Costa Simões - edificios de investigação médica e medicina experimental na UC (2011, with Paulo Providência)

June 6, 2017 | Autor: Rui Lobo | Categoria: History of Medicine, University of Coimbra, Medical Architecture
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Descrição do Produto

CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 26 A 29 DE OUTUBRO DE 2011

LIVRO DE ACTAS

Coordenação:

Carlos Fiolhais Carlota Simões Décio Martins

Ficha Técnica: Título: Congresso Luso-Brasileiro de História das Ciências Editor: Imprensa da Universidade de Coimbra Coordenação: Carlos Fiolhais; Carlota Simões; Décio Martins Suporte: CD Impressão Digital: Redinteg – Serviços de microfilmagem e digitalização, lda Tiragem: 350 exemplares Morada para correspondência: Décio Ruivo Martins Departamento de Física Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra 3004-516 COIMBRA ISBN: 978-989-26-0122-9 Ano Coimbra, Outubro, 2011

O Congresso Luso-Brasileiro de História das Ciências foi realizado no âmbito do projecto HC/0119/2009 – História da Ciência na Universidade de Coimbra (1547-1933), financiado pela FCT, Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS

Comissão Científica Ana Maria Alfonso-Goldfarb (Pontifícia Universidade Católica – São Paulo) Ana Carneiro (Universidade Nova de Lisboa) Ana Simões (Universidade de Lisboa) António Amorim da Costa (Universidade de Coimbra) Augusto J. dos Santos Fitas (Universidade de Évora) Bernardo Jefferson de Oliveira (Universidade Federal de Minas Gerais) Carlos Fiolhais (Universidade de Coimbra) Décio Martins (Universidade de Coimbra) Henrique Leitão (Universidade de Lisboa) João Rui Pita (Universidade de Coimbra) José Luiz Goldfarb (Pontifícia Universidade Católica – São Paulo) Luis Miguel Bernardo (Universidade do Porto) Luis Carlos Villalta (Universidade Federal de Minas Gerais) Manuel Fernandes Thomaz (Universidade de Aveiro) †

Manuel Serrano Pinto (Universidade de Aveiro) Maria de Fátima Nunes (Universidade de Évora) Nadja Paraense dos Santos (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Sebastião Formosinho (Universidade de Coimbra) Teresa Cristina de Carvalho Piva (Universidade Federal do Rio de Janeiro) O Professor Doutor Manuel Serrano Pinto, grande impulsionador deste Congresso, faleceu no dia 15 de Janeiro de 2011. No Congresso prestamos-lhe merecida homenagem.

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CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS

Comissão Organizadora Arnaldo Lyrio Barreto (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica - Rio de Janeiro) Carlos Alberto Lombardi Filgueiras (Universidade Federal de Minas Gerais) Carlos Fiolhais (Universidade de Coimbra) Carlota Simões (Universidade de Coimbra) Décio Martins (Universidade de Coimbra) Isabel Malaquias (Universidade de Aveiro) Manuel Serrano Pinto (Universidade de Aveiro) Márcia Helena Mendes Ferraz (Pontifícia Universidade Católica – São Paulo) Shozo Motoyama (Universidade de São Paulo)

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CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS MÉDICOS E LITERATOS NO MODERNISMO PORTUGUÊS E BRASILEIRO: MIGUEL TORGA E PEDRO NAVA ............................................................. - 815 VANDA ARANTES DO VALE .............................................................................. - 815 O HOSPITAL SÃO PEDRO E O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO RIO GRANDE DO SUL / BRASIL (SÉCS. XIX E XX) ................................ - 826 YONISSA M. WADI ........................................................................................ - 826 COSTA SIMÕES: EDIFÍCIOS DE INVESTIGAÇÃO MÉDICA E MEDICINA EXPERIMENTAL NA UC, NA SEGUNDA METADE DO SÉC. XIX .................. - 827 1 2 PAULO PROVIDÊNCIA; RUI LOBO .................................................................... - 827 A HISTÓRIA DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO: .................................................................................... - 848 UMA AMÁLGAMA DE ENTIDADES EM ARTICULAÇÃO ............................ - 848 ARTHUR LEAL FERREIRA .................................................................................. - 848 MEDICINA E TERAPIAS NATURAIS EM PORTUGAL: ................................. - 853 A REVISTA NATURA (1942-1991). AS INFLUÊNCIAS BRASILEIRAS ........... - 853 SARA REPOLHO ............................................................................................. - 853 ALOÍSIO FERNANDES COSTA (1906-1980): SEU CONTRIBUTO PARA A DIVULGAÇÃO DA FLORA MEDICINAL DO BRASIL .................................... - 866 1 1 2 CÉLIA CABRAL; LÍGIA SALGUEIRO; JOÃO RUI PITA............................................. - 866 A IMPORTÂNCIA DO BRASIL NO FORNECIMENTO DAS PRIMEIRAS DOSES DE PENICILINA PARA PORTUGAL (1944) ...................................................... - 878 1 1 2 VICTORIA BELL; JOÃO RUI PITA; ANA LEONOR PEREIRA ..................................... - 878 TIQUES E SOTAQUES DA CIÊNCIA: A INFLUÊNCIA DOS CIENTISTAS BRASILEIROS NA ATRIBUIÇÃO DO PRÉMIO NOBEL A EGAS MONIZ ........ - 892 MANUEL CORREIA ......................................................................................... - 892 DA SÁTIRA MAÇÓNICA À SUPPLICA HUMILDE OU NOTAS DE UM DEÍSTA SARCÁSTICO ........................................................................................... - 893 LIA NEVES .................................................................................................... - 893 PROFESSORES CIENTISTAS E A INVESTIGAÇÃO MÉDICA EM PORTUGAL NO INÍCIO DO SÉCULO XX ............................................................................ - 894 ÂNGELA SALGUEIRO ....................................................................................... - 894 À FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E TECNOLOGIA, SEM O APOIO DA QUAL ESTE TRABALHO NÃO TERIA SIDO POSSÍVEL. .................................................. - 906 QUANDO A CARIDADE ENCONTRA A CIÊNCIA: ....................................... - 907 -

