COTAS e PROUNI: entre as respostas institucionais às demandas dos movimentos sociais dos negros e o questionamento da estrutura social brasileira

July 28, 2017 | Autor: K. Norões | Categoria: Ações Afirmativas no Ensino Superior, ProUni no Brasil
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COTAS e PROUNI: entre as respostas institucionais às demandas dos movimentos sociais dos negros e o questionamento da estrutura social brasileira Katia Cristina Norões1 Faculdade de Educação – UNICAMP [email protected] INTRODUÇÃO Até a década de 1960, o ensino superior era predominantemente público, com financiamento estatal e gratuito para os estudantes (DIAS e MINTO, 2010, p.78). No período da ditadura militar e em face das reivindicações do movimento estudantil por mais vagas, mais verbas e contra os acordos MEC-USAID2, entre outros fatores, as diretrizes governamentais iniciaram o processo de expansão do ensino superior privado. Assim, no início da década de 1990 houve expansão quantitativa de vagas e a proliferação de instituições de ensino superior (IES) privadas, que ocorreu vislumbrando o crescimento de ingressos e egressos do ensino secundário, junto à universalização do ensino fundamental obrigatório (oito primeiros anos). Segundo o Censo da Educação Superior – sinopse estatística: 1980 – 2008, produzido pelo MEC/INEP, em 1990 havia 222 IES públicas e 696 privadas e no ano 2000, 176 e 1004, respectivamente. O crescimento fenomenal das IES privadas e a concentração de vagas no setor estenderam-se pela primeira década do século XXI. Nesse sentido, a gestão 2002 – 2010, alavancou a proposta de Reforma Universitária, visto que o primeiro ministro da Educação, Cristovam Buarque, a defendeu frente à crescente demanda de egressos do

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Mestranda na Faculdade de Educação da UNICAMP, do Departamento de Ciência Sociais na Educação e bolsista do CNPq. 2 Acordo realizado entre o Ministério da Educação e a agência USAID, contratada como consultora do Ministério e atuante no processo de reforma universitária em 1968. O objetivo da consultoria foi o processo de transformação do ensino superior brasileiro baseado nos padrões vigentes nos EUA, já em implementação desde 1940 pelos administradores educacionais, professores e estudantes calcados nos princípios de modernização e até mesmo de democratização do ensino superior. Ver Cunha, 1988, em A Universidade Reformada.

ensino secundário, baixa população em idade universitária (18 – 24 anos) no ensino superior e pressão de organismos internacionais (Banco Mundial e UNESCO). Segundo Otranto (2004, p.1), oficialmente a reforma iniciou-se em outubro de 2003 com a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), incumbido de analisar o quadro da educação superior brasileira e traçar um plano de ação para reestruturar e desenvolver esse nível de ensino. Em dezembro do mesmo ano foi publicado o relatório do GTI, que apresentou um diagnóstico do ensino superior e fundamentou a necessidade da reforma na crise da educação superior brasileira. O plano de ação amparava-se em quatro frentes: ações emergenciais (principalmente nas universidades federais), autonomia universitária (autonomia financeira para captar recursos no mercado), complementação de recursos (financiamento com parceria pública e privada) e as etapas para a implementação da Reforma Universitária mais profunda. As ações empreendidas por essa gestão, refletiram três frentes principais: 1) as crescentes reivindicações dos movimentos dos negros, indígenas e deficientes físicos, pleiteando acesso e permanência no ensino superior; 2) a pressão dos empresários do setor educacional frente às vagas já criadas e ociosas em suas IES (cerca de 37%, segundo o INEP, em 2003), que, também alegaram dificuldades com o aumento no número de inadimplentes e evadidos; e 3) as pressões dos organismos internacionais (Banco Mundial e UNESCO) justificando a necessária intervenção diante do baixo índice da população entre 18 a 24 anos freqüentando o ensino superior – segundo o INEP 9% nessa faixa etária e se considerarmos idades superiores chega em torno de 13%. No início de 2004 inicia-se uma nova gestão no Ministério da Educação com a nomeação de Tarso Genro, que assume a tarefa de executar a Reforma Universitária. A opção implementada consistiu em investir ou transferir recursos públicos para as IES privadas para obter um rápido crescimento no número de matrículas, seguindo as orientações do Banco Mundial. Segundo MacCowan (2005, p. 06), são “três justificativas básicas do Banco Mundial para a promoção das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas: equidade, qualidade e baixo custo público”.

