COSME, Susana Rodrigues (2013) - \"O Contributo das pequenas \"villae\" rústicas na economia e povoamento dos séculos IV a VII no Douro\"

June 9, 2017 | Autor: Susana Cosme | Categoria: Douro, Roman Archaeology
Share Embed


Descrição do Produto

Geraldo Coelho Dias

ATAS das 1as

CONFERÊNCIAS MUSEU DE LAMEGO / CITCEM - 2013 HISTÓRIA E PATRIMÓNIO NO/DO DOURO: INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Available online at www.museudelamego.pt

ABREVIATURAS

COMISSÃO ORGANIZADORA

ML Museu de Lamego CITCEM Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória DRCN Direção Regional de Cultura do Norte FLUC Faculdade de Letras da Universidade do Porto ESTGL - IPV Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Lamego - Instituto Politécnico de Viseu DL Diocese de Lamego PNDI Parque Natural do Douro Internacional MFM Museu do Ferro de Moncorvo CNRS Centre national de la recherche scientifique, Lyon

Alexandra Braga (ML -DRCN) Álvaro Bonito (ESTGL - IPV) Gaspar Martins Pereira (FLUC / CITCEM) Luís Sebastian (ML - DRCN) Nuno Resende (FLUC / CITCEM) Paula Montes Leal (FLUC / CITCEM)

CONFERENCISTAS

APOIOS

Alexandra Braga (ML - DRCN) Alexandra Cerveira Lima (PNDI) Amândio Barros (ESEP / CITCEM) Ana Sampaio e Castro (FLUP) António Sá Coixão (Freixo de Numão / CITCEM) Carla Sequeira (FLUC - CITCEM) Gaspar Martins Pereira (FLUC - CITCEM) Geraldo Amadeu Coelho Dias, OSB (FLUC - CITCEM) Luís Sebastian (ML - DRCN) Manuel Real (FLUC - CITCEM) Manuela Vaquero (ML - DRCN) Nelson Campos (MFM / CITCEM) Nuno Resende (FLUC - CITCEM) Otília Lage (FLUC - CITCEM) Paulo Dórdio (CITCEM) Pedro Pereira (CNRS / CITCEM) Ricardo Teixeira (CITCEM) Susana Cosme (FLUC - CITCEM) Teresa Soeiro (FLUC - CITCEM)

Direção Regional de Cultura do Norte

GRAFISMO Luís Sebastian (ML - DRCN) Patrícia Brás (ML - DRCN) COMUNICAÇÃO Patrícia Brás (ML - DRCN) PAGINAÇÃO Padre Hermínio Lopes (DL) REVISÃO DE TEXTOS Alexandra Braga (ML - DRCN) SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS Paula Duarte (ML - DRCN)

Liga dos Amigos do Museu de Lamego Diocese de Lamego Município de Lamego Hotel de Lamego Soltagiga, Lda. Casa de Santo António de Britiande Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Lamego Escola de Hotelaria e Turismo de Lamego

Índice O LEGADO DE CISTER NO DOURO Geraldo Amadeu Coelho Dias, OSB Cister no Douro: Cultura, Espiritualidade e Desenvolvimento........................................................ 13 Luís Sebastian Mosteiro de S. João de Tarouca: da investigação à musealização..................................................... 21

HISTÓRIA E PATRIMÓNIO Manuel Real O significado da basílica do Prazo (Vila Nova de Foz Côa), na alta Idade Média duriense.......................... 65 Ana Sampaio e Castro Vias medievais nos coutos monásticos de S. João de Tarouca e Sta. Maria de Salzedas.......................... 105 Nuno Resende «É esta Cidade situada a forma de uma lua crescente»: a implantação dos edifícios religiosos e a expansão urbanística de Lamego entre os séculos XVI e XVIII....................................................................... 125

O contributo das pequenas ‘villae’ rústicas na economia e povoamento dos séculos IV-VII no Douro. texto: Susana Rodrigues Cosme, Archeo’Estudos, Ltd, CITCEM, ([email protected])

Resumo: A importância das pars rustica e pars fructuária das villae romanas como base da actividade económica e sua relação com o povoamento na região do Douro durante a transição da época romana para a alta idade média (séculos IV/VII). Estado da investigação sobre as estruturas destas dependências, suas características e funcionalidades, que ruturas e continuidades se encontram nesta transição de períodos.