O PROCESSO DE COLETIVIZAÇÃO DOS BENS DE SAÚDE NA BAHIA, BRASIL, DO IMPÉRIO À ERA VARGAS ........................................................................ - 908 CHRISTIANE Mª CRUZ DE SOUZA ...................................................................... - 908 -

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ASSISTÊNCIA À INFÂNCIA NO BRASIL (1890-1930) ................................. - 907 MARIA MARTHA DE L. FREIRE .......................................................................... - 907 -

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F – As ciências médico-farmacêuticas no universo lusófono COSTA SIMÕES: EDIFÍCIOS DE INVESTIGAÇÃO MÉDICA E MEDICINA EXPERIMENTAL NA UC, NA SEGUNDA METADE DO SÉC. XIX 1

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PAULO PROVIDÊNCIA; RUI LOBO

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Centro de Estudos Sociais daUniversidade de Coimbra Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra [email protected]

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Palavras-chave: Medicina Experimental; António Augusto da Costa Simões; Projecto de Hospitais; Hospitais da Universidade de Coimbra; Século XIX António Augusto da Costa Simões (1819, 1903), Professor de Medicina da Universidade de Coimbra entre 1852 e 1888, é o introdutor da Medicina Experimental em Portugal (ATHIAS, Mark, 1940, Introdução ao Método Experimental, Lisboa). Cientista prolixo dedicou-se, entre outras actividades, à reforma higienista das Construções Hospitalares (Hospitaes da Universidade de Coimbra: projecto de reconstrução do Hospital do Collegio das Artes, 1869; etc...) e ao estudo da Histologia e Fisiologia Médicas (Elementos de Physiologia Humana com a Histologia correspondente, 1861; etc...). Este duplo campo de interesses, onde converge uma compreensão racional das funções mecânicas, físicas e bioquímicas nos seres vivos, com o “correspondente” estudo dos tecidos dos animais e vegetais teve implicações nas suas propostas arquitectónicas para a construção de equipamentos hospitalares e de investigação médica; quer isto dizer, a mesma natureza funcional na compreensão dos edifícios, a mesma determinação racional nos elementos como componentes de um sistema, o mesmo espírito científico e crítico na apreciação dos dados. A recente identificação do conjunto de livros onde Costa Simões reuniu (em 1884) todos os seus projectos para a reconversão dos edifícios dos Hospitais da Universidade de Coimbra ao longo de cerca de 30 anos, permite reequacionar o duplo papel do investigador médico e do reformador hospitalar, e identificar com clareza o conjunto de projectos dedicados especificamente à investigação médica. A comunicação centra-se sobre o duplo papel do cientista, inferindo o papel de Costa Simões na definição dos edifícios contemporâneos dedicados à medicina experimental de que foi justamente pioneiro.

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COIMBRA, 26 – 29 DE OUTUBRO DE 2011

A.A. DA COSTA SIMÕES – FORMAÇÃO E INTERESSES António Augusto da Costa Simões (1819-1903, fig.1) forma-se em Medicina pela Universidade de Coimbra em 1843, após 8 anos de aprendizagem (três anos na Faculdade de Filosofia e cinco anos na Faculdade de Medicina) e com a idade de 24 anos.

Fig.1 António Augusto da Costa Simões. Retrato (espólio de Joana Alegre)

A formação de Costa Simões é realizada na sequência da reforma dos estudos médicos de 1836 (a reforma de Passos Manuel) cujo curriculum se prolonga até 1844 (BURGETTE, MARTINS, FIOLHAIS, 2009, p.2-4) e que institui as Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto retirando a exclusividade de formação médica a Coimbra. Embora o curriculum anterior incluísse disciplinas de Fisiologia (como as cadeiras de Physiologia e Chimica animaes ou Anatomia, Physiologia e Chimica Vegetaes) nessa reforma de estudos inclui-se Physiologia e Hygiene, por Jerónimo José de Melo (1792?-1867), nomeado professor da cadeira em 1838 e que nesse ano faz publicar as Primeiras linhas - 828 -

