Couro de gato em seu contexto histórico-social

May 31, 2017 | Autor: Lucas Rafael | Categoria: Literature and cinema, Brazil, Cinema, Cinema Studies, Rio de Janeiro, Favelas
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SALLES GOMES, Paulo Emilio. Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, p. 88
ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro, Ed. Alhambra, 1981, p.17
PINTO, Leonor E. Souza. Cinema brasileiro e censura durante a ditadura militar. Disponível em : <
http://www.memoriacinebr.com.br/ >. p.4 acessado em 10 jun. 2016
Idem, Ibidem, p.5
BERNARDET, Jean-Claude. Cinema marginal. Disponível em: < http://www.portalbrasileirodecinema.com.br/marginal/ensaios/03_01.php >
acessado em 13 jun. 2016
ARAÚJO, L. S. L. C. Joaquim Pedro de Andrade: primeiros tempos. São Paulo, Editora Alameda, 2000, p.114
ARAÚJO, L. S. L. C. Joaquim Pedro de Andrade: primeiros tempos. São Paulo, Editora Alameda, 2000, p.133

ARAÚJO, L. S. L. C. Joaquim Pedro de Andrade: primeiros tempos. São Paulo, Editora Alameda, 2000, pp.130-133
MEIRELLES, Renato. Um país chamado favela: a maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira. São Paulo, Ed. Gente, 2014, p.9

DO BRASIL, Cristina Índio. Exposição retrata cotidiano de favelas cariocas nos anos 60. Disponível em
< http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-09/exposicao-retrata-cotidiano-de-favelas-cariocas-nos-anos-60 > acessado em 15 jun. 2016
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
DEPARTAMENTO DE AUDIOVISUAIS E PUBLICIDADE
CINEMA BRASILEIRO








Couro de gato em seu contexto histórico-social













Lucas Rafael Justino de Morais
Brasília
2016
SUMÁRIO:

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................03
2 Cinema Novo........................................................................................................................04
3 Couro de gato........................................................................................................................05
4 Cinco vezes favela.................................................................................................................08
5 Contexto histórico-social do curta Couro de gato.............................................................09
6 Favela....................................................................................................................................10
7 Referências Bibliográficas...................................................................................................12
8 Filmografia...........................................................................................................................12




INTRODUÇÃO:
Couro de gato, 1962, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, é um curta do cinema novo brasileiro, movimento que nasceu das discussões políticas juvenis dos anos 50 e que propunha um mergulho na realidade do ser humano brasileiro, uma tentativa de encontrar naquele povo o que o tornava genuíno, verdadeiro e, por que não, único. E é nesse contexto que Couro de Gato se desenvolve: um curta sobre garotos de rua, que vivem em meio a favelas cariocas e que tentam, a todo custo, garantir um meio de sobrevivência.
É perceptível a tentativa de distanciar o cinema brasileiro do enlatado norte-americano, dos filmes de orçamento, mas que não retratam realidade alguma e servem como mera distração ao espectador. Paulo Emílio alertava sobre a condição de colonizado do Brasil. Mesmo depois de 400 anos do descobrimento, ainda sofria do mal da colônia: ser um espelho da metrópole política, cultural e social, mas nunca alcançar o pleno funcionamento e o potencial de uma nação.
O Brasil dos anos 1960 era outro. A desigualdade social, o boom das indústrias e a urbanização desenfreada não contribuíram para a situação geral do brasileiro, que sofria sem ter as necessidades básicas atendidas. Demonstrar as diferenças, qualitativas, entre a época do curta-metragem e atual é um dos pilares da construção da consciência sobre Couro de gato. Os anos 60, conhecidos no mundo todo pelos seus carros esportivos e potentes, que consumiam gasolina como se o petróleo fosse infinito, não refletem a realidade do Brasil. Os carros eram mais simples, as riquezas eram menores e a desigualdade, falta de oportunidade e marginalização eram enormes.
O Rio de Janeiro é famoso pelas praias, sol e muita riqueza, mas também há as favelas, um dos cenários principais do curta-metragem, lugares que juntam milhares de pessoas marginalizadas, esquecidas e ignoradas, tanto pelo poder público quanto por quem não mora nas comunidades. A aglomeração de tanta gente nessas condições torna o lugar um local propício ao desenvolvimento de crimes e falta de educação. É esse um dos pontos principais de Couro de gato, a tentativa de conseguir vencer na vida a partir do crime, mas, principalmente, da necessidade de conseguir uma vida melhor, que é o que os protagonistas procuram ao caçar gatos a fim de pegar seu couro, vender para um feitor de tamborins e receber dinheiro em troca.

