Cozinhar e comer no c.astelo medieval de Palmela

June 8, 2017 | Autor: João Cardoso | Categoria: Portugal, Arqueologia, Ordem de Santiago, História, Setúbal
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MEMORIA DOS SABORES DO MEDITERRANEO . ,

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COZINHARE COMER NO CASTELO MEDIEVAL DE PALMELA ISABEL CR IST INA F. FERNANDES, JOÃO Lu ís CARDOSO, CLEIA DETRY'

Introdução A leitura da paisagem onde se in se re o cas tel o de Palmela é, por si só, demonstrativa das potencialidades agro-pastoris, piscícOlas e cineg ét icas que beneficiariam as populações medievais. De facto, à planície que se estende a norte, antes em boa parte oc upada por matas com bons recursos de caça e marinhas de sal, acrescentava-se a qualidade dos so los e dos pastos das co lina s e va les da Pré-Arrábida, su lcados por ribeiras af lu entes do Sado e do Tej o, rios que definem a península interestuarina . Se juntarmos a estas generosas cond ições de subsis t ência as parti cu laridad es defensivas do morro do castel o e da estrutura militar aí co nst ruíd a em época islâm ica , em arti cula ção com outras fortifica ções e povoações im portantes, como Co ina-a-Ve lh a, Alcácer do Sa l e Lisboa, temos encontrados os factore s primord iai s de fi xação de grupos humanos na região. A Hi stória e a Arqueologia têm vindo a demon strar a vera cidad e desta constatação para o períOdO medieval, entre os sécu los VIII-I X e XIV. A ininterrupta oc upa ção dos espaços em referência, em épocas posteriores, decorre também de outras va ri áve is, que não cabe aqui exp lorar.

O investimento na investiga ção arqueo lógica ao longo de mais de duas décadas, em prospecção e escavação no caste lo, na área urbana de Palmela e na envo lve nte rural, t em dado os seus frutos, poss ibilitando um co nhecimento acresc ido do quotidiano dos hab itantes intramuros, na vila e sob re a actividade campesina (Fernandes, 2004). A análise do s re sto s faunísti cos encontrados nas escavações do Caste lo de Palmela foi um co ntribut o determinante para o estudo de alguns aspectos desse quotidiano, nomeadamente os rela cionado s co m a alim entação das popul ações, a qual já deu or igem a uma pr im eira publ icação (Ca rdoso e Ferna nd es, 2012 ). Com a integração dos dados agora publicados, que abarcam um a amostragem mai s numerosa - e que co nfirmam, nos se us traços gerais, as conc lusões anteriormente apresentadas -, no re stante arqu ivo arqueo lóg ico, tendo designadamente em considera ção a tip ologi a das produ ções ce râmica s, pretendeu-se melhorar o co nh ecimento da alimentação no cas t elo de Palmela, entre os séc ulos VIII e XV, abarca nd o populações islâm icas (séc ulOS VIII-XII) e cristãs (sécu los XII -XV), at ra vés de um ensa io co mparati vo. São in cluíd os algun s dados para o perío do modern o, sem co ntudo se efectuar uma análise extensiva e representativa desse pe ríodo.

1. Isabel Crist in a F. Fernandes, Museu Municipal de Palme la; João Luís Cardoso, Universidade Abe rt a e Centro de Estudos Arqueo lóg icos do Concelh o de Oe iras (Câ mara Mun icipa l de Oe iras); Cleia Det ry, Faculdade de Letras da Universidade de Li sboa.

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Figura 1: Castelo de Palmela, alcáçova, de onde provieram os elementos faunísticos em estudo .