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de Fisiologia . Como refere Athias, o ensino da Fisiologia de Melo é eminentemente teórico, reservando-se “alguns dias do ano lectivo para exercícios práticos” que ocorriam no teatro anatómico (ATHIAS, 1940, p.458). Jerónimo José de Melo, a quem Costa Simões designa por “o meu mestre” (SIMÕES, 1885, p.1), é também docente de José Ferreira de Macedo Pinto 2 (1814?-1895) . A tese de licenciatura de Costa Simões, escrita em latim, é publicada cinco anos depois da sua formatura, em 1848, ano em que obtém o doutoramento. Nesse mesmo ano, no processo de habilitação à docência, faz incluir a sua obra Topografia médica de Cinco Vilas e Arega (SIMÕES, 1860), relatório de topografia médica que se insere nas obrigações dos médicos de partido. Em 1852 é nomeado professor opositor, tendo-lhe sido atribuída a função de demonstrador de Matéria Médica e Farmácia na Faculdade de Medicina, e no mesmo ano é sócio fundador da revista “O Instituto”, onde vem a publicar. No ano seguinte, defende a reforma dos estudos de Medicina, 3 vincando a importância da disciplina de Fisiologia Experimental . Segundo Athias, estabelece um laboratório destinado à instrução dos alunos, com a confiança de Melo, que o considerava “já muito experimentado em trabalhos práticos” (ATHIAS, 1940, p.469). Em 1854 Costa Simões é promovido a lente substituto ordinário da Faculdade de Medicina, e em 1855 dirige o Hospital dos Coléricos de Coimbra conjuntamente com Macedo Pinto (MIRABEAU, 1872, p.200-203). O ensino de J. J. Melo, reflecte-se também em May Figueira (18291913), dez anos mais novo que Costa Simões, e que interessando-se por observações microscópicas adquire, em 1853, um microscópio Lerebours e Secreten que empresta ao seu professor Melo (COSTA, 1940, p.498). May Figueira forma-se em 1855 e em 1856 estuda Histologia com Charles Robin em Paris. Em 1857 começa a leccionar na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, onde promove um curso de Microfotografia (em 1862-1863. COSTA, 1940, p501; CLODE, 2010, p.16) que Costa Simões frequenta.

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O título da obra parece referir-se às Primae Linae Physiologicae de Haller, que haviam tido edição nacional em 1810 pelo professor de Medicina da Universidade de Coimbra Joaquim Navarro de Andrade. Melo dedica a publicação ao fisiologista inglês Brodie, que havia conhecido na sua viagem a Londres em 1837. Tem segunda edição em 1846. 2 Macedo Pinto lecciona a cadeira de Higiene Pública após o doutoramento em 1844, cadeira criada na reforma desse ano. Nessa reforma, J. J. de Melo mantém a sua cadeira de Fisiologia com a designação de Physiologia e Hygiene Privada. Mais de 20 anos antes havia publicado um estudo sobre eugenia (MELO, 1822) não lhe sendo estranhos os interesses pela higiene privada, como aliás não serão a Costa Simões (sobre Costa Simões e a higiene pública: PROVIDÊNCIA, 2010). 3 Costa Simões deveria conhecer as lições de Fisiologia Experimental aplicada à Medicina de Claude Bernard (BERNARD, 1855 e BERNARD, 1856)

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COIMBRA, 26 – 29 DE OUTUBRO DE 2011 Em 1860 Costa Simões é nomeado professor catedrático da cadeira de Anatomia Descritiva. Com a reforma dos estudos de 1863 e a criação da disciplina de Histologia e Fisiologia Humana, é nomeado Professor Catedrático dessa cadeira, para a qual faz publicar os Elementos de Fisiologia Humana com a Histologia correspondente (SIMÕES, 1861-1864). Foi Costa Simões que propôs à Faculdade de Medicina, em 1859, a criação da cadeira de Anatomia e Fisiologia Geral acompanhando as propostas de Macedo Pinto de criação da Química Médica e Clínica Cirúrgica. Paralelamente, publica (com o seu discípulo Vitorino da Mota) a demonstração da permanência da propriedade glicogénica do fígado, mesmo 8 dias além da morte do animal (ATHIAS, 1940, p.470-471), corroborando a hipótese de Claude Bernard de 1854. Esta experiência terá sido realizada no laboratório de Química Médica ou Toxicologia (criado por Macedo Pinto em 1859, MIRABEAU, 1972, p.220) pois o gabinete de Fisiologia Experimental só terá funcionado, com regularidade, a partir de 1863 (SIMÕES, 1885, p.1). É, pois, nesse ano que prepara uma sala para a Fisiologia contígua às salas de Química Médica e instala o gabinete de Histologia no corredor a sul do pátio poente do colégio de Jesus, tirando partindo da boa iluminação natural. Assim, os gabinetes de Histologia e de Fisiologia Experimental ocupam o lado sul e ângulo sudeste do pátio. Podemos então reter, dos primeiros anos de actividade médica e docente de Costa Simões, alguns aspectos recorrentes: por um lado, uma prática docente que cobre áreas como a Matéria Médica e Farmácia, a Química Médica, a Anatomia, a Higiene e a Histologia. Este conjunto vasto de interesses conflui na sua cadeira de Histologia e Fisiologia Humana, que lecciona socorrendo-se da instalação dos gabinetes de Histologia e de Fisiologia Experimental; por outro lado, o seu interesse por questões como a topografia médica e o registo topográfico, a higiene pública, a administração hospitalar e a arquitectura das construções. Pode ainda considerar-se uma particular atenção à pedagogia de ensino da medicina e aos curricula disciplinares, pugnando por um ensino experimental. Neste sentido, acompanha e apoia o aparecimento dos 1 gabinetes ou laboratórios das novas áreas de conhecimento e da investigação médica. 1

