Correlação entre alegação e ônus no processo penal brasileiro: breve estudo da sintaxe constitucional da “presunção de inocência” e sua interpretação não circular

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Correlação entre alegação e ônus no processo penal brasileiro: breve estudo da sintaxe constitucional da “presunção de inocência” e sua interpretação não circular Plea and burden of proof ’s link in the brazilian criminal procedure: a brief review on the presumption of innocence’s constitutional syntax and it’s non-circle rendering *DEULHO$QWLQROÀ'LYDQ1 Resumo: RSUHVHQWHWUDEDOKRSURFXUDHVWDEHOHFHUDOJXPDVGLVIXQo}HV QD LQWHUSUHWDomR MXULVSUXGHQFLDO GDV ´REULJDo}HV” ´DOHJDo}HVµ e estratégias processuais sobre “ônus probatório” no Brasil. Para isso, H[S}HDUJXPHQWRVHPGRLVYpUWLFHVSULPHLUDPHQWHSUHWHQGHUHYLVLWDUD questão do ônus probatório no processo penal brasileiro a partir de uma FKDYHHVSHFtÀFDGHDQiOLVHDpresunção de inocência só é válida e efetiva quando interpretada diante de uma sintaxeHXPFRQWH[WRTXHOKHGmR caráter de opção volitiva para com o julgador. Em segundo plano, traz XPH[HPSORGHLQWHUSUHWDomRDSDUWLUGRIDPRVRFDVRDavis vs. United States 160 U.S., 469 onde a Suprema Corte estadunidense estabelece uma interessante hipótese para o ônus probatório em matéria penal, que é comumente interpretada em um sentido contrário ao qual procurou PLOLWDU $ LQWHUSUHWDomR GDV TXHVW}HV UHODWLYDV DR ´{QXV SUREDWyULRµ pode, a partir disso, ser visualizada em dois planos distintos, sendo que em um deles vai englobada uma característica de estratégia processual e outro trata de conformar a hipótese legal/abstrata condizente com o ditame constitucional Doutor em Ciências Criminais (PUCRS). Professor do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Direito – da Universidade de Passo Fundo – RS. Líder do Grupo de Pesquisa ‘Reclame as Ruas: Direito, Política, Sociedade”. Advogado

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Palavras-Chave: Ônus da Prova – Presunção de Inocência - Processo Penal – Sistema de Justiça Criminal Abstract: The present work aims to set up some diferences about the jurisprudential reading of procedural obligations, pleas and strategies related to the burden of proof in the brazilian system of criminal MXVWLFH 7KHUHIRUH LW VKRZV WRSLFV LQ WZR ZD\V ÀUVW WKH LQWHQWLRQ LV WRUHYLHZWKHEXUGHQRI SURRI ·VLVVXHIURPDVSHFLÀFSRLQWRI YLHZ² the presumption of innocence is only effectual when perceived from D V\QWD[ DQG D FRQWH[W ZKLFK JLYHV WR LW D SDUWLFXODU VKDSH MXVW OLNH D -XVWLFH·V ÀUVW RSWLRQ RU FKRLFH WR OHDG WKH FDVH 2Q VHFRQG WLPH LW EULQJV DQ H[DPSOH UHIHUULQJ WKH QRWRULRXV Davis vs. United States 160 U.S., 469, where the S.C.ot.U.S. established an interesting hypothesis to the burden of proof ’s issue, usually rendered in an opposite direction to it’s concerns. The study of the main issues on the burden of proof can be, thenceforth, displayed in this two diferent ways: in a procedure acting and strategy way and in an abstractly way, linking it to it’s legal and constitutional hypothesis. Keywords: Burden of Proof – Criminal Justice – Criminal Procedure - Presumption of Innocence. Sumário: 1. Presunção de Inocência: caráter volitivo e interpretação não-circular; 2. Presunção de inocência e ônus da prova no Código de 3URFHVVR3HQDO%UDVLOHLURFRUUHODo}HVWH[WXDLVWHPHUiULDV´$OHJDomRµ “Defesa” e manifestação adesiva: aplicando a sintaxe constitucional da 3UHVXQomR GH ,QRFrQFLD  $OJXPDV UHÁH[}HV ÀQDLV  5HIHUrQFLDV consultadas (...) a smentirla bastano “arresto preventivo”, istruzione segrete e il “fato stesso”che qualcuno sia imputato ossia, “necessariamente”, colpevole presunto; “del resto, la pratica dei giudizi...va facendo giustizia sommaria di simile assurda teoria, escogittata dall’empirismo francese”. Secondo lui, il proceso somiglia alla 474

