Covilhã, cidade industrial – Reabilitação e renovação de identidade

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Covilhã, cidade industrial – Reabilitação e renovação de identidade Joana Brito Mestre em Arquitetura, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal [email protected]

João C. G. Lanzinha C-MADE – Centre of Materials and Building Technologies, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal [email protected]

Miguel Santiago CITAD – Centro de Investigação em Território, Arquitectura e Design, Portugal [email protected]

Área Científica – CT 3 Resumo Existe na cidade da Covilhã um vasto património industrial que após os anos áureos da indústria regional foi sendo desactivado. Muitos destes edifícios acabaram abandonados, tornando-se alvo de factores de deterioração externos que levaram a que exista hoje um enorme património edificado em avançado estado de degradação. Em caminho inverso surge a Universidade da Beira Interior, assumindo um importante papel na reabilitação e reconversão de uma vasta área destes edifícios, sendo simultaneamente responsável pela recuperação da identidade da cidade, numa política de preservação da memória colectiva. Atendendo à homogeneização que se tem vindo a verificar nas transformações sociais da cidade, apresenta-se um caso de estudo, elaborado com o objectivo de dar continuidade à metamorfose iniciada pela via académica, à qual se segue a materialização e o empreendedorismo pós-formação, proporcionando e incentivando novas vias para o desenvolvimento da economia local, ao mesmo tempo que se reabilitam os preceitos do desenho urbano. Palavras-chave: Cidade; Covilhã; Património industrial; Reabilitação; Reconversão.

1. Introdução (...) exemplos da máxima de Federico Fellini: «Sê regional e serás universal.»[1]

Ao deixarmo-nos deambular pelas cidades portuguesas, damo-nos conta de um sem número de edifícios decrépitos, colocados à margem do desenvolvimento urbano, da economia local e da imagem da cidade, tornando utópica a pretensão de unificação e de planeamento homogéneo. As políticas de crescimento urbano desenfreado, da ocupação dos subúrbios e periferias como áreas preferenciais para construção, despovoou os centros e os edifícios que o compõe foram sendo abandonados, permanecendo esquecidos e inertes ao desenvolvimento urbano circundante e transformando a paisagem num ser vivo em decomposição. Neste contexto surge a necessidade de reverter esta realidade, através da coordenação entre investidores, imobiliárias, proprietários, construtores e municípios, que se concentre na revitalização dos centros urbanos e do património edificado; reconhecendo-lhes o seu carácter de zonas privilegiadas, estudando planos urbanísticos e arquitectónicos que proporcionem qualidade de vida aos seus habitantes, ao mesmo tempo que debela as fragilidades “desta” cidade actual. Quando se conseguir criar um sistema sustentável entre promotores e compradores, moradores e comerciantes, então as cidades conseguirão desbloquear o seu estado de paralisação e desvitalização, através da preservação e capitalização inteligente da sua própria identidade, valores culturais e memória colectiva. Se já se fizeram Expos e Pólis, casas “de estilo emigrante” ou “de estilo arquitecto”, agora o “re” parece ser o único prefixo de ordem que resiste: temos de reciclar, reutilizar, restaurar, reprogramar, requalificar, re-significar. [2] INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING UBI2013 - 27-29 Nov 2013 – University of Beira Interior – Covilhã, Portugal

As vantagens que a prática da reabilitação trazem são abrangentes e fazem-se sentir em diversos campos, tais como: a nível social e cultural, pela conservação e valorização do património arquitectónico e do seu significado enquanto representação da memória; a nível económico, pelos incentivos legislativos, pelos apoios e programas financeiros que se têm vindo a desenvolver, pela redução de necessidade de matéria-prima, uma vez que fundações, estrutura e paredes podem, consoante o seu estado de conservação, ser aproveitadas; a nível ambiental, pela diminuição de energia consumida durante todo o processo de obra, quer ao nível de demolições, quer ao nível de transporte de resíduos para depósito e de materiais e matéria-prima para obra, que leva à consequente diminuição de emissão de CO 2, pela diminuição da poluição sonora e visual provocada durante o período de obra e pela redução do impacto sobre a paisagem e o meio ambiente. Ao entender a importância do papel da reabilitação urbana e da sua acção sobre o território que vivenciamos, abrem-se as portas para a compreensão do papel da arquitectura como primeira instância dos bons princípios de cidadania. A arquitectura construída para as pessoas, para ser vivida e explorada no contacto com todos os sentidos do corpo humano, com proporções ergonómicas e aspectos sensoriais capazes de criar e despoletar sentimentos e memórias que transportam o utilizador e/ou transeunte através de histórias e vivências, únicas e individuais.