A consolidação dos gabinetes, para ensino experimental, associa normalmente um espaço de ensino (aula), um laboratório, oficina ou espaço de exposição da colecção, e um gabinete do director e/ou docentes. A consolidação dos gabinetes está associada, normalmente, à produção científica do seu director através da edição de um manual da disciplina ou matéria (obrigação de docência) e à edição de um catálogo com os instrumentos experimentais ou colecções do gabinete; [A] é o caso de Macedo Pinto que cria o laboratório de Química Médica em 1859 onde se ensina a Toxicologia, editando o respectivo manual (PINTO, 1860) (a Toxicologia ou Química Médica é ensinada na disciplina de Anatomia Patológica na reforma de 1863; por isso o catálogo – ALVES, 1865 – é conjunto com o da Anatomia Patológica); [B] é também o caso de Costa Simões que cria o laboratório de Histologia e Fisiologia experimental e edita os

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CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS É neste contexto, o da docência de Histologia e Fisiologia Humana, do seu ensino experimental e da investigação nessas áreas que solicita e lhe é concedida, em 1864, a realização de uma viagem de estudo aos principais laboratórios ou institutos de Histologia e Fisiologia europeus, com a duração de um ano (Dezembro de 1864-Dezembro de 1865). No ano seguinte ao seu regresso, em 1866, publica Relatórios de uma viagem scientífica (SIMÕES, 1866).

A VIAGEM CIENTÍFICA DE 1865 E INVESTIGAÇÃO MÉDICA Os objectivos da viagem científica de Costa Simões à Europa (principalmente à França e Alemanha) são vários: a) verificar o ensino experimental da Histologia e da Fisiologia; b) comparar programas, tempos lectivos e ensino prático das disciplinas; c) verificar as instalações, a sua organização, e sobretudo os Laboratórios, Gabinetes ou Institutos de Histologia e Fisiologia; d) adquirir instrumentos para o Gabinete de Fisiologia Experimental; e) constatar a organização do ensino médico nos países europeus; f) por fim, e dada a experiência na administração dos Hospitais da 1 Universidade, enquanto administrador substituto nos meses de Verão, faz uma recolha sobre construções hospitalares (que não faz incluir no relatório). Mas, como se poderá depreender do relatório, o ensino da Fisiologia Experimental nos cursos médicos ainda não está estabelecido nas faculdades de Medicina europeias; e mesmo os laboratórios de Fisiologia Experimental, com a autonomia que pretende, não existem. A construção de edifícios dedicados ao ensino e investigação da Fisiologia só se verificará a partir da década de 70, e assim, a Fisiologia Experimental é ensinada nos auditórios de Anatomia (como em Berlim), ou associada à Histologia, ou ainda à Química Médica. No entanto, o relatório permite algumas considerações. A associação entre estudos histológicos e fisiológicos vem da produtiva associação entre Theodor Schwann e Johannes Müller; Schwann encontra-se nesse momento a ensinar em Liège, e de facto ensina ambas as disciplinas, assim como ocorre em Utrecht (Donders), Amesterdão (Hensius), ou ainda Roterdão (Goodard). Elementos de Fisiologia (SIMÕES, 1861-1864); sobre o catálogo de aparelhos, há três edições; uma de J. J. Melo (MELO, 1865), o catálogo de Costa Simões que insere em Relatórios de uma viagem scientífica (SIMÕES; 1866), e o catálogo de aparelhos que surge no Programa da Cadeira (SIMÕES, 1873); [C] ou ainda, o caso de Francisco António Alves, o Gabinete de Anatomia Patológica, o Catálogo do Gabinete (ALVES, 1865) e a sua obra Elementos (ALVES, 1869). 1 “Não foi porem menos valiosa a efficaz cooperação do substitutos, que nos dous mezes de ferias grandes ficavam incumbidos da directoria. O dr. A.A. da Costa Simões, em quanto substituto, foi o primeiro que iniciou obras importantes, construindo no collegio de S. Jeronymo a vistosa sala em que esteve por muito tempo a aula de clínica de mulheres”. MIRABEAU, 1872, p.215-216.

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COIMBRA, 26 – 29 DE OUTUBRO DE 2011 De resto, nas universidades alemãs, é mais frequente a autonomia das áreas de ensino de cada docente, ou em caso de acumulação são os professores de Anatomia Patológica que dão Histologia; a Fisiologia experimental, que se encontra em Berlim (Du Bois-Reymond), Giessen (Eckhard), Zurique (Fick), Bona (Pfluger), é, normalmente, disciplina de docência não cumulativa. Sobre as instalações, Costa Simões refere agrado na disposição da sala de Histologia, de Morel, em Estrasburgo, pois os microscópios correm num carril que permite a vários alunos observaram uma mesma preparação (irá propor o mesmo, para o auditório de Histologia, na sua proposta de instalações de 1880); refere ainda, com minúcia, o funcionamento do edifício de Anatomia Normal, nos jardins da Escola de Veterinária, junto ao Hospital Charité de Berlim (e que influenciará o desenho e funcionamento do teatro anatómico, na proposta de 1880).

