CORRUPÇÃO COMO FORMA DE ABUSO DO PODER POLÍTICO: CABIMENTO DE AIME E INELEGIBILIDADE

June 13, 2017 | Autor: F. Guimaraes Farias | Categoria: Direito Eleitoral
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CORRUPÇÃO COMO FORMA DE ABUSO DO PODER POLÍTICO: CABIMENTO DE AIME E
INELEGIBILIDADE




SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................
..................................................... 02
1 – CONSTITUIÇÃO DE 1988: LEGITIMIDADE DAS ELEIÇÕES E
AIME.................... 02
2 – LEI DAS INELEGIBILIDADES, LEI DA FICHA LIMPA E
AIME.............................. 04
3 – EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE CABIMENTO DE AIME....................
05
4 – AVANÇO NA JURISPRUDÊNCIA RECENTE DO
TRE/RN........................................ 08
CONCLUSÕES..................................................................
..................................................... 10
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS..............................................................
....................... 10












INTRODUÇÃO
Este artigo corresponde a uma das exigências para a obtenção do
certificado de participação no curso "Ações Judiciais Eleitorais", que foi
oferecido pela Escola Judiciária Eleitoral do Rio Grande do Norte, nos dias
12 e 13 de abril de 2013.
O assunto escolhido foi a corrupção como hipótese de cabimento de ação
de impugnação de mandato eletivo (AIME) e consequente inelegibilidade.
O tema foi delimitado à abordagem do abuso do exercício de função,
cargo ou emprego como possível forma de corrupção e de abuso do poder
político ou de autoridade, a ensejar o cabimento de AIME e inelegibilidade.

O tema proposto suscita questionamentos sobre o que se deve entender
pela palavra "corrupção", contida no texto do § 10 do art. 14 da
Constituição Federal de 1988 (CF/88), no intuito de determinar a
abrangência do cabimento da AIME.
Para os estritos fins deste trabalho, foi formulada a seguinte
hipótese: o abuso do exercício de função, cargo ou emprego com fins
eleitorais pode configurar forma de corrupção e de abuso do poder político
ou de autoridade, a ensejar o cabimento de AIME e inelegibilidade?
O tema apresenta considerável relevância na atualidade, vez que a
compreensão da matéria ainda não está sedimentada na doutrina nem na
jurisprudência, situação que demanda uma necessária depuração conceitual
que permita determinar com maior precisão as hipóteses de cabimento da
AIME.
O objetivo geral do trabalho é contribuir para o debate acerca do
tema, no interesse de toda a sociedade brasileira, especialmente no que
respeita à normalidade e legitimidade das eleições, forma mais importante
de participação popular na definição dos destinos da nação.
O objetivo específico é determinar a abrangência do termo "corrupção",
contido no § 10 do art. 14 da CF/88.
A metodologia empregada foi a pesquisa de legislação, doutrina e
jurisprudência.
O trabalho se reparte em quatro capítulos, abordando as definições
constitucionais sobre a matéria, a sua evolução legislativa e
jurisprudencial, inclusive os últimos avanços na jurisprudência recente do
TRE/RN, encerrando-se com as conclusões do autor.