Palavras Chave: villae rusticas, villae fructuarias, economia, povoamento, Douro.

Abstract: The importance of pars rustica and pars fructuária of villae Romans as base of the economic activity and its relation with the populating in the region of the Douro during the transition of the time Roman for the high average age (centuries IV/VII). State of the inquiry on the structures of these dependences, its characteristics and functionalities, that ruptures and continuities if find in this transition of periods.

142

Susana Rodrigues Cosme

Q

1 - NOTAS INTRODUTÓRIAS uando me solicitaram que escrevesse sobre Arqueologia no Douro em época romana, fiquei algo apreensiva sobre o que escrever, não que o assunto não seja vasto e não haja muitos motivos de interesse sobre o que falar, mas porque, se bem que tenha iniciado os meus trabalhos de investigação167 nesta área geográfica, há muito que não me debruçava sobre a ocupação humana destes montes e vales da bacia hidrográfica do Douro. Embora o meu percurso profissional me tenha afastado geograficamente do Douro, não me afastou da investigação arqueológica, nem do meu interesse pelo período romano e principalmente, na transição deste para o período alto-medieval. Também o facto de em 2012, ao fim de 10 anos portanto, ter voltado a trabalhar na região, desta vez no vale do rio Sabor168, levou-me a aceitar escrever algumas considerações/inquietações com que me tenho debatido nos últimos tempos. Ao resolver escrever sobre as villae rústicas no Douro começam as problemáticas, a começar pelo próprio conceito de villae, suas características e funcionalidades. Sobre as villae no Douro, esbarramos com os muitos sítios referenciados como villae, mas muito poucas dessas referências foram objecto de intervenções arqueológicas ou de qualquer outro tipo de análise. Tentar incidir este trabalho na pars rústica e pars frutuária das villae, ainda pior, pois a monumentalidade da pars urbana das villae continua, ainda, a cativar mais, quer os promotores de trabalhos, quer o público em geral, mas principalmente, os investigadores. Este trabalho tem como objectivo caracterizar as estruturas existentes numa pars frutuária de uma villa, apontar sugestões para uma melhor compreensão das mesmas, relembrar os casos conhecidos através da bibliografia no Alto Douro e chamar a atenção aos investigadores da importância de dar conhecer e de estudar este tipo de estruturas para uma melhor compreensão da economia romana, não esquecendo de alertar para a dificuldade que é reconhecer algumas dessas estru-

turas através do registo arqueológico. Por fim, tentar perceber se este modelo de povoamento, vingou nos séculos seguintes e/ou que alterações sofreu, será sempre um objectivo presente. 2 - O CONCEITO DE VILLAE

A

167  “Projecto de Investigação do Monte do Castelo/Calábria” em 1995 com o apoio do GEHVID e com PNTA entre 1998-2002 do qual resultaram diversas publicações e uma tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto sob o título “Entre o Côa e o Águeda – Povoamento nas épocas romana e alto-medieval”, em 2002.

o estudar-se o povoamento romano, os núcleos habitacionais são classificados consoante a sua importância dentro do aparelho político de Roma e consoante a sua funcionalidade: civitas, vicus, villa, casais, povoados mineiros, mutacios, etc, não nos podemos esquecer que todos se encontram dependentes de uma civitas capital de província e em última instância de Roma. Normalmente, os estudos de povoamento baseiam-se em prospecções de superfície que depois resultam em cartas arqueológicas169 com mapas cheios de pontinhos maiores ou menores consoante os resultados dessa mesma prospecção. Apesar de se reconhecer a importância destes trabalhos como base para estudos futuros, não podemos deixar de chamar a atenção para que a leitura que se faz dos mesmos seja cuidadosa e sempre critica, pois como veremos, para o caso das villae, elas não são iguais entre elas e o mesmo acontece para os outros tipos de habitat. Genericamente compreende-se o termo villae como um tipo de propriedade que engloba uma casa principal do proprietário, a chamada pars urbana, as casas dos trabalhadores, a pars rústica e os anexos relacionados com as actividades de exploração económica, pars fructuaria a que a villa estava vocacionada com lagares, celeiros, fornos, forjas, estábulos. Fazia ainda parte deste modelo o fundus com os campos cultivados (agri), as pastagens (saltus) e os bosques (silva). O modelo romano para as villae não é estanque, e como refere André Carneiro é “um conceito que hoje sabemos polissémico, com muitos significados e materializações vivenciais” (CARNEIRO: 2010, 228). Seria bem mais fácil, mas não mais interessante, se a conceito de villa fosse mais estanque e homogéneo, mas não é, ele varia ao longo do período cronológico, varia consoante a área geográfica em que se insere, varia consoante o poder económico ou importância politica ou até mesmo do gosto pessoal do seu proprie-