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machina descritta da Kafka nella “Colonia Penale”: esistono anche garanzie ma, essendo presumibelmente colpevole l’imputato, “secondo l’ordine normale delle cose”, una tutela di libertà “pericolante” è pensabile solo quale effeto marginale;nell’alternativa delle conclusione fallibili, meglio che i giudici condanninno (è la ‘via tutior’ direbbe Escobar) (Franco Cordero, sobre a visão de “presunção de inocência” defendida por Vicenzo Manzini, in Guida alla Procedura Penale. Torino: Utet, 1986, p. 5). Presunção de Inocência: caráter volitivo e interpretação nãocircular 'H DFRUGR FRP R WH[WR SXUR GD &DUWD 0DJQD EUDVLOHLUD HP VHX Artigo 5º, inciso LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Há muito temos sustentado a ideia de que há duas hipóteses de LQWHUSUHWDomROH[LFDPHQWHFDEtYHLVSDUDWDOGLVSRVLWLYR(XPDGHODV² ainda que preze pela correção estrita do ponto de vista gramatical – conduz a um grau de obviedade atroz e que clama por complementação. Do ponto de vista jurídico-político, é preciso substancializar esse ´VHUFRQVLGHUDGRFXOSDGRµTXH DQWHVGRWUkQVLWRHPMXOJDGR ´QLQJXpP VHUiµ VH OLGR DR Sp GD OHWUD WUDWDVH GH SXUD UHGXQGkQFLD LQ~WLO Logicamente, o status de uma pessoa não mudará (de não-condenado por sentença transitada em julgado, para, efetivamente, condenado) se QmR KRXYHU D GHYLGD LQFXUVmR GR FDVR QR kPELWR GR SURFHVVDPHQWR jurisdicional e se não redundar, o mesmo, em decisão judicial inapelável nesse teor. Se meramente assim fosse e esse, simplesmente, fosse o SUHGLFDGRFRQVWLWXFLRQDOVHTXHUSUHFLVDULDHVWDUSRVLWLYDGRQRWH[WRGD Lei Maior: seria o mesmo que dizer que um sujeito jamais esteve em %UX[HODVRXIRLSDLGHXPPHQLQRDWpRGLDHPTXHDPEDVFRLVDVYLHUHP 475

