Cota de Solidariedade do Plano de São Paulo

July 18, 2017 | Autor: Lidia Santana | Categoria: Urban And Regional Planning
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A “COTA DE SOLIDARIEDADE” DO PLANO DIRETOR DE SÃO PAULO: UMA SOLUÇÃO VIÁVEL PARA A REDUÇÃO DO DÉFICIT HABITACIONAL? Por Lidia Santana1

Preliminares O novo Plano Diretor de São Paulo introduziu a obrigatoriedade de contrapartidas ao setor imobiliário aparentemente com o objetivo de reduzir o déficit habitacional para a população de baixa renda, alternativamente à produção estatal de moradias, e demais políticas de habitação de interesse social, mediante dispositivo denominado “Cota de Solidariedade”. A Cota de Solidariedade (CS) emerge no bojo de críticas veladas ao Programa do Governo Federal “Minha Casa Minha Vida” (MCMV), especialmente no âmbito acadêmico, quanto à qualidade das edificações, dos serviços e infraestrutura básica, da localização em áreas periféricas, e da própria formatação do programa, visto mais como uma forma de sustentar a indústria da construção e o lucro imobiliário do que como política voltada à produção de moradias dignas. A CS pretende, em contraste, oferecer à população na faixa de renda de zero a seis salários mínimos, imóveis em qualquer zona da cidade, inclusive nos de alto e médio padrão construtivo, mediante a obrigatoriedade de oferta de 10% da área construída dos novos empreendimentos imobiliários com área superior a vinte mil metros quadrados, ou pagamento de percentual equivalente 10% da área do terreno no mesmo valor. A medida, entretanto, não parece ancorada em análise quanto à efetividade da medida para alcançar os objetivos aludidos, sobretudo quando se constata que sua engenharia operacional depende, exclusivamente, das condições do mercado imobiliário e de sua capacidade de venda, o que a torna vulnerável, especialmente em tempos de crise e recessão econômica. Gestada nos porões da confraria acadêmica “uspiana”, a quem caberia, por certo, um sério trabalho de pesquisa, a Cota de Solidariedade do Plano de São Paulo transpira aquele voluntarismo2 assistencialista paroquial digno de uma nova “Lei dos Pobres”. Esse texto visa contribuir para o debate em um momento em que a Prefeitura Municipal do Salvador (PMS) deslancha a revisão de seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), em um contexto em que a judicialização de leis urbanísticas municipais 1

Lidia Santana, arquiteta e urbanista, mestre em desenvolvimento regional e doutora em arquitetura e urbanismo. 2 No cerne dessa visão reside a ideia de conciliação entre interesses do capital e do trabalho como solução para problemas sociais focalizados e para a coesão social em torno da ação benevolente para “amenização da pobreza”.

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tem se tornado a via de resolução de conflitos nos últimos dez anos, e em que a indústria da construção atravessa uma de suas crises mais agudas, com todos os desdobramentos negativos nos campos econômico e social. Sem a pretensão de esgotar o tema, e partindo do princípio de que leis não tem o condão de se realizarem por si mesmas, senão que dependem de condições objetivas associadas ao seu surgimento e legitimação, este ensaio visa alertar para a necessidade de investigação acerca desse tipo de política para que se possa melhor avaliá-la, bem como acessar seus perigos.

1.

“Cota de Solidariedade” A norma introduzida na lei nº 16.050/2014 que instituiu o Plano Diretor Estratégico