168  Dirigindo em colaboração com João Niza a intervenção arqueológica no EP189 (Quinta de Crestelos, Meirinhos, Mogadouro), sob a coordenação de Sérgio Pereira para o ACE/AHBS, pela empresa de arqueologia Archeo’Estudos, Lda. desde Fevereiro de 2012 até Novembro de 2013.

169  Algumas teses que apresentam listagem de sítios romanos para o período aqui abordado: AMARAL: LEMOS: 1993; Coixão: 2000; Cosme: 2002.

O contributo das pequenas ‘villae’ rústicas

tário, varia consoante a actividade económica a que se dedica, enfim as variáveis são muitas para podermos estabelecer um conceito de villae perfeita e temos de estar atentos à sua constante mutação não só conceptual mas também física. Sobre a evolução da villae em período alto-medieval, não existe um critério fixo. Algumas villae são completamente abandonadas, outras são continuamente ocupadas, sofrendo algumas alterações urbanísticas, mas mantendo a mesma funcionalidade económica, deixando de estar sob a alçada de uma civitas para passar a responder a uma vila cabeça de terra, outras, por sua vez, são abandonadas e criam-se estruturas novas em zonas contíguas que respondam às necessidades de uma nova forma de política (junto a castelos), de religião (em torno de uma capela) ou até de actividades económicas diferentes como serão os casos de povoados mineiros que foram abandonados e as suas gentes vêem-se obrigadas a canalizar a sua força produtiva para outras áreas económicas. Uma proposta dessa evolução até um período mais recente foi a apresentada em 1998 por Ricardo Teixeira ao fazer uma aproximação das villae romanas às quintas do Douro. É um estudo comparado muito interessante, principalmente, se o fizermos em termos urbanísticos e funcionais, tal como as antigas villae, as quintas têm também elas no ver do autor “um modelo de propriedade, uma forma de gerir e explorar os recursos agro-pecuários, de organizar o parcelário rural, de dispor as construções e os edifícios” (TEIXEIRA: 1998, 86), muito própria. Estas quintas ou evoluíram para aldeias ou quando isoladas mantêm a casa de habitação, o lagar, o forno, os currais, a eira e em certas zonas a destilaria, são normalmente construções pobres em alvenaria seca (com pedras de xisto ou granito consoante a zona), com coberturas em telha vã sobre traves de madeira ou em colmo. No entanto, e como mais uma vez André Carneiro nos chama a tenção e muito bem, “ver a villa unicamente como uma unidade de produção agro-pecuária” (CARNEIRO: 2010, 230) também não deixa de ser redutor. Embora a economia se mantenha fiel ao cereal, olival e vinha e a maioria das vilas fosse auto-suficiente, algumas delas especializaram-se em certos produtos específicos e de qualidade que serviam não só de moeda de troca mas que entravam nas grandes rotas de comerciais ou então dedicavam-se a produtos de difícil percepção aos olhos do arqueólogo, como tecidos, couros, ou produtos alimentares.

143

3 – ESTRUTURAS DA PARS RUSTICA

A

s estruturas da pars rustica são essencialmente as casas de habitação dos trabalhadores da villa, seja qual for a sua condição: de escravo ou de liberto. Estas construções também podem ser maiores ou menores, mais ricas ou mais pobres consoante o poder económico do próprio dono da villa. São estruturas que apresentam paredes com muros em xisto ou granito, consoante a área geográfica, usando argamassa como ligante. As paredes podem ser rebocadas e alguns desses rebocos podem ter pinturas. Normalmente os pavimentos são em terra batida e apenas algumas divisões apresentam pisos em opus signinum. Os telhados são em tegula e/ou imbrex sobre ripas de madeira. As cozinhas apresentam lareiras nos centros das divisões ou num dos cantos e são normalmente feitas em pedra, tijolo ou tegulae invertidas. Podemos encontrar divisões de habitação, cozinha, latrinas, armazéns e muitas das vezes nas villae do Douro a pars rústica e pars frutuária não são zonas separadas mas sim fundem-se num único edifício. Mas a villa urbana também tem divisões para os criados, com cozinhas e salas para trabalhos mais delicados e em certos casos temos algumas estruturas da pars frutuária como lagares na pars urbana, por isso mais uma vez a divisão tripartida da villa tem de ser tida como um ponto de partida mas não seguida à letra. 4 – ESTRUTURAS DA PARS FRUTUÁRIA