Cinema Novo:
O Cinema Novo é um movimento do cinema brasileiro que começou entre as décadas de 50 e 60 e cuja proposta, segundo Glauber Rocha (1981), um dos maiores expoentes do manifesto, era: "[...] fazer filmes anti-industriais; queremos fazer filmes de autor, quando o cineasta passa a ser um artista comprometido com os grandes problemas do seu tempo; queremos filmes de combate na hora do combate e filmes para construir no Brasil um patrimônio cultural."
Segundo a proposta, o objetivo do Cinema Novo era expor o Brasil como ele era, não como queria ser visto ou não sobre uma ótica irreal da comédia. Isso não quer dizer que os cineastas do Cinema Novo, como Glauber Rocha, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, odiassem o cinema das chanchadas, que fazia rir e divertia o povo, mas não sentiam que ele representava ou mesmo incitava o povo ao crescimento intelectual e revolucionário.
Tecnicamente, o Cinema Novo não buscava perfeições de luz, fotografia e som, embora o aspecto da imperfeição sempre aparecesse como um dos aspectos positivos do filme, demonstrando o realismo que queria ser passado.
Expor e tentar escapar da colonização não só do Brasil, mas da América do Sul, também era idealizado pelos cineastas do movimento. Um cinema inspirado em Hollywood não era interessante ao povo brasileiro em termos de estética, ou estetyka (como escrevia Glauber Rocha), não era suficiente para que o povo do Brasil se reconhecesse e, assim, pudesse produzir cinema, com histórias próprias e inspirações, mesmo que não cotidianas, reais.
O movimento do Cinema Novo se estendeu até meados dos anos 60, quando a censura da ditadura trabalhou a fim de diminuir com esse movimento por conta do cunho revolucionário e ideológico que continha. A falecida (1965), de Leon Hirszman foi um desses filmes censurados logo no início desse período.
O mesmo aconteceu com Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, que teve cópias recolhidas pelo Brasil e só foi liberado quando o diretor geral da Polícia Federal considerou a mensagem ideológica do filme sutil demais para que as massas se deixassem influenciar.
O Cinema Marginal, eventualmente, substituiu o Cinema Novo como o movimento de cinema que mais era representado da época. De acordo com Jean-Claude Bernardet, os dois movimentos tinham pontos de convergência, embora a crítica se esforçasse em colocar um contra o outro.
Couro de gato:
O curta-metragem conta a história de vários garotos, marginalizados, no Rio de Janeiro durante a época do carnaval, uma das maiores características da cidade, conhecida mundialmente pelas festas e pelo samba. Os garotos tem trabalhos rotineiros, como engraxate, vendedor de jornais, doces e outros subempregos que, na época, era comum que as crianças fizessem. Devido à revolução urbana e industrial, os homens tinham trabalhos onde eram necessárias força ou inteligência. Enquanto às crianças cabia a exploração do mercado de prestação de serviços leves e comércio.