Em maio de 2004, o governo enviou o projeto de lei do Programa Universidade para Todos (PROUNI) para o congresso, em regime de urgência, baseado nos argumentos dos organismos internacionais. A partir de argumentos em relação à demanda como o baixo índice (9%) da população de 18 – 24 anos no ensino superior, o que demonstra que o sistema de ensino superior é pouco acessível, e a universalização do ensino fundamental, que indica um crescimento de egressos do ensino secundário, a solução apresentada pelo governo foi ocupar as vagas ociosas nas IES privadas, ou seja, o plano do governo buscou aproveitar as vagas ociosas nas IES privadas para abarcar os egressos do ensino secundário, eminentemente público, e ter um rápido crescimento da população universitária entre 18 – 24 anos. O discurso para justificar tal escolha amparou-se na concepção de justiça social e democratização do ensino superior exaustivamente empregado. Em entrevista o ministro declarou que o “objetivo é criar 350 mil vagas gratuitas no ensino superior privado, num prazo de cinco anos”, e ainda complementa “Com o (programa) Universidade para Todos, os custos (para o governo) são nulos, uma vez que a abertura de vagas não exigirá investimento algum, pois a estrutura das universidades já está montada”, em 2004, para a Agencia FAPESP, órgão de fomento a pesquisa do Estado de São Paulo. Nessa direção Carvalho (2006, p.04) acrescenta que “as organizações privadas de ensino superior gozaram do privilégio desde sua criação, de imunidade fiscal, não recolhendo aos cofres públicos a receita tributária devida.”. O projeto de lei previa, entre outros pontos, somente bolsas integrais, para estudantes oriundos de família com renda per capita que não exceda um salário mínimo, para egressos do ensino secundário público e professores da rede pública sem curso superior, porém foi descaracterizado até tornar-se a Lei 11.096, em janeiro de 2005, geralmente atendendo às reivindicações das IES privadas e beneficentes. (Catani, 2005, p. 56) Ao enviar para votação, o projeto recebeu 292 emendas, mas antes mesmo da votação em Congresso, o governo acordou com diversas IES privadas, cerca de 1.131, que se comprometeram a assinar o termo de adesão com o Programa e a ceder vagas para alunos “carentes” já em 2005. Sendo assim, no final de 2004 o governo institui o programa através de medida provisória (MP), sem finalizar a discussão no Congresso.

A LEI PARA “TODOS” No início de 2005 a Lei 11.096, do PROUNI, foi aprovada sem concluir as discussões. Por fim, tratou-se de um programa governamental para a concessão de bolsas de estudos parciais e integrais em IES privadas, sendo que as parciais correspondem a 50% do valor da mensalidade e integrais correspondem a 100%, ambas em troca de isenções de tributos. O texto trouxe modificações, pois aumentou o limite de renda per capita para até um salário mínimo e meio para bolsa integral e que não ultrapassasse três salários para bolsas parciais. Abrange também egressos das Instituições privadas na condição de bolsista integral e estudantes portadores de necessidades especiais. Quanto aos professores de rede pública, que ainda não possuem formação em nível superior limita as opções entre os seguintes cursos: licenciatura, normal superior e pedagogia e independe da condição social. O programa constituiu um quadro no qual o percentual de professores atendidos representa apenas 9% do total de matrículas de 2005 a 2011, assim, inferimos que a formação de professores não representa o foco dessa política. Outro fator a ser considerado é o acesso às vagas do PROUNI, pois para usufruir do programa o estudante passa por um processo seletivo para além da análise socioeconômica individual e familiar, nesse caso é preciso ter no mínimo 50% de aproveitamento no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Sendo assim, houve uma valorização do resultado desse exame, pois se trata da possibilidade de ser beneficiado(a) com o programa. Esse fato foi responsável pela quase duplicação do número de inscritos (93 %) para o exame em 2005 (MEC/INEP, 2005), e desde então esse número vem crescendo, a ponto que, em 2011, houve um aumento brutal com mais de 6 milhões de inscrições em comparação a primeira edição, em 1998, com 157.221. O programa reserva, ainda, cotas para pessoas com deficiência e aos autodeclarados indígenas, pardos ou pretos, que se enquadrarem nos requisitos dos outros candidatos. O percentual de bolsas para acesso às vagas destinadas aos cotistas é igual àquele de cidadãos pretos, pardos e indígenas, em cada Estado, segundo os resultados do censo do IBGE. Do total de bolsista do programa o percentual de brancos (414,092) e pretos e pardos (409.293) é quase equivalente, o que revela que o perfil de

