COSME, Susana Rodrigues (2014) - \" O sítio de São Faraústo na transição da época romana para o período alto-medieval, freguesia de Oriola, concelho de Portel”

June 9, 2017 | Autor: Susana Cosme | Categoria: Alentejo, Roman Archaeology
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4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002-2010)

MEMÓRIAS d’ODIANA 2.ª Série Estudos Arqueológicos do Alqueva

FICHA TÉCNICA MEMÓRIAS d’ODIANA - 2.ª Série TÍTULO

4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002 – 2010) EDIÇÃO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva DRCALEN - Direcção Regional de Cultura do Alentejo COORDENAÇÃO EDITORIAL

António Carlos Silva Frederico Tátá Regala Miguel Martinho DESIGN GRÁFICO

Luisa Castelo dos Reis / VMCdesign PRODUÇÃO GRÁFICA, IMPRESSÃO E ACABAMENTO

VMCdesign / Ligação Visual TIRAGEM

500 exemplares ISBN

978-989-98805-7-3 DEPÓSITO LEGAL

356 090/13

Memórias d’Odiana • 2ª série

FINANCIAMENTO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva INALENTEJO QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional Évora, 2014

ÍNDICE 9

INTRODUÇÃO

11

PROGRAMA

15

LISTAGEM DOS PÓSTERES APRESENTADOS

17

CONFERÊNCIAS

19

“Alqueva – Quatro Encontros de Arqueologia depois...”. António Carlos Silva

34

“O património cultural no Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva: caracterizar, avaliar, minimizar, valorizar …”. Miguel Martinho

45

“O Acompanhamento no terreno do Projecto EFMA na área da Extensão de Castro Verde do IGESPAR”. Samuel Melro, Manuela de Deus

53

COMUNICAÇÕES

55

“Um mundo em negativo: fossos, fossas e hipogeus entre o Neolítico Final e a Idade do Bronze na margem esquerda do Guadiana (Brinches, Serpa)”. António Carlos Valera, Ricardo Godinho, Ever Calvo, F. Javier Moro Berraquero, Victor Filipe e Helena Santos

74

“Intervenção arqueológica em Porto Torrão, Ferreira do Alentejo (2008-2010): resultados preliminares e programa de estudos”. Raquel Santos, Paulo Rebelo, Nuno Neto, Ana Vieira, João Rebuje, Filipa Rodrigues, António Faustino Carvalho

83

“Contextos funerários na periferia do Porto Torrão: Cardim 6 e Carrascal 2”. António Carlos Valera, Helena Santos, Margarida Figueiredo e Raquel Granja

96

“Intervenção Arqueológica no sítio de Alto de Brinches 3 (Reservatório Serpa – Norte): Resultados Preliminares”. Catarina Alves, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

103

“Caracterização preliminar da ocupação pré-histórica da Torre Velha 3 (Barragem da Laje, Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra, António M. Monge Soares, Marta Moreno-Garcia

112

“Questões e problemas suscitados pela intervenção no Casarão da Mesquita 4 (S. Manços, Évora): da análise intra-sítio à integração e comparação regional”. Susana Nunes, Miguel Almeida, Maria Teresa Ferreira, Lília Basílio

119

“Um habitat em fossas da Idade do Ferro em Casa Branca 11, na freguesia de Santa Maria, concelho de Serpa”. Susana Rodrigues Cosme

125

“Poço da Gontinha 1 (Ferreira do Alentejo): resultados preliminares”. Margarida Figueiredo

132

“Currais 5 (S. Manços, Évora): diacronia e diversidade no registo arqueoestratigráfico”. Susana Nunes,; Mónica Corga, Miguel Almeida, Lília Basílio ÍNDICE

Memórias d’Odiana • 2ª série

5

Memórias d’Odiana • 2ª série

6

137

“A villa romana do Monte da Salsa (Brinches, Serpa): uma aproximação à sua sequência ocupacional”. Javier Larrazabal Galarza

145

“Dados para a compreensão da diacronia e diversidade do registo arqueológico na villa romana de Santa Maria”. Mónica Corga, Maria João Neves, Gina Dias, Catarina Mendes