2. O caso da cidade da Covilhã Por mais transformações tipológicas, estruturais e formais a que as cidades estiveram sujeitas, como refere Josep Maria Montaner, toda e qualquer cidade continua a transportar um passado e uma memória; os valores simbólicos permanecem nesses elementos urbanos, mais que não seja pela expressão de uma memória ou pela representação de uma ausência.[3]

Neste estudo temos como principal foco a cidade da Covilhã que, sob o epíteto cidade-fábrica ou Manchester portuguesa, foi durante séculos uma referência nacional no campo da indústria têxtil. Uma passagem pela sua evolução histórica permite-nos desvendar as razões que estiveram na génese do seu desenvolvimento urbano: o início da industrialização, a tradição da transumância, a preponderância das ribeiras que atravessam a cidade, as primeiras fábricas, os núcleos industriais que se formaram ao longo dos séculos, o aumento da população local e a concentração do chamado know-how, a necessidade de construção de bairros operários e a sua influência no desenho urbano actual; posteriormente o inverter do processo – o cair da cidade-fábrica – a desactivação e o abandono dos edifícios e complexos industriais no núcleo urbano, os vazios criados e a fragmentação da paisagem construída. Esta metamorfose histórica leva-nos a identificar na cidade uma vasta área de edifícios industriais (tabela 1), constituindo-se muitos deles verdadeiros complexos edificados, desactivados, abandonados e alguns em estado de ruína, que permanecem na expectativa de que lhes seja dado um novo caminho, uma nova função e um novo programa. Tabela 1- Evolução do edificado industrial na cidade da Covilhã Século XVIII Século XIX Século XX Século XXI

Área de Implantação (m2) 42 771m2 96 853m2 137 994m2 136 781 m2

Diferença (m2) + 54 082m2 + 41 141m2 - 1 213m2

Deste modo, a importância da reabilitação tem ainda mais consistência quando falamos do caso da Covilhã, uma vez que estes edifícios devolutos, espalhados por todo o núcleo urbano, constituem uma grande percentagem de edificado em evidente subaproveitamento, ao mesmo tempo que representam fortes marcas na imagem da cidade, da memória colectiva e nos traços da sua identidade.

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2.1.

O papel da universidade

Corria o ano de 1975 quando o Instituto Politécnico da Covilhã, hoje Universidade da Beira Interior (UBI), através de um projecto de reabilitação arquitectónica realizado pelo arquitecto Bartolomeu Costa Cabral, reformulou o edifício industrial onde havia laborado a Real Fábrica dos Panos mandada construir (1764) pelo Marquês de Pombal, tornando os espaços onde antes circulavam os operários em salas de aula para alunos e professores. Este foi o primeiro impulso para a reabilitação e preservação da história e da identidade da Covilhã, permitindo que os edifícios que tiveram um papel no desenvolvimento da sociedade local pudessem continuar o seu trajecto, com novos propósitos e conferindo-lhes um carácter de polivalência. Ao longo do seu crescimento a UBI foi adquirindo diversos conjuntos industriais contando-se, para além da Real Fábrica dos Panos, a Real Fábrica Veiga, a fábrica de Sebastião da Costa Rato, diversos imóveis pertencentes ao Conjunto Industrial da Fonte do Lameiro, a Fábrica dos Buréis do Convento de Santo António, o conjunto das râmolas de sol e do estendedouro de lãs do Sineiro e os complexos fabris da empresa Ernesto Cruz e da empresa João Roque Cabral; apropriando-se assim de considerável parte do património industrial edificado na cidade que, com intervenções de reabilitação mais ou menos profundas, constituiu os pólos I, II, III e IV, assim como as áreas dos serviços técnicos, sociais e administrativos que servem a instituição (Fig.1).