E

stas estruturas como vimos estão intimamente ligadas com a actividade económica praticada na villa e essa depende da sua localização geográfica das condições dos solos, da proximidade ou não de linhas de água, da proximidade de matérias primas como minerais, madeiras (bosques), das condições climatéricas, enfim de uma infinidade de factores. 4.1 – Lagares (torcularium) e adegas (cella vinária ou cella olearia) As estruturas mais comuns presentes nas villas do Douro são os lagares e as adegas, o maior problema é relacioná-los com a produção vinícola ou com o azei-

144

Susana Rodrigues Cosme

te. Para chegar a essa distinção ou se fazem recolhas de sedimentos para análises ou são detectados caroços de azeitonas ou grainhas de uva ou ainda se tem a sorte de encontrar mós olearias tronco cónicas. Ter em atenção para a presença de pesos de lagar, de mós, de restos de madeiras ou tecidos. Não esquecer também que para a obtenção do azeite é sempre necessário mais água que para o vinho e como tal os lagares de azeite devem ficar junto a linhas de água ou ter forma de a fazer chegar até junto do lagar. Segundo Vitruvio, o torcularium devia permanecer junto da cozinha ou em íntima relação com a adega, o lagar devia estar um pouco mais elevado na sua implantação e a ligação entre os espaços fazer-se por uma porta. A cella vinária devia estar orientada a Norte, o que a tornaria fria e quase obscura, devia estar longe de sítios com maus odores, como termas, fornos, latrinas ou instalações de animais, já para cella olearia recomenda-se um espaço ameno para o azeite não coalhar. Para complementar o estudo destas estruturas deve-se estar atento ao tipo de alfaias agrícolas encontradas que são distintas na viticultura e na olivicultura. Outro aspecto que devemos ter em conta é a presença de gado bovino na ajuda

1 - Lagar do Olival dos Telhões (Almendra. Vila Nova de Foz Côa)

ao trabalho do lagar. Em dois casos por nós escavado o do Olival dos Telhões (Almendra, Vila Nova de Foz Côa) e o da Insuínha, (Pedrógão, Vidigueira) surgiram associados aos lagares badalos ou guizos de bovinos. Não nos podemos esquecer da imensa quantidade de lagares rupestres, existentes na região duriense, principalmente nos planaltos graníticos que embora não estejam integrados nas villae muitos estão dentro dos seus respectivos fundi e foram utilizados em época romana. Os exemplos dos lagares da Fonte do Milho, Olival dos Telhões (Fig. 1) (Almendra, Vila Nova de Foz Côa), Rumansil, Prazo, Zimbro (Freixo de Numão, Vila Nova de Foz Côa), Vale de Mouro (Coriscada, Meda). 4.2 – Armazéns (granaria) e celeiros (horrea) e moinhos (molinum). Outra das grandes actividades económicas era a produção cerealífera e como tal devíamos encontrar no registo arqueológico as estruturas de armazena-

145

2 - Celeiro da Quinta de Crestelos (Meirinhos, Mogadouro)

mento: silos, dolia ou sacos de tecido (estes mais difíceis de detectar) e os próprios armazéns, horrea, onde estes recipientes seriam guardados e protegidos das intempéries e dos animais predadores. Estes armazéns deviam fazer parte integrante dos anexos da pars rústica e por isso nem sempre são caracterizados isoladamente. Dentro desta actividade são referidos os granaria para os grãos de cereal, os fenile para os depósitos de feno e os farrariia para os silos de trigo, todos eles deveriam ser construídos em local alto e ventilado, afastados de fontes de calor ou fogo. Os granaria ou celeiros, são os mais facilmente detectados no registo arqueológico, predominam na zona duriense os de pavimento sobre-elevado, apresentando uma série de muros construídos sob a tabulata, que deveria ser em madeira, mas que também nos surge em lajeado de pedras de xisto. Outro tipo de celeiros são os construídos sobre pilares tipo palheiros ou espigueiros, neste caso o registo é de mais difícil percepção. Ainda ligado