155

“A pars rústica da villa da Insuínha 2, freguesia de Pedrógão, concelho da Vidigueira”. Susana Rodrigues Cosme

162

“A villa da Herdade dos Alfares (São Matias, Beja) no contexto do povoamento romano rural do interior Alentejano”. Mónica Corga, Miguel Almeida, Gina Dias, Catarina Mendes

171

“A necrópole de incineração romana da Herdade do Vale 6, freguesia e concelho de Cuba”. Susana Rodrigues Cosme

178

“Necrópole romana do Monte do Outeiro (Cuba)”. Helena Barranhão

185

“O conjunto sepulcral do Monte da Loja (Serpa, Beja)”. Sónia Cravo e Marina Lourenço

191

“O sítio de São Faraústo na transição da Época Romana para o Período Alto-Medieval, freguesia de Oriola, concelho de Portel”. Susana Rodrigues Cosme

197

“O sítio romano da Torre Velha 1. Trabalhos de 2008-09 (Barragem da Laje, Serpa)”. Adriaan De Man, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

203

“Análise preliminar dos contextos da Antiguidade Tardia do sitio Torre Velha 3 (Barragem da Laje - Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

212

“A Necrópole de São Matias, freguesia de São Matias, concelho de Beja”. Susana Rodrigues Cosme

219

“Xancra II (Cuba, Beja): resultados preliminares da necrópole islâmica”. Sandra Brazuna, Ricardo Godinho

225

“Funchais 6 (Beringel, Beja) – resultados preliminares”. Manuela Dias Coelho, Sandra Brazuna

231

PÓSTERES

233

“Primeiros resultados da intervenção arqueológica no sítio Torre Velha 7 (Barragem da Laje - Serpa)”. Adriaan De Man, André Gregório, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

237

“A Torre Velha 3 (Serpa) no espaço geográfico. Uma abordagem morfológica de um “sítio” arqueológico”. Miguel Costa, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

242

“O contributo da Antropologia para o conhecimento das práticas funerárias pré e proto -históricas do sítio de Monte da Cabida 3 (São Manços, Évora)”. Maria Teresa Ferreira

246

“Villa Romana da Mesquita do Morgado (S. Manços, Évora): considerações acerca das práticas funerárias”. Maria Teresa Ferreira

ÍNDICE

“Monte da Palheta (Cuba, Beja): dados para a caracterização arqueológica e integração do sítio à escala regional”. Mónica Corga, Gina Dias

256

“Aldeia do Grilo (Serpa): contributos para o estudo do povoamento romano na margem esquerda do Guadiana”. Carlos Ferreira, Mónica Corga, Gina Dias, Catarina Mendes

261

“Resultados preliminares de uma intervenção realizada no sítio Parreirinha 4 (Serpa)”. Carlos Ferreira, Susana Nunes, Lília Basílio

267

“Depósitos cinerários em Alpendres de Lagares 3”. Maria Teresa Ferreira, Mónica Corga, Marta Furtado

271

“Workshop Dryas’09: Estruturas negativas da Pré e Proto-história peninsulares – estado actual dos nossos conhecimentos... e interrogações”. Miguel Almeida, Susana Nunes, Maria João Neves, Maria Teresa Ferreira

276

“Intervenção arqueológica na Horta dos Quarteirões 1, Brinches, Serpa”. Helena Santos

280

“A Intervenção Arqueológica no Monte das Covas 3 (S. Matias, Beja): Os contextos romanos de época republicana”. Lúcia Miguel

284

“O Sítio do Neolítico antigo da Malhada da Orada 2 (Serpa): resultados preliminares”. Ângela Guilherme Ferreira

289

“Intervenção arqueológica nas necrópoles do Monte da Pecena 1 e Cabida da Raposa 2”. Andrea Martins, Gonçalo Lopes, Marisa Cardoso

7

ÍNDICE

Memórias d’Odiana • 2ª série

250

“O SÍTIO DE SÃO FARAÚSTO NA TRANSIÇÃO DA ÉPOCA ROMANA PARA O PERÍODO ALTO-MEDIEVAL, FREGUESIA DE ORIOLA, CONCELHO DE PORTEL”. SUSANA RODRIGUES COSME102 Resumo O sítio arqueológico de S. Faraústo 2 é um povoado com ocupação durante a época romana (século III/IV ao século V/VI) e talvez durante a alta-idade média, alguns materiais, a utilização de fornos sobre derrubes de tegulae e a presença do templo dedicado a um Santo Mártir alto-medieval, leva-nos a pensar estar perante uma villa ou vici de cariz rural e/ou metalúrgico de um período tão pouco estudado no nosso país que é transição da época romana para a Idade Média.