Fig.2 Planta do pavimento inferior do “Museo”- dependências da Faculdade de Medicina, cª 1875 (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Ms. 3377-54)

Como conclusão da sua viagem científica, resulta o grande número de aparelhos que Costa Simões adquire para o gabinete de Fisiologia Experimental. Em termos de instalações, e depois de propor uma primeira

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reorganização de espaços , consegue o acrescento de uma sala própria para a aula de Fisiologia (sala antes pertencente à Química Médica), na sequência dos gabinetes de Fisiologia e de Química Médica, na ala entre pátios do sector norte do colégio de Jesus (fig.2).

O PROJECTO DA “ACRÓPOLE” MÉDICA DE COIMBRA É também na sequência imediata da viagem científica que realiza à Europa que Costa Simões elabora os primeiros projectos arquitectónicos para os Hospitais da Universidade. Logo a 7 de maio de 1866 propõe ao Conselho da Faculdade de Medicina… “…que na reforma do edifício do hospital do Collegio das Artes, hospital da universidade, se adopte a disposição em corpos isolados para cada um dos quatro lados do páteo central, de modo a resultarem pequenas enfermarias com luz e ventilação por todas as suas quatro faces, ou por três pelo menos, segundo a indicação do esboço da planta que ofereço” (SIMÕES, 1866, p.81). Desde 1853 que se havia decido passar o antigo Hospital da Conceição (instalado desde 1779 no antigo colégio de Jesus) para o colégio das Artes (SIMÕES, 1869, p.6). A mudança seria gradual pois no piso térreo deste edifício funcionava ainda o Liceu de Coimbra. Também em 1853 se destinou o vizinho colégio de São Jerónimo para Hospital da Convalescença e o colégio dos Militares para o Hospital dos Lázaros (SIMÕES, 1869, p.6). É a partir desta época que se começa a designar por “Hospitais da Universidade de Coimbra” este conjunto de edifícios. O projecto preliminar de Costa Simões para o Hospital do Colégio das Artes seria publicado numa pequena edição da época, a que junta uma memória explicativa (SIMÕES, 1869). Propõe uma transformação significativa do antigo colégio e a organização do novo hospital em seis pavilhões de enfermarias, separados uns dos outros (fig.3), ligados por galerias (uma no r/c e outra no primeiro andar) em redor do pátio central: “No plano que ofereço para a reforma do hospital de Coimbra, concilia-se o systema Rotterdam com o systema Lariboisière, ‘enfermarias pequenas com isolamento completo’, aperfeiçoando-se o que há de mais favorável n’estes dois typos, e evitando-se os 1

Costa Simões propõe que uma sala servisse para gabinete de Fisiologia e que uma outra fosse comum aos trabalhos de vivissecção das cadeiras de Fisiologia e Toxicologia (SIMÕES, 1885, p.55).

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COIMBRA, 26 – 29 DE OUTUBRO DE 2011 principaes inconvenientes que condemna” (SIMÕES, 1869, p.10).

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hygiene

ali

Fig.3 Projecto de reconstrução do Hospital do Colégio das Artes, alçados (SIMÕES, 1869)

O projecto resulta, pois, da síntese de dois modelos que Costa Simões conhecia: o Hospital de Rotterdam, que visitara em 1865, como o próprio refere (SIMÕES, 1869, p.14-15, nota 1); e o Hospital Lariboisière de Paris, cidade onde passou a primeira metade daquele ano. Em 1870, Costa Simões foi nomeado pelo Governo para administrador dos Hospitais da Universidade de Coimbra (cargo que desempenha até 1886). Ainda em 1870 passou o Liceu do colégio das Artes para o de São Bento, deixando aquele edifício finalmente livre para a instalação completa do principal hospital universitário. Porém, as obras no colégio das Artes não terão avançado com o fôlego desejado. Logo no início da sua administração desfez Costa Simões a ligação entre os colégios das Artes e de S. Jerónimo e mandou construir um novo corpo de latrinas. Em 1874 estabeleceram-se as novas enfermarias do ângulo sudoeste do edifício. Contudo, estas só seriam isoladas (de acordo com o projecto de ‘corpos isolados’ de Costa Simões) onze anos mais tarde, em 1885, por meio de dois cortes no edifício do antigo colégio, um na ala sul junto ao ângulo SW e outro a meio da ala poente (SIMÕES, 1895, p.9-10; LOBO, 1999, p.129-130). Também nos primeiros anos da sua administração prosseguiu e concluiu a ocupação do Hospital de S. Jerónimo, em particular a repartição do vão da antiga igreja por vários pisos (obra começada 10 anos antes) nos quais ficou instalado o dispensário farmacêutico.

