção e regeneração de raparigas e mulheres80. A razão invocada para tal determinação prende-se com três fatores: dar sequência ao estabelecido na base xv da Lei n.º 2036 de 5 de agosto de 1949, em que se encerrava algumas casas toleradas; seguir o exemplo de países como a França, a Bélgica, a Roménia, a Hungria, a Itália e a Espanha que já tinham abandonado o sistema regulador e, finalmente, o facto de os regulamentos não terem conseguido, na prática, o controlo das doenças venéreas. O último parágrafo deste preâmbulo abre-nos caminhos para outros debates: «Não se espera que as medidas preconizadas levem ao desaparecimento de prostitutas, pois as continuará a haver em Portugal, como, na prática, as há por todo o mundo, no momento presente. Mas, além do mais, dar-se-á o grande passo de proibir e de colocar sob a alçada da lei toda a complicada engrenagem que actualmente as explora, o que se afigura muito importante.»81

Tal como noutros países e no geral de Portugal, onde a atividade sexual das mulheres, antes do casamento, não era bem vista, sobretudo antes dos anos 70, era prática comum os rapazes, muitas vezes acompanhados pelo pai iniciarem a sua vida sexual com uma prostituta, «evitando que os jovens rapazes caíssem em fantasias e experiências homossexuais entendidas como perversas, viciosas e doentias», como explicou Isabel Freire82. Em 1968, um caso veio abalar a sociedade madeirense. Na Comarca do Funchal, corre um processo judicial contra Sandra, nome de guerra de uma costureira da cidade, acusada de aliciar menores para a prática da prostituição. De acordo com testemunhos da época, parece que o esquema utilizado era o seguinte: a Sandra, que teria, ao tempo, cerca de 24 anos, passeava no seu carro desportivo – um Karmann Ghia creme - estacionava perto das escolas ou de alguma rapariga que caminhasse sozinha, metia conversa com ela e convidava-a para dar um passeio. Deslumbradas, muitas aceitavam. Convidava-as, então, para lanchar ou para tomar chá em sua casa, levava-as a alguns cafés. Diz-se [e esta história é apenas um “dizia-se que…”, porque há reserva na consulta desse processo] que iam ao STOP, ao Pombo Mariola, às Minas Gerais, ao S. Pedro, cafés e restaurantes conhecidos, na época. Outras eram apresentadas no Lido, na altura do verão e, com a Sandra, criavam relações de confiança e de amizade. Conta-se que a Sandra lhes apresentava amigos seus, que se encontravam, “por acaso” nos locais que frequentavam. Conversavam, então, tomavam “refrescos”, passeavam e as raparigas - que eram novas - 16, 17 anos - acabavam seduzidas: eles tinham carros bons, prometiam-lhes futuros, empregos, felicidade, casamento, dinheiro e “tinham atitudes de namorados”; elas, encantadas, deixavam-se levar pelas ilusões. Uma vez na rede, nunca mais podiam sair. Dizia-se que a Sandra “drogava” as meninas com pastilhas elásticas, pelo que as mães avisavam que não se aceitasse nada de ninguém, nem boleias, mesmo se fosse de uma senhora bonita e simpática [memórias que este caso nos trouxe, também]. Consta que havia festas em algumas casas da Sandra ou de outras pessoas, em clubes dos quais a cidade falava; que as raparigas eram distribuídas aos homens que lhes davam dinheiro. Contou-nos uma testemunha, cujo nome prometemos calar, que ganhavam entre 100 e 500 escudos, para além daquilo que a Sandra ganharia. Consta – e são histórias de memórias contadas – que a Sandra e uma outra mulher da sua confiança [Marta, talvez?] se aproveitava da “vergonha” das raparigas que, de acordo com a moral da época, teriam dificuldade em casar, porque não virgens, ou das gravidezes na adolescência, ou da pobreza das menores que viam, neste esquema, um meio de arranjar algum dinheiro extra, algumas roupas novas, ou um noivo rico, na medida em que se conta que os clientes eram senhores e tinham bons carros. O que se tornou público foi que a Sandra foi presa e a rede desmontada. E o resto foi guardado no silêncio das coisas e das memórias que não devem ser lembradas. Depois de 1974, com a liberalização dos costumes, encontramos referências a Prostituição, em algumas ruas do Funchal, nomeadamente em prédios abandonados e devolutos: é o caso de uma denúncia feita no 80 Vide art.º 2 do Decreto-lei 44 579. 81 Ponto 4 do Decreto-lei 44 579. 82 FREIRE, 2013, «Intimidade Afetiva e Sexual no Estado Novo», p. 57.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Diário de Notícias de 7 de março de 1975, relativamente à Casa dos Esmeraldos «abandonada à incúria» e «à escória que a tomou de assalto», um lugar onde a prostituição se pratica às claras, com a agravante de ser um local muito fotografado por turistas, «porque se diz que ali morou Cristóvão Colombo» e, do mesmo ano, no Diário do dia 5 de outubro, sob o título «Rua do Sabão: prostituição ao ar livre!». O que esta notícia nos traz de novo é o facto de trazer (d)escrito o modo de angariar os clientes: «Frente à desembocadura da Rua dos Murças, no esqueleto dum prédio incendiado e seus anexos (sem tapume) recebem os seus clientes, angariados normalmente por menores (rapazitos) a quem oferecem uma comissão sobre a receita angariada». Por outro lado, descreve a falta de condições e higiene deste tipo de prostituição clandestina - «nos covis imundos de lixo desse prédio derrubado, fazem “o leito do amor” com palha e cartões de caixas que antes embalaram mercadorias que não o seu corpo». Era claro, portanto, que esta lei teria pouco efeito prático e, no novo Código Penal de 1983, foi parcialmente alterada. O artigo 6º do Decreto-Lei n.º 400/82 de 29 de agosto, que revoga o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 44580, faz desaparecer a criminalização das prostitutas. A prostituição individual feminina - a masculina só foi reconhecida muito mais tarde - era permitida, apesar de se proibir a sua exploração. Era possível acusar as prostitutas de ofensas à moral e decência públicas, o que raramente acontecia e o cumprimento da lei estava na mão das autoridades locais que, muitas vezes, fechavam os olhos às situações denunciadas. Ao longo do século XX, nomeadamente em 1995, 1998 e 2001, a lei foi alterada, de forma a abranger a prostituição infantil e o tráfico humano e se adaptar às novas realidades das sociedades. De acordo com a revisão de 2005 da legislação europeia, Portugal foi considerado abolicionista, no sentido em que não apresenta proibição ou regulamentação quer para a atividade particular, quer para a pública, apesar de existirem restrições alfandegárias controladas pela polícia: há zonas onde a atividade não pode ser exercida e restrições relativamente aos locais onde a prostituição pode ocorrer, não podendo nenhuma casa ser arrendada para negócio de prostituição, incorrendo os seus proprietários no crime de lenocínio (art.º 169º do Código Penal]. Em 2013, a Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 24/2013/M, publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, I Série, n.º 176, de 17 de dezembro de 2013, vem deliberar sobre a prostituição e a abolição da escravatura do século XXI, no seguimento do 63º aniversário da Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração de Outrem (1949). Num dos considerandos, afirma-se, com clareza, que «em Portugal, e, em especial, na Região Autónoma da Madeira, a prostituição é um fenómeno de dimensão nacional e transnacional que vitimiza, por forma dramática, muitas mulheres e crianças, havendo múltiplas redes de tráfico atuando no território nacional», sendo manifestamente reconhecido que as principais causas da prostituição são a pobreza e a discriminação social das mulheres e das crianças, mais vulneráveis, tendo-se, então, deliberado a tomada de medidas de apoio às prostitutas e às vítimas de tráfico para efeitos de exploração sexual, nomeadamente linhas de atendimento, criação de redes de apoio e abrigo; adoção de estratégias de integração social das vítimas de prostituição. O Código Penal Português prevê, ainda, uma outra manifestação da prostituição, o recurso à prostituição de menores (art.º 174.º), e pune todos aqueles que mantenham relações sexuais com menores, independentemente daquelas serem ou não consentidas. Considera-se que não existe um desenvolvimento do intelecto do menor suficiente para formular um juízo de tamanha importância. Ergue-se, deste modo, um meio de antecipar a proteção do prostituto menor. De salientar que, em momento algum, se alude ao facto de haver prostituição masculina.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Dos Regulamentos Policiais de Toleradas e Casas de Tolerância «A prostituição é hoje entre nós, como de resto na maior parte dos Estados, considerada um mal necessário.»83