Figura 1 – Estado do património industrial da cidade da Covilhã

Os pólos universitários, reabilitados no sentido do ensino, da investigação e do desenvolvimento intelectual, prosperam e intensificam a sua importância na sequência da aderência da instituição ao Programa de Bolonha, que prevê promover a dimensão europeia do ensino superior, reforçando o desenvolvimento curricular, a cooperação interinstitucional, a mobilidade de discentes, docentes e investigadores e a criação de programas integrados de estudo, de formação e investigação, num processo de valorização do ensino, das suas múltiplas perspectivas e da capacidade de empreendimento futuro. A universidade tornou-se assim, no novo símbolo da Covilhã, outrora cidade-fábrica, hoje cidade-universitária. Esta aparente dissonância revela o carácter evolutivo da sociedade e da sua capacidade de adaptação a novas realidades. A identidade operária que permanece INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING UBI2013 - 27-29 Nov 2013 – University of Beira Interior – Covilhã, Portugal

dispersa e profundamente marcada no território e na cultura, perdeu o seu lugar na economia e, como forma de se renovar e gratificar o património edificado deixado pelas gerações anteriores, reformula-se, revitaliza-se, reprogramam-se os espaços e reabilitam-se os edifícios. É neste espaço de lógica económica e preservação da memória colectiva que ocorre a transformação da cidade. A sequência desta filosofia funcional sugere um leque de estratégias que poderia proporcionar uma reabilitação mais profunda do território industrial que ainda se encontra em estado de abandono e/ou ruína. A potencialidade da universidade enquanto meio canalizador de profissionais e alunos, assim como fomentador de investigadores, poderia levar a que se iniciasse uma política interna na cidade, que encaminhasse os frutos da sua formação para uma realidade profissional enquadrada nas necessidades da região. Por outro lado, os edifícios industriais são também óptimos alvos de reabilitação para a criação de lofts, que poderiam funcionar como residências temporárias para alunos, professores e investigadores. Estas directrizes, aqui apresentadas como ligação ao esquema estrutural universitário implantado na cidade, não se querem como condicionadoras de outras pressupostos oníricos e de outros conceitos tipológicos e formais, mas antes quer que se abra o livro de oportunidades nos mais variados âmbitos sociais, económicos e culturais, alertando para a riqueza e para a mais-valia que constitui o caminho da reabilitação e resiliência da área construída na cidade, com especial enfoco para os edifícios industriais, pela vasta área que representam (tabela 2) e pela sua representação na identidade e memória da cidade. Tabela 2- Estado do edificado industrial actual na cidade da Covilhã Área de Implantação (m2) Reabilitada / Ainda em Funcionamento Universidade da Beira Interior Outras funções Em funcionamento Abandonada

67 40 15 11 53

714 605 658 145 895

m2 m2 m2 m2 m2

Ruína

15 173 m2

3. Estratégia de reabilitação – caso de estudo Arquiteturas tocadas pelas asas do anjo da fantasia, sensíveis ao respirar da terra, que acolhem o passado e a memória como fonte de nostalgia e prazer, mas articulando-se, também, com as necessidades do mundo moderno.[4]

Para o caso de estudo aqui apresentado foi definido um programa arquitectónico que propõe dar resposta funcional e formal à reconversão de um antigo edifício industrial, hoje fora de funcionamento, num centro de inteligência e tecnologia, que proporcione e incentive a investigação e o desenvolvimento de trabalhos individuais ou colectivos e que, hipoteticamente, possa servir de âncora ao trabalho promovido pela universidade. A decisão que levou à escolha do programa está intimamente ligada às alterações que têm vindo a ser introduzidas nas sinergias que congregam o processo de trabalho. Os “meios” evoluem de forma alucinante e os “modos” tendem a seguir processos de adaptação, através de uma desmontagem psico-motora dos métodos mais tradicionais. O local de trabalho moderno está a ajustar-se ao conceito de mobilidade, adaptação e incubação. Este pensamento da era contemporânea está a moldar o desenho arquitectónico, obrigando-o a ajustar-se a esta nova realidade, procurando programas funcionais e formais capazes de oferecer condições híbridas de metamorfose espacial. O edifício aqui abordado (Fig.2), mandado construir pela firma Clemente Petrucci e Irmão para albergar uma tinturaria, situa-se na parte mais alta da cidade da Covilhã, num aglomerado habitacional designado por Bairro Municipal e cuja construção foi inicialmente INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING UBI2013 - 27-29 Nov 2013 – University of Beira Interior – Covilhã, Portugal