Na história, os garotos procuram desesperadamente por gatos domésticos, animal que era facilmente encontrado nas ruas do Brasil durante a noite, na época. Essa busca desenfreada tem um motivo: o couro do felino era utilizado para a fabricação dos tamborins usados no carnaval carioca, que animavam e ritmavam a diversão da noite carnavalesca.
O desenrolar da narrativa é com homens mais velhos, mas também mulheres, de classe média e alta que atrapalham o desenvolvimento do plano dos garotos. A polícia também entra no meio e impede alguns dos garotos de pegar os gatos. Não porque defendessem gatos, mas porque a existência de crianças da periferia no centro e na área nobre do Rio de Janeiro é um incômodo a todos os privilegiados de morarem nesses locais.
Só um dos garotos, com dificuldade, consegue capturar o gato e realizar sua venda, mas não sem antes criar um vínculo afetuoso ao animal, que, como é comum em felinos, demonstra certo desinteresse ao menino.
Dentro do contexto do Cinema Novo, o filme tem o objetivo de contar uma história do real, do povo da periferia, a população destratada pelo resto da sociedade e marginalizada até pelos próprios, como no caso dos policiais que servem a interesses burgueses.
Esse é o mergulho na realidade que Joaquim Pedro de Andrade, diretor e que assina o roteiro, junto com Domingos de Oliveira, pretendia ao filmar e lançar Couro de gato, que posteriormente viria a fazer parte de uma coletânea de curtas do Cinema Novo, chamada Cinco vezes favela, reunião de vários diretores que, a partir da ótica do Cinema Novo, queriam explorar a vida nas favelas como ela é.
Em Joaquim Pedro de Andrade – primeiros tempos, Luciana Corrêa de Araújo (2000) divide Couro de gato em três momentos que fundamentam toda a estrutura narrativa:
Couro de gato pode ser dividido em três momentos:
Prólogo: os meninos do morro, vendedores de amendoim e engraxates, descem para trabalhar na cidade; cenas do cotidiano na favela (mulher estende roupa no varal, outra prepara amendoins que o filho vai vender); imagens de desfile de carnaval, com voz over explicando: "Quando o carnaval se aproxima, os tamborins não têm preço. Na impossibilidade de melhor material, os tamborins são feitos com couro de gato".
A Caça (Primeira Parte): cinco garotos espreitam gatos, preparam armadilhas para capturá-los. Depois do ataque, vem a perseguição e a fuga até o morro (um deles, que age na própria favela, faz o caminho inverso, fugindo para a cidade).
O Idílio (Segunda Parte): o único garoto que conseguiu manter o gato diverte-se brincando com ele. O idílio é interrompido quando o menino se vê diante da escolha: ou mata sua pr pria fome, com a pouca comida, ou alimenta o gato. Triste, ele vende o gato, pega o dinheiro e desce novamente para a cidade.