Começa, assim «um estudo que pretende vêr do estado da tolerância e em geral da prostituição do paiz», apesar de não contemplar aos arquipélagos da Madeira e dos Açores que, eventualmente, poderão fazer parte de uma referência às “colonias” que «dão approximadamente 9 toleradas».84 É um “mal” que se tornava imperioso controlar, sobretudo no sentido de evitar que determinadas doenças se propagassem. E elas existiam, desde que a ilha se abriu ao mundo85. Parece, assim, que esta preocupação é a verdadeira razão pela qual surge, pela mão de Pina Manique, em Lisboa, em 27 de abril de 1781, a obrigatoriedade da inspeção das meretrizes. Na Madeira, porém, apesar das recomendações de Mouzinho de Albuquerque, em 1843, e o conselheiro José Silvestre Ribeiro, em 1846, só em 1854, estas mulheres estão obrigadas a uma vigilância médica. Sabemos, também, que no dia 5 de novembro de 1834, a Câmara terá recebido da parte do Prefeito da Província, a decisão de pagar ao Hospital da Misericórdia, o tratamento das “mulheres públicas”, entre 21 de outubro e 4 de novembro daquele ano; em 1836, no dia 8 de março, o Governo mandou entregar 1:000$000 reis à Comissão da Misericórdia do Funchal, para ajudar “o curativo” das meretrizes afetadas por doenças venéreas, assim como “os pobres” que as tivessem apanhado, sugerindo mesmo que a referida comissão se socorresse de subscrições para angariar os meios que fossem necessários para evitar a propagação das doenças. O discurso legislativo, “tolerante” reúne preceitos morais, preocupações sanitárias e um esforço de regular a atividade, apesar das vozes que se levantam86 contra a lógica da moral oficial que consente, regula e tributa a prostituição, um vício, e dos mais perigosos. Tivemos acesso a dois regulamentos redigidos especificamente para a cidade do Funchal que apresentamos em anexo: um, de 1877, que se organiza em 2 capítulos e 23 artigos e uma cópia de um segundo, datado de 12 de janeiro de 1931, com a informação “Está conforme o original”, com a data de 1 de julho de 1944, já as casas toleradas e as casas de passe haviam sido fechadas, em Lisboa, por decreto de 1930 e substituídas por quartos alugados87. Este “Regulamento Policial das Meretrizes da cidade do Funchal” está dividido em VII capítulos e 76 artigos: toleradas, registo e seu cancelamento, casas de tolerância, inspeções sanitárias, disposições penais e disposições gerais. O texto começa por definir meretrizes: «todas as mulheres que habitualmente e como modo de vida se entregam à prostituição». Dentre estas, havia aquelas que se achavam inscritas no registo policial, denominadas toleradas, podendo viver em domicílio próprio ou em comum com outras, sob direção de uma “dona da casa”. Estas “casas” não poderiam ficar situadas nas proximidades das igrejas, das escolas, dos jardins públicos, das residências das “pessoas honestas”, nos largos, praças ou ruas de muito trânsito ou, ainda, em rés-do-chão ou lojas. Entre outras restrições, como ausentar-se de casa por determinados períodos ou mudar de casa sem informar o comissariado de polícia, estavam proibidas de sair à rua vestidas de forma indecente, abrir janelas para a rua, permanecer à porta ou à janela de casa, escandalizar o público, com palavras, gestos, ou atos, provocar quem passasse na rua, atentando ao pudor e demorar-se para além do tempo necessário nas tabernas, botequins ou quaisquer outros estabelecimentos. O artigo 10º deste regulamento reporta-se à interdição de ter, em casa, filhos ou menores com mais de dois 83 Fonseca, 1902, Da Prostituição em Portugal, p. 33. 84 Fonseca, 1902, Da Prostituição em Portugal, p. 47. 85 No século XVI, Sloane, um estrangeiro que passou pela ilha, apresenta-a como uma doença vulgar no arquipélago, in VERÍSSIMO, 2000, Relações de poder [… ], p. 82. 86 Vide Estudo offerecido à comissão do Protesto Nacional, na reunião popular realisada em 9 de Outubro de 1906, na Associação Commercial dos Lojistas de Lisboa, p. 18. 87 Edital do Governo Civil de Lisboa, de 23 de abril.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 anos, assim como receber menores de 18 anos. Muitas vezes, quando isto acontecia, havia denúncia e eram instaurados processos às diretoras/donas/governantes das casas. As toleradas estavam impedidas de exercer a prostituição em hospedarias, lugares públicos ou em casas clandestinas, pelo que deveriam ser inscritas num livro do comissariado da polícia, voluntaria ou coercivamente, depois de realizado um interrogatório acerca da sua identidade – nome, filiação, naturalidade, estado, profissão anterior, instrução, sinais característicos, causas da prática da prostituição, devendo estes dados ser assinados, pela própria ou por duas testemunhas, no caso de esta não saber escrever. Fora desta inscrição, ficavam as menores de 18 anos ou de 21, quando reclamadas pelos pais, marido ou tutor. Por este regulamento se sabe de casas de regeneração, entendidas como lugares onde eram internadas as menores de 21 anos, de nacionalidade portuguesa. Quanto às estrangeiras apanhadas no exercício da prostituição, deveriam ser repatriadas e, caso regressassem e continuassem a atividade, deviam ser presas e julgadas como desobedientes. Esta inscrição era gratuita, assim como um livrete sanitário atestando o bom estado de saúde da tolerada, a não ser que, dele, fosse pedida uma segunda via. Um dado deste regulamento deixa-nos claro que, em alguns casos, a situação destas mulheres podia ser alterada e os registos cancelados ou suspensos: em caso de casamento, de ausência do país, de reclamação por parte de algum parente, em caso de menoridade, de prova do abandono da prostituição, de mudança de residência ou de passagem a “teúda e manteúda”, sempre que se tornavam exclusivas de um determinado homem, réplicas das verdadeiras esposas, muitas vezes com o conhecimento das mesmas. Qualquer uma destas situações era suscetível de ser alterada e, se a mulher recaísse na prostituição, voltaria a ser reinscrita, sem mais formalidades. Havia três tipos de casas de tolerância: casas sob a direção de uma dona da casa; casas em que as toleradas viviam em comum, casas de passe, onde as toleradas iam exercer a prostituição. Qualquer uma delas tinha de ter licença, solicitada pela dona da casa que, no caso de ser casada e viver com o marido, tinha de fazer prova do seu consentimento. De referir que todos os alvarás que vimos foram requeridos por mulheres. Essas casas eram sujeitas a inspeções frequentes, de forma a verificar as condições higiénicas, «a mobília e os utensílios indispensáveis ao bom regime e asseio» e podiam ser visitadas pela polícia a qualquer hora do dia ou da noite. Algumas das “obrigações” das “donas de casa” visavam a segurança das “suas toleradas”, não podendo explorá-las, com empréstimos de dinheiro a juros ou com contratos que, de algum modo, as prejudicasse, não permitindo o acesso a “pessoas estranhas” ao serviço da casa ou de indivíduos alcoolizados e visavam, ainda, o respeito pelos restantes habitantes da rua. Por isso, ficavam obrigadas a não vender bebidas alcoólicas, consentir jogos, danças, canto, toques de qualquer instrumento ou qualquer divertimento suscetível de produzir ruído e a não permitir o acesso a menores de 18 anos, de ambos os sexos, sob qualquer pretexto. Um dado interessante é relativo ao facto de ter de ser comunicado à polícia a tomada de criadas da parte das “donas” das casas: estas tinham de estar devidamente identificadas e não podiam ter menos de 45 anos de idade. O estabelecimento dos preços era, também, objeto de regulação, quer o aluguer dos quartos das toleradas, quer dos serviços prestados, havendo, para o efeito, «em cada quarto uma tabela bem visível com os preços por visita ou dormida, sobre os quais não poderá ser exigida maior importância»88 Não temos qualquer informação relativamente a estas tabelas, nem encontramos qualquer documentação a esse respeito. Todas as toleradas eram sujeitas a inspeções médicas. Uma ficha com fotografia ficava arquivada no dispensário, em dia, sendo nelas anotadas as informações relativas à saúde destas mulheres: baixas ao hospital, tratamentos, análises, etc. Eram obrigatórias e gratuitas, ficando apenas dispensadas as toleradas grávidas de sete ou mais meses, as convalescentes de doenças não contagiosas, as criadas e as donas das casas de tolerância que tivessem completado 45 anos de idade. No primeiro livro, esta declaração, sempre assinada pelo Commissario que, na maioria dos casos é o Dr. João Abel de Freitas, é seguida de uma informação datada (dia/mês/ano) e do resultado do exame. Àquelas que o requeriam, era concedida a possibilidade de ser revistada no seu domicílio, pagando, para isso, 11$25, em 88 Regulamento Policial das Meretrizes da Cidade do Funchal, 1944, [em anexo], art.º 35.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 selos constantes da respetiva folha. As inspeções custariam (em 1944) 50$00, por cada mês de visitas e 5$00, por casa visita do médico a casa, em caso de doença. Há informação de um dispensário ou Posto Médico, situado na Rua Júlio da Silva Carvalho, hoje, Rua do Seminário que, no mesmo documento – um processo do Tribunal Judicial do Funchal – aparece também localizado na Rua do Carmo. De referir que uma das testemunhas deste processo de agressão de uma tolerada, pensionista do chamado Palácio de Cristal, à Rua dos Medinas, a uma outra, tolerada, também – era um criado do Posto Médico, onde se deu a agressão, «por ocasião da Inspecção Sanitária feita semanalmente às meretrizes.»89 As infrações a estas regras eram punidas com multas pecuniárias que iam desde 10$00 a 100$00, podendo mesmo ir até à cassação das licenças e dos alvarás de funcionamento das casas. Para as casas de tolerância abertas sem as respetivas licenças, a multa ascendia aos 300$00. Uma multa de valor semelhante, acrescida de pena de prisão acontecia quando qualquer mulher «não prostituída» entrava numa uma casa de tolerância «com falsas promessas de ser empregada noutro mister». Nestes casos, a mulher era enviada à terra da sua origem e quem a recebera ou, de alguma maneira, tivesse sido responsável por tal facto, pagaria as despesas, a multa e a pena de prisão estabelecida pelo Código Penal, sendo, para esse fim, remetida ao juiz competente. O mesmo acontecia a qualquer indivíduo que procurasse lançar «no caminho da prostituição, qualquer mulher por coisas independentes da sua vontade, ou ainda por outra circunstância».90 Estas multas eram enviadas ao Governo Civil do Distrito. No regulamento, há algumas ruas indicadas como “lugares exclusivamente habitados por toleradas”: Rua dos Medinas – quase todas as casas - , Travessa da Malta, Rua do Monteiro, Travessa João d’Oliveira, Rua do Ribeirinho de Baixo, Rua do Anadia, Rua da Figueira Preta, tendo, de acordo com estudo de Abel Marques Caldeira, algumas dessas artérias desaparecido, por efeitos de urbanização.91 As casas de prostituição estariam concentradas na zona urbana, o Funchal, portanto. Sabemos, porém, que os números oficiais das prostitutas registadas não representariam a totalidade do conjunto, a avaliar por aquilo que se passava no resto do país: um estudo da época apresenta uma estimativa de 5.276 prostitutas e 485 casas situadas, sobretudo, em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. No caso da Madeira, e tendo apenas os dados constantes do Livro das Meretrizes da Polícia de Segurança Pública, sabemos que, entre 1914 e 1931, foram matriculadas cerca de 760 mulheres, provenientes de várias freguesias da Ilha da Madeira, mas sobretudo de Portugal Continental, faltando, assim, livros respeitantes aos outros anos, não nos permitindo uma contabilização mais apurada.