mandatada para albergar um bairro operário. A composição actual desta antiga fábrica é formanda por quatro núcleos, que podemos distinguir do seguinte modo: o primeiro núcleo, construído em 1933, cuja fachada está orientada a Norte e em confrontação com a Rua Afonso Domingues, é constituído pelo corpo central e pelas duas naves que o ladeiam, de estrutura em pedra natural de granito e asnas de madeira que fazem o suporte da cobertura; o segundo núcleo, fruto de uma primeira ampliação realizada em 1947, é constituído pelas duas naves situadas nas extremidades do primeiro núcleo e apresenta uma estrutura idêntica ao conjunto anterior; o terceiro núcleo, pertencente à segunda ampliação efectuada em 1957, foi construído segundo princípios estéticos e estruturais distintos das construções anteriores, apresentando uma estrutura porticada em betão armado e que veio trazer a formalização de uma fachada orientada a Sul, que faz a ligação com a rua Cidade de Cáceres, agilizando os processos de entrada e saída do edifício e o contacto com as duas frentes do lote; por fim, o quarto núcleo diz respeito a um edifício com aspecto de moradia, cuja data de construção não é possível precisar, mas que se presume que seja anterior aos restantes e que aí tenha desde sempre funcionado actividade ligada à indústria dos lanifícios.

Figura 2 – Localização | Covilhã_ Bairro Municipal

3.1.

Diagnóstico

Para a proposta de intervenção foi realizado um primeiro diagnóstico, que permitiu identificar quais os principais problemas a combater ao nível da reabilitação estrutural e construtiva do edifício (Fig.3), ao mesmo tempo que deixou transparecer quais os elementos mais representativos do ponto de vista estrutural e construtivo que seria possível reaproveitar, introduzindo uma dinâmica de reutilização e renovação dos elementos mais simbólicos para a representação iconográfica da identidade do edifício industrial. Depreendemos então, que as condições estruturais do edifício apresentam alguns sinais de degradação, com a sua estrutura em madeira de pinho, que faz o suporte da cobertura, a evidenciar alguns danos provocados pela humidade e pela acção de xilófagos e de fungos de podridão. Por sua vez, os reforços de betão armado, nos dois primeiros núcleos já abordados, apresentam também sinais de desgaste e quebra de superfície, deixando evidenciar as armaduras, que deste modo se encontram com sinais de corrosão e ferrugem. Ao nível da cobertura encontramos constantes aberturas, quer pelas clarabóias em lanternim sem qualquer caixilharia, quer por pontuais quebras de telhas, provocando entradas de água que aumentam a permeabilidade do edifício e levam a que periodicamente algumas zonas interiores se encontrem inundadas. As paredes de alvenaria de granito apresentam-se como o elemento mais forte do edifício, aparentando um bom estado de conservação e resistência. Ao nível dos revestimentos, estes apresentam sinais de infiltrações, desgaste, fendilhação e desagregação. As caixilharias, portões e portas interiores encontram-se na sua generalidade com evidentes sinais de deterioração, sendo que os elementos em ferro apresentam ferrugem e perda de tinta e as madeiras estão descoladas e com sinais de humidade. INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING UBI2013 - 27-29 Nov 2013 – University of Beira Interior – Covilhã, Portugal

Figura 3 – Levantamento fotográfico do edifício existente

Por outro lado, encontramos elementos fortemente alusivos à realidade que ali se viveu, quer pela sua composição, quer pela sua imponência na leitura do edifício. De realçar (Fig. 4) o frontão em ângulo curvo do corpo central, coberto por vegetação que lhe dá um aspecto de fachada verde, espontaneamente enriquecido pela força da natureza; a chaminé em tijolo burro, que simboliza não só um marco histórico mas também visual, permitindo ao transeunte, através da sua verticalidade, recolher coordenadas visuais de localização e referência; e o portão de entrada para o lote, pela sua elaborada composição e pela referência à data de construção e início de laboração da tinturaria Petrucci. [5]

Figura 4 – Levantamento fotográfico do edifício existente

3.2.

Programa

Após ter sido estipulada qual a funcionalidade a dar a este antigo edifício industrial, passouse a um processo de pesquisa e identificação dos esquemas formais e funcionais aplicados ao tipo de programa pretendido - Centro de Inteligência. Assim, e após uma interpretação daquele que era o panorama geral em correlação com as características do edifício em estudo, definiram-se os seguintes espaços chave: Zona administrativa, Cafetaria / Refeitório, Foyer, Serviços técnicos, Salas de reunião, Salas de workshop, Salas de incubação, Salão multiusos, Auditório e Parque de estacionamento. Ficou assim definido o diagrama de espaços que daria origem ao projecto de arquitectura, a seguir apresentado, para a reabilitação, revitalização e reconversão do antigo edifício, tendo sempre como base a necessidade de preservação da memória e identidade do património histórico e cultural da cidade.