1 - CONSTITUIÇÃO DE 1988: LEGITIMIDADE DAS ELEIÇÕES E AIME
A Constituição de 1988 (CF/88), marco histórico do processo de
redemocratização do país, consigna em seu texto importantes conquistas
democráticas, especialmente quanto aos direitos fundamentais,
sistematizados em um título à parte (Título II).
No Capítulo IV desse Título II, entre os artigos 14 e 16, estão
regulados os direitos políticos[1], importante expressão política da
cidadania, mormente num país que se pretende democrático[2], em que a
regularidade da expressão da vontade popular nas urnas constitui fundamento
de legitimidade da investidura e do exercício do poder político[3].
Em seu zelo pelo livre exercício dos direitos políticos, o
Constituinte estabeleceu alguns casos de inelegibilidade (art. 14, caput e
parágrafos) e autorizou o legislador complementar a estabelecer outros
casos (art. 14, § 9º), visando proteger a normalidade e a legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de
função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Além disso, instituiu a AIME (art. 14, § 10) como instrumento judicial
para a apuração e punição do abuso do poder econômico, da corrupção e da
fraude, quando praticados para interferir nas eleições.
Transparece, evidente, a estreita ligação entre o fim colimado no § 9º
do art. 14 da CF/88 (proteger a normalidade e legitimidade das eleições) e
o meio instituído no § 10 do mesmo artigo, qual seja, a AIME.
Todavia, devido ao pouco apuro técnico do Constituinte, que empregou
terminologia variada no trato dessas matérias, surgiram dúvidas, na
doutrina e na jurisprudência, sobre o âmbito de cabimento da AIME,
especificamente quanto aos casos de abuso do exercício de função, cargo ou
emprego na administração direta ou indireta.
A dúvida decorre de que o § 9º do art. 14 da CF/88 faz referência a
"influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou
emprego na administração direta ou indireta", enquanto que no final do § 10
o Constituinte utilizou a expressão "abuso do poder econômico, corrupção ou
fraude" para indicar situações que ensejariam a impugnação do mandato
eletivo (AIME).
Acresce a isso o fato de que o legislador complementar, ao regular os
outros casos de inelegibilidade, empregou a expressão "abuso de poder
econômico ou político"[4] para definir formas de interferência ilícita nas
eleições, alargando, ainda mais, a margem de indefinição terminológica
nessa seara.
Nos capítulos seguintes será abordado o assunto, tanto do ponto de
vista da legislação quanto da doutrina e da jurisprudência, buscando
determinar mais precisamente o âmbito de cabimento da AIME e a sua
funcionalidade no sistema, especialmente no tocante às inelegibilidades.
2 - LEI DAS INELEGIBILIDADES, LEI DA FICHA LIMPA E AIME:
Em cumprimento ao § 9º do art. 14 da CF/88, em 1990 foi editada a Lei
Complementar nº 64 (LC 64/90), instituindo outros casos de inelegibilidade.
Em seu art. 1º, inciso I, alínea "d"[5], a LC 64/90 tornou inelegível
para qualquer cargo quem for condenado pela Justiça Eleitoral em processo
de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual
concorre ou tenha sido diplomado, bem como para as que se realizarem nos
três anos seguintes.
A respeito desse dispositivo legal, oportuno registrar que não há
dúvida sobre a possibilidade de impugnação do diploma mediante AIME, no
caso de abuso do poder econômico, mas subsistem dúvidas, na doutrina e na
jurisprudência, sobre o cabimento dessa ação no caso de abuso do poder
político.
Em 2010, a Lei Complementar nº 135 (LC 135/10) introduziu importantes
alterações na redação original da LC 64/90: estabeleceu que a decisão de
órgão judicial colegiado importa em inelegibilidade independentemente do
trânsito em julgado, criou novos casos de inelegibilidade e aumentou os
prazos para oito anos.
Dentre essas modificações, aqui interessam a mudança na redação da
alínea "h" do art. 1º, inciso I, da LC 64/90, e o novo caso de
inelegibilidade incluído na alínea "j" do mesmo dispositivo legal.
A mudança introduzida na redação da alínea "h"[6], além de aumentar
para oito anos o prazo da inelegibilidade para as eleições futuras,
estendeu-a para atingir a eleição em curso ou o diploma já obtido por
detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou
fundacional que tenham abusado do poder econômico ou político, em proveito
próprio ou alheio.
A nova alínea "j"[7] tornou inelegíveis por oito anos os que forem
condenados, entre outros motivos, por corrupção eleitoral, em decisão
transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral
que implique cassação do registro ou do diploma.
Em ambos os casos, a referência feita à perda do diploma em razão de
condenação judicial por abuso do poder econômico ou político ou por
corrupção eleitoral permite vislumbrar a possibilidade de a impugnação do
diploma se fazer por meio de AIME.
Todavia, a jurisprudência tem se mostrado parcimoniosa na admissão
desse instrumento constitucional de impugnação do diploma eleitoral,
conforme adiante se verá.
3 – EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE CABIMENTO DE AIME
A jurisprudência dos TREs vinha adotando interpretação restritiva
sobre o cabimento de AIME na hipótese de abuso de poder político, a exemplo
do seguinte acórdão proferido pelo TER-RN:
"Não demonstração do abuso de poder econômico,
corrupção ou fraude para fins de aplicação do art.
14, § 10 da CF, c/c o art. 22 da LC 64/90."
(AIME nº 1487/2003, rel. Dês. Dúbel Cosme, Revista
Eleitoral do TRE-RN, vol. 20, Natal, 2006, p. 193-
218)