de São Paulo (PDE), obriga a todo e qualquer empreendimento residencial e não residencial com área construída igual ou superior a vinte mil metros quadrados a destinar 10% de sua área construída (AC) para famílias com renda de até seis salários mínimos, não sendo esta área computada para fins de cálculo do Coeficiente de Aproveitamento (CA) instituído. Alternativamente, permite-se que as unidades destinadas à Cota de Solidariedade sejam construídas em outro terreno com área construída correspondente a 10% da AC total do empreendimento, desde que situado na chamada “Macrozona de Estruturacão e Qualificacão Urbana”, ou que seja doado terreno de valor equivalente a 10% do valor da área total do terreno empreendido, ou, ainda, que se deposite 10% do valor da área total do mesmo na conta do Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB). A Cota de Solidariedade também se estende aos empreendimentos com área construída inferior a 20.000m2 originários de desmembramentos aprovados após a publicação da lei que resultem em “área construída equivalente” superior a 20.000m2 em seu conjunto. Atendida uma das condições acima descritas, o empreendimento poderá se valer de um potencial construtivo adicional de 10% mediante pagamento de Outorga Onerosa, sendo esse o único “bônus” ao investidor imobiliário previsto na legislação para compensar o custo da construção do percentual de moradias destinado à Cota de Solidariedade.

2. Cota de Solidariedade x Inclusionary Zoning (Zoneamento Inclusivo) Conforme Nabil Bonduki, vereador pelo Partido dos Trabalhadores, e relator do projeto de lei do Plano na Câmara Municipal de São Paulo: Já utilizada em grandes metrópoles como Nova York, a cota [de Solidariedade] cria mecanismos de contrapartida na construção de empreendimentos de

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grande porte. A proposta é que imóveis acima de 20.000 m², destinem 10% do próprio imóvel ou de uma área na mesma região para a implantação de moradias de interesse social*, visando cumprir a função social da propriedade e 3 da cidade .

A referência à cidade de Nova York remete ao programa denominado Inclusionary Zoning (“Zoneamento Inclusivo”), implantado em diversas cidades dos EUA desde a década de 1970, e concebido como “uma técnica de uso do solo que visa ao desenvolvimento de comunidades com renda heterogênea ao exigir de cada novo empreendimento residencial de alto e médio padrão, uma porcentagem de unidades acessíveis a famílias de baixa ou moderada renda”4. De acordo com pesquisa da ONG The RAND Corporation5, publicada em 2012, em 11 jurisdições que implantaram o Zoneamento Inclusivo (ZI), esse programa tem dois objetivos: (1) aumentar a oferta de moradias a preços acessíveis, especialmente para trabalhadores com renda de 30 a 80% da renda média da zona nos mercados de habitação de alto custo, e (2) promover a inclusão e integração social de comunidades com padrão heterogêneo de renda. Este último objetivo é perseguido ao proporcionar às famílias de renda inferior à média da zona, “acesso a moradias a preços acessíveis em bairros com baixa taxa de pobreza” 6. A renda média na Região Metropolitana de Washington DC, por exemplo, é de $107,300, o que corresponderia a uma renda média mensal de R$ 26.825,00. Partindo daí, foram fixados os limites das faixas de renda familiar em função do tamanho da família, como condição para a habilitação no programa. Assim, o programa destina-se a uma faixa de população com rendimento mínimo mensal entre R$ 8.047,50 a R$ 21.460,00. Embora a formatação do programa de ZI possa variar entre as diversas cidades dos EUA, em linhas gerais os imóveis disponibilizados são comercializados a cerca de 40% do valor de mercado, ou são alugadas a preços reduzidos, em ambos os casos sem subsídio público, o que vale dizer que moradias inclusivas são destinadas à população capaz de arcar com o custo desses imóveis. Ao lado disso, visa, preferencialmente, ao público com perfil para ocupar as vagas de empregos ofertadas na própria zona, dentro dos padrões de renda exigida.

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Disponível em http://cidadeaberta.org.br/entenda-questoes-importantes-do-plano-diretorestrategico-2/ Acesso em 18 de março de 2015. 4 Department of Housing and Community Development: Inclusionary Zoning Affordable Housing Program – District of Columbia. Disponível em: http://dhcd.dc.gov/service/inclusionary-zoningaffordable-housing-program Acesso em 22 de março de 2015. 5 The RAND Corporation. Technical Report- Is Inclusionary Zoning Inclusionary? Disponível em: http://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/technical_reports/2012/RAND_TR1231.pdf 6 Zonas onde 10% ou menos dos agregados familiares vivem na pobreza) com acesso a escolas onde menos de 20% dos estudantes se qualificam para a gratuidade ou redução no preço de refeições, ou para estudarem em escolas de alta performance.