ao cereal não podemos esquecer os fornos de pão, os moinhos de cereal, quer de mós manuais, moinhos de água ou de vento. Associado a tudo isto, temos de estar atentos à presença dos pesos de tear, dos cossoiros, das placas de tear, das mós e mais importante, recolher sempre amostras de sedimento para realização de flutuações e análises de macro-restos. Os exemplos dos celeiros de Vale dos Mouros (Coriscada, Meda) (Figura 2) e da Quinta de Crestelos (Figura 3) (Meirinhos, Mogadouro). 4.3 – Pecuária e criação de gado As estruturas ligadas à pecuária e criação de gado que deviam aparecer são as que ainda hoje se usam numa quinta, currais, vacarias, galinheiros. Estas estruturas são mais difíceis de detectar, embora algumas construções existentes nas villas aqui estudadas, sejam

146

Susana Rodrigues Cosme

3 - Celeiro de Vale dos Mouros (Coriscada, Meda)

apontadas como cavalariças, por serem espaços muito compartimentados e estreitos no Vale de Mouro em mais nenhum dos casos aqui apresentados nos mostram estruturas desta tipologia que tivessem como funcionalidade a proteção dos animais. No entanto têm surgido algumas estruturas de forma oval ou elipsoidal que têm vindo a ser apontadas como currais de bovídeos noutras zonas do país ou para outros períodos. O exemplo da Casa dos Mouros 241 (São Marcos da Serra, Silves) de época romana e os da Quinta de Crestelos (Meirinhos, Mogadouro) de época alto-medieval. Chama-se a atenção para as estruturas de buracos de poste ou paliçadas muito utilizadas neste tipo de estruturas, bem como uma recolha cuidadosa da fauna mamalógica exumada em cada sítio arqueológico e perceber se os veados se encontram mais numa zona que outra, ou as cabras, ovelhas, vaca/boi, galinhas, coelhos, patos, enfim, percebendo não só o tipo de alimentação que faziam à época mas também que animal prevalecia e para que servia se só alimentação ou se eram animais de trabalho (de tração).

4.4 - Fornos Numa villa rústica ou villa frutuária podemos encontrar fornos de pão, fornos de cerâmica, de vidro, de fundição de metal, de cal. Os fornos apresentam normalmente uma câmara de combustão, sobre a qual é colocada uma grelha que depois seria coberta com uma abóbada. A tipologia de fornos também varia ao longo dos anos e dos materiais que iriam a cozer, tornando-se ao longo da ocupação romana cada vez mais elaborados e a atingir temperaturas mais elevadas: podemos encontrar simples covachos abertos no solo de base e que serviram como câmara de combustão ao mesmo tempo que se colocavam as peças no meio, junto com a madeira e se chegava o fogo, tapando com terra e deixando cozer em soenga; a fornos de pão também escavados no substrato rochoso e apresentando paredes e chão do forno muito rubfatada, fornos para redução de ferro como é o exemplo do encontrado no Olival dos Telhões (Almendra, Vila Nova de Foz Côa). Estrutura semi-circular constituída por lajes de xisto, com um leito

O contributo das pequenas ‘villae’ rústicas

147

4 - Estrutura de curral em elipse da Casa dos Mouros 241 (São Marcos da Serra, Silves)

de placas de xisto, revestida a argila e grandes blocos de argamassa. Associada a esta estrutura detectou-se uma grande quantidade de cinzas e uma sua observação macroscópica revela que a argila foi sujeita a elevadas temperaturas. Descrições semelhantes, nomeadamente numa propriedade do Carvalhal, Moncorvo170, são comuns, retratando um determinado tipo de fornos romanos para uma pequena oficina metalúrgica de ferro, de carácter artesanal e local. 170 

CUSTÓDIO, 1984, p.30.

Os fornos mais conhecidos e cuja tipologia se manteve até à actualidade são os fornos de cerâmica, tratam-se de fornos grandes ovalados ou rectangulares, com uma câmara de combustão em arcos de tijolo ou pedras, com um pilar central ou com vários pilares que sustentem os arcos. Grelhas robustas em tijolos e argila e abóbadas em tijolo ou em argila e xisto partido. Estes fornos também podem surgir em pedra como são os casos dos fornos do Rumansil. (Figura 5).