Nessa mesma linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) também adotava interpretação restritiva sobre o cabimento de AIME
para a mesma hipótese, como se pode ver no seguinte acórdão:
"Na AIME a Justiça Eleitoral analisará se os fatos
apontados configuram abuso de poder, corrupção ou
fraude e se possuem potencialidade para influir no
resultado das eleições."
(RO 728/TO, rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, DJ
05/12/2003, p. 163)

Posteriormente, a jurisprudência dos TREs evoluiu no sentido de
admitir a impugnação do diploma mediante AIME quando o abuso do poder
político implicar, também, abuso do poder econômico. Nesse sentido, colha-
se o seguinte precedente do TRE/MG:
"Criação de subsídio para custeio da tarifa de água
para a população de baixa renda, por meio de lei
municipal. Majoração do subsídio por decreto.
Concessão do benefício efetivada nos meses de agosto
e setembro/2004, não obstante instrução para que o
subsídio surtisse efeitos até março/2007. Suspensão
do benefício em outubro/2004, apesar da lei
revogadora do subsídio ter sobrevindo somente em
dezembro/2004. Subsunção do fato narrado ao ilícito
de abuso do poder. Art. 22 da LC n. 64/90. Cabimento
do manejo da AIME. Leis municipais utilizadas como
instrumento de agir com a finalidade eleitoreira.
Isenção concedida por Prefeito candidato à reeleição,
apenas nos 2 meses anteriores ao pleito, e suspensa
no mês seguinte à eleição. Desequilíbrio da isonomia
na disputa eleitoral."
(Extraído do texto do acórdão do TSE no REspe nº
28.581, rel. Min. Felix Fischer; j. 02/05/2008, DJ de
07/05/2008, p. 8-9)

No mesmo caso, ao julgar o REspe nº 28.581, o TSE corroborou idêntico
entendimento, nos seguintes termos:
"Na espécie, abusa do poder econômico o candidato que
despende recursos patrimoniais, públicos ou privados,
dos quais detém o controle ou a gestão em contexto
revelador de desbordamento ou excesso no emprego
desses recursos em seu favorecimento eleitoral. Nesse
contexto, o subsídio de contas de água pelo prefeito-
candidato, consignado no v. acórdão regional, o qual
se consumou com o favorecimento de 472 famílias do
município nos 2 (dois) meses anteriores às eleições,
e a suspensão do benefício logo após o pleito
configura-se abuso de poder econômico com recursos
públicos".
(REspe nº 28.581, rel. Min. Felix Fischer; j.
02/05/2008, DJ de 07/05/2008, p. 8-9)

No julgamento do REspe 28.040/BA, o Ministro Carlos Ayres Britto deu
importante passo adiante ao firmar o entendimento de que o "abuso de poder
político", não somente quando configure abuso do poder econômico, mas
também quando configure "corrupção" ou "fraude", dá ensejo ao cabimento
AIME. Eis a ementa do acórdão:
"RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE
MANDATO ELETIVO. § 10 DO ARTIGO 14 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL: CAUSAS ENSEJADORAS.
1. O abuso de poder exclusivamente político não dá
ensejo ao ajuizamento da ação de impugnação de
mandato eletivo (§ 10 do artigo 14 da Constituição
Federal).
2. Se o abuso de poder político consistir em conduta
configuradora de abuso de poder econômico ou
corrupção (entendida essa no sentido coloquial e não
tecnicamente penal), é possível o manejo da ação de
impugnação de mandato eletivo.
3. Há abuso de poder econômico ou corrupção na
utilização de empresa concessionária de serviço
público para o transporte de eleitores, a título
gratuito, em benefício de determinada campanha
eleitoral."
(REspe 28.040/BA, rel. Min. AYRES BRITTO, j.
28/04/2008, DJ 01/07/2008)