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Na cidade de Nova York, por exemplo, são delimitadas ZIs que se sobrepõem às zonas de uso definidas no planejamento, não sendo obrigatória, porém, a construção de moradias inclusivas. Para viabilizar esse programa que destina 20% da área total de construção para essas moradias, oferecem-se compensações para estimular o investidor imobiliário, tais como um “bônus de densidade” (potencial construtivo adicional) de mais de 30% sem pagamento de outorga onerosa ou contrapartida de qualquer natureza, bem como é facultado aumento de gabarito de altura, redução do número mínimo de vagas de estacionamento exigido, abatimentos fiscais, isenção de taxas de licenciamento, subvenção ou fornecimento de infraestrutura pelas prefeituras, dentre outros mecanismos, conforme ilustra a figura abaixo7. Figura 01. Exemplo de Habitação Inclusiva Destinada como Área Bônus em um Distrito R8A (Cidade de Nova York).   



O Coeficiente de Aproveitamento (CA) na maioria dos distritos R8A é 6,02. O CA dentro de uma área designada de Inclusão Habitacional em um distrito R8A é 5,40. O CA máximo para uma edificação que oferece habitação a preços acessíveis em uma área destinada a Inclusão Habitacional, incluindo o bônus, em um distrito R8A é 7,20. Outros incentivos podem ser aplicados, tais como: aumento de gabarito de altura sem pagamento de contrapartidas, isenção de taxas e

/ou abatimentos fiscais locais. Fonte: http://www.nyc.gov/html/dcp/html/zone/zh_inclu_housing.shtml

Um rápido comparativo entre o Programa de Zoneamento Inclusivo na cidade de Nova York, e a Cota de Solidariedade do Plano de São Paulo mostra, claramente, diferenças substanciais entre ambos, conforme sintetizado no Quadro 01, abaixo. Quadro 01 - Comparativo entre Zoneamento Inclusivo (Nova York) e Cota de Solidariedade (São Paulo) CRITÉRIOS Regime Abrangência territorial Incidência nos novos empreendimentos Bônus ao empreendedor

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ZONEAMENTO INCLUSIVO (NOVA YORK) Voluntário Poligonais definidas em áreas com baixa taxa de pobreza Exclusivamente residenciais

Mais de 30% de potencial adicional construtivo e elevação de gabarito

COTA DE SOLIDARIEDADE (SÃO PAULO) Obrigatório Todo o município Qualquer tipo de empreendimento com área construída superior a 2 20.000 m Bônus de 10% de potencial adicional construtivo (CA) com

(Calavita e Grimes 1998; Minnesota Housing Partnership 1999; Uso do Solo Law Center 1999).

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Público alvo

sem pagamento, isenção de taxas e/ou impostos, isenção de taxas de licenciamento, subvenção ou fornecimento de infraestrutura pelas prefeituras, dentre outras. População com renda entre 50% a 80% da renda média da zona (R$ 9.000,00 a R$ 26.000,00)

pagamento de outorga onerosa.