Essa divisão se mostra bastante interessante ao analisarmos o curta em seu cunho social. O Prólogo serve para apresentar as crianças, que desenrolam a trama ao procurar um gato. Trabalha bastante a ideia de necessidade dos garotos. Os motivos que os levariam a caçar gatos e vender, mesmo que seja feita uma maldade com os felinos, as crianças sabem o que acontece quando não se tem dinheiro num universo de urbanização, desigualdade social e preconceito. A burguesia não aparece nesse início, focado em apresentar a realidade do carioca marginalizado, que precisa trabalhar desde cedo, ganhando pouco, para poder sustentar-se.
A Caça é o início da história, de fato. Os meninos pobres e trabalhadores, já apresentados, vão atrás dos animais pelas ruas do Rio de Janeiro dos anos 60, um lugar de magistral beleza e contrastes: riqueza e pobreza, brancos e negros, diversão e trabalho. Gatos são animais que, diferentemente dos cães, ainda possuem muitos traços instintivos pré-domesticação. Não são fáceis de capturar e difíceis de enganar. Assim, a perseguição pelos garotos é difícil, tentam encurralar os felinos, mas são lentos e não dispõem do equipamento necessário. Desse modo, os bichanos escapam e, na perseguição pelas crianças correndo, a burguesia se mete. Personagens como o de Moniz Freire, jovens burgueses, tentam se meter e atrapalhar os garotos em seu objetivo. A polícia também aparece, sinal de opressão, e impede os garotos. Uma cena que se pode passar horas analisando é, quando do topo do morro, um morador da favela observa seus algozes, incapazes de subir e continuar a perseguir. Pode-se montar um paralelo ao descaso que as periferias, não só do Rio de Janeiro, sofreram ao longo das décadas. Ao passo que a favela se torna um centro, o centro original das cidades não chega até lá. O que se vê é o preconceito contra os meninos, o lugar de onde vieram e uma falta de conhecimento do motivo da caça aos gatos.
A parte final é uma das mais interessantes do curta a ser analisada. Paulinho, o personagem principal da história e o único que se dá bem em A Caça, está no morro, longe do centro e dos seus vilões. Ele interage com o gato. Pega no colo e o acaricia, criando um afeto ao animal. O momento que o garoto abre a caixa de engraxate, desenrola um papel e, de dentro, tira biscoitos para poder se alimentar causa confusão no espectador quando vê Paulinho dividindo o alimento com o felino, num gesto de bondade e carinho que não se relaciona ao objetivo do menino: entregar o gato para que seu couro seja transformado em tamborim e faça parte da animação do carnaval do Rio de Janeiro, embora o menino pense exclusivamente no dinheiro que vai receber pelo animal e que pode representar sua sobrevivência. E é como termina O Idílio. Paulinho, apesar de toda a aproximação que teve com o alvo de sua perseguição, o leva até o local onde será morto e transformado em tamborim, mas não sem que o garoto derrame algumas lágrimas. A cena que fecha esse período e o curta é Paulinho descendo o morro, enquanto seca as lágrimas e aceita a sina de luta pela vida.
Quando se analisam as três partes de Couro de gato, na divisão proposta por Luciana Corrêa do Araújo (2000), percebe-se o quanto o filme se preocupa em estabelecer um contexto, tanto histórico quanto social, do Rio de Janeiro nos anos 60 e as adversidades da vida na favela e, na sua estrutura narrativa, os personagens e a história do curta. A direção de Joaquim Pedro de Andrade foi aclamada e o curta reconhecido, em 1995, pelo festival de Clermont-Ferrand, um dos cem melhores curtas da história do cinema.
Cinco vezes favela:
Cinco vezes favela, que funciona como coletânea, também de 1962, é um marco do Cinema Novo.. É formado pelos seguintes curtas-metragens:
Um favelado, de Marco Farias;
Zé da cachorra, de Miguel Borges;
Escola de samba, alegria de viver, de Cacá Diegues;
Couro de gato, de Joaquim Pedro de Andrade;
Pedreira de São Diogo, de Leon Hirszman.
Todos com foco em histórias dramáticas sobre moradores de favela, os curtas não foram bem recebidos pela crítica, tratados como peças ruins, só o curta de Joaquim Pedro de Andrade e Pedreira de São Diogo são reverenciados e aclamados.
Mais tarde, Cacá Diegues, que dirigiu Escola de samba, alegria de viver, participou da realização de um projeto que tinha como objetivo revisitar Cinco vezes favela, foi aí que nasceu 5x favela – Agora por nós mesmos, que segue os moldes do original, com cinco curtas, mas desta vez realizado por moradores de favela que trouxeram ainda mais o caráter de realismo ao filme, inovando para uma nova geração os ideais do Cinema Novo brasileiro, embora não faça parte do movimento.