89 Arquivo do Tribunal da Comarca da Madeira, Autos de Polícia Correcional, 1935. 90 Regulamento Policial das Meretrizes da Cidade do Funchal, 1944, (em anexo) art.º 61. 91 CALDEIRA,1925, O Funchal no primeiro quartel do século XX, p. 35.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Das Ruas de Mancebia e das Casas Toleradas Planta de 1804 do Brigadeiro Oudinot - Instituto Geográfico Português

Fonte: http://madeira-gentes-lugares.blogspot.pt/2007/08/desastres-naturais-no-arquiplago-da.html

As meretrizes nunca puderam circular livremente pelas ruas da cidade. A preocupação pela “ofensa” que elas podiam provocar nas famílias e o seu mau exemplo levaram as regras sociais a desviá-las do convívio social. Uma postura quinhentista circunscreve-as: «viverão nos lugares limitados convem a saber Bequo detraz da cadeia a Rua que vay ao longo da Ribeira da ponte da cadeia atee a traveça de Pero Gonçalves cavaleiro e no cabo do calhao na Rua do Monteiro e Rua adiante e nos becos de Joham Seraiva e de dom Joam».92

Este cuidado será tido em conta, ao longo da História: «Igual cuidado havia na delimitação das ruas dedicadas à mancebia, ou públicas, como também eram referidas. Numa cidade permanentemente frequentada por grandes armadas em trânsito, estas ruas eram muito concorridas, mas não eram exclusivas da cidade, pois existiam mancebias nas restantes localidades…»93

Havia ruas defesas, portanto. Pode ler-se o seguinte, no Ofício 180, do Governo Civil do Funchal: «Devolvendo a petição do padre João Gaudêncio de Noronha e outros, tenho a honra de informar V. Exa. De acordo com o N.º Commº de Policia, que me parece attendível o que requerem. Entendo que está no caso de ser prohibida a residencia das mulheres policiadas na Travessa dos Reis, Figueira Preta, e Bom Jesus, assim como na rua do Carmo e do Phelps, mas na primeira destas só na parte que vai da rua das Hortas até á igreja do Carmo e na rua da Princeza, desde a Ponte do Bettencourt até à ditta travessa do Bom Jesus, e em toda a rua da Conceição, para onde deitam também janellas do proximo recolhimento, sendo certo que por Edital do 92 COSTA, 1995, Vereações da Câmara Municipal do Funchal, p. 540. 93 CARITA, 1999, História da Madeira […] , V, p. 233.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Administrador deste Concelho de 30 de Agosto de 1847, já foi prohibido às meretrizes morarem nas mencionadas ruas e travessas, suscitando-se, no mesmo edital a observancia do alvará de 25 de julho de 1760 que tomou desprezo aos proprietários alugare-lhes habitações nas ruas defesas. 21-7-81»94

Comprova-se, assim, que estava perfeitamente desenhado o perímetro onde estas mulheres policiadas podiam residir, mas comprova-se, também, uma certa permissividade relativamente ao mesmo assunto, na medida em que é clara a não observância da lei à qual os proprietários «tomaram desprezo», ao longo de décadas. Não obstante esta situação, basta olhar para as moradas que dão as toleradas, no ato da sua matrícula, para percebermos que as ruas são sempre as mesmas: Rua dos Medinas (portas 2, 5, 7 - 11, 8 – 9, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 31 a 19, 41 e 46); Rua do Ribeirinho de Baixo (portas n.º 5, 9-11, 13, 15, 17, 19, 21-13, 26, 27, 28); Rua do Monteiro (portas 8 e 19); Travessa da Malta, 19; Largo do Pelourinho, 10, Rua do Anadia (portas n.ºs 11,17, 18, 24, 25, 26); Travessa João d’Oliveira, 19; Rua do Conde de Canavial, 12; Rua da Figueira Preta. A partir de determinada altura, com maior incidência a partir de 1910, algumas casas passam a ser identificadas com nome próprio: Casa da Varanda (sita à rua dos Medinas, 7-11); Casa dos Envergonhados, na Rua do Anadia, n.º 11, Casa Nova (que abre em ruas diferentes, como se se expandisse ou como se o proprietário fosse o mesmo, com mulheres a circular de morada para morada); Casa Americana, Casa do Cevada, Palácio de Cristal, Casa Encarnada. Efetivamente, desta lista faziam parte os arruamentos constantes no Regulamento: «Rua dos Medinas, Travessa da Malta, Rua do Ribeirinho de Baixo (…) exclusivamente habitados por toleradas».95 De referir que esta indicação vem no contexto da proibição de funcionamento de estabelecimentos de bebidas a retalho96. São ruas da baixa da cidade, relativamente próximas do mar, mas suficientemente afastadas do porto para não causarem má impressão aos viajantes. Cinco livros do Fundo da Polícia de Segurança Pública (41 a 45)97 dão-nos acesso a informações que nos permitem conhecer os nomes das mulheres de cada casa, o nome das governantas, seguir-lhes o rasto, em alguns casos, até casa ou até à morte. Reconhecemos, então, algumas casas que as meretrizes já haviam dado como morada. E encontramos nomes de mulheres, com indicação da respetiva morada, fazendo-nos acreditar que a prostituição acontecia em casas particulares, devidamente autorizadas. Se há casas que percorrem o intervalo de tempo a que respeita este registo, outras há que parecem, em pouco tempo, ter sido integradas em outras “maiores”, talvez dos mesmos proprietários, na medida em que o endereço se mantém, alterando-se, apenas a identificação: “Casa da Micas” (6 quartos), a “Antiga casa da Laura” (4 quartos), a “Casa da Rosinha” (4 quartos); a “Antiga Casa do Cevada” (8 quartos) e a “Antiga Casa da Russa” (10 quartos). É pelo número de quartos disponíveis nas casas que é fixado o número de mulheres que as poderão habitar: «Esta casa tem 4 quartos-cama e é de 4 o número de meretrizes fixado pelo alvará»98. Por outro lado, a avaliar pelo número muito maior de mulheres que frequentam as casas, inferimos que muitas serão, eventualmente, passantes, tendo, provavelmente um qualquer sistema, para evitar a sobreposição de ocupação das instalações toleradas. Por exemplo, e tendo em consideração o caso apresentado: para estes 4 quartos, há 31 mulheres que se lhe estão ligadas.99 Cada uma destas casas tem “governantes”, em alguns casos, mais do que uma. Não conseguimos perceber se obedeceriam a um mandato ou se, em dada altura, havia mais do que uma responsável em cada casa. Por outro lado, há muitos nomes que aparecem em várias casas, em anos diferentes: é o caso de uma Libânia que 94 ARM, Governo Civil, Ofícios, Lº 1, 2ª rep., de 3/ 9/ 1880. 95 Regulamento Policial das Meretrizes da Cidade do Funchal, em 1 de julho de 1944, Govêrno do Distrito Autónomo do Funchal (em anexo), artº 69º. 96 Editais de 30/8/1847, relativo ao arruamento das Meretrizes e 13/2/1860, proibindo tabernas nas Ruas das Meretrizes. 97 ARM, PSP, Registo das Casas Toleradas (1886-1937), livros 41 a 45. 98 ARM, PSP, Registo das Casas Toleradas (1886-1937), livro 41, por exemplo. 99 ARM, PSP, Registo das Casas Toleradas (1886-1937), livro 41, fl.18, (nov. de 1894 a out. de 1897).

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 aparece em quase todas as casas da Rua dos Medinas, ou de uma mulher de alcunha “A Lindinha” que, entre 1889 e 1903, dirigiu 5 casas diferentes, entre a Rua dos Medinas e a Rua do Ribeirinho de Baixo. Algumas casas foram fechando: CASA ENCERRADA aparece a vermelho em algumas folhas dos livros; outras têm uma indicação primeira de perda de autorização e, depois, de «tornou a obter licença». Uma observação permite-nos perceber, ainda, que as mulheres transitavam de umas casas para outras, deixando-nos, uma vez mais, a impressão de que os respetivos proprietários das casas ou os “patrões” seriam os mesmos: «A casa esteve temporariamente fechada durante o mês de maio de 1916, tendo algumas mulheres passado para a Casa da Varanda. Foi reaberta a 20 de maio».100 Ora, esta Casa tem como endereço, o Beco do Monteiro, 19 e a Casa da Varanda estava situada na Rua dos Medinas, n.º 7. Por outro lado, algumas, com mais sorte, talvez, estabelecem-se por sua conta, havendo lugar a outro tipo de residências: Hotel Universal, Lar Gouvêa, Hotel Benfica, Pensão Moderna, Novo Hotel América.101 Entre 1918 e 1936, foram passadas 226 licenças para casas toleradas, conforme se pode verificar no Registo de Alvarás de Casas Toleradas.102 Não conseguimos apurar quanto custaria requerer um alvará, mas fizemos as contas aos selos respeitantes a cada um dos registos: em 1928, inspeção ao domicílio – 11$30; em 1929, para abrir casa de tolerância - 11$30; o mesmo para governante, para tomar conta de casa de toleradas; para casa de passe - 10$13; para tomar criada, 8$00.