estudantes atende os grupos sociais mais numerosos da população com base no mérito dos candidatos. Quanto aos cursos, os candidatos podem escolher até cinco opções, turno, IES e modalidade de bolsa (Brasil, MEC, 2004, art. 3°), pois se pré-selecionados o programa elabora uma classificação de acordo com a nota do estudante no ENEM e, assim, as melhores notas tem mais possibilidade de alcançar as primeiras escolhas, e concomitantemente, os cursos e IES com maior prestígio social, confiabilidade no tipo de formação ou valor do diploma no mercado de trabalho. Estabelecida a forma para o acesso ao ensino superior, via PROUNI, o texto final da lei não trouxe diretrizes, plano ou ações para prover a permanência dos estudantes de baixa renda. Sendo que, ao compararmos as IES privadas com as públicas percebemos, para além da qualidade, uma completa infra-estrutura para garantir a permanência dos estudantes nas públicas, com características e condições estruturais, que compreendem em subsidiar os estudantes com moradia, transporte, alimentação, assistência médica, assistência social, bolsa-trabalho, entre outros. No entanto, o ministro Tarso Genro declarou em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 2004, que encaminharia proposta de criação de loteria federal para financiar o “programa de assistência estudantil” destinada aos beneficiados do PROUNI, o que não ocorreu diante do embate com o secretário do ensino superior que declarou que “essa iniciativa deveria partir também das universidades” (Góis, 2004b, in Catani, 2005, p.63) Em 2006, foi implementada uma complementação financeira para estudantes matriculados em cursos com: turno de estudo igual ou superior a 6 horas diárias, em cursos com carga horária superior a 6 semestres e que tenham bolsa integral, essa foi denominada bolsa permanência e instituída através de medida provisória (251/05). Essa faz parte das “iniciativas de estimulo a juventude” adotada pelo governo (Jornal da Câmara, 2005, p. 04) e instituídas através de programas e projetos em parcerias de caráter público-privado. Esses programas e projetos são direcionados à faixa etária de 16 a 24 anos e concedem auxílio financeiro para desempregados, concluintes do ensino fundamental, concluintes do ensino superior para aperfeiçoamento e especialização, entre os quais estão os estudantes do PROUNI. A bolsa permanência faz parte do Projeto Escola de

Fábrica, que promove educação profissional, como bolsa auxílio, para jovens de baixa renda, entre 16 e 24 anos, em Instituições sem fins lucrativos e conveniadas com órgãos públicos, nesse caso, tal projeto não tem vinculação direta com o PROUNI, porém no corpo desse projeto apresenta a especificação aleatória que os estudantes do PROUNI terão “bolsa no valor de até R$ 300,00 mensais para custeio de despesas educacionais”. (BRASIL, MP 251, de 2005, p. 05). No entanto, a bolsa não está contemplada na Lei, tratando-se de uma ação isolada e sem garantias de continuidade. IES PÚBLICAS: a questão das cotas A proposta de cotas étnicas em IES públicas teve origem em setores dos movimentos sociais negros, que reivindicam o posicionamento do Estado frente às denúncias de desigualdade social e discriminação racial na sociedade brasileira. Nesta perspectiva, trata-se de uma proposta baseada na sub-representação de negros e negras em IES públicas, principalmente em cursos e Instituições de Ensino Superior (IES) públicas mais concorridas do país. Esse argumento pauta-se em profissões com alto prestígio social, tais como: médicos, juízes, deputados, senadores, entre outros, e vislumbra a modificação desse quadro. Nesse sentido, a cota com recorte étnico visa incidir no processo seletivo das IES publicas, no intuito de redistribuir as vagas e atingir grupos sociais minoritários. Para isto, as IES reservaram ou acrescentaram vagas por curso para estudantes que se auto-declararam pardo ou preto, segundo as opções do IBGE. No entanto, por dividir opiniões entre os atores e agentes políticos, intelectuais, sociedade civil e em outras vertentes dos Movimentos Sociais dos Negros (MSN), as cotas étnicas polarizam o debate entre contrários e favoráveis desde as primeiras experiências: na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e na Universidade Estadual do Norte Fluminense, com a aprovação da Lei Estadual n° 3708, em 2001, até a atualidade: na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a aprovação de cotas sociais via Conselho Universitário, em 2010. Com efeito, as denominadas cotas sociais surgiram em contrapartida às étnicas, em que se admite apenas a sub-representação das camadas mais empobrecidos da população, oriundos das escolas públicas e sem um fenótipo definido (ou os ditos