População na faixa de renda de 0 a 6 SM

O Plano de São Paulo não detalha de que maneira serão operacionalizadas as Cotas de Solidariedade, ou seja, não se sabe se serão comercializadas com subsídio do governo ou simplesmente doadas. Não esclarece, por outro lado, quem arcará com os custos de manutenção desses imóveis, ou quem se responsabilizará pelas despesas condominiais, já que a renda da população alvo não suportaria tal ônus. Também não se sabe de que maneira será feita a monitoração da ocupação desses imóveis, de modo a assegurar que serão destinados às faixas de renda especificadas ou, ainda, que não serão informalmente sublocadas pelos contemplados. Tampouco se informam os procedimentos que serão adotados em caso de venda do imóvel pelo proprietário contemplado, de modo a garantir a continuidade da acessibilidade ao público alvo. A experiência das ZI nos EUA mostra que esses programas são, no mínimo, “modestos em escala”, em que pesem as condições mais favoráveis e incentivadoras ao investidor imobiliário com relação às de São Paulo. Pesquisas revelam que da década de 1970, quando foi iniciado, até o ano de 2009 esse programa gerou, apenas, 150.000 unidades no país, ou seja, uma média de 3.750 unidades/ano (CALAVITA; MALLACH, 2010), o que vale dizer que as políticas de ZI produziram poucas unidades habitacionais a um custo “potencialmente alto”. Em contraste, o programa de assistência ao aluguel atingiu 2 milhões de domicílios, enquanto o de aquisição da moradia subsidiada produziu mais de 2 milhões de unidades8. A baixa efetividade do programa de ZIs fica clara quando se compara a demanda de 300 mil novas unidades habitacionais de interesse social até o ano de 2030 com a produção de moradias através do programa de ZIs de, apenas, 2.800 apartamentos no período 20052014, na cidade de Nova York (LING, 2014). Nessas condições não se poderia afirmar que esse programa se prestaria a uma efetiva promoção da inclusão social, ou que contribuiu de forma significativa para a redução do déficit habitacional dos nova-iorquinos.

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http://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/technical_reports/2012/RAND_TR1231.pdf The RAND Corporation. Technical Report- Is Inclusionary Zoning Inclusionary? Heather L. Schwartz • Liisa Ecola • Kristin J. Leuschner • Aaron Kofner

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3.

Lições dos Programas de ZIs e possíveis efeitos da Cota de

Solidariedade a)

A Constitucionalidade da Cota Solidária O Zoneamento Inclusivo empregado pela primeira vez em 1971 no condado de

Fairfax, Virginia, exigia para empreendimentos com mais de 50 unidades multifamiliares uma oferta de 15 por cento de suas unidades a preços entre 60 a 80 por cento do rendimento mediano da zona. Em 1973 tal exigência foi revogada pela Suprema Corte de Virgínia por configurar confisco de propriedade (RUBINOWITZ 1974). Os investidores equiparam as normas de Zoneamento Inclusivo a um imposto sobre a propriedade, especialmente quando não há benefícios compensatórios para cobrir o custo integral da prestação da moradia inclusiva. Tal como nos EUA, a exigência de Cota Solidária poderá ser judicialmente contestada por não se incluir entre as modalidades constitucionalmente previstas de intervenção do Estado sobre a propriedade privada. b)

Redução do Valor Vendável dos imóveis O Zoneamento Inclusivo, assim como a Cota de Solidariedade, ao mudar as

características financeiras dos empreendimentos imobiliários, reduz seu valor vendável, graças ao chamado “contágio de mercado”. Assim, a viabilidade desses programas para produzir UHs inclusivas, passa, necessariamente, pela compensação de perdas potenciais dos empreendedores, ou até mesmo pela melhoraria da rentabilidade global do projeto de habitação (CALAVITA; MALLACH, 2010). Pesquisas demonstram que a oferta de unidades habitacionais é ampliada na medida da oferta de incentivos, e na medida em que a faixa de renda contemplada se aproxima da renda média da zona. O novo Plano de São Paulo segue na contramão das avaliações de estudiosos acerca desse tipo de política que inverte o ônus da provisão habitacional acessível para grupos sem rendimento suficiente para adquirir imóveis a preço de mercado. Ao lado disso, persiste em ignorar o chamado “contágio de mercado” e a regular as Zonas Especiais de Interesse Especial (ZEIS) de modo a dificultar, ainda mais, a produção de habitação de interesse social, como mostram as conclusões recentes da avaliação do SECOVI-SP9.