Abstrat The archaeological site of S. Faraústo 2 is a site with occupation during the time Roman (century III/IV to century V/VI) and perhaps during the average high-age, some materials, the use of ovens on knocks down of tegulae and the presence of the dedicated temple to Saint Martyr high-medieval, take-in thinking to be before a villa or vici of agricultural and/or metallurgic care of a period so little studied in our country that is transition of the time roman for the Middle-Age.

1. Introdução A destruição do sítio arqueológico de S. Faraústo 2 é um dos principais impactes negativos apontado pelo estudo de impacte ambiental do troço de ligação Loureiro/Alvito, estudo elaborado pela empresa Nemus. Este troço faz parte de um projecto integrado no subsistema de rega do Alqueva. Assim, a empresa de arqueologia Archeo’Estudos, Lda. foi contratada pela EDIA com o objectivo de realizar sondagens avaliativas numa área de 120m2 dentro da área que viria a ser afectada pelo canal e respectivos caminhos de acesso, num prazo de execução de 22 dias úteis. Esta 1ª fase de trabalhos teve início a 27 de Abril de 2004 e a 4ª fase terminou a 10 de Novembro de 2005.

2. Descrição do Local Localizado num terreno da freguesia de Oriola, concelho de Portel, distrito de Évora, este sítio arqueológico encontrava-se semeado de trigo e com algumas azinheiras, em propriedade privada. Trata-se de um local sobranceiro à ribeira de Oriola, a uma altitude de cerca de 198m a 205m. Para aceder a este sítio, quem vier de Portel em direcção a Viana do Alentejo, a cerca de 10 km de Portel, encontra uma placa para Santana à esquerda. Vira aí e a cerca de 100/200m encontra uma estrada de terra batida à direita em direcção à capela de São Faraústo. A estação arqueológica situa-se entre a estrada e a capela. As sondagens foram localizadas entre os Meridianos 225900 e o 225984 (O/E) e os Paralelos 149283 e o 149179 (N/S).

3. Resenha histórica

102

Arqueóloga, direcção de intervenção arqueológica para a empresa Archeo’Estudos, Lda. e investigadora do CITCEM. [email protected]

COMUNICAÇÕES

191

Memórias d’Odiana • 2ª série

Sobre o sítio arqueológico de época romana encontra-se a ermida de São Faraústo (Fig. 1 e Fig. 2), dedicada a um santo quase desconhecido. Deste santo diz-se ser um mártir que morreu subjugado aos romanos. Esta pequena edificação terá tido a sua origem no início do séc. XVI, apresenta um conjunto pictórico na capela-mor quinhentista, sendo um dos exemplares mais peculiares do núcleo da Rota do Fresco.