miscigenados), sob a justificativa de que a base para pleito fundamenta-se na disparidade entre as classes sociais. Justificam, ainda, que no primeiro recorte nem todos os marginalizados do ensino superior público seriam assistidos devido ao fenótipo branco, ou seja, a proposta excluiria o denominado “branco pobre”. O recorte denominado social como forma de atingir os sub-representados, em geral, também se tornou um argumento contrário às cotas étnicas, fundamentado no princípio de igualdade constitucional e que visa reunir no denominado “social” todas as problemáticas e reivindicações dos considerados marginalizados do ensino superior público, inclusive dos negros e índios, sem necessariamente discutir e aprofundar nas particularidades dos grupos que compõem o denominado recorte social. Do ponto de vista dos setores dos MSN favoráveis e alguns intelectuais, argumentam que as políticas universalistas (SANTOS, 2007, p. 132) não consideraram as especificidades em função da etnia, gênero e/ou necessidades especiais na distribuição de bens e oportunidades educacionais. As bases para essa contraargumentação amparam-se nas estatísticas e dados, produzidos pelo IBGE/Pnad e pelo IPEA (HENRIQUES, 2000), que explicitam grandes desigualdades no: acesso a saúde, expectativa de vida, acesso a saneamento básico, moradia, assistência social, condições de trabalho, salários, acesso, permanência e anos de escolarização, entre outros, ao considerarmos as categorias etnia e/ou gênero para análise. Com efeito, as instituições públicas são reconhecidas, pelos favoráveis as AA, como lócus, arena de discussão e a ação política dos MSN para o pleito de espaços e, assim, acesso ao direito e aos bens sociais. Desse ponto de vista, o acesso à educação em nível superior para a população negra visa aumentar o índice de estudantes sob esse recorte, compor um quadro de profissionais negros nos mais diversos âmbitos profissionais, incidir nas representações sociais destas minorias e modificar estruturas calcadas na extrema desigualdade social. A reserva e/ou acréscimo de vagas para a população negra indicam o início da materialização ou configuração das políticas de Ações Afirmativas em âmbito educacional e uma forma de combate às ideologias que alimentam o pensamento racista no Brasil. No período compreendido entre 2002 e 2010, a discussão sobre a adoção de AA para ingresso nos cursos de graduação foi pautada, discutida e aprovada em grande parte

das IES públicas brasileiras, seja por proposição de professores (UnB, UNEB, UFSC, UFSCAR, etc), seja por legislação estadual ou federal (UERJ, UENF, UEPG, IF). Nesse contexto, destacamos o posicionamento do governo perante esse movimento que emitiu a Portaria nº 1.369, 18 de dezembro de 2003, a qual solicita que todas as universidades brasileiras inserissem na pauta de seus conselhos deliberativos ou superiores a discussão sobre as Ações Afirmativas. Essas ações contribuíram para a construção de um quadro, em que, nesse período, cerca de cento e cinquenta IES públicas implementarão medidas afirmativas, como o regime de bonificação ou o sistema de cotas. Na lógica preconizada pelas políticas afirmativas, a reparação parte do benefício individual para atingir ao grupo. De acordo com o histórico dos MSN elaborado por Santos (2007), até a formulação de propostas para a constituição de 1988 a lógica era inversa: atingir o grupo para atingir o indivíduo, até então, a inserção das temáticas relativas a população negra na agenda política pouco avançou. O contexto histórico a partir da década de 90 apresenta o debate público sobre reivindicações como: cotas, titulação das comunidades remanescentes dos quilombos, inserção da história da África no currículo escolar, Estatuto da Igualdade Racial, entre outros temas. Portanto, as ações políticas, desse recorte histórico, resultaram no atendimento de algumas dessas demandas. Entendemos que a tensão, polêmica e a divisão de opiniões geradas pela proposta de cotas étnicas e sociais estão longe de constituir consensos. No entanto, tendem a revelar questões mais complexas para além da simples inserção ou não de estudantes negros neste nível de ensino. Ou seja, o que parece estar no cerne desse contexto histórico para os MSN envolve três aspectos interligados: a discussão sobre as relações raciais no país, o reconhecimento de uma dívida histórica pelo Estado e sociedade civil com a população negra e a urgência de mecanismos de transformação desse quadro de extrema desigualdade racial, que reunidos amparam a fundamentação e os contornos das reivindicadas por Ações Afirmativas no Brasil. Considerações finais Diante das reivindicações dos movimentos sociais dos negros por acesso aos níveis superiores de ensino para a formação de novas representações sociais no