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Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Edifícios em Condomínios Residenciais e Comerciais. http://www.secovi.com.br/files/downloads/zeis-vpitu-1605-2013pdf.pdf. “Apesar de sua importância conceitual, as ZEIS não foram eficazes no seu papel de instrumento urbanístico fomentador da produção de novas unidades habitacionais destinadas à população de baixa renda e do mercado popular; para o empreendedor privado, construir HIS e HMP, fora das ZEIS tem sido mais atrativo e com menor complexidade; as exigências para a produção de HIS em áreas situadas fora das ZEIS são menores, visto que não há a imposição quanto ao modelo combinado [HIS+HMP], não há obrigatoriedade quanto à destinação do percentual

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c)

Quem paga a Cota de Solidariedade A exigência de habitação subsidiada por investidores privados tem o mesmo efeito

de um imposto sobre o empreendimento. Esse imposto implícito é repassado aos consumidores (aumentos dos preços da habitação) e proprietários de terras (o preço dos terrenos desocupados diminui). Em outras palavras, os consumidores e proprietários de terrenos pagam pelo zoneamento inclusivo “[...] são os novos compradores que arcarão com esse fardo” (MALLACH 1984; ELLICKSON 1985; O’SULLIVAN 1996; JOHNSON, 1997; CALAVITA e GRIMES 1998). No caso da Cota Solidária do Plano de São Paulo, o custo de 10% de unidades da Cota de Solidariedade será arcado pelos compradores das unidades a preço de mercado, o que implicará em aumento de custo aos adquirentes dessas últimas, na ausência de mecanismos compensatórios equivalentes ao custo de construção das “moradias solidárias”. d)

Redução da Oferta de Novas Moradias e Fuga de Investidores Como uma primeira consequência da obrigatoriedade da Cota de Solidariedade, o

mercado tenderá a construir empreendimentos de alto luxo, pois são esses que podem arcar com o custo adicional derivado das moradias inclusivas compulsórias (LING, 2014). Ou seja, haverá retração na oferta de moradias para as camadas médias da população em decorrência da redução da clientela solvente, e da retração do financiamento público. Como uma segunda consequência, o mercado imobiliário acabará produzindo menos unidades habitacionais, e partirá em busca de mercado em cidades periféricas onde não se aplicam Cotas Solidárias, e as restrições à construção se mostram mais vantajosas. “[...] algumas construtoras já sinalizaram que o aumento das complicações levará a produção imobiliária para cidades adjacentes, como a região do ABC Paulista”, o que indica o equívoco desse tipo de política para a redução do déficit habitacional de São Paulo que já atinge 700 mil famílias10.

mínimo de produção de HIS, e não há necessidade de estabelecimento de convênios com empresas de caráter público ou comprovação de vínculo com agentes financeiros. Parece existir, ainda, certa desconfiança de atuar mesclando faixas de renda distintas [HIS | HMP | usos diversos]

temendo o “contágio de mercado” e prejudicando, assim, a venda dos imóveis de maior valor; a vantagem da possibilidade de aplicação de um CA superior e isento de contrapartida financeira pela outorga de potencial adicional não tem se mostrado capaz de motivar os empreendedores privados. 10

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/05/140527_deficit_habitacional_ms.shtml

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e)

Dependência das Condições do Mercado Local Moradias inclusivas em ZIs ofertadas por meio de incentivos aos investidores