Algumas Notas do Tempo Presente O mês de março de 1998 traz a lume uma série de informações sobre Pedofilia, na Madeira: estudos, denúncias, ligações a redes pedófilas estrangeiras, questões sociais, envolvimentos de personalidades da ilha. Por entre as páginas de jornais, alguns relatos permitem localizar em Câmara de Lobos, a origem de grande parte das crianças que se prostituem no Funchal, muitas com idade inferior a 12 anos, com conhecimento dos pais, assim como eventuais redes internacionais de prostituição e pornografia infantis.103 As causas apresentadas ligam-se, sobretudo, a fatores de ordem socioeconómica: famílias numerosas, má gestão do orçamento familiar, consumismo excessivo, falta de valores. Dos locais assinalados para a prática ou o aliciamento dos jovens, destacam-se: o Funchal, algumas artérias e jardins da cidade, Câmara de Lobos, o Bairro da Nogueira, na Camacha e o Caniçal. Encontraram-se referências a “boîtes” ou casas de alterne, que o tempo foi fechando: o Fugitivo, o Campolide, o Royal, o Mambo, o Executive Club. Explica Lília Bernardes, num artigo sobre as noites da Madeira, que a realidade da prostituição tem, hoje (o artigo data de 2009), novos contornos: «Faz-se em apartamentos com contactos por telemóvel. Mas a rede está montada. Faz-se com madeirenses e com gente do mundo inteiro».104 Faz-se em diversos lugares da cidade, em determinadas ruas e praças, em casas de massagens e bares, em discotecas, hotéis, residenciais e pensões que, de forma mais ou menos discreta, continuam a cumprir as funções, que, dantes, pertenciam aos bordéis e às casas toleradas.

A Fechar Pecadoras, Mulheres-de-má-vida ou de mau-porte, Meretrizes, Toleradas, Prostitutas, Acompanhantes, ou outros nomes que não cabem neste artigo, estas mulheres fazem parte do universo de qualquer sociedade e, de um modo muito particular, de uma cidade como o Funchal que tem o mar aos pés e fez a vida à volta do 100 101 102 103 104

ARM, PSP, Registo das Casas Toleradas, 1886-1937, livro 42. Cf. ARM, PSP, Matricula das Meretrizes. ARM, PSP, Registo das Casas Toleradas (1886-1937). DN Funchal, 21-03-1998. BERNARDES, Lília, «Festas de rua tomam conta das noites da Madeira», 2009.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 porto. Neste artigo, identificamos alguns olhares que as olharam, algumas palavras que as escreveram, algumas leis que regularam a sua atividade. Descobrimo-las junto ao mar e em ruas específicas da baixa da cidade, afastadas das famílias de bem, denunciadas nas Devassas das Visitações, excomungadas pela Igreja, toleradas por uma sociedade que considerava a prostituição um mal necessário, na medida em que funcionava como um eixo de equilíbrio e de harmonia dos lares “honestos”. As zonas de mancebia ficaram, então, oficialmente, demarcadas, isoladas do resto da cidade. Havia, mesmo, ruas quase exclusivamente habitadas por meretrizes. Tornava-se, deste modo, mais fácil, fiscalizar a atividade, sobretudo no tempo em que a Saúde Pública e a propagação de doenças venéreas, como a sífilis, falaram mais alto. Daí as leis e os regulamentos policiais das meretrizes que as obrigavam a matricular-se como tal e a sujeitar-se a inspeções sanitárias semanais, assim como a obrigatoriedade de alvarás e de vistorias frequentes às casas toleradas. Encontramos, então, os nomes, as características, os rostos de mulheres, de adolescentes, de meninas envelhecidas que, perante o comissário da Polícia, se declaravam, “por sua vontade”, meretrizes, assumindo, publicamente, a sua função de corpos públicos. Foi possível seguir os passos de algumas delas, pelas observações do escrivão: que tinha embarcado, que estava no hospital, que estava grávida e que, portanto, ficava isenta de inspeção, que tinha ido por conta, que tinha morrido. Poucas foram as que abandonaram a vida, “recolheram à vida honesta”, voltaram para a família ou arranjaram trabalho nos bordados. Procuramos os filhos destas mulheres [pois os regulamentos não permitiam que eles fossem criados nas casas onde elas exerciam a prostituição]. Soubemos, então, que a Câmara atribuía subsídios às amas dos expostos, para que cuidassem deles, que outros eram “enjeitados”, dada a pobreza extrema das mães e o estigma que se colaria ao para sempre da vida dos filhos. As toleradas registadas entre 1861 e 1879 são sobretudo madeirenses, provenientes de vários pontos da ilha, sobretudo das zonas rurais, fugidas, eventualmente, à fome e à crise que as doenças da vinha vieram trazer. Os livros do início do século XX mostram-nos, sobretudo, mulheres de fora – do continente, dos Açores e de países como a Espanha e a França - com idades compreendidas entre os 14 e os 35 anos. As madeirenses são, sobretudo do Funchal, a maioria natural de freguesias ribeirinhas – Santa Maria, Sé, S. Pedro. São, na sua maioria solteiras, mais desprotegidas, portanto; algumas filhas de pai incógnito, o que indicia - à luz da moral da época – uma má influência das mães. O que as terá levado à prostituição, não sabemos. Os livros oficiais não apresentam qualquer dado, nesse sentido, nem os estudos realizados, a nível nacional, referem os casos das ilhas da Madeira e dos Açores. As conclusões que apresentamos a este propósito são, portanto, senso comum: enganos [casos de estupro e de promessas de casamento, de trabalho na cidade, da ilusão de proteção por parte de um proxeneta ou de uma “dona de casa”] dificuldades económicas, desemprego. Alguns autores fazem coincidir as alturas de crise na ilha, com o aumento de prostitutas nas ruas e nas casas toleradas. São mulheres em trânsito, que mudam de casas, que saem da ilha, que levam carimbado, nos passaportes, o seu modo de vida, que fogem das casas, que são, muitas vezes, atendidas no Banco do Hospital da Misericórdia do Funchal, com feridas, hematomas, cortes, o que indicia, claramente, a violência que, sobre elas, era exercida. Vimo-las toleradas. Vimo-las, clandestinas, encostadas às esquinas da cidade, em todos os momentos da História, mesmo durante o tempo da legalização, mas, sobretudo, quando a lei decretou a criminalização da atividade, em 1962/63, uma lei que já vinha sendo preparada em 1949. E percebemos o motivo por que não havia mais livros, ou porque os documentos estavam em mau estado: o Estado Novo quis apagar os vestígios da miséria humana que alastrava no país e mandou queimar os livros das meretrizes e das casas toleradas. As convulsões políticas vividas em Portugal nos anos 70, associadas a uma súbita liberalização dos costumes, só permitiram trazer a discussão em torno da prostituição para a agenda, nos anos 80. Considerado anacrónico, o regime proibicionista e criminalizador, em vigor desde 1963, é revogado no novo Código Penal

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 de 1983 (Decreto-lei n.º 400/82 de 29 de agosto). Em contrapartida, é criminalizado o lenocínio, incorrendo o infrator numa pena até 2 anos de prisão e 100 dias de multa. No fim do século XX, é introduzida, na legislação, uma outra questão que, no Funchal, também, se levantou com muita visibilidade nos media: a pedofilia e a prostituição infantil. Hoje, a prostituição não é [nunca foi] uma atividade exclusivamente feminina. Ilegal, mas não criminalizada, ela é vista por todos, mas é tratada como se não existisse. Os prostitutos continuam a fazer parte do grupo marginal da sociedade. São gente invisível. Como os mendigos. Como todos aqueles que não se quer ver. Hoje, não têm nome. Nem rosto. Só têm história, se associados a algum crime ou a algum escândalo público. São corpos. Públicos. Mais nada.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7

ANEXOS Transcrevemos, na íntegra:

REGULAMENTO POLICIAL DAS MERETRIZES E CASAS TOLERADAS DA CIDADE DO FUNCHAL (1877), [encontrado avulso dentro do Registo de Prostitutas, 1861-1879: ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo de Prostitutas, 1861-1879, livro 693].



REGULAMENTO POLICIAL DAS MERETRIZES DA CIDADE DO FUNCHAL (1931 / 1944), [pertencente à Delegação da Procuradoria da República do Funchal].

REGULAMENTO POLICIAL DAS MERETRIZES E CASAS TOLERADAS DA CIDADE DO FUNCHAL CAPÍTULO I Artigo 1º - São meretrizes as mulheres que por costume se entregão a uns e outros por dinheiro. Art. 2º - Todas as meretrizes serão inscriptas na matricula ou registros de polícia da administração do concelho do funchal. Art. 3º - a matricula consiste na inscripção do nome, filiação, naturalidade, edade, estado, signaes característicos, residencia e quaisquer outros esclarecimentos que se julgarem indispensáveis para bem se conhecer a matriculada. Art. 4º - Cada matriculada receberá no acto da matrícula um livrete contendo as indicações que estiverem lançadas na sua matrícula, e este Regulamento policial a que tem de sujeitar-se. Art. 5º - Não será admitida a matrícula a menor de 17 annos, nem a maior d’esta edade, quando seja reclamada por seus parentes, marido ou tutor, salvo conhecendo-se que são incorregiveis e persistem no trafico de meretriz. Art. 6º - A mulher reconhecida como meretriz e maior de 17 annos, não estando matriculada, será intimada para dentro de 48 horas, contadas da intimação, se matricular, ou justificar que o não é, sob pena de logo ser inscripta no registro das matriculas e ficar sujeita a todas as obrigações das matriculadas. Art. 7º - Toda a meretriz tem direito a que o seu nome seja eliminado da matrícula logo que prove e garanta que se retira da capital do districto que vai passar ao estado de casada, que quer empregar-se em mister honesto e decente, ou, sendo menor de 21 annos, quando seja reclamada por seus parentes ou tutores, ou se o fôr por seu marido, em qualquer edade. Art. 8º - Nenhuma meretriz matriculada póde tomar casa para sua habitação sem prévia licença da administração do concelho, a qual somente a concederá quando reconhecer que tal casa satisfaz ás indispensáveis

