Costa Pinheiro. 2010. Educação Superior: Índia e Brasil (Revista Conjuntura Econômica)

June 1, 2017 | Autor: Claudio Pinheiro | Categoria: Higher Education, Indian studies, South Asian Studies, Assessment in Higher Education, India, BRICS
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Um olhar sobre a

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Mais além do Taj Mahal Cláudio Costa Pinheiro Durante os séculos XVI e XVII, parte do que é hoje a Índia entreteve contatos comerciais com parte do que é hoje o Brasil. Eram os tempos do imperialismo europeu e ambos estavam inseridos no sistema internacional desde sua periferia, enquanto colônias que atendiam as prioridades político-econômicas de suas metrópoles. O mundo transformou-se. Brasil e Índia tornaram-se Estados independentes que enfrentam os dilemas sócio-econômicos produzidos pelo colonialismo e pela complexidade de suas sociedades pós-coloniais. Embora as relações bilaterais tenham sido oficializadas logo após a independência indiana, em 1947, a natureza dos diálogos permaneceu restrita a mútuos exotismos. A opinião pública brasileira, e mesmo nossa intelectualidade, continua a desconhecer largamente a história, cultura e sociedade indianas para além do curry massala ou do Taj Mahal. O tempo presente reencontra Brasil e Índia diante de uma nova fase de aproximações. Ambos integram organizações multilaterais apontadas como responsáveis pela reestruturação econômica e política global nas décadas vindouras. Entre 12 a 16 de abril, dois destes fóruns, o BRIC e o IBAS (Brasil, Rússia, Índia e China e o segundo

incluindo Índia, Brasil e África do Sul), reuniram-se em Brasília com uma extensa agenda — dividida entre vários eventos e 16 GTs permanentes —, que incluiu desde trocas comerciais, fundos de auxílio financeiro para países periféricos, debates acadêmicos, temas de segurança, think tanks e o programa nuclear do Irã. Mas o que de fato aproxima esses países, a ponto de criar um ambiente favorável à consolidação de agendas de interesses comuns e o desenvolvimento de potenciais de cooperação?

Economia A sugestão futurológica corriqueira de que Índia e Brasil (ao lado de China e Rússia) estarão entre as locomotivas do planeta, baseia-se, mormente, na análise de índices econômicos do presente relacionados às expectativas de crescimento continuado por seus Produto Interno Bruto, indicadores de produção e consumo, reservas monetárias, capacidade industrial, disponibilidade e dependência de recursos energéticos, etc. Há que se considerar ainda as expectativas comuns de maior representação e reestruturação de organismos da arena política global, como o conselho de segurança da ONU. Mas

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é provável que o fôlego desses países para um desenvolvimento sustentado possa ainda ser medido por outros indicadores. Um dos aspectos aonde desenvolvimento sustentado e potencial para cooperação podem ser avaliados é no capital intelectual desses países. Em 2008, Índia e Brasil ocuparam, respectivamente, a 10ª e 13ª posições no ranking internacional de produção científica. Uma observação da performance em C&T desses países das últimas décadas revela um crescimento intenso e constante, visível, inclusive, na diminuição da discrepância vis-à-vis os principais centros internacionais. Esse crescimento não é, de forma alguma, gratuito. O Brasil possuía 65 universidades, em 1980 (sendo 20 privadas), e 183, em 2008 (sendo 86 privadas), e contabiliza, hoje, cerca de 2.300 instituições de ensino superior. A Índia, em contraparte, contava 20 universidades, em 1947, 200, em 1980, e 357 em 2005 e o número de colleges (também considerados instituições de 3º grau) saltou de 500, em 1947, para incríveis 17.625, em 2005 (o Reino Unido possui 166 instituições de ensino superior, o Japão 643, das quais 74% privadas). É bem verdade que nossa estrutura demográfica também difere bastante. Enquanto o Brasil possui quase 200 milhões de habitantes, a Índia, segundo país mais populoso do mundo depois da China, possui cerca de 1,2 bilhão. Por outro lado, temos cerca de 30% de nossa população em idade universitária, frequentando universidades, enquanto a Índia, 13% (Institute for Scientific Information; Scopus database; University Grants Comission, Índia; Unesco; Capes-MEC; Inep).

Fotos: Stringer, Robert Nickelsberg, Stringer e Prakash Singh (Getty Images/AFP)

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Um dos aspectos aonde desenvolvimento sustentado e potencial para cooperação podem ser avaliados é no capital intelectual

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Diferenças No entanto, uma comparação mecânica entre categorias que aparentam similitude talvez não seja o caminho mais apropriado para entabularmos um debate mutuamente válido. A universidade tem sido, em ambos os países, chamada a debater e oferecer alternativas a aspectos responsáveis pela intensa hierarquização e exclusão social de nossas sociedades e que atravessam fronteiras entre os diferentes legados históricos e culturais: raça, casta, gênero, a representação de povos indígenas ou os direitos de minorias políticas. Não obstante seja verdade que forças produtoras de exclusão e desigualdade social, política e econômica existam nos dois países, é certo também que estas operam diferentemente em cada um dos contextos. Podem parecer semelhantes em seus efeitos, mas não são homólogos. Discriminação por casta na Índia não equivale à de raça no Brasil, embora ambas as circunstâncias possam iluminar o debate de soluções criativas para o desenvolvimento de macro-políticas de inclusão social, tecnologias de distribuição de renda ou mecanismos de representação de minorias nacionais. Assim, diálogos e conexões entre Índia e Brasil devem considerar desigualdades simétricas e similaridades desiguais que afetam os dois países mutuamente. Outro efeito altamente positivo desse tipo de diálogo é que os países periféricos possam considerar outros horizontes de interlocução diferentes dos Estados Unidos e Europa. Sob muitos aspectos, o Brasil (o que se aplica, grosso modo, às periferias do capitalismo global) construiu sua ideia de nação, de sucesso econômico e expectativa de desenvolvimento social a partir da comparação com os Estados Unidos e a Europa. Mais

do que servir de modelos para nosso desenvolvimento, esses países representaram historicamente uma expectativa de sucesso que sempre procuramos alcançar, ao mesmo tempo em que nos lembram que jamais fomos ou o quanto falta para sermos desenvolvidos, prósperos ou modernos. Esses aspectos ganham força especial em um momento de debates intensos a respeito de uma reestruturação da geopolítica global na direção de uma multipolaridade. Parte desse esforço é, desde já, visível em iniciativas tomadas isoladamente ou em fóruns regionais nas propostas de reestruturação da arquitetura global do sistema financeiro: no fomento a realização de trocas comerciais em moedas locais (entre países BRIC, IBAS, Mercosul, Asean), na reforma do sistema Bretton Woods ou na criação de organismos regionais que ofereçam alternativas ao FMI e ao Banco Mundial no financiamento ao desenvolvimento. Ampliar a agenda de diálogos com a Índia e outros países Sul, considerando uma real revisão da gramática internacional do poder, requer um esforço maior do que simplesmente identificar uma agenda de problemas comuns. Requer redefinir nossos universos de comparação e reestruturar nossa imaginação sobre quais interlocutores e balizadores vamos eleger para diálogos futuros: em economia, segurança, políticas públicas, desenvolvimento, inclusão social e capacidade intelectual. No caso brasileiro, esta tarefa ainda está por ser feita. Cláudio Costa Pinheiro é do Centro de Relações Internacionais e Escola de Ciências Sociais e História/FGV

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