Apesar da inserção pouco clara e elogiada de Couro de gato a Cinco vezes favela, o curta de Joaquim Pedro não foi mal visto e o diretor se tornou um reconhecido diretor do cinema brasileiro da época, visto como "um dos nossos mais sensíveis e inteligentes autores de cinema" na crítica de Maurício Gomes Leite (Correio da Manhã, 8 dez. 1962) e como alguém que consegue passar a poesia e o lirismo através dos fotogramas, na maioria das críticas recebidas.
Contexto histórico-social do curta Couro de gato:
O Rio de Janeiro dos anos 60 era um local de contrastes. Entre o centro e a favela, onde se passa Couro de gato, a distinção não tinha fim. Recém-inaugurada a Rede Globo de Televisão, assistir TV ainda não era dos hábitos mais comuns, as pessoas ainda passavam seus dias nas praias, andando em carrões e tomando sol. Isso, claro, as pessoas mais ricas e de classe média elevada, pois aos mais pobres sobrava trabalhar, pouco tinham para divertir-se, mesmo na cidade que acabara de deixar de ser a capital do Brasil.
Couro de gato desenvolve a questão do trabalho infantil, atividade que foi proibida nacionalmente em 1973, mas que até hoje continua acontecendo, não só no Brasil. As crianças que vão à procura de gatos eram vítimas disso. Paulinho, por exemplo, era engraxate e sua função era andar pelo centro convencendo as pessoas de que elas precisavam polir os sapatos e então realizar o serviço dessa profissão que hoje está em vias de extinção, visto que o hábito de usar sapatos de couro e que necessitam de polimento não é mais comum, com exceção a pessoas mais velhas e que não frequentam os lugares onde engraxates ainda são comuns: os grandes centros, rodoviárias, comércios populares etc. Na época que o curta foi gravado, mesmo o hábito de engraxar sapatos sendo comum, vê-se que Paulinho não consegue fazer dinheiro o suficiente com essa profissão, tanto que necessita caçar gatos a fim de vender os animais para que sejam feitos tamborins que alegrem o carnaval carioca.
O carnaval, assim como hoje, era marca da cidade maravilhosa. A animação sempre foi o chamariz do Rio para o mundo. Além de exportar talentos, chamava a atenção de visitantes importantes à cidade. Era a época de pessoas como Chico Buarque explodirem no MPB e Bossa Nova, o Rio era uma cidade de luz que abraçava todos os estilos e resplandecia a alegria burguesa. Até o samba se reinventava a fim de atualizar a música para novos tempos.
Couro de gato, em uma das primeiras sequências, demonstra isso muito bem, quando vai apresentar o cotidiano do carioca, do marginalizado ao burguês, e dá um bom tempo de atenção à alegria do carnaval, que contagiava a todos e era motivo de desejo. Esse filme, talvez, seja um resumo do que o Rio de Janeiro significa para os não cariocas, aqueles que não conhecem a cidade como a palma de suas mãos. Ele representa tanto a parte rica, na figura dos personagens burgueses e mesquinhos, a parte pobre, dos meninos favelados que tentam ganhar a vida de qualquer forma e também o símbolo máximo da cidade: o carnaval.
Apesar de Couro de gato ter se tornado um clássico e que as histórias dos tamborins feitos de couro felino tenham conquistado o imaginário popular, na década de 60 o couro mais utilizado para a feitura do instrumento musical já era o de boi, que havia aos montes por conta do uso da carne e se tornava mais barato usar o couro bovino ao de gato, que deveria ser caçado, abatido, a carne não era utilizada e ainda tinha que se pagar aos caçadores de gato, que geralmente eram crianças, como no curta. Apesar disso, não é inverdade que o couro de gato já foi muito utilizado para a produção dos tamborins. Nas primeiras décadas do século XX, não era raro que, na época do carnaval, os gatos sumissem das ruas e só começassem a rondá-las meses depois.
Joaquim Pedro de Andrade subiu o morro para gravar Couro de gato, nota-se a preocupação que o jovem diretor teve de buscar a realidade e a verossimilhança e passá-la ao público de forma que é clara uma realidade brasileira sendo estampada em filme. Essa preocupação, um dos marcos do Cinema Novo, acompanha a carreira do cineasta, que logo depois lança dois filmes: Garrincha – Alegria do Povo e O Padre e a Moça, o primeiro um documentário sobre um dos maiores ídolos do futebol brasileiro e o segundo, inspirado em um poema de Carlos Drummond de Andrade, é uma narrativa sobre um amor proibido entre um padre e uma moça de uma pequena cidade conservadora do estado de Minas Gerais. Ambos tiveram um trabalho minucioso de propor o realismo e a verdade ao espectador do cinema. Joaquim Pedro não engana, ao contrário, ele convida para que a experiência cinematográfica de mergulho na realidade seja real e é isso que Couro de gato propõe, uma imersão no Rio de Janeiro dos anos 60 como não havia antes.