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 condicções hiygiénicas e policiaes, e que a rua e logar escolhido não tem inconvenientes que a policia deva prevenir e acautelar. § único. A meretriz matriculada que tomar casa sem a licença determinada neste artigo será forçada a mudar-se se a policia assim o julgar conveniente. Art. 9º - Não será tolerada casa alguma de meretrizes em proximidade dos templos, de estabelecimentos e educação, de botequins, tabernas, hospedarias, ou quaisquer outros logares onde a existencia d’estas casas possa tornar-se perigosa ou indecente. Art. 10º - A licença para tomar casa, concedida a qualquer meretriz, sel-o-ha sempre sob condicção escripta: 1º De despejar a casa logo que dê escândalo ou perturde a vizinhança; 2º De participar dentro em 24 horas, a sua mudança de residência na administração do concelho; 3º De cumprir quaesquer ordens que os empregados da policia lhes intimarem no exercício de suas funções policiaes. Art. 11º - É expressamente prohibido ás meretrizes matriculadas, quer de dia , quer de noite: 1º Estar á janella ou porta de rua com trajos, modos ou gestos indecentes, e d’ahi proferir palavras equivocas e obscenas; chamar e dar conversa a quem passa, e por qualquer modo oncommodar ou ofender os vizinhos e a moralidade publica; 2º Sahir de casa indecentemente vestida, divagar pelas ruas e praças contendendo e provocando os que transitam; 3º Demorar-se nas tabernas, botequins ou quaisquer outras casas publicas, além do tempo que fôr necessário para se prover do que carecer para seus usos; 4º Admittir ao seu serviço creada que fôr menor de 21 annos, sem que previamente esta se apresente na administração do concelho, e ahi se habilite com licença para ser assoldadada; 5º Receber em sua casa, debaixo de qualquer pretexto, indivíduos de um e outro sexo menores de 15 annos; 6º Conservar em sua casa depois da meia noite pessoas estranhas á sua família; 7º Ter em casa venda de vinho, ou bebidas alcoólicas, e permitir que nella tenha logar qualquer qualidade de jogos, ainda mesmo os lícitos, § un. As casas de meretrizes matriculadas ficam constantemente debaixo da fiscalização e vigilância dos empregados de policia, podendo, em caso urgente, por eles ser visitadas a qualquer hora do dia, ou da noite. Art. 12º - A meretriz que em qualquer logar publico ofender a decência com actos ou palavras será imediatamente d’elle expulsa, sem que esta demonstração a isente de mais severa punição pela culpa em que tenha incorrido. Art. 13º - O administrador do concelho receberá qualquer queixa publica, ou confidencial que lhe fôr feita por alguma meretriz, e empregará todo o seu zelo, actividade, segredo e previdência necessária par evitar ou remediar o mal de que tiver conhecimento, procedendo severamente contra os delinquentes ou infractores dos Regulamentos policiaes, e prestando todo o auxilio para a manutenção da ordem, nas casas toleradas. Art. 14º - Todas as meretrizes inscriptas na matricula são obrigadas a sujeitar-se á visita sanitaria passada pelos facultativos designados pela administração do concelho, nos logares, dias e horas que lhes forem determinados. § 1º A revista sanitária será gratuita. § 2º O administrador do concelho permittirá (se não achar inconveniente) que os facultativos por eles

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 nomeados revistem as meretrizes matriculadas no próprio domicilio d’ellas. Art. 15º - A meretriz matriculada que fôr achada com qualquer infecção syphlitica ou outra molestia contagiosa será imediatamente enviada para o hospital. Art. 16º - As meretrizes que forem remetidas para o hospital, quando sairem curadas, virão apresentar-se ao administrador do concelho dentro em 24 horas. Art. 17º - O administrador do concelho determinará (quando achar conveniente) visitas domiciliares nas casas de prostituição, para ver se ahi se realisão todas as condicções hygienicas e policiaes que devem existir em taes habitações. Art. 18º - A meretriz matriculada que por actos ou omissões infringir as disposições exaradas nos art.os 4º, 8º, 10º, 11º, 14º e 16º d’este capitulo será punida com prisão de 3 a 20 dias, ou multa correspondente, a arbítrio do Juiz, segundo a gravidade do caso. CAPITULO II Das directoras ou donas das casas toleradas Art. 19º - Dona ou directora de casa tolerada é a mulher que tem por sua conta, sob a sua direcção, casa de meretrizes que lhe são subordinadas. Art. 20º - Não é permitido estabelecer e dirigir casas de meretrizes sem prévio consentimento da administração do concelho. § 1º A mulher que, sem obter a precisa licença, ou havendo-lhe esta sido cassada, tiver por sua conta casa de meretrizes, incorrerá na pena de 8 a 20 dias de prisão, segundo a gravidade do caso. § 2º a meretriz matriculada que fôr viver em casa de directora não auctorisada, nos termos d’este capitulo, fica sujeita á pena de 3 a 10 dias de prisão, ou a multa correspondente a artbitrio do Juiz. Art. 21º - A dona ou directora de casa tolerada deve ter pelo menos 25 annos de edade, matricular-se na administração do concelho, assignar termo de responsabilidade e dar todas as garantias concernentes ao exacto cumprimento das Leis e Regulamentos policiaes, e provar que possue os moveis e utensílios necessarios para manter a limpeza e aceio que a salubridade reclama. Art. 22º - A dona da casa é a principal responsável pelas infracções, cometidas em sua casa, ds Regulamentos e Leis policiaes; mas esta responsabilidade não annula a da meretriz infractora. Art. 23º - Toda a dona ou directora de casa tolerada é obrigada a participar á administração do concelho, dentro de 24 horas, a admissão ou despedida em sua casa de qualquer meretriz. § un. A infracção das disposições d’este artigo será punida com 3 a 10 dias de prisão, ou a multa correspondente. Governo Civil no Funchal 10 de Abril de 1877. O Governador Civil Francisco d’Albuquerque Mesquita e Castro.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 REGULAMENTO POLICIAL DAS MERETRIZES DA CIDADE DO FUNCHAL (em papel timbrado do Govêrno do Distrito Autónomo do Funchal)

COPIA REGULAMENTO POLICIAL DAS MERETRIZES DA CIDADE DO FUNCHAL – CAPÍTULO 1º TOLERADAS Art.º 1º São consideradas meretrizes todas as mulheres que habitualmente e como modo de vida se entregam ao exercício da prostituição. Denominando-se toleradas quando se acham inscritas no respectivo registo policial. §único. Há duas classes de toleradas: as que vivem em comum sob direcção de uma dona de casa e as que vivem separadamente em domicilio próprio. Artº 2º É expressamente proibido á tolerada: 1º Ter habitação nas proximidades dos templos, das casas de educação, dos jardins públicos e das residências das pessoas honesta e nos largos, praças e ruas de muito transito e ainda em rés-do-chão ou lojas. 2º Servir-se do livrete sanitário que lhe não pertença. 3º Ausentar-se de sua casa por mais de cinco dias sem o participar no comissariado de polícia. 4º Mudar de uma para outra casa de toleradas sem o comunicar no comissariado no prazo de quarenta e oito horas. 5ª Sair á rua em trajos indecentes ou em estado de embriaguez. 6º Ter janelas de forma que o interior da casa possa ser devassado pela vizinhança ou pelos transeuntes. 7º Fazer permanência ás portas e janelas da casa que habita. 8º Escandalizar o público com palavras, gestos ou actos desonestos. 9º Apresentar-se ao público de modo ofensivo ao pudor, provocar os transeuntes ou fazer escândalos por palavras ou acções. 10º Receber menores de menos de dezoito anos de idade, completos ou ter em sua casa e companhia filhos ou quaisquer menores de mais de dois anos. 11º Recusar a apresentação do livrete sempre que lhe seja exigido por qualquer agente policial. 12º Exercer a prostituição nas hospedarias, nas casas de hóspedes ou casas de prostituição clandestina e em geral em todas as casas públicas que não estejam sob a imediata fiscalização da polícia. 13º Habitar em hospedarias, casas de hóspedes ou estabelecimentos públicos. 14º Exercer a sua profissão sempre que esteja afectada por moléstia sifilítica, venérea ou contusa. 15º Estacionar nas ruas ou praças publicas. 16º Provocar as pessoas que transitam ou seja chamando-as ou fazendo-lhes quaisquer sinais. 17º Demorar-se nas tabernas, botequins ou quaisquer estabelecimentos, além do tempo necessário para se prover do que carecer para seu uso. 18º a tolerada que em qualquer lugar público ofender com actos ou palavras será imediatamente dêle expulsa, sem que esta demonstração isente de mais severa punição pelo crime que tenha cometido. Da mesma forma se procederá com a meretriz que nos jardins ou em qualquer lugar público, tomar assento junto ás pessoas honestas. - CAPÍTULO II- REGISTO E SEU CANCELAMENTO. Artº 3º Todas as meretrizes devem ser inscritas em livro especial que para este fim existirá na secretaria do comissariado de polícia. § único A inscrição de qualquer mulher como tolerada pode ser feita voluntária ou coercivamente. Artº 4º A inscrição que será sempre precedida do competente interrogatório consiste no registo individual e numérico do nome, filiação, naturalidade, estado, profissão anterior, instrução, sinais característicos, fotografia, quaisquer outros esclarecimentos que se julguem necessários para certificar a identidade da meretriz inscrita, causas que a levaram ao exercício da prostituição e data em e se efectuou a inscrição, assinando a meretriz e o respectivo secretario, ou assinando duas testemunhas em lugar da meretriz, quando esta não saiba escrever . Artº 5º - Não será admitida á inscrição voluntária mulher alguma 1º menor de vinte e um anos de idade. 2º Que seja reclamada por seus pais, marido ou tutor. 3º Que não tenha, pelo menos, três meses de residência nesta cidade. § único Em caso algum será feita a inscrição de mulheres com menos de dezoito anos de idade. Art. 6º - Se, pelo interrogatório feito a qualquer mulher se reconhecer que ela se destina ao exercício da prostituição por ignorar a gravidade de tal propósito, ou por causas acidentais independentes da sua vontade a autoridade proverá conforme as circunstancias, procurando encaminhá-la para mester honesto. Artº 7º - Quando alguma mulher se prostitua antes de ter completado vinte e um anos de idade, ou mesmo depois de reclamada nos termos do n.º 2 do artº 5 e solicite a sua inscrição como tolerada, será internada, sempre que seja possível, numa casa de regeneração, se fôr natural desta cidade, sendo só inscrita a seu requerimento, se se não regenerar nessa casa, durante dois anos seguidos ou interpolados em períodos nunca inferiores