Do voto condutor do acórdão extrai-se esclarecedora exposição da
matéria, feita pelo eminente relator, verbis:
"10. Por todo o conjunto em que se versou o tema
fundamental dos 'Direitos Políticos' (arts. 14, 15 e
16), a Constituição fez perpassar a mais clara
preocupação com a tutela da soberania do eleitor, da
autenticidade do regime representativo e da lisura do
processo eleitoral. Por isso que chegou a iniciar
formulação regratória do instituto da
inelegibilidade, sem deixar de requestar o aporte de
lei complementar federal para o explícito fim de
proteger "a probidade administrativa" e "a moralidade
para o exercício do mandato, considerada a vida
pregressa do candidato (...)". Ainda mais, lei
complementar de finalidade já antecipada e
consistente na proteção da "normalidade" e da
legitimidade a eleições contra "a influência do poder
econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou
emprego na administração direta ou indireta" (§ 9º do
art. 14). Sendo certo que essa parte final é sinônima
perfeita de abuso de poder político.
11. Sucede que, ao abrir o parágrafo subseqüente (o
de n. 10) para nele positivar os pressupostos da ação
de impugnação de mandato eletivo, a Magna Carta
Federal tornou a mencionar, literalmente, o "abuso do
poder econômico". Não o fazendo, porém, quanto ao
abuso de poder político. Em lugar dele, usou dos
substantivos "corrupção" e "fraude", de maneira a
suscitar a seguinte e natural pergunta: qual a razão
dessa falta de explicitude quanto ao abuso no
exercício de função, cargo ou emprego públicos (abuso
de poder político, então?).
12. Bem, a explicação não me parece difícil. É que,
para melhor cumprir os seus eminentes fins tutelares,
a Constituição preferiu falar de corrupção naquele
sentido coloquial (não tecnicamente penal) de
"conspurcação", "degeneração", "putrefação",
"degradação", "depravação", enfim. No caso,
conspurcação ou degeneração ou putrefação ou
degradação ou depravação do processo eleitoral em si,
com seus perniciosos e concretos efeitos de cunho
ético-isonômico-democráticos. Atenta a nossa Lei
Fundamental para o mais abrangente raio de alcance
material do termo "corrupção", se comparado com o
abuso de poder político; pois se toda corrupção do
detentor do mandato eletivo, agindo ele nessa
qualidade, não deixa de ser um abuso do poder
político, a recíproca não é verdadeira. Basta
lembrar, por hipótese, o cometimento de autoritarismo
ou truculência, que, sendo um nítido abuso do poder
político, nem por isso implica ato de corrupção. Ao
menos para fins eleitorais.
13. Daqui se infere o propósito da Lei Republicana,
ao sacar do substantivo "corrupção" não foi excluir o
abuso no exercício de função, cargo ou empregos
públicos enquanto pressuposto do manejo da AIME. Bem
ao contrário, o intento da Lei Maior foi detectar de
modo mais eficaz possível a abusividade de tal
exercício para fins eleitorais. Alargando, então, e
nunca estreitando, as possibilidades de uso da única
ação eleitoral de expressa nominação constitucional.
14. Em síntese, a palavra "corrupção", tanto quanto o
vocábulo "fraude", ambos estão ali no parágrafo 10 do
art. 14 da Magna Carta sob o deliberado intuito de se
fazer de uma acepção prosaica um lídimo instituto de
Direito Constitucional-eleitoral. Não propriamente de
Direito Constitucional-penal, renove-se o juízo. Com
o que se afasta o paradoxo de supor que a
Constituição-cidadã incorreu no lapsus mentis de não
considerar o abuso de poder político - logo ele -
como pressuposto de ajuizamento da AIME."