imaginário coletivo em relação às pessoas negras, houve ações governamentais tanto no âmbito privado quanto público. No primeiro com o PROUNI e no segundo com os sistemas de cotas, no entanto, tais ações não avançaram quanto a tornarem-se política de Estado. Além disso, o posicionamento ou discurso empreendido pelos últimos governos (FHC e LULA) em relação à marginalização da maior parte população negra, embora apresentem modificações, não significa que avançou quanto ao fundamento dessas reivindicações: o direito a Educação para grupos em situação de marginalidade social. Além disso, acentua-se a linha divisória, em que de um lado está a maioria dos ingressantes em IES com baixa valorização social e, de outro, grupos seletos acessando IES com alto prestígio social. Nas estatísticas divulgadas pelo Ministério de Educação sobre o PROUNI, no período de 2005 a 2010, foram criadas 863 mil bolsas de estudo em IES privadas, sendo 582.533 integrais e 281.238 parciais. Mesmo com um número superior de bolsas integrais, essa foi a principal descaracterização do projeto original e alvo de críticas, pois o projeto de lei previa somente bolsas integrais e para estudantes com baixa renda (até um salário mínimo per capita). Pesquisas que se propõem a analisar o PROUNI (Almeida 2006, Carmello 2007, Almeida 2009 e Silva 2009) reconhecem que a maioria dos estudantes com baixa renda selecionados não poderiam freqüentar o ensino superior sem o programa. Por outro lado, esses trabalhos questionam os benefícios do Programa ao passo que pouco contribuem para o acesso das camadas com baixa renda ao conhecimento produzido e aos bens sociais, pois a maioria das IES privadas pouco investe em pesquisa e extensão e centra-se na formação profissionalizante. Os estudantes com baixa renda são relegados à iniciativa privada, em instituições e cursos, em sua maioria, com baixo prestígio social e com titulação desvalorizada no mercado de trabalho, além disso, cria-se a necessidade de formação constante, que é realimentação pelo mercado de formação proposto por essas mesmas IES privadas sob a ilusão e esperança de mobilidade social. No PROUNI concretiza-se o apoio oficial direcionado às IES privadas, em consonância com as últimas décadas, governos e organismos internacionais, através de financiamento direto e indireto – isenção de impostos e da contribuição previdenciária

(indireto), bolsa de estudos, empréstimos subsidiados, crédito educativo, e PROUNI (direto) –; sendo o resultado de tal iniciativa a redução das despesas e contribuição para manter e expandir cada vez mais as IES privadas, ou seja, o programa é subsidiado pelo Estado e duplamente pela sociedade civil. Sendo as justificativas para a implementação calcadas no discurso de justiça social e democratização do ensino superior, ao passo que os mecanismos para ingresso e acesso refletem os mesmos para o ensino superior público: muito excludentes, por ser considerado de alta qualidade. Ou seja, mecanismos (em IES públicas e privadas) baseados em avaliação de conteúdos, pois para adquirir a bolsa de estudos é preciso preencher dois critérios: ter o mínimo de 50% de aproveitamento no exame e ter renda per capita de até 3 salários mínimos, o que gerará uma classificação para distribuir as bolsas Essas considerações inferem que tanto o Programa quanto a política afirmativa nas IES públicas não são para todos e não pode significar a democratização do ensino superior brasileiro, pois nesse contexto, transparece um modelo de Estado pautado nas parcerias público e privado, retração estatal e que prioriza o setor privado em detrimento do público, pois cria formas de regulamentar modelos privatistas nas instituições públicas e mecanismos crescentes de transferências dos recursos públicos direta e indiretamente para as instituições privadas. Essa tendência também reflete na legislação brasileira, ainda incipiente frente ao debate racial, e que juntos inibem o real combate a desigualdade racial e a reforma social. BIBLIOGRAFIA AGENCIA FAPESP. Entrevista – Compromisso com a reforma, com o Ministro da Educação

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