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3.3.

Metodologia

A primeira observação do edifício existente permitiu concluir que a construção tradicional da primeira e segunda edificação apresenta uma intrínseca relação arquitectónica com o restante bairro, notando-se uma evidente preocupação na ocupação da paisagem e no desenho da fachada principal, orientada a Norte e em confrontação com a Rua Afonso Domingues, como forma de integração e harmonização com a imagem do aglomerado urbano onde se insere. A metodologia que dá origem ao conceito arquitectónico, fomentando a procura pela adaptação às necessidades da cidade actual, não poderia assim desligar-se destas evidências e foi no seguimento deste pensamento que se desenvolveu um projecto que fosse ao encontro dos pressupostos que regem o equilíbrio entre passado e futuro, entre a história que as paredes contam e o olhar sobre uma nova perspectiva, originando deste modo uma proposta que abraça a história e reconstrói uma nova identidade em forma de memória. Após a metodologia adoptada, que passou por diversas fases de estudo ao nível do desenho de estudos prévios, chegou-se a uma resolução final, em que se propõe a demolição do edifício do quarto módulo existente e parte do terceiro, como forma de assim aumentar a área do pátio exterior, permitindo a criação de um parque de estacionamento privado no interior do lote, ao mesmo tempo que se abre a perspectiva do observador sobre o núcleo principal do edifício. Deste modo, para que o programa funcional e formal que se pretendia implementar, fosse possível de resolver e enquadrar, dentro daquelas que eram as limitações de trabalhar sobre um “suporte” pré-existente, chegou-se a um diagrama organizado em 3 novos módulos – 1|administração; 2|área de trabalho; 3|eventos (Fig.5) - que estando física e logisticamente ligados entre si podem funcionar de forma independente, ao mesmo tempo que as acessibilidades e comunicações, exteriores e interiores, horizontais e verticais, foram devidamente salvaguardadas, de modo a assegurar uma mobilidade autónoma por parte de qualquer cidadão, dentro daquele que se pretende que seja um edifício/programa inclusivo.

Figura 5 –

● Módulo 1 | ● Módulo 2 | ● Módulo 3

A proposta arquitectónica que foi desenvolvida é reveladora do cuidado prestado na abordagem ao programa funcional, intimamente ligado às condições oferecidas aos seus utilizadores, assim como a uma oferta que beneficie um leque de multitarefas que coabitem de forma coerente, através de uma planta que possibilita a fluidez espacial e a organização dos espaços, facto potenciado pela amplitude do edifício existente. A estruturação do programa prendeu-se então com a harmonização e articulação dos espaços, tendo sido criados percursos que hierarquizam e distinguem o que é público, semi-público e privado, permitindo a utilização independente de cada um e possibilitando o seu cruzamento sempre que assim seja necessário (Fig.6). INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING UBI2013 - 27-29 Nov 2013 – University of Beira Interior – Covilhã, Portugal

Figura 6 – Planta do Piso 0

Numa conduta que se pretendia ser de preservação, mas também de reprogramação, a intervenção mais profunda que se propõe diz respeito ao primeiro piso do primeiro módulo (Fig.6), uma vez que é aí que as características edificadas se apresentam mais limitativas, com uma planta profundamente dividida por sequências irregulares de planos verticais, que reduzem os espaços e se afastam de uma relação de proximidade com o restante volume.

Figura 7 – Planta do Piso 1

A unidade do edifício alcança-se através da estereotomia dos materiais, com as fachadas em pedra de granito e reboco pintado de branco e as caixilharias em ferro existentes, devidamente restauradas e pintadas de cor antracite. No interior, os pavimentos e carpintarias são em madeira de carvalho, contrastando com as paredes e tectos brancos que potenciam a luminosidade dos espaços e o efeito luz/sombra.

3.4.

Organização funcional e espacial

No primeiro piso do primeiro módulo (Fig.8), com acesso directo para a Rua Cidade de Cáceres, instala-se a zona administrativa, responsável por toda a logística do edifício, que conta com um foyer, uma área de recepção para atendimento ao público, secretaria, vestiários para os funcionários, gabinetes e instalações sanitárias, constituindo-se deste modo como o “cérebro” do edifício, com autonomia de funcionamento. No piso inferior situa-se a INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING UBI2013 - 27-29 Nov 2013 – University of Beira Interior – Covilhã, Portugal

cafetaria, proporcionando a articulação entre a zona administrativa e o restante Centro, ao mesmo tempo que disfruta de uma relação privilegiada com o pátio exterior, reforçando deste modo a proximidade entre as duas realidades. Esta zona conta ainda com instalações sanitárias e uma área técnica.