Desde então, esse entendimento firmando pelo Ministro Carlos Ayres
Britto no REspe 28.040/BA vem sendo aplicado na jurisprudência posterior do
TSE, a exemplo do julgamento do RO 2.233/RR, assim ementado:
"É admissível a ação de impugnação de mandato eletivo
nas hipóteses de abuso de poder político."
(RO 2.233 – RORAIMA, rel. Min. Fernando Gonçalves, J.
16/12/2009, DJe 10/03/2010, p. 1314)

No julgamento desse RO 2.233/RR, novamente o Ministro Carlos Ayres
Britto asseverou, em voto oral expresso, que a "Constituição usou a
expressão corrupção ou fraude como sinônimo de abuso de poder político",
aduzindo que o Ministro Cezar Peluso tem também idêntico entendimento.
4 - AVANÇO NA JURISPRUDÊNCIA RECENTE DO TRE/RN
Seguindo essa nova orientação inaugurada pelo Min. Carlos Ayres Brito
no julgamento do no REspe 28.040/BA, a jurisprudência recente do Tre/RN tem-
se orientado no mesmo sentido de admitir o manejo da AIME como meio de
impugnação de mandato diante de casos de abuso do poder político.
O caso objeto deste estudo consiste na AIME nº 29-06.2011.6.20.0000,
da relatoria do Juiz Jailsom Leandro de Sousa.
A referida ação foi proposta por um partido político contra um
candidato eleito para o cargo de deputado estadual.
A petição inicial acusa o candidato de haver obtido resultado
favorável nas eleições de 2010 valendo-se da prática de fraude e captação
ilícita de votos.
Afirma a inicial que existem fortes indícios de que o candidato
beneficiou-se da concessão ilícita de benefícios previdenciários aos
eleitores de determinado município deste Estado, onde obteve expressiva
votação mesmo sem haver comparecido ao local, tudo em decorrência do apoio
dado ao candidato pelo médico perito que concedia os benefícios graciosos,
em troca de votos. Disse que tais práticas já advinham desde pleitos
anteriores.
Corroborando a acusação, a inicial refere que o apoio do perito ao
candidato fora declarado nas ruas da cidade, inclusive em veículos de
propriedade do médico ostentando adesivos de campanha e mediante postagem
em blogs.
Além disso, acusou, também, a obtenção ilícita de recursos para a
campanha eleitoral do candidato, mediante contribuições arrecadadas de
servidores públicos da Câmara Municipal de Natal, nomeados para cargos em
comissão pelo Presidente daquela Casa Legislativa, pai do candidato. A
inicial indica uma longa lista de nomes dos servidores, os cargos
comissionados por eles ocupados e os valores de "doação" que teriam feito
para campanha eleitoral do referido candidato.
Ademais, acusa, ainda, o fornecimento de produtos e serviços para a
campanha do candidato, feito por empresas que forneciam esses mesmos
produtos e serviços à Câmara Municipal.
Afirma que as mencionadas doações somaram mais de 60% dos recursos da
campanha utilizados pelo candidato.
O caso, a toda vista, indica o possível abuso do poder político e
corrupção, em benefício da campanha de um candidato a deputado estadual na
eleição de 2010.
Após regular processamento adveio o julgamento dessa AIME no qual, o
relator, Juiz Jailsom Leandro de Sousa, afirmou que "o impugnante atribui
ao impugnado a prática de três condutas que enquadra como abuso do poder
econômico e fraude", passando a analisá-las.
Em seu voto, o relator rejeitou a acusação de recebimento pelo
candidato de doações por empresas prestadoras de serviços à Câmara
Municipal de Natal e a acusação de concessão de benefício em troca de
votos, por falta de provas.
Quanto à terceira acusação, de que o impugnado teria obtido recursos
públicos para a campanha por meio de doações de servidores públicos
comissionados da Câmara Municipal de Natal, subordinados a seu pai,
entendeu o relator que tal situação, se comprovada, poderia configurar
prática de abuso de poder econômico ou abuso do poder político pelo
Presidente da Câmara.
À vista do contido nos autos, o relator entendeu não existirem provas
de que as doações teriam sido feitas "contra a vontade" dos servidores.
Após percuciente e detalhada análise das provas contidas nos autos,
"considerando a quantidade e o valor das doações feitas pelos ocupantes de
cargos comissionados", concluiu o relator "que houve beneficiamento direto
do impugnado com as nomeações de ocupantes de cargos comissionados feitas
ou indicadas pelo Presidente da Câmara", bem como constatou "que houve
nomeação de servidor para a utilização na campanha eleitoral,
caracterizando mais um nítido abuso de poder".