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 a seis mezes. As mulheres naturais de outras localidades serão enviadas ás respectivas terras. § único Quando não se possa levar a efeito o internamento nas casas de regeneração, será a mulher aconselhada a procurar vida honesta, sendo presa e enviada aos tribunais competentes a fim de ser julgada como desobediente, se voltar ao exercício da prostituição e não puder ser inscrita pela sua menoridade, procedendo-se, de igual modo, para as que saírem das terras da sua naturalidade para o exercício da prostituição. Art.º 8º - Não será feita a inscrição de mulheres de nacionalidade estrangeira sem a competente autorização por escrito do funcionário consular da respectiva nacionalidade, observando-se, no entanto, o disposto no artº 5º. §1º As que exerçam prostituição clandestina e as que pretendam ser inscritas como toleradas sem a autorização de que trata este artigo serão entregues ao funcionário consular da respectiva nacionalidade para as fazer repatriar, se esta autoridade não as repatriar serão postas fora do território português pelas autoridades portuguesas, comunicando-se o facto ao funcionário consular. De igual modo se procederá com mulheres naturais de países quem em Portugal não tenham representação consular e não possam ser inscritas como toleradas nos termos deste regulamento. § 2º - As mulheres que forem postas fora do território português, nos termos do parágrafo anterior e voltarem de novo a esta cidade para exercício da prostituição serão presas e julgadas nos tribunais competentes como desobedientes aos mandados da autoridade. Artº 9º - A inscrição da tolerada será gratuita, como gratuitamente lhe será fornecido o livrete sanitário, assinado pelo comissário de polícia e selado com o sêlo do comissariado, contendo o número de inscrição e o número do bilhete de identidade passado pelo arquivo de identificação ou o do título de residência, quando se trate de mulheres de nacionalidade estrangeira, impressão digital do indicador direito e algumas folhas em branco, onde os facultativos irão escrevendo o resultado das inspecções sanitárias. Este livrete sanitário (modelo n.º 1) não deve conter qualquer designação por onde, em caso de extravio ou qualquer outra circunstância se reconheça o fim a que se destina; a cada tolerada será, porém, fornecido um outro livro apenas com a copia deste regulamento para fácil instrução dos seus deveres. § único O livrete não será entregue, sem prévia verificação de ser bom o estado sanitário da tolerada. Artº 10º - No caso de perda ou inutilização do livrete a tolerada é obrigada a participar o facto na respectiva repartição policial no prazo de vinte e quatro horas, sendo-lhe fornecido um outro, pelo qual pagará 5$00. Artº 11º - Os registos podem ser cancelados ou suspensos os seus efeitos. § 1º Serão cancelados: 1º Quando a tolerada contraia matrimónio. 2º Quando se ausente do País. 3º Quando algum parente ou afim a reclame nos termos do artº 13º. 4º Quando o haja requerido por querer passar á vida honesta. 5º Quando se prove que abandonou a vida da prostituição. 6º Quando a suspensão a que refere o parágrafo seguinte tenha durado mais de um ano e o cancelamento seja requerido, observando a respectiva autoridade policial o que se acha disposto no artigo imediato. §2º - Serão suspensos os seus efeitos: 1º quando a tolerada mude de residência para fora desta cidade. 2º Quando passe a ser teúda e manteúda. Artº 12º - As circunstâncias indicadas nos nºs 1º,2º, 4º e 5º do §1º do artigo anterior e no nº 1 do § 2º do mesmo artigo poderão ser justificadas por prova testemunhal, mas serão apreciadas definitivamente em face da informação prestada por qualquer agente policial empregado neste ramo de serviço. § único – Na hipótese do nº 4 do §1º do artigo antecedente, o cancelamento só será feito três meses depois de apresentado o requerimento , podendo, porém, a autoridade dispensar a requerente, desde logo, de todas ou de algumas obrigações que lhe são impostas por este regulamento. Artº 13º - Na hipótese do nº 3 do § 1º do artigo 11º o cancelamento só será feito quando o requerente: 1º Prove o parentesco com a tolerada e que tem meios para prover á sua sustentação. 2º Se obrigue por meio de termo de responsabilidade a fazer com que se abstenha do exercício da prostituição aquela que reclamar, obrigando-se a dar parte á respectiva autoridade policial quando não o consiga. Artº 14º - No caso do nº 2 do § 2º do artigo 11º a suspensão só pode ser requerida por indivíduo que prove: 1º Que tem mais de vinte e um anos ou se acha emancipado. 2º Que tem meios para satisfazer ás despesas do seu encargo. § único – Produzida a prova, o requerente assinará termo de responsabilidade, obrigando-se a dar parte á autoridade logo que cesse. Além das despesas do têrmo, pagará ás autoridades a quantia de 100$00.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Artº 15º - Serão averbadas no livro de que trata o artigo 3º os despachos que ordenarem os cancelamentos ou a suspensão dos efeitos do registo. Artº 16º - As mulheres cujos registos tiverem sido cancelados ou suspensos, os seus efeitos deste regulamento ficam sujeitos á vigilância policial. Artº 17º - A tolerada que depois de ter sido eliminada do registo, voltar á prostituição sem se fazer inscrever de novo, será considerada como entregue á prostituição clandestina e inscrita coercivamente sem mais formalidades. Artº 18º - As toleradas a favor de quem foram suspensos os efeitos do registo serão colocadas na anterior situação sempre que se verifique que houve fraude ou cessaram as causas da suspensão. Artº 19º - Falecendo a tolerada, será oficiosamente cancelado o respectivo registo. CAPÍTULO III – CASAS DE TOLERANCIA . Artº 20º Toda a tolerada carece de licença de polícia para ter habitação, sendo, porem, obrigada a mudar de residência sempre que lhe fôr ordenado pela autoridade policial. Artº. 21º - Há três classes de casas de tolerância: 1º Casas onde as toleradas têm domicilio fixo e vivem em comum debaixo da direcção das respectivas donas. 2º Casas onde as toleradas têm domicilio próprio e vivem em comum com outras companheiras. 3º Casas denominadas de passe onde as toleradas vão exercer a prostituição. Artº. 22º - Nenhuma das casas designadas no artigo anterior poderá ser estabelecida sem licença da respectiva autoridade policial, que ordenará sempre que for necessário, visitas ás casas que se pretendam estabelecer a fim de se verificar se tem as condições higiénicas necessárias e a mobília e utensílios indispensáveis ao bom regime e asseio, tendo sempre em vista o disposto no nº 1º do artº 2º deste regulamento. § único O alvará de licença será anual e intransmissível e deverá conter o nome da pessoa a quem é fornecido, local e número de porta e andar a que respeita. Artº. 23º - Quando as casas forem das indicadas no nº 1º do artigo 21º deverão as respectivas donas de casa declarar o número de toleradas que pretendam receber. § único O número fixado não poderá ser excedido e constará do alvará de licença. Artº. 24º - Ás casas de tolerância serão feitas amiudadas visitas, a fim de se verificarem as suas condições de higiene e limpeza. Artº. 25º - Todas as toleradas ficam debaixo da fiscalização e vigilância dos agentes de polícia, que podem visitá-las a qualquer hora do dia ou da noite, quando assim o julguem necessário. Artº. 26º -Nas casa de tolerância é proibida a venda de vinho, aguardente ou quaisquer outras bebidas. Artº. 27º - Não será concedido alvará de licença á mesma mulher para ter duas ou mais casas de tolerância ainda que sejam de diversa espécie ou por interposta pessoa. Artº. 28º - A mulher casada que viver com seu marido não poderá estabelecer casa de tolerância sem o prévio consentimento deste por escrito. Artº. 29º - As donas de casa de tolerância são obrigadas: 1º A seguir as indicações higiénicas preceituadas pelos facultativos encarregados das visitas sanitárias. 2º A ter as janelas de forma que o interior da casa não possa ser devassado pela vizinhança ou pelos transeuntes. 3º A não consentir que as toleradas façam permanecia ás janelas ou ás portas da escada ou da rua. 4º A não maltratar por palavras ou acções as toleradas que estiverem em sua casa. 5º A não receber nem ocultar em casa, para o exercício da prostituição, mulheres não inscritas. 6º A apresentar á visita, no dia e hora designados as toleradas e as suas criadas e exercer vigilância sobre a saúde delas, obrigando-as, logo que se achem doentes, a dar entrada no hospital, sem esperarem pela visita. 7º A participar, na competente repartição, no prazo de vinte e quatro horas, a admissão em sua casa, de qualquer mulher e fazer apresentar na mesma repartição a tolerada que queira sair de casa, a fim de declarar o