imobiliários desoneram o poder público, o que vale dizer que a provisão de habitação acessível gera pouco ou nenhum custo financeiro aos governos locais. Entretanto, a criação de unidades habitacionais abaixo do valor de mercado depende de um mercado imobiliário forte, o que torna esse tipo de programa vulnerável às condições gerais da economia e dos mercados locais. Segundo Burchell e Galley (2003) a deficiência da estratégia de zoneamento inclusivo é que ele é baseado em uma engenharia de oferta de mercado ancorada, principalmente, na capacidade do investidor em vender unidades habitacionais. “Esta dependência em relação ao setor privado para financiar habitação a preços acessíveis pode não ser uma questão importante quando a economia floresce, mas é muito grave quando a economia oscila”. Em um cenário de recessão econômica em que o crédito imobiliário representa só 9% do PIB brasileiro, e o custo da construção aumenta mais que a inflação, um programa como o da Cota de Solidariedade não parece sustentável, ao contrário, poderá contribuir para o aumento do preço da moradia, e para a redução da produção habitacional. Assim, a simples existência de uma lei não garante a oferta de moradias acessíveis, ou a inclusão de moradias abaixo do preço de mercado. f)

Proximidade Física não é Sinônimo de Integração Social A pretensa “integração social” dos ocupantes de mordias inclusivas em

empreendimentos de alto valor de mercado, longe de evitar problemas de “concentração excessiva, guetização e estigmatização”, pode ter efeitos negativos para essa faixa da população, bem como para a revitalização de áreas centrais degradadas. O simples fato de se oferecer a uma família de baixa renda uma moradia em um bairro de média ou alta renda servido por equipamentos de média alta/renda, como escolas, por exemplo, não garante que a família da ZI colherá benefícios, pois não é a proximidade física que determina a inclusão social dos moradores, ou garante mudança de atitudes, crenças e experiências dos residentes de ZIs ou de seus vizinhos11. Ao lado disso, o zoneamento inclusivo promove a dispersão da população nas faixas de renda que poderiam contribuir para a revitalização de bairros centrais ao transportá-los artificialmente para outros bairros da cidade, muitas vezes sem levar em conta a capacidade de mobilidade desses cidadãos (BURCHELL et al., 1995).

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http://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/technical_reports/2012/RAND_TR1231.pdf The RAND Corporation. Technical Report- Is Inclusionary Zoning Inclusionary? Heather L. Schwartz • Liisa Ecola • Kristin J. Leuschner • Aaron Kofner.

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4.

Conclusões Segundo uma simulação feita pelo SECOVI-SP12, houve um aumento significativo

entre o patamar anterior dos preços dos imóveis e o novo Plano Diretor para a Capital. Somos os primeiros a defender melhor qualidade de vida. Mas também defendemos a viabilidade do mercado. Quem vai pagar esse aumento são os paulistanos que, precisando morar, vão buscar unidades mais baratas no Grande ABC e imediações, piorando a mobilidade, pois o emprego continuará aqui. Assim, a meta de arrecadação da prefeitura não será atingida, pois as empresas do setor irão para localidades onde seja possível empreender. Afinal, se viver na cidade é um direito de todos, elitizá-la tirando do mercado a possibilidade de oferecer habitações a preços compatíveis com o poder aquisitivo, sem dúvida rompe esse direito (SECOVI-SP, 2013).

A principal causa da alta de preços dos imóveis deveu-se ao custo da outorga onerosa que teve seu valor aumentado até 25 vezes, o que pode representar, segundo o SECOVI-SP, aumento de 60 a 70% no preço final do imóvel. Além desse fator, também pesou a redução drástica dos coeficientes de aproveitamento dos terrenos no novo Plano que, de acordo a Amorim (2015), aumentará em cerca de 20% os preços de novos lançamentos “por limitar o potencial construtivo dos terrenos”.