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a se concretizar, quando – segundo o predicado – daí os enunciados poderiam se ter por verdadeiros. É lógico que é preciso ir hermeneuticamente além da pura e simples ideia de que ninguém é juridicamente culpado até ser – ora – juridicamente passível de ser tido por culpado. A aplicação cotidiana do ditame constitucional (até mesmo em respeito ao pilar fundamental do GLUHLWRGHPRFUiWLFRTXHQHODWHPFRQGLo}HVGHHVWDUHVWDPSDGR FDUHFH de um implemento muito mais marcadamente voltado para a necessária YLYLÀFDomRGD´SUHVXQomRGHLQRFrQFLDµGRTXHXPDPHUDUHGXQGkQFLD protocolar em relação ao “estado” de culpa. 3RULVVRSUHIHULPRVXVRGHH[SUHVVmRTXHLQGLFDYHUGDGHLUDPHQWH um critério volitivo (“presunção”), do que outros que, retoricamente parecem mais fortes, mas em realidade se mostram menos impactantes (“estado de inocência”). Por “presunção de inocência” entendemos mais do que a constatação de que efeitos principais de atribuição políticojurídica de culpa a um acusado sejam apenas legitimados após uma condenação H VHX UHVSHFWLYR WUkQVLWR 3RU ´SUHVXQomR GH LQRFrQFLDµ VH HQWHQGHXPDH[SUHVVmRTXHFDUUHJDW{QLFDMXVWDPHQWHQRFDUiWHUDVHU presumido – que é igualmente componente de assunção ou preferência LQLFLDO SRUSDUWHGRMXOJDGRU IUHQWHjVGXDVJUDQGHVGLYLV}HVSRVVtYHLV da dialética processual penal – a(s) tese(s) acusatória(s) e aquela(s) defensiva(s). Linguisticamente, nenhum tipo de afronta ou VRÀVPD, aqui: em sendo, QRFRQWH[WRDSHQDVSRVVtYHOGHXPUHVXOWDGRÀQDOSDUDRSURFHVVRXPD GDVGXDVUHVSRVWDVH[FOXGHQWHVFRUUHWDV RX²DRÀPHDRFDER²VHp culpado, no todo ou em parte, ou inocente – englobadas aqui quaisquer teses ou elementos decisórios que não redundem em condenação. Por amor ao debate poder-se-ia diferenciar um genuíno “inocente” de um ´QmRFXOSDGRµDEVROYLGRSRUIDOWDGHSURYDVSRUH[HPSORPDVQmRp QHFHVViULRQRPRPHQWRSDUDÀQVGDDUJXPHQWDomRDTXLSURSRVWD VHULD possível dizer que não ser “considerado” culpado implica em ser – até o 476

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momento da condenação irrecorrível – ser de fato “considerado inocente”. E isso deve implicar em um status que não é simplesmente o de “não (ainda...) culpado”. O fator “presunção de inocência”, ao se diferenciar de uma reles antecipação injusta do statusGHFXOSDGRSDUDTXHPQmRWHYHFRQGHQDo}HV WUDQVLWDGDV HP VHX GHVIDYRU UHTXHU XPD DQiOLVH VXEVWDQFLDO TXH H[LEH uma escolha de preferência inicial em relação ao dito status. Ao “presumir” um acusado como “inocente”, ao “considera-lo” inocente, o julgador assume um pendor inicial para que se considere verdadeira (a princípio) a KLSyWHVHGHIHQVLYDRXDRPHQRVDWHVHPDLVEHQpÀFDSDUDDPDQXWHQomR do status de inocência (que é o estado natural a ser, eventualmente, PRGLÀFDGRSHODexceção que é a condenação atribuidora de culpa). Como discorreram já, com muita propriedade Vilela e também Amaral, esse é o tom (para alguns), “polêmico” aqui, mas que nada tem de errôneo ou disparatado: segundo a pesquisadora portuguesa, $SUHVXQomRHPVHQWLGRWpFQLFRGHÀQHVHFRPRVHQdo o mecanismo através do qual, a partir de um facto conhecido, se aceita um outro, desconhecido, sem que haja necessidade de recorrer a qualquer meio de prova. Há, na presunção, um fundamento lógico que repousa na ideia da probabilidade racional de que venha aconWHFHU R IDFWR SUHVXPLGR XPD YH] UDWLÀFDGR R IDFWR real2 Para o professor brasileiro3, na mesma linha, há que se falar em uma pré-ocupação GH LQRFrQFLD DÀUPDQGR DLQGD FRP PDLV tPSHWR D necessidade de que o processo penal “compre” (inicialmente, às cegas) 9,/(/$ $OH[DQGUD Considerações acerca da Presunção de Inocência em Direito Processual Penal. Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 81.