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 destino que vai seguir. 8º A não explorar as toleradas com empréstimos de dinheiros a juros com fornecimento de quaisquer objectos ou com quaisquer contratos que as prejudiquem. 9º a não consentir em casa, jogos, danças, canto, toques de instrumentos e aparelhos musicais e quaisquer outros divertimentos que produzam ruido. 10º A não impedir, por qualquer forma, ás toleradas o retirarem-se de sua casa e a não lhes recusar, sob pretexto algum a sua roupa e mais haveres. 11º A mudar a residência sempre que lhe fôr ordenado. 12º a não permitir a entrada em casa a mulheres estranhas ao serviço da mesma e a indivíduos embriagados. 13º a não consentir, sob pretexto algum a entrada ou permanência de menores de ambos os sexos de menos de dezoito anos de idade completos. § único Não é aplicável às donas de casa de passe o disposto no nº 7º deste artigo. Artº 30º - Nenhuma tolerada ou dona de casa de tolerância pode tomar criada para o seu serviço sem previa comunicação á repartição competente, declarando o nome, idade e naturalidade da criada, a qual nunca poderá ter menos de quarenta e cinco anos de idade. Artº 31º - As donas de casa de tolerância que, pelo seu comportamento escandaloso, não puderem ser consentidas e depois de admoestadas se não corrigirem, serão intimadas a despejar no prazo de vinte e quatro horas as casas que habitarem, sob pena de desobediência, não lhes sendo passado alvará para estabelecer casa de tolerância noutro local. § único Se o escândalo fôr promovido pelas toleradas que estiverem debaixo da sua direcção, serão estas mandadas retirar imediatamente , sob a pena determinada neste artigo ou na do artigo 57º. Artº 32º - A mudança voluntaria ou obrigatória da residência importa a necessidade de novo alvará, o qual será concedido nos termos deste regulamento. Artº 33º - A dona de casa de toleradas só poderá exigir destas as importâncias que forem previamente estabelecidas para aluguer de quarto e para alimentação das que desejarem, sendo a de aluguer fixada pelo comissário de polícia na falta de acordo entre as interessadas. Artº 34º - As casas de tolerância não podem ter comunicação com o exterior com casas de caracter particular ou publico, ou estabelecimentos comerciais instalados nos mesmos prédios, não sendo concedidos a estes estabelecimentos licenças para estarem abertos depois da hora do recolher. Artº 35º - Nas casas de tolerância haverá em cada quarto uma tabela bem visível com os preços por vista ou dormida, sobre os quais não poderá ser exigida maior importância. CAPÍTULO IV – INSPECÇÕES SANITARIAS. Artº 36º - São obrigada a inspecção sanitária semanal no local, dia e hora que forem designados: 1º As toleradas. 2º As donas de casa de tolerância que não forem casadas ou viverem separadas dos maridos. 3º As criadas a que se refere o artº 30º. § único A autoridade sempre que o julgue conveniente, poderá ordenar inspecções extraordinárias ás mulheres compreendidas neste artigo. Artº 37º - Logo que qualquer meretriz seja inscrita no registo será verificado seu estado sanitário e organizada uma ficha sanitária, onde conste o que clinicamente seja possível apurar acerca do seu estado, em especial da existência ou não de sífilis, doenças venéreas já sofridas, filhos, funcionamento do aparelho génito-urinário, etc. Esta ficha, conforme modelo, leva aposta uma fotografia da pessoa, a que diz respeito e deverá ficar arquivada no dispensário e ser mantida em dia, registando-se nela as baixas ao hospital, tratamento, análises e tudo quanto possa interessar. Artº 38º - A autoridade policial poderá dispensar das inspecções: 1º As toleradas grávidas de sete ou mais meses. 2º As convalescentes de moléstias não contagiosas. 3º As criadas e donas de casa de tolerância quando tenham completado quarenta e cinco anos de idade. Artº 39º - As inspecções serão efectuadas em dispensários para esse fim estabelecidos ou no domicílio das toleradas quer hajam obtido a respectiva licença, sendo gratuitas as inspecções feitas nos dispensários, assim como todas as que forem ordenadas. §1º O resultado das inspecções sanitárias deve não só ser registado no livrete sanitário a que refere o artigo 9º, mas também em boletins (modelo nº 3) que estarão em poder do dispensário quando as meretrizes ali sejam inspeccionadas ou em poder do agente policial que acompanhe o clinico nas inspecções domiciliárias .Estes boletins, no fim do ano, devem ser arquivados no dispensário junto do modelo nº 2. § 2º Aos domingos e dias feriados, não haverá inspecções, devendo ser transferidas para os

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 dias imediatos. Artº 40º - A qualquer das mulheres compreendidas no artigo 36º poderá ser concedido alvará de licença para inspecção domiciliária quando assim lhe convenha e se verifique que na casa onde reside ou vai inspecionar-se há os cómodos necessários para êsse fim, sob as seguintes condições: 1º Prestar-se a receber a visita á hora e dia que lhe forem designados. 2º Satisfazer adiantadamente, no comissariado da polícia, no princípio do mês, a importância de 50$00, por cada mês de visitas. 3º Pagar ao médico a importância de 5$00 por cada visita. § único – A falta da rigorosa observância destas condições será bastante para que a autoridade faça apresentar a infractora ás visitas no dispensário sem indemnização alguma pelo que tiver pago adiantadamente. Artº 41º - As donas de casa de tolerância, a cujas mulheres fôr concedida a visita sanitária no domicílio, ficam responsáveis pela rigorosa observância do artigo antecedente e sujeitas ás suas disposições. Artº 42º - A licença de inspecção domiciliária é anual e semestral e renovada no caso de mudança de residência. Artº 43º - As faltas ás inspecções sanitárias somente poderão ser relevadas, quando as mulheres, dentro de vente e quatro horas, apresentarem certidão de doença ou mostrarem ter faltado por causa de força maior. Artº 44º - Toda a tolerada afectada de manifestações contagiosas de sífilis ou de qualquer outra moléstia contagiosa, venérea ou não, será imediatamente enviada ao comissariado da polícia acompanhada de uma guia do facultativo, na qual se indique a natureza da moléstia a fim de dar entrada no hospital competente. § único As donas de casa de tolerância são obrigadas a impedir o exercício da prostituição ás toleradas atacadas por doenças contagiosas e a participar o facto imediatamente á respectiva repartição. Artº 45º - Toda a tolerada doente que quiser recolher ao hospital deverá solicitar na repartição da polícia a guia de entrada. Artº 46º - Os dispensários também deverão ser utilizados para o tratamento profilático da sífilis. O tratamento efectuado deverá ser registado nas fichas modelo n.º 3. Artº 47º - As toleradas que saírem curadas do hospital serão entregues ao agente de polícia, que ali as receberá para as apresentar no comissariado, a fim de serem tomadas as competentes notas. Artº 48º - Também serão pelo mesmo agente apresentadas á autoridade policial as mulheres que tiverem sido tratadas no hospital de moléstias sifilíticas, se houver motivos justificados que justifiquem a apresentação. Artº 49º - Ao facultativo encarregado das inspecções sanitárias é expressamente proibido: 1º Tratar nas suas doenças as toleradas e donas de casas de tolerância , salvo o disposto no artº 46º. 2º Receber das toleradas, donas de casa de tolerância e de pessoas que lhes digam respeito remuneração alguma, para além da estabelecida no n.º 3 do art.º 40. Artº 50º - Em todos os serviços, o facultativo deverá ser acompanhado de um agente policial que tomará as notas precisas para informar a repartição. CAPÍTULO V – DISPOSIÇÕES PENAIS - Artº 51º - Serão punidas: 1º Com a multa de 10$00 as infracções dos nºs 3º, 7º , 15º, 17º e 18º do artigo 2º e nº 3 do artigo 29º. 2º Com a multa de 20$00, as infracções dos n.ºs 4º, 11º e 16º do artigo 2º. 3º Com a multa de 30$00, as infracções dos n.ºs, 2º, 6º, 12, e 13º do artigo 2º. 4º Com a multa de 50$00, as infracções dos n.ºs, 1º e 4º do artigo 29º. 5º Com a multa de 100$00, as infracções do § único do artigo 29º. 6º Com a multa de 30$00 a 50$00 e cinco a dez dias de prisão não remível as infracções dos n.ºs, 5º, 8º e 9º e 14º do artigo 2º. 7º Com a multa de 50$00 a 100$00 e cinco a dez dias de prisão não remível as infracções do artigo 26º, dos n.ºs, 2º e 9º e 14º do artigo 29º, artigos 41º e 44º e seu parágrafo. 8º Com a multa de 300$00 e quinze a trinta dias de prisão não remível as infracções dos nºs 5º, 8º, 10º e 12º do artigo 29º e as dos artigos 30º e 33º. 9º Com o disposto na parte final do artigo 60º do decreto de 27 de Maio de 1911 e no § 2º do artigo 120º do decreto nº 10.767 de 16 de Maio de 1925, as infracções do nº 10 do artigo 2º e nº 13º do artigo 29º. 10º Com a pena de desobediência, as infracções dos nºs 7º e 11º do artigo 7º e as do artigo 31º. §1º Na mesma pena estabelecida no nº 7 dêste artigo incorre o individuo afectado de moléstia contagiosa que,