148

Susana Rodrigues Cosme

5 - Estrutura de curral em elipse da Quinta de Crestelos (Meirinhos, Mogadouro)

6 - Forno do Rumansil (Freixo de Numão, Vila Nova de Foz Côa)

5 - NOTAS FINAIS

A

s actividades económicas realizadas nas villas eram a base e o motor da economia em época romana, quase todas eram auto suficientes e muitas delas produziam em excesso o que lhes permitia por esses produtos nas rotas comerciais. A ocupação do território com as características sócio-políticas romanas, mantiveram-se até inícios/ meados do século VI, altura em que o território sofreu a ocupação sueva e visigoda durante o final do século VI inícios do século VIII. As alterações sentidas em termos de povoamento não foram muito significativas, as alterações fizeram-se sentir mais no aspecto inova-

dor da religião. Passou a existir a divisão do território em bispados e estes por sua vez em paróquias. Se a estes bispados correspondiam as áreas de influência das antigas capitais de civitas ou se às paróquias correspondiam a área dos vicus, isto é, se se mantiveram as fronteiras físicas das antigas divisões administrativas, para as divisões religiosas da Idade Média é um aspecto ainda por esclarecer.

O contributo das pequenas ‘villae’ rústicas

149

6 – BIBLIOGRAFIA ALARCÃO, Jorge de (1988) - Roman Portugal. Gazetter. Warminster: Aris e Phillips Ltd., 4 vols. ALMEIDA, Carlos Alberto Brochado de (1992/1993) - “O passado arqueológico de Carlão – Alijó”. Portugalia, Nova Série, 13-14. Porto. ALMEIDA, Carlos Alberto Brochado de (1996) – O cultivo da vinha durante a antiguidade clássica na região demarcada do douro. Ponto da situação”. Douro: Estudos & Documentos. Porto: GEHVID. N.º 2, p. 21-30. ALMEIDA, Carlos Alberto Brochado de (2006) – A Villa do Castellum da Fonte do Milho. Uma antepassada das actuais quintas do Douro. In Douro, Estudos e Documentos, 21. Porto: GEHVID, p. 209-228. CARNEIRO, André (2010) – Em pars incerta. Estruturas e dependências agrícolas nas villae da Lusitânia. «Conímbriga», 49. Coimbra: IAFLUC, p. 225-250. COIXÃO, António do Nascimento Sá (2000) - Carta Arqueológica do Concelho de Vila Nova de Foz Côa. Vila Nova de Foz Côa: Ed. da Câmara de Vila Nova de Foz Côa. COIXÃO, António do Nascimento Sá (2008) – Proto-história e romanização do Baixo Côa: Novos contributos para a sua caracterização. In LUIS, Luís (coord.) – Prot-História e Romanização: guerreiros e colonizadores. III congresso de arqueologia trás-os-montes, alto douro e beira interior: actas das sessões. Porto: ACDR de Freixo de Numão, vol. 3, p. 29-55.

COSME, Susana Rodrigues; MARTINS, Carla (2001) - Monte Calabre- “Estudo analítico do espólio metalúrgico de Aldeia Nova/Olival dos Telhões (Almendra, Vila Nova de Foz Côa). In Actas do III Congresso de Arqueologia Peninsular. Porto: ADECAP. vol. 9, p. 215-221. COSME, Susana Rodrigues (2001a) – “O lagar romano de Aldeia nova/Olival dos Telhões (Almendra, Vila Nova de Foz Côa)”. In Actas do II Simpósio Internacional de História e Civilização da Vinha e do Vinho – “A Vinha e o Vinho na Cultura da Europa”. Porto: Ed. do GEHVID, 12 Porto, 2001, p. 55-62. COSME, Susana Rodrigues (2002) - Entre o Côa e o Águeda – Povoamento nas épocas romana e alto-medieval. Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Texto Policopiado. CUSTÓDIO (1984) BARROS, G. Monteiro, O ferro de Moncorvo e o seu aproveitamento através dos tempos, Moncorvo, Ferrominas EP, p. 30. LEMOS, F. de Sande (1993) – Povoamento Romano de Trás-os-Montes Oriental. Braga: ed. Universidade do Minho. Texto policopiado. TEIXEIRA, Ricardo (1998) – O Côa, as quintas e o povoamento romano subjacente. In Terras do Côa / da Malcata ao Reboredo, os valores do Côa. Guarda: Estrela-Côa – Agência de desenvolvimento territorial da Guarda. p. 209-213.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.