Corrupção e poder: desafios de ontem e de hoje

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Corrupção e Poder: Uma reflexão através dos séculos Dra. Beatriz Bissio Professora do Departamento de Ciência Política Instituto de Filosofia e Ciências Sociais / Universidade Federal do Rio de Janeiro

O tema do poder tem sido estudado desde a Antiguidade. E, associado a ele, quase como uma sombra que o acompanha e desafia, aparece o tema da corrupção. No século IV a.C, o grande filósofo grego Platão analisa o poder no seu livro “A República” e em particular, estuda quais deveriam ser as medidas destinadas a evitar que a corrupção e a incompetência tomassem conta do poder público. Ele é muito crítico do funcionamento da democracia ateniense, já que as decisões políticas eram tomadas, na sua visão, não em função da sabedoria, mas por ter sido obtida uma maioria a partir do voto dos menos instruídos e informados, influenciados por uma boa porém ardilosa argumentação. Platão defende o governo encabeçado pelos filósofos, que por sábios são os que mais se aproximam da ideia do bem comum e da justiça. Mas mesmo estando eles à frente do governo é necessário tomar providências para impedir a corrupção: serão educados ao longo de toda uma vida e não poderão estar em contato com dinheiro nem riquezas. Brilhante aluno de Platão na Academia, Aristóteles marcou com a sua obra a filosofia de Ocidente e de Oriente e é tido por muitos como o fundador da política tal como hoje a entendemos. E lhe caberia esse título justamente por causa das ideias que defende naquele que é possivelmente o mais estudado de seus livros, “A Política”. Nele, Aristóteles afirma que não pode haver separação entre a política e a ética e constata – a partir do meticuloso estudo de centenas de formas de governo e de seus resultados práticos - que não existe um regime bom ou mau em si mesmo. Tudo é relativo... O caráter do governo está diretamente vinculado à virtude (ou à falta dela) dos dirigentes. Para prevenir excessos, o filósofo defende a ideia de que todo poder deve ter limites. E, como seu mestre, acredita na grande e benéfica influência dos filósofos. Mas Aristóteles não defende o governo do rei-filósofo, sem limites de espécie alguma, como postulava Platão. Ele entende que cabe ao filósofo uma tarefa nobre, porém fora do poder: a educação daqueles que estarão encarregados de elaborar as leis. Ninguém menos do que Maquiavel – e nos transportamos ao século XV - nos lembra que não se deve confiar nas amizades que se adquirem por dinheiro. Ele aconselha ao Príncipe a abster-se de tomar os bens dos seus concidadãos. Sabiamente, ele afirma que “nunca faltam motivos para justificar as expropriações” e que aquele que começa a viver da rapinagem sempre encontra razões para apossar-se dos bens alheios... Quem começa a se beneficiar da corrupção, dificilmente encontra formas de sair desse

tenebroso labirinto... Pensador e político, Charles-Louis de Secondat, o barão de Montesquieu, um homem do século XVIII, afirmou que a corrupção dos governos quase sempre começa quando se corrompem os seus princípios. E por isso colocava a lei acima de tudo. No mesmo século, Immanuel Kant elabora uma sofisticada obra procurando responder a questão de como deve agir o ser humano. Com esse objetivo e entendendo que todo homem racional é livre, Kant desenvolve a ideia de que a política é o processo de racionalização das relações entre os homens e os Estados. Para ele, a política está no plano prático e a moral no plano teórico. E, desenvolvendo o seu raciocínio, afirma Kant: o poder corrompe o livre julgamento da razão. Ao longo do tempo e na amplidão de todo o espaço geográfico encontramos autores que têm se dedicado ao estudo do poder. Quase sem exceção eles se confrontaram com o tema da corrupção e verificaram o desafio que ela impõe a quem estuda ou faz política. Um dos dirigentes políticos que, nos últimos tempos, tem chamado a atenção da mídia justamente por sua aversão à tudo o que o poder representa e por sua contundente condenação da corrupção é o ex presidente do Uruguai, José Mujica. Tendo deixado o governo com altíssimos índices de popularidade dentro e fora de seu país, Mujica é reconhecido no mundo como um estadista que escapa ao figurino habitual de um chefe de Estado por sua modéstia, pela forma simples de se vestir, de falar e pelo tipo de vida quase ascética que leva e que não mofdificou mesmo durante os anos do exercício da Presidẽncia de seu país. Dada sua aversão a qualquer tipo de luxo e de privilégios, Mujica continuou morando na sua chácara nos arredores de Montevidéu, a capital uruguaia, sem nenhum empregado e praticamente sem seguranças, acompanhado somente por sua esposa, a senadora Lucía Topolanky, sua cadela e seu “fusquinha”. Nas centenas ou milhares de entrevistas que tem dado aos mais diversos meios de comunicação, Mujica é perguntado invariavelmente por esse seu peculiar estilo de vida e por sua muito pessoal forma de se comportar, mesmo estando exercendo o máximo cargo de seu país. Invariavelmente, ele responde que a política deveria ser encarada por todos os que ingressam nela como uma missão; uma missão de entrega pessoal completa ao serviço público, ao bem público. E que nada há de ruim em querer ganhar dinheiro. Mas que aquele que deseja ganhar dinheiro deveria dedicar-se à iniciativa privada e ficar bem longe da política. É um raciocínio singelo, sem dúvida. Mas com Mujica concordariam Platão e Aristóteles, Montesquieu e Kant... Mas lamentavelmente muito poucos concordariam com ele entre aqueles que ingressam atualmente na política. E é por isso, justamente, que os partidos políticos, os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e a própria política estão tão desprestigiados hoje, um fenômeno de alcance mundial. A saída, que não será de curto prazo, para recuperar a credibilidade da política, exige um

esforço coletivo. Mas esse resgate da política será necessário para que possamos construir um futuro diferente. E nesse caminho, tão cheio de dificuldades, uma ferramenta torna-se imprescindível, a educação. Platão, lá longe no tempo, quatro séculos antes de Cristo, já alertava para a manipulação que os sofistas – hoje diríamos os políticos inescrupulosos e corruptos - exerciam sobre aqueles que sem o esclarecimento da educação e da informação, caíam na armadilha das belas promessas... Educação e informação: duas ferramentas imprescindíveis para que uma coletividade consciente de seus direitos faça da política a plataforma do encontro com o bem comum, construindo os alicerces de uma sociedade com justiça social.

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