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CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS A transferência do Hospital para o colégio das Artes e as novas instalações da Farmácia no colégio de S. Jerónimo permitiram a progressiva libertação de área nas dependências da Faculdade de Medicina, instalada desde a Reforma Pombalina (com a Faculdade de Filosofia) no antigo colégio de Jesus, conhecido na época por “edifício do Museu” por albergar as colecções da História Natural. O ensino experimental de Medicina, matéria que Costa Simões defende até ao fim da sua carreira universitária, implica, como vimos, a construção dos gabinetes ou laboratórios; implica também um ensino (e uma aprendizagem) nas formas de observar, e um método de investigação. No caso específico da Fisiologia, da Histologia e da Toxicologia, implica a existência de um local para manutenção de animais (sobretudo rãs, mas também aves e mamíferos). A sua concretização terá ocorrido antes de 1873, já que no final do Programma (SIMÕES, 1873) esta espécie de biotério aparece registado. O desenvolvimento da investigação fisiológica na segunda metade do século XIX, deve-se em parte ao aparecimento de aparelhos registadores. O registo gráfico das actividades vitais, em grande parte desenvolvido por Marey (MAREY, 1878) e também Chaveau, é fundamental no progresso científico. No programa da cadeira de Histologia e Fisiologia (SIMÕES, 1873), Costa Simões publica o catálogo de aparelhos de Fisiologia Experimental, tendo para isso solicitado ao seu aluno Augusto da Costa Rego “provas photographicas”, que depois eram passadas a desenho. Por outro lado, a observação e o registo na Histologia acompanha as mesmas preocupações de ensino, aprendizagem e investigação; em relação às imagens histológicas que aparecem na mesma publicação, Simões refere que foram realizadas pelo método da câmara clara; se observarmos o catálogo de microscópios de Histologia, verificamos que a maioria dos aparelhos incluem câmaras claras, permitindo o desenho das observações; daqui se depreende que apesar de May Figueira conhecer e aplicar a microfotografia desde 1862-63, dez anos depois ainda continua a ser a câmara clara o meio privilegiado de registo. Esse conjunto de imagens celulares é aumentado pela publicação de Histologia e Physiologia Geral dos Músculos, em 1878, (SIMÕES, 1878) trabalho que consubstancia a sua investigação na área. Nesse ano Costa Simões faz a sua segunda viagem científica, não financiada pelo Governo, pelo que não publica relatório próprio. O objectivo é o de visitar os laboratórios de Fisiologia Experimental (complementando a 1 viagem de 1865 ), visitar os hospitais europeus e ainda a Exposição Universal de Paris. É na sequência dessa viagem que Costa Simões faz uma proposta arquitectónica de reorganização geral dos espaços de Ensino e Investigação da Faculdade de Medicina (SIMÕES, 1880). 1

Percorre Espanha (Madrid e Barcelona), Itália (Génova, Roma, Florença, Veneza, Turim), França (para além de Paris visita Montpelier, Marselha e Lyon) e Londres (SIMÕES, 1885, p.3)

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COIMBRA, 26 – 29 DE OUTUBRO DE 2011 Desse plano destaca-se o projecto de ocupação dos espaços antes adstritos ao Hospital da Conceição (fig.4). Desde logo o projecto do anfiteatro de Histologia, em volume saliente sobre o pátio poente (noroeste) do antigo colégio (fig.5), no qual “adiante das bancadas, duas ordens de mezas” se destinavam “para o trabalho dos alunos de Histologia” (SIMÕES, 1880, p.9091), por meio do referido sistema dos microscópios sobre carris. Sob este auditório, e aproveitando o desnível do terreno, ficaria o novo laboratório de Química Médica, frente ao qual se localizaria a aula respectiva.

Fig.4 Proposta de reformulação das dependências da Faculdade de Medicina, planta principal (SIMÕES, 1880): 1.Sala de entrada; 2.Gabinete de Anatomia Normal; 3.Aula de Anatomia Normal; 4.Casa de dissecções; 7.Colecções de Anatomia Patológica; 10.Aula de Medicina Operatória; 15.Aula de Fisiologia Geral; 16.Sala de vivissecções; 17.Laboratório de Fisiologia Experimental; 29.Histologia: grande anfiteatro da faculdade (por baixo, laboratório de Química Médica). Pavilhões anatómicos: 1.Entrada 2. Vestíbulo 3. Gabinetes 4.Aula de Anatomia 5.Pavilhões anatómicos

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Fig.5 Pátio poente do colégio de Jesus: alçado do grande anfiteatro da faculdade em projecto (SIMÕES, 1880)