Esta capela encontra-se bastante danificada pois a cobertura da nave bem como parte das paredes da nave e da sacristia anexa à capela ruíram. Desprovida de culto há alguns anos, por informação oral, foi-nos comunicado que o orago da capela era Nossa Senhora dos Remédios e não São Faraústo. Túlio Espanca fala-nos da Ermida de S. Fausto, mártir das grandes perseguições imperiais romanas contra o cristianismo e advogado contra as maleitas – na expressão popular – já existente no século XVII e mais tarde consagrada a N. Senhora dos Remédios, situada num local ameno da margem direita da ribeira de Odivelas, no Monte das Covas, a cerca de 5 Km de distância da antiga sede de freguesia, alcançando-se pela Est. Nac. 384, através de um caminho particular da herdade de Vale Figueiras (ESPANCA, 1978: 255). Esta é a referência mais específica a este local, o autor não esclarece, no entanto, porque lhe chama Ermida de S. Fausto. É que os habitantes conhecem-na como N. Senhora dos Remédios e na Carta Militar o topónimo é São Faraústo. Paula Amendoeira, em 1999, na sua ficha de Inventário do Património Arquitectónico designa esta ermida como Ermida de São Faraústo/Ermida de São Fausto/Ermida de Nossa Senhora dos Remédios. Faz uma caracterização da capela, datando-a dos inícios do século XVII e as pinturas murais do século XVIII. Refere já “...os abundantes vestígios cerâmicos de época romana a anunciarem uma ocupação do local já nessa época.” Em 2003, foi realizado um Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do troço de ligação Loureiro-Alvito, onde através dos trabalhos de prospecção realizados pelo arqueólogo Pedro André Santos Neto para a empresa Nemus aponta como principal impacte negativo a destruição parcial do Sítio Arqueológico de S. Faraústo. Foi-nos referido oralmente, por um senhor, cujo pai, já falecido, lhe contava que quando andavam a lavrar os terrenos encontraram na elevação junto à capela restos de mosaicos romanos, bem como, muros baixinhos do mesmo período. Dizia, ainda, que enquanto se lavrou com arado alguns muros foram sobrevivendo mas depois do incremento dos tractores não foi possível evitar a constante destruição. Não encontrámos referências a mais nenhum São Faraústo em Portugal, o que nos leva a concordar com Pierre David quando fala na derivação de nomes de São Faústo, para Fraústo e quem sabe Faraústo. De São Fraústo encontrámos algumas referências das quais destacamos um São Fraústo na freguesia de Samaiões, concelho de Chaves. Referimos este caso, pela semelhança topográfica e cronológica do local. Este sítio encontra-se numa encosta virada a SE, na margem direita do Tâmega, numa área de cerca de 1,5hectare de dispersão de tegula, sigillata, silhares, fustes cilíndricos e muita cerâmica comum. Neste momento não existe nenhuma capela associada a este sítio embora se fale de uma capela que existia numa quinta ali próxima (AMARAL, 1993: 66. TEIXEIRA, 1999: 77).

4. Resultados da Intervenção

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192

O sítio de São Faraústo 2 foi objecto de uma intervenção arqueológica de carácter de emergência, pois a construção de um canal de transvaze entre as barragens do Loureiro e do Alvito teria como consequência destruição parcial do sítio arqueológico. Daí a necessidade do local ser escavado Figura 1 – Capela de São Faraústo (Fachada virada )LJXUD²3LQWXUDGDFDSHODPRUGD&DSHOD a Oeste). de São Faraústo. e estudado antes da construção do túnel e respectivo caminho de acesso, para que, não se perdesse o conhecimento científico e se salvassem alguns objectos arqueológicos importantes, já que não podia ser evitada a sua destruição. Assim, ao longo de 135 dias úteis distribuídos por 4 fases de trabalho, foram intervencionados 2134m2, sendo que 1262m2 foram intervencionados manualmente, 661m2 foram intervencionados com máquina retro-escavadora e 211m2 foram intervencionados manualmente e com máquina. Nesta escavação foram exumados 72.016 fragmentos de espólio arqueológico. Com o fim dos trabalhos no São Faraústo, podemos concluir estar perante dois espaços distintos: um a Norte ou Espaço Habitacional, (sondagem 7 com 750m2) e outro a Sul ou Espaço Industrial, (sondagem 3, 4, 9, 10 e 11 com aproximadamente 600m2).

COMUNICAÇÕES

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)LJXUD²6RQGDJHPDVSHFWRÀQDOGDIDVHYLVWRGRFDQWR Sudeste.