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 conhecendo o seu estado, transmitir a doença a qualquer tolerada e bem assim o requerente que não cumprir as obrigações contraídas nos termos do artigo 13º e do § único doo artigo 14º. §2º Na mesma pena estabelecida no nº 8º deste artigo incorrem quando descoberta a fraude, os infractores dos artigos 27º e 34º, sendo, além disso, cassados os alvarás ou licenças que possuírem para o funcionamento das respectivas casas e impedidas as donas e interpostas donas de casas de tolerância de se estabelecerem noutro qualquer lugar. Artº 52º - As mulheres compreendidas na disposição do artigo 36º que faltarem á visita sanitária nos lugares, dias e horas que forem designados incorrem na multa de 30$00. Artº 53º - As mesmas mulheres que, sem causa justificada, se recusarem a inspecção sanitária considerar-se-hão infeccionadas e serão presas e levadas ao juiz competente para ordenar o respectivo exame. Artº 54º - Quando as mesmas mulheres faltarem a duas visitas sanitária s consecutivas, serão presas e conservadas em custódia até que sejam inspeccionadas, incorrendo, além disso, na multa de 50$00. Artº 55º - As donas de casa de tolerância que não estiverem habilitadas com os respectivos alvarás de licença incorrerão na multa de 300$00 e serão avisadas para se habilitarem no prazo de quarente e oito horas, quando não haja inconveniente para que residam nas casas onde foram encontradas. Não o fazendo, serão autuadas e entregues no respectivo juiz para responderam por desobedientes e compelir-se-hão as toleradas que nelas residirem a saírem dentro de vinte e quatro horas. Artº 56º - Quando nos termos deste regulamento for necessário fazer sair das respectivas habitações as donas das casas de tolerância e as toleradas serão aquelas intimadas a fazê-lo no prazo de quarenta e oito horas e estas no de vinte e quatro horas, procedendo-se conforme o determinado na parte fina do artigo anterior, quando não forem cumpridas as intimações. Artº 57º - As toleradas incorrigíveis e que se tornarem insuportáveis pelo seu comportamento libertino e escandaloso, sendo de fóra da localidade, serão mandadas retirar para as terras das suas naturalidades, quando outra pena lhes não seja aplicável e as naturais da localidade, serão autuadas e processadas nos termos deste regulamento e das leis relativas aos factos que houverem praticados. Artº 58º - Serão julgadas e entregues ao governo as toleradas ou meretrizes que, por si ou por outrem, roubarem ou furtares seja o que fôr a qualquer pessoa, procedendo-se a respeito da casa onde habitualmente forem praticados o roubo ou o furto conforme se preceitua na parte final do § º do artigo 51º ou na do artigo 64º sem mais forma de processo, se a casa fôr particular. Artº 59º - É aplicável o disposto no artigo 7º e seus parágrafos a todas as mulheres que exerçam a prostituição clandestina, observando-se, no entanto, o que se acha disposto no artigo 8º e seus parágrafos quando se trata de estrangeiros. Artº 60º - Quando se verifique pela averiguação de que trata o artigo 4º que a mulher não estava prostituída e que veiu para uma casa de tolerância com falsas promessas de ser empregada noutro mister, será logo enviada á terra de naturalidade ou da sua residência, ficando a pessoa que a mandou vir ou que a recebeu ou que no caso teve qualquer intervenção, mesmo que não seja dona de casa de tolerância, obrigada ao pagamento das respectivas despesas, incorrendo, além disso, na multa de 300$00 e na pena de prisão estabelecida no Código Penal, sendo para este fim remetida ao juiz competente. § 1º Será aplicado o disposto no artigo 62º se a pena de prisão não estiver prevista no código Penal, em virtude da idade da mulher. §2º Além da penalidade sofrida neste artigo e no parágrafo anterior, é aplicável ás donas de casa de tolerância o disposto na parte final do §2º do artigo 51º, procedendo-se a respeito das casas, quer sejam ou não publicas, cujos proprietários ou arrendatários ocultarem mulheres para o fim indicado neste artigo, conforme se preceitua na segunda parte do artigo 63º. §3º Proceder-se-há ao arresto e venda em hasta pública dos bens dos infractores, se fôr necessário para custear as despesas que se fizerem. §4º No caso de reincidência, serão os infractores postos fora do território português, se a pessoa infractora fôr estrangeira e se fôr portugueza será julgada como desobediente e entregue ao Governo, correndo por conta da pessoa infractora todas as despesas e procedendo-se nos termos do parágrafo anterior se fôr necessário.

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 Artº 61º - Nas disposições a que se refere o artigo antecedente e seus parágrafos incorrem todos os indivíduos que, por qualquer meio, tenham ou procurem lançar no caminho da prostituição qualquer mulher por causas independentes da sua vontade, ou ainda por outra circunstancia. Artº 62º - Serão julgados como vadios e entregues ao Governo, os indivíduos do sexo masculino ou do sexo feminino, de nacionalidade portugueza e estrangeira, que aufiram lucros de prostituição e seja a que título fôr, salvas apenas as disposições deste regulamento. Artº 63º - As pessoas que prestarem as suas casa, quer estejam ou não sob a imediata fiscalização da polícia, para o exercício da prostituição ou de relações sexuais a casais que nelas não tenham residência fixada, incorrem pela primeira vez no disposto do nº 8 do artigo 51º e, em caso de reincidência , além da mesma penalidade, são cassadas definitivamente as licenças que possuírem para o funcionamento das respectivas casas, se estas estiverem sob a imediata fiscalização da policia procedendo para com todas as outras casas conforme se preceitua no artigo 64º sem mais forma de processo. Artº 64º - Far-se-há o despejo sumário quando, por meio do processo regular organizado em virtude da reclamação de queixosos ou de participação das autoridades públicas se constate que, numa determinada casa se exerce a prostituição com escândalo, sendo, no entanto essencial que o escândalo esteja ligado á prostituição. §1º Na organização dos processos de que trata este artigo serão ouvidos, em auto, os queixosos, os arguidos e as testemunhas de acusação e defesa. § 2º Findo o processo e sempre que se mostre provada a acusação, serão os arguidos intimados, em vista do respectivo despacho, para proverem ao despejo que lhes fôr marcado nos mandados e se não cumprirem no prazo e modo que os mandados determinarem, procederão os agentes ao despejo correndo essas despesas pela verba da repartição competente. §3º Os intimados podem recorrer com efeito suspensivo, até quarenta e oito horas de expirado o prazo marcado na intimação para o despejo para o governador civil do distrito e da decisão deste magistrado para o Supremo Tribunal de Administração Pública, no prazo de três dias, a contar da data da respectiva notificação, recursos que serão entregues no comissariado de polícia e subirão no próprio processo do qual ficarão cópias. § 4º Se os arguidos, depois de intimados para fazerem o despejo saírem da casa que ocupavam deixando objectos que lhes pertençam, serão esses objectos, depois de relacionados na presença de duas testemunhas, removidos para a Abegoaria Municipal se os queixosos concordarem em pagar todas as despesas, para isso necessário, tendo o mesmo destino os objectos que os arguidos não forem retirar no prazo de doze horas. CAPÍTULO VI - DISPOSIÇÕES DIVERSAS Artº 65º O serviço policial de meretrizes é dirigido superiormente pelo comissário de polícia cívica, que executará, por si e pelo pessoal sob as suas ordens, o disposto neste regulamento. Artº 66º O produto das taxas estabelecidas no art.º 10º, no § único do artº 14º e no nº 2 do artigo 40º e das multas impostas por este regulamento será enviado, até ao dia 8 do mês seguinte, ao Governo Civil do distrito para ser aplicado a beneficência pública, observando-se, no entanto, sempre que se dê tal facto o disposto no § 2º do artigo 64º. Artº 67º - São desde já encerradas em vista do disposto no nº 1º do artigo 2º as casas de tolerância estabelecidas na Rua do Monteiro e Rua da Cadeia Velha e as das Ruas dos Medinas que estão nas proximidades da Rua da Cadeia Velha. Artº 68º - Não serão concedidos mais alvarás de licença para o funcionamento de casas de tolerância em rez-do-chão, ou lojas vigorando os actuais até ao fim do prazo. Artº 69º - É expressamente proibido o funcionamento de estabelecimentos que vendam bebidas a retalho na rua dos Medinas, Travessa da Malta, Rua do Ribeirinho de Baixo e noutros lugares exclusivamente habitados por toleradas, devendo a polícia proceder ao despejo dos actuais e dos que porventura forem instalados naqueles locais, quando os seus proprietários ou administradores não o façam dentro de quarenta e oito horas depois de receberem a competente intimação. Artº 70º - É considerado confidencial toda a escrituração e correspondência relativa ao registo das toleradas e das meretrizes. § único – Os esclarecimentos ou certidões que oficialmente forem expedidos não serão

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Anuário do CEHA 2015, N.º 7 fornecidos ou passados sem ordem expressa do Governo Civil. CAPITULO VII – DISPOSIÇÕES GERAIS - Artº 71º - Os autos levantados e as investigações feitas nos termos deste regulamento fazem fé em juízo até prova em contrário e valem por corpo de delito. Artº 72º - Quando nos termos deste regulamento, seja necessário ouvir qualquer pessoa na repartição competente, deverá ser intimada nos termos da lei geral. §1º Em casos urgentes, as informações poderão ser feitas verbalmente pelos agentes de polícia. Das que forem feitas em virtude de mandado, os agentes devem passar a respectiva certidão, entregando ao intimado a respectiva contrafé. §2º Esta certidão fará fé em juízo ainda que o intimado não o assine. Na intimação devem indicar-se duas testemunhas. Quando, porém, estas se não encontrem, esta declaração se fará na própria certidão e assim terá fé em juízo. Artº 73º - Quando a pessoa que fôr intimada nos termos do artigo antecedente não comparecer, o comissário ordenará que se passe mandado para ser conduzido á sua presença sob custódia, e o agente encarregado dessa diligência a efectuará, podendo empregar a força se fôr preciso. § único Neste caso, o comissário ouvirá os apresentados no prazo de doze horas, salva a responsabilidade criminal em que possam ter incorrido, como incursos no artigo 188º do código Penal. Artº 74º - Das intimações que tenham de ser feitas para cumprimento dêste regulamento se entregará aos intimados a competente contrafé; quando se trate de despejo da casa, será entregue ao intimado o duplicado de petição inicial. Artº 75º - Sempre que seja necessário ouvir qualquer pessoa que resida fora da localidade em que estiver situada a repartição competente, será essa pessoa inquirida, a pedido do comissário, pela respectiva autoridade administrativa, que remeterá ao comissário o auto das declarações juntas. Artº 76º - o PRESENTE REGULAMENTO REVOGA O DE 22 DE Março de 1886 e será intimado ás pessoas a ele sujeitas e pôsto em execução sem outra formalidade – FUNCHAL, 12 DE JANEIRO DE 1931 – O GOVERNADOR CIVIL JOSÉ MARIA DE FREITAS, coronel. Está conforme o original. FUNCHAL 1 DE JULHO DE 1944 O SECRETARIO (assinatura não legível)

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