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AMARAL, Augusto Jobim do. Apontamentos sobre a ‘Pré-ocupação’ de Inocência in Boletim informativo do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal. Ano 02. N. 02. Porto Alegre: IBRASPP, 2012, pp. 3-4

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a hipótese defensiva como verdadeira, solidamente (até que a hipótese excepcional se imponha subvertendo a normalidade). eSRVVtYHOSRLVGL]HUTXHDVTXHVW}HVUHODWLYDVDRFKDPDGR´GHYHU de tratamento” imposto pela palavra constitucional não diz respeito meramente a uma formalidade ou etiqueta relativa a considerar não efetivado aquilo que de fato ainda não foi efetivado (o status de culpado). É, sim, um ditame que preenche a “presunção” com um conteúdo determinado, que mormente diz respeito – de modo mais sensível e incisivo – em relação às provas e às hipóteses de consideração, valoração e decisão sobre elas e os demais elementos e argumentos apresentados4. Discutir “presunção de inocência”, pois, passa mais por discutir a índole constitucional-democrática que deve imantar o processo penal e, no caso, a avaliação probatória fundamental5, do que simplesmente discutir a literalidade de um dispositivo que orienta (em tese) o intérprete a só estabelecer efeitos jurídicos de culpa a quem já assim puder ser considerado. 1. Presunção de inocência e ônus da prova no Código de Processo Penal Brasileiro: correlações textuais temerárias Preconiza o caput do Artigo 156 do Código de Processo Penal (CPP) brasileiro: “$SURYDGDDOHJDomRLQFXPELUiDTXHPDÀ]HUVHQGRSRUpP facultado ao juiz de ofício (...)”. “A Constituição dá-lhe (ao Princípio da Presunção de Inocência) assim consagração, não apenas enquanto um modo de tratamento a dispensar ao argüido quando contra si ocorre um processo crime, pretendendo oferecer-lhe o tratamento que se assemelhe o mais possível igual a quem não se encontra acusado pela prática de um crime, mas também enquanto regra probatória aliada ao princípio do in dubio pro reo. Resulta ainda que lhe oferece legitimidade para, ao longo do Código de Processo Penal, disseminar, a marca, de resto indelével, da presunção de inocência”. VILELA, Considerações..., p. 18.

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',9$1*DEULHO$QWLQROÀ3RGHUHVLQVWUXWyULRVGRMXOJDGRUFULPLQDOGRSRQWRGH vista político-processual: índole e instrumentalidade. Anais do III Congresso Internacional de Ciências Criminais. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012: http://ebooks. pucrs.br/edipucrs/anais/cienciascriminais/III/25.pdf 5

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3DUDDOpPGDVLPSOLFDo}HVHUXPRVTXHRGHEDWHWRPDULDGLDQWHGD discussão sobre a parcela de RÀFLDOLGDGH que o sistema brasileiro permite, legando possibilidade de produção probatória de plano, pelo magistrado e o grau de “inquisitorialidade” – nociva – que isso comportaria (e remetemos o leitor a algumas obras que dão o tom da discussão sobre a temática: Taruffo6; Grinover7; Coutinho8; Lopes Jr.9, vamos nos DWHUHVSHFLDOPHQWHjTXHVWmRLJXDOPHQWHLPSRUWDQWHGDSDUWtFXODWH[WXDO LPHGLDWDPHQWH DQWHULRU TXH HVWDEHOHFH XPD PHFkQLFD WRGD SUySULD j questão do ônus probatório processual penal brasileiro. Novamente, uma leitura literal e estanque do caput permite apenas XPDLQWHUSUHWDomRLJXDOPHQWHSHWULÀFDGDGRLQVWLWXWRRTXHUHPHWHSDUD uma conclusão problemática: a leitura simplória e sua análise correlata fazem crer que a sistemática relativa ao onus probandi em nosso direito processual penal é aquela relativa aos antigos brocados e condizente FRPVLVWHPDVSURFHVVXDLVGHQDWXUH]DSRUH[HPSORcivil, resumida na premissa de que “quem alega, prova”. Ou, ainda: é obrigaçãoGHTXHPDÀUPD algo a prova correlata. Uma estipulação que, não se pode negar, parece quase lógica diante de termos simples de discussão, no entanto, ignora – ou deliberadamente contraria – a realidade de que o processo penal (mormente o processo Cf. TARUFFO, Michele. La prueba, Artículos y Conferencias. Santiago: Editorial Metropolitana, 2009. 6

Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 7, Número 27, Set./Out. São Paulo: RT, 1999 7

Cf. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema Acusatório: cada parte no seu lugar constitucionalmente demarcado. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de (Orgs.). O novo processo penal à luz da Constituição. (análise crítica do projeto de lei n. 156/2009, do Senado Federal). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 579-593 9

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penal necessariamente constitucionalizado vigorante em nosso RUGHQDPHQWR  p XP SURFHVVR RQGH DOJXPDV DUHVWDV D[LROyJLFDV SUHFLVDPVHUVHSDUDGDVHRQGHDFLPDGHWXGRR´ÀHOGDEDODQoDµppWLFD democrática e juridicamente alterado para considerar uma situação preferencial (inicialmente) mais favorável. Predicados como favor libertatis e in dubio pro reo são corolários da “presunção de inocência” que estipula literalmente isso: em princípio (e apenas em princípio) há uma presunção – sentido amplo – de veracidadeGDKLSyWHVHPDLVEHQpÀFDRX condizente com a “liberdade”, ou, melhor dizendo, com a tese mais tendente a manter inalterado o status normal do indivíduo no campo político-jurídico que é o de inocência ou não-condenação criminal. 'LDQWHGLVVRXPDDÀUPDomRFRPRDGHTXHpQHFHVViULRDTXHP À]HUXPDDOHJDomRH[LELUD´SURYDµFRUUHODWDVySRGHVHUDEVXUGDXPD vez que se estaria, de pronto, equiparando a obrigatoriedade óbvia de uma acusação fazer prova daquilo que alega no intuito de encaminhar uma condenação criminal (alteração no status quo) a uma canhestra “obrigação” de a defesa “fazer prova” da inocência ou da hipótese respectiva contrária. Dois níveis distintos: É lógico que no caso de alguma das partes processuais fazer XPDDÀUPDomRVHPTXDOTXHUHVWHLRSUREDWyULRKDYHUiXPDHVSpFLHGH “ônus”, mas ele em nada condiz com a forma cogente de uma regra sobre ônus da prova processual. Diz, sim, respeito ao ônus fático que, diante do jogo – como para Calamandrei10 e/ou Morais da Rosa11 oportunidades de vantagens ou revezes surgem a todo instante, bem como a necessidade/oportunidade de a parte se livrar de “cargas”. Enquanto jSDUWHDFXVDGRUDVHLPS}HXPdever de lidar com a carga de provar sua CALAMANDREI, Piero. Il processo come giuoco. Rivista di Diritto Processuale. Volume V – Parte I. Padova: Cedam, 1950, p. 5 10

025$,6'$526$$OH[DQGUHGuia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, pp. 68-70

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assertiva, à defesa se oferta a possibilidade de implementar sua vantagem ao usar a chance probatória12. Um necessariamente precisa provar o que diz (ônus processual). Outro, pode sair em desvantagem (ônus pragmático) se porventura alegar algo e não provar: A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória. Assim, quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance, assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance, logo, a assunção de um risco D XPD VHQWHQoD GHVIDYRUiYHO ([HPSOR WtSLFR p R H[HUFtFLR GR GLUHLWR ao silêncio, calcado no nemo tenetur se detegere. Não gera um prejuízo SURFHVVXDO SRLV QmR H[LVWH XPD FDUJD e autorizado (processualmente) RUpXDÀFDUsilente, FDVRSUHÀUD&RQWXGRSRWHQFLDOL]DRULVFRGHXPD sentença condenatória, isso é inegável. Não há uma carga para a defesa H[DWDPHQWHSRUTXHQmRVHOKHDWULEXLXPSUHMXt]RLPHGLDWRHWDPSRXFR possui ela um dever de liberação13. No que diz respeito à obrigação (ônus) verdadeiramente processualpenal, a questão probatória pende como imposição somente frente à acusação, uma vez que é importante frisar, inicialmente, que a questão da própria presunção de inocência eleva o processo penal e sua análise teórica a outro patamar. Nada impede que a defesa faça uso de sua prerrogativa (ou PHOKRU HVWUDWpJLD  GH UHVJXDUGDUVH H QmR ODQoDU PmR GH H[SHGLHQWHV probatórios. Mas a lógica da prova em matéria penal é a lógica da disputa por território, por ocupação de espaços: quando mais prova as partes obtiverem e produzirem, maior será o conjunto do seu conteúdo (ou do conteúdo a si favorável) disponível para que o juiz construa a versão decisória com base nessa versão. Ou seja: ao deixar de produzir prova, o GOLDSCHMIDT, James. Principios generales del Proceso II. Problemas jurídicos y políticos del proceso penal. Buenos Aires: EJEA, 1936, p. 77. 12