Áreas de proveniência de material cerâmico e faunístico Para além da identificação do contributo construtivo dos líderes muçulmanos e cristãos que ocuparam o castelo entre os sécu los VIII -IX e XV - muralhas, torres, instalações do poder e da guarnição -, as intervenções arqueológicas forneceram espól io sign ifi cat ivo, entre o qual se destaca o cerâmico, constituído quase inteiramente por fragmentos de loiça para cozinhar e serv ir. Estamos a falar da alcáçova do caste lo (Fig . 1) e, no seu interior, de cinco espaços: um conjunto de três salas (Ga lerias 1, 4 e 5) co rre spondentes ao piso térreo de quart éis militares do séc. XV II e cuja parede norte é const ituíd a pela mura lh a antiga; um espaço centra l entre os quartéis norte e os quartéis su l, onde se regista a cont inui dade das habitações muçulmanas detectadas nas galer ias, uma bateria de silos e fossas (Fig. 2) e uma instalação cristã que identificamos como um prim itivo co nve nto da Ordem de Santiago, com necrópo le de f reires anexa; o piso térreo da torre chamada

Figura 2 : Caste lo de Palmela, escavação na área ce ntral da

dos " t elegrafistas", onde se localizaram os

alcáçova.

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silos 7 e 7 A, entulhados de materi al crist ão e algum islâmico, res idu al; um espaço encostad o à muralha

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norte, a cé u aberto, onde se escavou em profundid ade um a área limit ada mas elu cid at iva da

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estruturação da alcáçova; um es pa ço a nascente e nord est e, junto à torre de âng ul o, co m estrat os

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dat ados da fase do ca lifado ao período alm oráv ida e uma boa leitura pa ra a segu nda metade do séc.

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XII (a lm óa da e cri st ã) e ce ntúri as seg uintes, XIII -X IV. Este es paço deve co rrespo nde r às inst alações

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da guarni ção, pelo menos nesse pe ríodo de t ra nsição de pode res, onde se reg ist aram fornos de forja,

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elementos de arm amento e loiça domésti ca.

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Os restos faunísticos: o que se comia

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o núm ero de restos determin ados (NRD), re lat iva mente aos gra ndes grupos (Fi g. 3), mostra que há um a in cidê ncia m aior no co nsu mo de aves, de peixe e de mo luscos no período is lâm ico e um aum ento do co nsum o de ca rn e de ma míferos no pe ríodo cri stão. Os mo lu scos, apesa r de cor respo nderem a um elevado número absolu t o de res t os , são co nstituíd os por um a red uzid a bi o massa, se ndo ass im a sua importâ ncia dim inuta, em termo s de co ntri buto proteico. São ainda recursos fáce is de ob ter, reve lando ta lvez a ex istência de pessoa s de baixo est atut o eco nómi co envo lvidas na sua reco lecção, independe ntemente de o respect ivo consumo pode r relacio nar- se nalgun s casos co m pessoas de elevado esta t uto socia l.

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33°0 • Periodo Islâmico

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PeriodoCrislào

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O', Aves

Mum i fcros

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Moluscos

Figura 3: Castelo de Palme la. Percentagem do número de restos determinados (NR D) dos grandes grupos identi f icados no conjunto de ossos recuperad os.

50 , -------------------------------------------. 40 30 20 10

O Ovis/Capra

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Cervus e/aphus

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Figura 4: Castelo de Palmela . Número de restos determinados de Moluscos recuperados.

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A grande maioria de res t os de mo lu scos em época islâmi ca deve-se à presença de mexi lh ão

(Myti/us edu/is) co nst it uindo metade da amost ra, seg uido pela amêijoa-jud ia (Ruditapes decussatus) (Fig. 4). O primeiro é ge ralmente encontrado em substrato rochoso est uarin o ou marinh o e o seg und o em substrato arenoso marinho, ambos presentes na região litoral próxima de Palmela . No período cr istão observa-se dive rsidade maior, sendo o mexi lh ão e as ostras (Os treaceae) os mais vul garme nte registados. A recolha de maior número de ost ras nos sécs. XIII -X IV, ap li ca nd o-se os considerandos atrás apresentados re lativamen te à ocorrência deste grup o no registo arq ueo lógico, é difícil de exp li car. A razão desta predominânc ia deve atrib uir-se a preferênc ias culturais ou pessoais pontuais, específicas de um determinado grupo que ocupava a for tifi cação. -'

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No re spe itante à avifauna, observa-se uma im portânc ia maior de aves de caça, embo ra li geira, no período cr istão, nomead amente de perd iz-ve rm elh a (A/ectoris rufa) (Fig . 5).

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