4. 1. Espaço Habitacional

COMUNICAÇÕES

193

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Quanto ao espaço habitacional, apesar dele se encontrar ao nível dos alicerces devido à constante destruição dos mesmos por motivos de uso agrícola do solo, podemos caracterizá-lo como um edifício com pelo menos três salas, duas delas com comunicação entre si através de um degrau e outras duas com uma abertura virada a um espaço aberto no interior. Não foi possível detectar pisos de ocupação e mesmo os níveis de derrubes encontram-se muito remexidos. Os muros são constituídos por pedra (xisto) e material de construção (tegula), pelo menos ao nível dos alicerces, que é o que sobreviveu. As valas de construção dos muros encontram-se abertas na rocha-base. O edifício (Fig. 3, Fig. 4 e Fig. 5) apresenta dois momentos de construção, um primeiro, do qual fazem parte as três salas e o muro a Norte (U.E.-615 e 668) que atravessa quase toda a Sondagem de Este a Oeste, outro momento, o da construção de muros que foram adossados a Norte do muro U.E.-615 e 668. Quer pela tipologia das estruturas, pelos materiais ce-

râmicos (principalmente as sigillatas que nesta zona são essencialmente Terra Sigillatas Africanas Claras C) quer pelos numismas dos séculos III/IV, podemos concluir estar perante uma villae com ocupação durante a época romana entre os séculos III e o século V.

4. 2. Espaço Industrial

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A zona a que chamamos espaço industrial resulta do alargamento das sondagens 3 e 4 e das sondagens 9, 10 e 11. Em todas as unidades estratigráficas da sondagem 3 foram exumados 29803 fragmentos de espólio arqueológico. Nesta sondagem foram exumados o maior número de fragmentos de espólio em quase todas as tipologias. Destacamos os fragmentos de cerâmica comum (21953) e de sigillata (622) bem como os elementos metálicos (Fig. 6, Fig. 7 e Fig. 8) à excepção de moedas. Nesta sondagem não foram exumados numismas. O facto de se ter exumado tanto material nesta sondagem, deve-se ao facto de nesta sondagem se encontrarem as unidades das camadas que denominámos de derrubes: U.E.-224, 226, 228 e 229. Estas camadas foram as que forneceram mais material. A sua caracterização ou funcionalidade não se encontra bem definida, mas uma coisa é certa, depois de todo o trabalho de campo e de pesquisa para o relatório parece-nos cada vez menos camadas de derrube. O facto destas camadas se encontrarem niveladas e o facto da cerâmica comum se encontrar perfeitamente misturada com cerâmica de construção (tegula e pedra) e blocos de escória, parece-nos que fazem parte de uma camada colocada ali com um propósito ou uma funcionalidade ligada à metalurgia. Essa funcionalidade é que ainda não conseguimos esclarecer. Para além destes níveis de “derrube” foram detectados no conjunto destas sondagens, 7 covachos com cerca de 2m de diâmetro. As estruturas detectadas no alargamento da sondagem 3, as possíveis estruturas da Vala A, bem como a grande quantidade de escórias levou-nos a pensar estarmos perante não exclusivamente de escoriais, mas também de uma área de fundição do metal, com uma datação romana/alto-medieval. A estrutura U.E.-318, que )LJXUD²$UPHODÀJXUD )LJXUD²)tEXODGD8( Figura 8 – Pendente se classificou numa primeira anáWLYDGD8( GHSUDWD8( lise como canalização, foi depois caracterizada como limitadora de um espaço ligado à metalurgia. Esta estrutura caracteriza-se por pedras e tegulae fincadas a fazer de cunhas. Apresenta um conjunto de pedras niveladas a formar uma entrada de um espaço com forma de elipse. Deste alinhamento para Norte foram detectados vários (7) covachos de terras negras e materiais cerâmicos (Fig. 9). Para Sul deste alinhamento encontramos as camadas de derrube nivelado. A estrutura, U.E.-318 é nitidamente uma divisão de espaços. Os materiais nestes níveis de derrube apresentam uma cronologia mais lata que no espaço habitacional. A datação destas estruturas, é difícil de aferir pois como se verificou através do registo arqueológico elas são constantemente reutilizadas, destruídas e refeitas. Como refere Jorge de Alarcão muitas villae e vici teriam as suas próprias ferrarias, onde a fundição estaria associada à extracção do minério e ao ofício do ferreiro (ALARCÃO: 1988, 132-133). O tipo de fornos, técnicas de metalurgia, a correlação entre o local e a produção e os aspectos geográficos e económicos daí resultantes não são devidamente evidenciados pela arqueologia clássica. Um escorial surge da deposição sucessiva de desperdícios da fundição. Durante a combustão, quer seja através do método directo, quer pela interferência dos altos-fornos, as matérias são libertadas e, após arrefecimento, surgem com uma determinada textura, constituindo aquilo a que se chama escória ou ganga. A separação da escória do ferro, propriamente dito, faz-se porque o ferro tem maior densidade do que a escória e esta ficando no leito da fusão, à superfície, acaba por ser descarregada através de orifícios superiores abertos nos fornos, ou mesmo, no caso do ferro forjado, com a martelagem. A escória não está totalmente liberta de ferro, esta percentagem de ferro é variável conforme a técnica de fusão utilizada. Admite-se, que quanto mais primitiva é a técnica maior é o teor de ferro contida na escória, como é o caso