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LOPES JR., Direito Processual Penal, p. 563.

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efeito sintomático para as partes é distinto: A acusação que não se embase em provas sólidas, fora o próprio tom teratológico do fato, comete em última análise, além de uma “falta grave” no sentido das cargas processuais (que faz pender o mérito da causa para o lado oposto), uma ilegalidade GHFRUUHQWH GR H[HUFtFLR abusivo da pretensão acusatóriaTXHQRHVWDGRGHPRFUiWLFRH[LJHPtQLPR embasamento verossímil e coerente. Tanto Carnelutti, em sua época14, quanto Ferrajoli (para quem é impensável um pleito acusatório que não possua características intrínsecas relativas à formulação de “términos unívocos y precisos, idóneos para denotar exactamente el hecho atribuido y para circunscribir el objeto del juicio y de la sentencia (...)”, como também o “apoyo de adecuados indicios de culpabilidade” e ainda ser “completa, es decir, integrada por ODLQIRUPDFLyQGHWRGRVORVLQGLFLRVTXHODMXVWLÀFDQGHIRUPDTXHHOLPSXWDGRWHQJD la posibilidad de refutarlos”15), além de Tovo e Marques Tovo16, concordam TXHDSUHVHQoDGHLQGtFLRVPLQLPDPHQWHH[LJtYHLV RXRSRSXODUPHQWH conhecido “escorço probatório mínimo”) não é item opcional para a consecução probabilística de uma sentença favorável e sim, perante a acusação, uma obrigação democrática que conforma o próprio sentido de pleito acusatório válido em democracia. A defesa que não se embase em provas sólidas, por sua vez, não está rompendo – na toada das chances e cargas à luz de Goldschmidt – com qualquer tipo de obrigação ou ônus, mas sim com uma estratégia mais La primera observación que hay que hacer en orden a su naturaleza, es que también la imputación consiste en un juicio. La materia prima, diríase, es la misma de que está hecha la sentencia de remisión al debate o la sentencia de condena. No se puede abrir el proceso contra alguien sin una cierta dosis de convicción de su culpabilidad”. CARNELUTTI, Francesco. Cuestiones sobre el Proceso Penal. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: Librería El Foro, 1960, p. 138.

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FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoría del garantismo penal. Trad. Perfecto Andres Ibáñez et alii. Madrid: Trotta, 1995, pp. 606-607.

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TOVO, Paulo Cláudio. MARQUES TOVO, João Batista. Apontamentos e guia prático sobre a denúncia no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 46-50.