Ora, para uma cidade como São Paulo que vivencia estrondoso déficit habitacional, trata-se de uma política danosa à reversão do quadro atual, qualquer que seja o horizonte temporal. Uma política injustificável do ponto de vista social e econômico, porque além de onerar o preço dos novos imóveis com seus efeitos sobre os preços de aluguéis13 e dos imóveis usados, promove a redução da oferta, quando se sabe que nas cidades onde o mercado imobiliário produz uma oferta suficiente para atender à demanda, os preços dos imóveis se reduzem, tendendo a se aproximar aos custos de construção. Numa palavra: quanto maiores restrições à construção, maiores serão os custos da moradia e menor a oferta de novos domicílios. Os mentores dessas teses desconexas, como a Cota de Solidariedade, não levam em conta as leis de mercado. Para eles o “jantar” pode sair de graça porque acreditam, cegamente, em Robin Hood na política, enquanto demonizam a “especulação imobiliária”, verdadeiro espantalho para todas as mazelas dos desequilíbrios urbanos. Não são capazes de entender que uma cidade global como São Paulo com déficit habitacional estratosférico não poderia ter coeficientes de aproveitamento tão baixos14, nem políticas tão restritivas à produção imobiliária residencial. 12

http://revista.zapimoveis.com.br/novo-plano-diretor-pode-encarecer-imoveis-em-sp-em-ate-70/

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O aumento do aluguel força as famílias a se mudarem para regiões cada vez mais distantes do centro das cidades, onde a oferta de serviços públicos é ainda menor. Ao lado disso, aumenta o tempo de deslocamento para o trabalho, pois os empregos continuam no mesmo local. 14 Hong Kong, Nova York e Seoul atingem coeficientes de 10 (LING, 2014).

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Nessas condições, a obrigatoriedade da Cota de Solidariedade nos termos do Plano de São Paulo, sem qualquer incentivo efetivo para custear as chamadas moradias “solidárias”, mais se aproxima de uma “vontade de poder” sobre o investidor imobiliário do que de uma solução ao problema crítico e crônico do déficit habitacional paulistano. Segundo Breckenfield (1983), os investidores se tornaram bodes expiatórios para os problemas alheios à sua vontade. Em um ambiente em que “especulação imobiliária” tornase, equivocadamente, sinônimo de subida de preços e de sobrevalorização, e que o investidor imobiliário é identificado pejorativamente como “especulador”, a cota de solidariedade, longe de espantar mazelas urbanas, enuncia uma nova onda de políticas intervencionistas fadadas ao fracasso.

Referências Bibliográficas AMORIM, RICARDO. Ruim para quem vende… bom para quem compra. Revista Isto é, 04/2015. BRECKENFIELD, Gurney. “‘Robin Hood’ subsidies: A dubious new fad.Fortune 107, 6 (March): 148-152, 1983. BURCHELL, Robert W; GALLEY Catherine C. Inclusionary Zoning: Pros And Cons. Disponível em: http://www.ca-ilg.org/sites/main/files/fileattachments/resources__California_Inclusionary_Housing_Reader.pdf BURCHELL, Robert W.; LISTOKIN David; PASHMAN Arlene. Regional Housing Mobility Strategies in the United States. Washington, DC: U.S. Department of Housing and Urban Development, 1995. CALAVITA, Nico; Kenneth GRIMES. 1998. “Inclusionary housing in California: The experience of two decades.” Journal of the American Planning Association 1995, .64, no. 2: 150–169. CALAVITA, Nico; MALLACH, Alan. Inclusionary Housing in: International Perspective: Affordable Housing,Social Inclusion, and Land Value Recapture. Cambridge: Lincoln Institute of Land Policy, 2010. ELLICKSON, Robert C. “Inclusionary Zoning:Who Pays?” Planning (August), 1985. Pp.1820. LING, Anthony. A cota não tão solidária do Plano Diretor de São Paulo. Disponível em: http://mercadopopular.org/2014/07/a-cota-nao-tao-solidaria-do-plano-diretor-de-sao-paulo/ MALLACH, Allan. Inclusionary Housing Programs: Policies and Practices. New Brunswick, NJ: Center for Urban Policy Research, 1984. O’SULLIVAN, Arthur. Urban Economics. 3rd ed. Chicago, IL: Irwin Publishers, 1996. RUBINOWITZ, Leonard E. Low-income Housing: Suburban Strategies.Cambridge, MA: Ballinger, 1974.

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