COMUNICAÇÕES

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das escórias aqui exumadas com um elevado teor de ferro. Quem utilizava esta técnica directa eram, simultaneamente, fundidores e forjadores, não obtendo um ferro perfeitamente fundido devido às baixas temperaturas dos fornos. Também não sabiam, ou não necessitavam de aproveitar as escórias. Nesta estação, deveriam trabalhar o ferro pelo sistema de pequenos fornos isolados de argila refractária, isto é, cavados numa encosta, com grelha de furos de argila e uma cúpula com chaminé para fazer a tiragem (FERREIRA: 1969, 207). Destes fornos como verificámos apenas foi possível detectar um forno, U.E.-216 (Fig. 10). A localização desta estação tem uma topografia que se apresenta adequada aos fornos tipo Hallastat, sistema de pequenos fornos isolados de argila refractária, isto é, cavados numa encosta, com grelha de furos de argila e uma cúpula com chaminé para fazer a tiragem (FERREIRA: 1969, 207), temos uma encosta de declive suave, uma linha de água nas proximidades, e o minério não deveria de vir de muito longe. De referir o topónimo de Monte do Ferro a cerca de cinco quilómetros para o lado de Portel, será um sítio com matéria-prima para estes fornos? A necessidade de desmanchar o forno depois de cada utilização, determinou que cada ferraria se transformasse num montão de fornos, para Adriano Vasco Rodrigues, “…não havia ruínas, mas montes de escombros e escórias.” (RODRIGUES: 1964). Estaria o autor a falar de níveis como os que denominámos de derrubes? No entanto pouco se sabe sobre as escórias das fundições, os restos de fornos e os materiais em que eram construídos, sobre os moldes e os locais escolhidos para sítios metalúrgicos. Da época romana salientamos os fornos de Santa Maria do Sado, que segundo Jorge Custódio tipificam a função da “ferraria” nas suas origens (CUSTÓDIO: 1984, 17). Neste espaço a que chamámos industrial, os materiais cerâmicos apresentam cronologias que vão desde o século I d.C. ao século V d. C.. Destas peças salientamos as produzidas quer na Gália, em Tritium Magallum (na Hispânia) e no Norte de África o que demonstra um estado de romanização e um poder económico relativamente alto.

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COMUNICAÇÕES

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Com o fim dos trabalhos no São Faraústo, podemos concluir estar perante dois espaços distintos: um a Norte ou Espaço Habitacional, (sondagem 7 com 750 m2) e outro a Sul ou Espaço Industrial, (sondagem 3, 4, 10 e 11 com aproximadamente 600 m2). Se o espaço habitacional apresenta uma cronologia do século III ao V, os materiais da zona industrial apresentam-nos uma cronologia do século I ao século V. Teremos um espaço habitado durante cinco séculos e com possível continuidade durante a Alta Idade Média. Não podemos esquecer a presença do templo dedicado a um Santo Mártir alto-medieval e de que a área de dispersão de materiais é muito maior do que a área intervencionada. Pensamos estar perante uma villae de cariz rural e/ou metalúrgico de época romana e que pode ter-se estendido no tempo até à Idade Média. Esperamos que este sítio possa um dia ser passível de continuação de estudo com uma intervenção arqueológica junto à capela de São Faraústo, o que nos parece imprescindível para aferir da existência ou não de um templo alto-medieval.

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