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segura em relação ao jogo: não é dever constitucional-democrático dela “provar” a hipótese normal e presumida, mas é temerário para ela abrir mão da consciência de que uma alegação sem provas pode (e certamente irá) custar caro. ,OXVWUDQGRHPUHODomRDXPD H[HPSORWULYLDO DFXVDomRGHhomicídio em que o réu pleiteie absolvição e alegue que agiu em legítima defesa, o acusador público – membro do Parquet (no caso do processo desse crime no direito brasileiro) tem o dever (ônus) de elencar provas que sustentem (ainda que em grau de simples verossimilhança) o grave DLQGDTXHDEVWUDWRRXHPWHVH MXt]RTXHVHSURS}HFRQWUDRFLGDGmR que ocupa o polo passivo da demanda penal. O acusado, por sua vez, poderia, levianamente, se limitar a suscitar a tese que lhe aproveita e legar todo trabalho de comprovar ao acusador. Do ponto de vista das regras democráticas do processo penal, os dois ônus são díspares: o “ônus” TXH DÁLJH j GHIHVD p R GHVFUpGLWR H SRVVtYHO GHFLVmR FRQGHQDWyULD  relativo à sua alegação que não apresenta elemento nenhum para combater a argumentação acusatória. O “ônus da prova” está inteiro com a acusação. O que a defesa tem é a) uma possibilidade franqueada de também produzir provas em seu favor e, b) o risco prático de não as produzir – permitindo que o vácuo no “espaço” probatório seja (ou possa em tese ser) preenchido inteiramente pelo acusador. Poderia inclusive o réu alegar que na ocasião do fato se encontrava em outro país, que não conhecia a vítima e/ou simplesmente promover uma negação genérica de “tudo o que fora contra ele alegado”. Provar QmRpVXDWDUHID(QIUHQWDUDVFRQVHTXrQFLDVGHFLVyULDVGREDL[RYDORU conferido a suas bravatas, no entanto, será o preço a ser pago pelo teor QmRFRPSURYDGRGHVXDVMXVWLÀFDWLYDV Não há nem poderia haver ditame processual que “obrigue” a defesa a produzir provas em seu favor, em que pese há o caráter temerário relativo à probabilidade de uma decisão judicial desagradável em caso de essa necessidade (não obrigatoriedade) não ser cumprida como medida de 483

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melhor estratagema. 2. “Alegação”, “Defesa” e manifestação adesiva: aplicando a sintaxe constitucional da Presunção de Inocência 9iULDVGHFLV}HVGDVFRUWHVsuperiores pátrias enfrentam o tema dando DHOHHVWLSXODomR²HPQRVVRVHQWLU²HTXLYRFDGDSDUDFRPDH[HJHVHGR Art. 156, caput do Código Processual. A constatação é a de que vigora XPTXDVHLUUHÁHWLGRGRJPDDUHVSHLWRGRmantra privatista do “quem alega, prova”17. Ao declarar que caberia (como ônus jGHIHVDSURYDUDV´DOHJDo}HVµ TXH À]HU HP VHX IDYRU GXSOR HUUR DOpP GH FRQIXQGLU HVWUDWpJLD FRP ônus, o decisum, no caso, estipula uma equalização entre “alegar” e se “defender” que pretendemos, brevemente, desfazer. Quanto ao primeiro equívoco, as bases de sua refutação já foram lançadas: não há que se confundir a obrigação (constitucional/processual/ democrática) de que o pleito acusatório se embase de elementos sólidos de comprovação com a necessidade argumentativa de que a defesa DSUHVHQWHHOHPHQWRVFRPSURYDGRUHVGHVXDWHVHRXGHVXDMXVWLÀFDWLYD São dois planos distintos: um precisa transformar o status normal e fazer a exceção vigorar sobre a regraHPXPFDVRHVSHFtÀFR²DHOHSRLVpGDGR o “trabalho” de inverter o quadro normal. Ao outro, não pode ser dada uma “obrigação”, mas isso não anula o fato de que a comprovação é um H[HUFtFLRGHSUXGrQFLDTXHSRGHFXVWDUDLQWHLUDYDQWDJHPSDUDRRXWUR lado e a virtual “derrota”. É no que diz respeito ao segundo equívoco ou disparate que vamos nos ater, aqui. $OJXQVH[HPSORV²1R67)+&5HODWRU D 0LQ/8,=)8;3ULPHLUD 7XUPDMXOJDGRHP$35HODWRU D 0LQ$
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