Na ala entre pátios manter-se-iam as dependências da Fisiologia, ainda que reformuladas, agora com a aula na sala mais a sul, seguida de um espaço para as vivessecções e de uma ampla sala para o laboratório de Fisiologia Experimental, “destinada para os diferentes aparelhos registradores e outros” (SIMÕES, 1880, p.70), onde Costa Simões instalará o registador Chaveau (SIMÕES, 1885) adquirido em Lyon durante a sua segunda viagem pela Europa. No plano propõe novas barracas para os animais usados nas experiências (a situar no pátio nordeste) bem como um aquário e tanque. Na ala norte do antigo colégio jesuíta manter-se-iam as dependências das Anatomias Normal (sala da colecção, aula e casa de dissecções) e Patológica, estas últimas avançando para poente, sobre as antigas dependências hospitalares. Finalmente, propunha Costa Simões um conjunto de novos pavilhões anatómicos, com uma aula intermediária, a edificar sobre o extremo norte do Largo do Museu, implantados sobre terreno de grande declive (fig.6). Os pavilhões anatómicos desempenhariam uma função fundamental de articulação de todas as valências da nova “acrópole médica” de Coimbra. Fariam o papel de rótula entre os novos Hospitais da Universidade (e em particular o Hospital do Colégio das Artes) e o ensino médico da faculdade, instalado na mole iluminista do Museu. Acresce a forte leitura urbana, rematando a extremidade norte do Largo do Museu, ainda hoje aberta sobre a paisagem do vale de Santa Cruz.

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Fig.6 Alçados dos pavilhões anatómicos em projecto, no topo norte do Largo do Museu (SIMÕES, 1880)

Cabe aqui, talvez, tentar compreender porque nunca considerou Costa Simões a retoma do teatro anatómico previsto pela Reforma Pombalina. O teatro, para o qual se projectou uma sala oval, era a peça fundamental do edifício das Faculdades de Filosofia e Medicina. Remataria a grande escadaria central, a eixo da fachada de 110 metros do edifício do Museu, entre os anfiteatros da Física e da História Natural, ambos situados no primeiro andar. Ocuparia pois, o lugar central devido, no âmbito da reorganização geral dos saberes universitários e da reforma material das instalações. O teatro anatómico pombalino, que chegou a ser começado (ainda hoje subsiste um troço da parede curva da sua base) nunca ganharia forma. Em 1777, informa-nos o Reitor-Reformador, D. Francisco de Lemos, que… “Não está completo este Theatro, sem que disso resultasse falta alguma às Lições Anatómicas; porque para as Demonstrações mandei logo no prinicipio preparar as casas necessárias nas Aulas do Real Collegio das Artes” (LEMOS, 1777). No princípio do século XIX, e até às guerras liberais, foi o teatro anatómico a valência mais estimada da faculdade médica, em particular no período em que esteve sob a direcção do professor Carlos José Pinheiro (faleceu em 1844), instalado numa sala entre as dependências do Museu e da 1 Faculdade. Em 1829 publicava aquele professor um relatório com o inventário dos instrumentos e amostras do teatro anatómico (PINHEIRO, 1829) honrosa excepção no quadro do desleixo generalizado a que tinha chegado a Faculdade.

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“A primeira casa que se destinou para os exercícios de anatomia practica era uma sala de pequena capacidade que ficava entre as dependências do hospital e as do museu” (MIRABEAU, 1872, p.81).

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CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS Em meados de Oitocentos, sem sabermos precisar o ano e num quadro geral de melhoria das condições, foi o teatro anatómico transferido para a ala norte do edifício do Museu. “Construiu-se na primeira sala, que recebe luz do norte e nascente, um amphiteatro, em cujo centro se colocou uma mesa para dissecções cadavéricas (…). Na sala immediata collocou-se o deposito de água, armario com gavetas, e mesas para dissecções e exercicios operatorios” (MIRABEAU, 1872, p.82). Em 1861 fez-se novo melhoramento (correspondente à situação que se pode observar na planta da fig.4): “O amphiteatro, que obstruía a sala da entrada para todos os gabinetes de anatomia e physiologia, mandou-se desmanchar. A meza de mármore para dissecções, que estava no centro, foi removida, e dispozeram-se para as officinas de dissecção as duas salas que se prolongam para o interior [poente] do edifício” (MIRABEAU, 1872, p.219). Regressando aos pavilhões anatómicos e aula de Anatomia (de planta oitavada) propostos por Costa Simões em 1880, podemos observar como seriam bem iluminados e arejados. Dispunham-se sobre uma fundação comum destinada à ampla casa de preparação dos cadáveres e de macerações. Esta apoiava-se, por sua vez, sobre imponentes pegões que venciam o declive do terreno. Um ascensor permitia o transporte vertical dos corpos entre a casa de macerações e os pavilhões superiores (tal como no edifício da Anatomia Normal da Escola de Veterinária de Berlim). A casa de macerações comunicaria com as dependências da faculdade por um túnel a abrir sob a actual rua Inácio Duarte; por outro lado, abastecia-se por intermédio de uma outra comunicação horizontal para a futura casa mortuária dos HUC, projectada por Costa Simões para a encosta a nascente do Hospital do Colégio das Artes. A opção de Costa Simões pela nova e dispendiosa localização dos pavilhões anatómicos (ignorando por completo a proposta de colocação do teatro pombalino) só pode entender-se, a nosso ver, pela disposição crítica daquele equipamento no âmbito da implantação alargada dos Hospitais da Universidade de Coimbra (fig.7) e, sobretudo, no quadro ideológico próprio (vincadamente “funcionalista” e “higienista”) que sempre marcou o seu pensamento.