Favela:
Favela é um termo genérico usado para descrever as comunidades periféricas de grandes cidades. Em suma, são lugares esquecidos pelo poder público onde a vida é difícil e ascensão social não é um termo colocado em prática.
As favelas começaram quando o governo percebeu que o centro da cidade não poderia conter a quantidade de pessoas de classe baixa como continham. Assim come aram as realocações desse povo em áreas periféricas, onde não poderiam atrapalhar as classes altas. "Em síntese, para as elites e as camadas médias brancas, e, não raro, para os governantes, favela foi e tem sido, em um século de história, o lugar do 'Outro'"
Nos anos 60, época que se passa o curta Couro de gato, as favelas se encontravam num período crítico em que o governo dava nenhuma atenção aos conglomerados, que só cresciam e aglomeravam mais e mais pessoas que, sem condição, fugiam do centro para as periferias. As favelas eram construídas em morros, como a que Paulinho adentra segurando o gato, eram paisagem recorrente da cidade do Rio de Janeiro.
Nessa época, ainda não havia nenhum tipo de organização nas favelas do Rio de Janeiro. Casas amontoavam-se, sobravam desempregados e a violência era alta. A maioria da população, além de pobre e negra, era invisibilizada, tanto pela mídia quanto pelas classes mais altas.
Para piorar, os anos 60 foram mais conturbados: imobiliárias com intenções de aumentar a área de imóveis e conjuntos habitacionais da cidade acabaram empurrando as favelas ainda mais para morro acima, selva adentro e longe da socialização. De acordo com Elizabeth Leeds, cientista política americana cuja pesquisa se aproximou bastante das favelas brasileiras, a falta de políticas públicas levou a esta situação de marginalização, desigualdade, pobreza e violência. Continua dizendo que as UPPs, Unidade de Polícia Pacificadora são o primeiro passo do governo rumo a integração das favelas à polícia, embora ainda que de forma precária.
O primeiro passo de socialização das comunidades foi dado mais de 40 anos depois do lançamento de Couro de gato, que representa, com perfeição, o morro do Rio de Janeiro, onde se escondem as favelas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SIMONARD, Pedro. A geração do Cinema Novo. Tese de mestrado defendida na Escola de Comunicações e Artes de São Paulo. Disponível em , acesso em 05 jul. 2016.
ARAÚJO, L. S. L. C. Joaquim Pedro de Andrade: primeiros tempos. São Paulo, Editora Alameda, 2000.
SALLES GOMES, Paulo Emílio. Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980
FERNANDES, Thamyres Menezes da Silva. O cão (Canis familiaris) e o gato (Felis catus) : uma ameaça à fauna selvagem. Monografia defendida em 2013, na Universidade de Brasília para obtenção de graduação em Medicina Veterinária, Brasília.
MEIRELLES, Renato. Um país chamado favela: a maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira. São Paulo, Ed. Gente, 2014

DO BRASIL, Cristina Índio. Exposição retrata cotidiano de favelas cariocas nos anos 60. Disponível em
< http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-09/exposicao-retrata-cotidiano-de-favelas-cariocas-nos-anos-60 > acessado em 15 jun. 2016

BERNARDET, Jean-Claude. Cinema marginal. Disponível em:
< http://www.portalbrasileirodecinema.com.br/marginal/ensaios/03_01.php >
acessado em 13 jun. 2016

PINTO, Leonor E. Souza. Cinema brasileiro e censura durante a ditadura militar. Disponível em :
. p.4 acessado em 10 jun. 2016

ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro, Ed. Alhambra, 1981

FILMOGRAFIA:
Couro de gato. 1962, Joaquim Pedro de Andrade.
O Padre e a Moça, 1966, Joaquim Pedro de Andrade.
Cinco vezes favela, 1962, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Marco Farias, Miguel Borges, Leon Hirszman.























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