Módulo 1 | Piso 1 Administração Módulo 1 | Piso 0 Cafetaria

Figura 8 – Corte transversal AA’

O segundo módulo diz respeito ao local de trabalho e desempenho de tarefas, sendo que é aí que se dá a entrada principal para o edifício, pela zona do pátio exterior, apresentando a quem entra um foyer, uma recepção com uma zona de arquivo e as salas de reunião. Posteriormente encontra-se a sala de workshop e os serviços técnicos, que apoiam as actividades e necessidades afectas aos “residentes” do Centro. Percorrendo o espaço encontram-se por fim as salas de incubação, que simbolicamente se localizam no mesmo espaço onde funcionava a área de trabalho da antiga fábrica, aproveitando a retícula estrutural existente e ocupando o espaço com paredes divisórias que permitem a criação de 10 salas individuais, das quais 6 funcionam como “duplex”, através de um mezanino que aproveita e dinamiza o elevado pé direito (Fig.9).

Módulo 2 | Piso 0 – Salas de Incubação

Figura 9 – Corte transversal DD’

Por fim, no terceiro módulo (Fig.10) instala-se a sala multiusos, que conta com instalações sanitárias próprias e entrada independente pelo piso à cota da Rua Afonso Domingues e à qual se segue o auditório, constituindo-se assim como uma área que pode servir eventos ou apresentações de trabalhos e/ou produtos sem interferir com o normal funcionamento das restantes áreas de trabalho, que deste modo não têm obrigatoriamente de se ver privadas do seu carácter unicamente laboral. Módulo 1

Módulo 2

Módulo 3

Figura 10 – Corte longitudinal INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING UBI2013 - 27-29 Nov 2013 – University of Beira Interior – Covilhã, Portugal

4. Conclusão O património industrial que foi delegado pelos seus antepassados a cidades como a Covilhã, deve ser alvo de atenção e de estudo por parte das mais diversas disciplinas, por forma a averiguar o seu estado actual, as condições de edificabilidade que oferecem e o seu potencial de reabilitação e reconversão. Estes edifícios são parte da paisagem construída, são pergaminhos da história, situam-se nos centros urbanos e em localizações privilegiadas, com áreas brutas de construção que deixam espaço a que a imaginação os ocupe. A transformação destes núcleos industriais representa assim a valorização do património existente, do edificado, da paisagem, da identidade e da memória, factores fundamentais na arquitectura da cidade e na forma como o habitante/transeunte se relaciona com ela, despertando sensações capazes de influir directamente com os factores de fixação da cidade cosmopolita, em antítese à crescente problemática da desertificação do interior de países como Portugal. Deste modo, apresentou-se neste artigo um caso de estudo, com vista à reabilitação de um dos edifícios industriais que permanecem em estado de abandono e degradação na cidade da Covilhã. O Centro de Inteligência foi o programa definido, tendo por base as características e carências da cidade actual, face à nova realidade de volatilidade económica e social. A traça arquitectónica do edifício mantém-se, pois representa uma peça no grande “puzzle” que constituí o património industrial que povoa o território da Covilhã, viabilizando a sua continuidade na identidade e representação da indústria dos lanifícios e formalizando o período histórico com maior ênfase na memória urbana.

Referências [1] CULOT, Maurice - Alter Arquitectura. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2013. Sinopse. [2] MENDES, Rui; VINAGRE, Valter – “O Património a quem o usar” Jornal Arquitectos, nº246, Portugal, 2013. ISSN 0870-1504. pg.43. [3] SANTIAGO, Miguel - Pensamentos X | Cidade | Arquitectura | Pedagogia, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal, 2013. pg.49. [4] CULOT, Maurice - Alter Arquitectura. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2013. Sinopse. [5] BRITO, Joana – Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura “A cidade industrial – Renovação e reabilitação de identidade. Caso de estudo: “Tinturaria Petrucci”. Orientação João C. G. Lanzinha, Co-orientação Miguel Santiago, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal, 2012. pg.73.

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