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Fig.7 Costa Simões, 1884: vista geral do projecto para os Hospitais da Universidade de Coimbra e pavilhões anatómicos (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Ms 3378)

OS ÁLBUNS DE PROJECTOS REUNIDOS EM 1884 E O LEGADO DE COSTA SIMÕES Em pelo menos duas ocasiões refere Costa Simões a existência de um conjunto de álbuns em que recolhera e organizara os seus projectos para os HUC e para a Faculdade. Em Reconstrucções e Novas Construções dos HUC refere “cinco grossos volumes de grande formato (0,50m por 0,37m)” (SIMÕES, 1895, p.69). No Additamento a este mesmo livro refere a existência de “quatro volumes encadernados”, contendo as “plantas, cortes e alçados dos projectos de reconstrucção de todos os quatro edifícios dos hospitais da Universidade” (SIMÕES, 1898, p.23-24). Os volumes com projectos dedicados aos HUC são, de facto, quatro, enquanto um quinto álbum recolhe os projectos para a Faculdade de Medicina no antigo colégio de Jesus / edifício do Museu. Até há pouco tempo eram conhecidos dois destes volumes, depositados na Biblioteca Geral – os manuscritos 3378 (projecto geral dos HUC) e 3379 (projectos para os hospitais de São Jerónimo e dos Lázaros). Muito recentemente, a Faculdade de Medicina confiou ao Arquivo da Universidade a guarda dos outros três álbuns. Um dedicado ao projecto do hospital do colégio das Artes, outro com projectos avulsos dos hospitais. E ainda o quinto volume com os desenhos referentes à Faculdade de Medicina e ao projecto dos pavilhões anatómicos 1 do Largo do Museu. Em 1886, já jubilado pela faculdade de Medicina, António Augusto da Costa Simões abandona a administração dos HUC. Entre 1892 e 1898 viria 1

Respectivamente AUC-V-3ª-mov.14-gav.1-nº2; AUC-V-3ª-mov.14-gav.1-nº3; e AUC-V3ª-mov.14-gav.5-nº1. Um sexto álbum da mesma colecção recolhe projectos de Costa Simões para Hospitais Regionais e Municipais (AUC-V-3ª-mov.14-gav.1-nº4).

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CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS ainda a ser Reitor da Universidade de Coimbra, sendo demitido pelo governo de José Luciano de Castro, por causa menor, após o que se retirou, agastado, para a sua casa da Mealhada (SALGADO, 2003, p.85-90). Os projectos arquitectónicos que havia desenvolvido ao longo de vários anos, tanto para os HUC como para a Faculdade, dado os recursos envolvidos, não seriam fielmente levados a cabo. Não obstante, as suas ideias e acções influenciarão decisivamente a transformação do colégio das Artes operada por Costa Alemão, a partir de 1904, ainda que evitando o seccionamento do imóvel por meia dúzia de pavilhões isolados. Em defesa desta opção deve dizer-se que o colégio das Artes é um edifício naturalmente bem ventilado em função da sua implantação. Já nas dependências da Faculdade de Medicina, não houve dinheiro para os novos pavilhões anatómicos no topo norte do Largo do Museu, nem 1 tão pouco para o novo anfiteatro da Histologia. Em 1902 , quando Bobone regista fotograficamente os gabinetes da Faculdade de Medicina, permaneciam na ala norte da faculdade o improvisado teatro anatómico e a aula de Anatomia Normal (fig.8), a que se seguiam as várias salas do gabinete de Anatomia Patológica (fig.9). Mas a Histologia estava instalada na ala poente do colégio de Jesus, localização preconizada por Costa Simões (fig.10); a aula de Fisiologia funcionava no antigo gabinete agora removido dos armários (fig.11); e no espaço contíguo, a ampla sala do laboratório de Fisiologia (fig.12), dispunha-se o registador Chaveau, adquirido em 1878 e cujo manuseio Costa Simões se encarregara de esclarecer na sua última publicação dedicada à Fisiologia Experimental (SIMÕES, 1885) (fig. 13). A imagem desse enorme espaço ocupado por uma máquina dedicada ao registo gráfico das actividades vitais contrapõe-se aos velhos gabinetes, rodeados de vitrines, onde se dispunham as colecções (como o gabinete de Anatomia Patológica); esse precoce laboratório de Medicina Experimental, que hoje nos parece arcaico, antecipava o papel central da caixa negra na medicina contemporânea.

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Fotografias da Universidade, Jardim Botânico e Museus de Coimbra, feitas por A. Bobone, fotógrafo de Lisboa, 1902 (Biblioteca do Departamento de Antropologia da FCTUC).

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Fig.8 Sala de aula de Anatomia Normal (foto A. Bobone, 1902)

Fig.9 Sala do gabinete de Anatomia Patológica (foto A. Bobone, 1902)

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Fig.10 Laboratório de Histologia (foto A. Bobone, 1902)

Fig.11 Aula de Fisiologia Geral, em 1902 (foto A. Bobone, 1902) As ciências médico-farmacêuticas no universo lusófono

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Fig.12 Laboratório de Fisiologia Experimental com o registador Chaveau (foto A. Bobone, 1902)

Fig.13 Estampa com o registador Chaveau (SIMÕES, 1885)

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