Costa Pinheiro. 2014e. O gênero e as cores da Paz. o Prêmio Nobel e as questões de representação de Gênero. Revista Ciência Hoje, v. 54 (329), 19-20 [Gender & Colors of Peace. Questions of Gender Representation at Nobel Prize]

September 11, 2017 | Autor: Claudio Pinheiro | Categoria: Gender and Science, Política Científica, Nobel Prize, Scientific Information Policies
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Prêmio Nobel 2014

O gênero e as cores da paz

O

Prêmio Nobel é, sem dúvida, uma das distinções mais prestigiosas do mundo. Existe desde 1901 e é uma instituição interessante para, por meio de suas escolhas, refletirmos sobre como diferentes países se fazem representar em termos de produção científica, promoção da paz e da diversidade de culturas locais. Um retrato falado do premiado típico mostraria um homem, branco, europeu ou norte-ame­ricano, de meia-idade, com longos anos de formação e atuação acadêmica, bem como as­sociado a uma instituição sólida e reputada – provavelmente, das grandes universidades do Atlântico Norte. Em 113 anos do Nobel, mais de 90% dos premiados são homens, quase 65% deles acima dos 55 anos e, em mais de 90% dos casos, originários da Europa e dos EUA. A diversidade social, de gênero ou étnica são fragilmente representadas no Nobel. As mulheres são pouco mais de 5% (47 de um total de 983 laureados), e menos de um décimo (87 em 983) são originários do chamado Sul Global, ou seja, nascidos fora da Europa e dos EUA, em países ‘pós-coloniais’. Essa proporção aumenta se considerarmos que, quando premiados, muitos viviam e trabalhavam em países desenvolvidos do ‘Norte’ e, também, que parte deles, na verdade, pertence às elites europeias que receberam o Nobel representando as colônias. De todas as seis categorias do prêmio, Paz e Literatura são as que fogem – um pouco – desse padrão. Ambas representam o lugar da diversidade: de línguas, cores, gênero e origem. Para o público geral, o prêmio da Paz identifica indivíduos de ação corajosa, devotados ao bem comum e a uma causa. Isto é, o oposto àquele homem de ciência, ocidental e branco, que passa anos recluso em laboratórios. Basta lemciÊnciahoje | 321 | dezembro 2014 | 19

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mundo de ciência

PAZ

Malala Yousafzai • Nasceu em 1997, no vale do Swat (Paquistão). Ganhou fama em 2009, quando, aos 11 anos de idade, sob pseudônimo, passou a escrever em um blogue para a BBC. Escrevia sobre sua vida, o domínio do Talibã em sua cidade, os direitos das mulheres de estudar. Foi indicada ao Prêmio Internacional da Criança, pelo arcebispo anglicano e ativista sul-africano Desmond Tutu. Em 2012, um seguidor dos talibãs atirou três vezes contra ela, em um ônibus escolar. Recuperada, tornou-se símbolo da luta pelo acesso universal à educação.

lou-se na Inglaterra, tornando-se uma celebridade internacional e um símbolo pela proteção da infância e pela luta por auto­ nomia e educação feminina. Não é raro que o Nobel seja agraciado a mais de um premiado, mas a escolha de uma jovem paquistanesa muçulmana e de um ativista indiano hindu sugere, na visão de alguns, a atenção do Ocidente ao tenso quadro da região. O grande deba­te gira em torno de Malala. Sua tenacidade e resistência contra o status quo de uma sociedade intolerante à mobilidade femi­ nina são indiscutíveis. Não obstante, a premiação de Malala despertou acirrada controvérsia, envol­ vendo imprensa e opinião pública sobre os motivos da escolha. Alguns apontam a celebrização de Malala como símbolo da luta contra a violência do Islã, como mais uma tentativa de interferência ocidental na autonomia política e religiosa regional – vale lembrar que as intervenções mili­ tares em busca de terroristas causaram várias mortes de civis em aldeias do Paquistão. Outros apontam teorias da conspiração, sugerindo que Malala seria uma

agente infiltrada da CIA, e que mesmo o atentado contra sua vida teria sido forjado por agências secretas ocidentais. Pelo lado do Comitê Norueguês, premiar ativistas reconhecidos parece também responder às criticas pelas escolhas do Nobel da Paz em anos anteriores, como em 2007, 2009 e 2012 – os norte-ameri­ canos Al Gore e Barack Obama, bem como a União Europeia, respectivamente. Seja como for, a escolha de Malala e Satyarthi renova a expectativa de repre­ sentação feminina e de pessoas dos paí­ses do Sul Global em uma instituição importante que, até hoje, tem sido pouco sensível à diversidade.

Cláudio Pinheiro Programa Sul-Sul de Cooperação e Estudos sobre Desenvolvimento (Sephis), Universidade Federal do Rio de Janeiro

foto Claude Truong / CC BY-SA 3.0

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Kailash Satyrathi • Nasceu em Vidisha (Índia), em 1954. Formou-se em engenharia pelo Instituto Tecnológico Samrat Ashok, em sua cidade natal. Largou a carreira de professor para virar ativista no combate ao trabalho infantil. Em 1980, fundou sua própria organização, Bachpan Bachao Andolan (Movimento Salve a Infância). É um dos diretores da Marcha Global Contra o Trabalho Infantil.

foto divulgação

brarmos o norte-americano Martin Luther King (1929-1968), os sul-africanos Nelson Mandela (1918-2013) e Desmond Tutu, a guatemalteca Rigoberta Menchú, a libe­ riana Ellen Sirleaf ou a macedônia Madre Teresa (1910-1997). Mas, mesmo aí, a representação da diversidade é limitada. Do total de mulheres premiadas até hoje, um terço recebeu o Nobel da Paz, a mesma proporção para os premiados nascidos no Sul Global. Soa bem, mas é pouco, muito pouco. Es­ tamos falando de 16 mulheres e de 26 pessoas do Sul Global laureados desde 1901. Se lembrarmos que o Nobel da Paz é a única ca­tegoria que agracia tanto in­ divíduos quan­to organizações, soa decepcionante que haja mais instituições premiadas do que mulheres. Este ano, o Nobel da Paz foi compar­ tilhado pela paquistanesa Malala You­ safzai e pelo indiano Kailash Satyarthi. Considerando os indicadores acima, o prêmio deste ano parece um caso excepcio­nal. A justificativa do Comitê Norueguês – Paz é a única categoria delegada a um comitê não sueco – para a nomeação foi a de que os dois laureados destacaram-se por ações de proteção à infância e pela denúncia do trabalho infantil e da vulne­ rabilidade de crianças em países pobres. Satyarthi – gandhiano convicto, veterano do combate à exploração de mão de obra infantil, tráfico e escravidão de crianças – fundou, em 1980, a Bachpan Ba­chao Andolan (Movimento Salve a Infância) e trabalhou ao lado de organismos inter­ nacionais pela causa dos direitos humanos. Apesar de premiado internacionalmente, o lugar de Satyarthi são as trin­ cheiras, o que se evidencia pelas grandes ações e por integrar várias instituições de direito da infância. É o segundo Nobel da Paz dado à Índia, mas o primeiro dessa categoria dado a um indiano nato – Ma­dre Teresa era naturalizada indiana. Yousafzai tem uma trajetória diferen­te. A mais jovem premiada da história do Nobel era uma ativista pela paz na peque­na vila de Mingora, norte do Paquistão, que de­fendia o direito de meninas à edu­ cação. Aos 15 anos, por conta desse ideal, foi alvejada por tiros desferidos por um membro local do Talibã. Sobreviveu, exi­-

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