O voto do relator foi pela procedência da AIME, com consequente
cassação do mandato e inelegibilidade pelo prazo de três anos, sendo
acompanhado pela maioria da Corte, vencidos dois juízes que julgavam
improcedente a ação.

O resultado desse julgamento significou o reconhecimento, pelo TRE/RN,
da prática de abuso do exercício da função de Presidente da Câmara
Municipal de Natal, ou, noutras palavras, a prática de abuso do poder
político por parte do pai do candidato, em seu benefício.

CONCLUSÕES
A jurisprudência dos tribunais eleitorais brasileiros tem evoluído no
sentido de admitir a AIME como instrumento judicial para a impugnação do
mandato em caso de abuso do poder político, desde que tal conduta configure
corrupção ou fraude.

Resta, pois, confirmada a hipótese de trabalho formulada ao início, de
que o abuso do exercício de função, cargo ou emprego com fins eleitorais
pode, sim, configurar forma de corrupção e de abuso do poder político, a
ensejar o cabimento de AIME e inelegibilidade.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte. Legislação
Eleitoral, Natal: TRE-RN/SJ/CJD, 2004.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte. Revista
Eleitoral, vol. 20, Natal, 2006.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Código Eleitoral anotado e legislação
complementar. 9. ed. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, Secretaria de
Gestão da Informação, 2010.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito Eleitoral. 7. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010.

RAMAYANA, Marcos. Legislação Eleitoral Brasileira. 6. ed. Niterói: Impetus,
2011.

-----------------------
[1] No caput e incisos do art. 14 da CF/88 estão estabelecidos os
instrumentos de expressão da soberania popular (o sufrágio universal, o
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular), bem como o direito ao voto
direto, secreto e igual para todos, e em seus parágrafos estão regulados o
alistamento eleitoral obrigatório e facultativo, as condições de
elegibilidade e algumas inelegibilidades. Além disso, o art. 15 veda a
cassação dos direitos políticos e indica os casos de perda ou suspensão, e
o art. 16 impede a aplicação às eleições de leis casuísticas, feitas de
última hora.
[2] "Cumpre prestigiar os direitos fundamentais, a cidadania e a
legitimidade do mandato. No regime democrático de direito é impensável que
o exercício do poder político, ainda que transitoriamente, não seja
revestido de plena legitimidade." GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 5.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. XIV.
[3] "Por todo o conjunto em que se versou o tema fundamental dos "Direitos
Políticos" (arts. 14, 15 e 16), a Constituição fez perpassar a mais clara
preocupação com a tutela da soberania do eleitor, da autenticidade do
regime representativo e da lisura do processo eleitoral" (Respe 28.040/BA,
o relator, Min. CARLOS AYRES BRITTO).
[4] Vejam-se as alíneas "d" e "h" do inciso I do art. 1º da Lei
Complementar nº 64, de 1990.
[5] Eis a redação original da alínea "d": "os que tenham contra sua pessoa
representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em
julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político,
para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para
as que se realizarem 3 (três) anos seguintes".
[6] Eis a nova redação da alínea "h": "os detentores de cargo na
administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a
si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem
condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem
como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes".
[7] Eis o texto da nova alínea "j": "os que forem condenados, em decisão
transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça
Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por
doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta
vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação
do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da
eleição".
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