CRIAÇÃO DE RESERVAS EXTRATIVISTAS E SUA IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA FRENTE AOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS BRASILEIROS

July 11, 2017 | Autor: E. Fernandes-Pinto | Categoria: Conflitos socioambientais, Reservas Extrativistas, áreas Protegidas E Inclusão Social
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Fernandes-Pinto et all., 2007. Criação de Reservas Extrativistas e sua importância estratégica frente aos conflitos socioambientais brasileiros. In: III SAPIS – Simpósio de Áreas Protegidas e Inclusão Social – Teresópolis/RJ.

CRIAÇÃO DE RESERVAS EXTRATIVISTAS E SUA IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA FRENTE AOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS BRASILEIROS

Érika Fernandes-Pinto, Alexandre Z. Cordeiro & Sandra Barbosa Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Diretoria de Unidades de Conservação de Usos Sustentável – Coordenação Geral de Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento Sustentável. [email protected]

INTRODUÇÃO As Reservas Extrativistas (RESEX) são um modelo de área protegida genuinamente brasileiro, criadas como resultado de lutas de movimentos sociais de extrativistas da Amazônia - principalmente de seringueiros nas décadas de 70 e 80 - pelo direito à terra e um modelo de desenvolvimento compatível com a conservação e uso sustentável das florestas. Estas áreas – que têm por objetivos principais “proteger os meios de vida e a cultura de populações extrativistas e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais” – foram inicialmente regulamentadas pelo Decreto Nº. 98.897 de 1990. Em 2000 a Lei Federal Nº. 9.985 (SNUC), reconheceu a categoria Reserva Extrativista como parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza no grupo das unidades de uso sustentável. Representam áreas de domínio da União com uso concedido a populações tradicionais, geridas por um Conselho Deliberativo e que permitem o uso sustentável dos recursos naturais e a implementação de estruturas voltadas para a melhoria da qualidade de vida das comunidades, sendo definido no Plano de Manejo das unidades as suas normas de uso e o zoneamento. A criação destas unidades é motivada por demandas de populações tradicionais, que na sua luta por justiça socioambiental e um modelo de desenvolvimento condizente com suas especificidades culturais, atuam muitas vezes no centro dos principais conflitos socioambientais brasileiros - como a grilagem de terras públicas, a expansão de grandes empreendimentos excludentes, exploração madeireira não sustentável, o avanço da fronteira

Fernandes-Pinto et all., 2007. Criação de Reservas Extrativistas e sua importância estratégica frente aos conflitos socioambientais brasileiros. In: III SAPIS – Simpósio de Áreas Protegidas e Inclusão Social – Teresópolis/RJ. agropecuária e desmatamentos ilegais, processos de especulação imobiliária e ocupação urbana e turística desordenada da costa, entre outros. OBJETIVOS E METODOLOGIA Este trabalho objetiva analisar a evolução histórica do processo de criação das Reservas Extrativistas Federais e a importância estratégica destas unidades frente a alguns dos principais conflitos socioambientais brasileiros, avaliando como as mesmas têm contribuído para o reconhecimento e valorização das populações tradicionais do país. Para tanto, foram tabulados e analisados os dados referentes à criação de RESEX Federais disponíveis no IBAMA/Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e avaliados documentos constantes em processos administrativos envolvendo conflitos socioambientais e populações tradicionais destas áreas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO As primeiras RESEX foram criadas no ano de 1990 nos estados do Acre (RESEXs Alto Juruá e Chico Mendes), Amapá (RESEX Rio Cajari) e Rondônia (RESEX Rio Ouro Preto). A partir de então, o modelo expandiu-se da Amazônia para outros biomas e outros tipos de ecossistemas brasileiros. Apenas dois anos depois da instituição das primeiras RESEXs florestais Amazônicas, foi criada a primeira unidade costeiro-marinha – a RESEX de Pirajubaé, no litoral do Estado de Santa Catarina e três unidades voltadas para o extrativismo do coco babaçu – RESEXs Ciriáco e Mata Grande no Estado do Maranhão e RESEX Extremo Norte do Tocantins no Estado do Tocantins. Em 2006 a proposta expandiu-se também para o cerrado propriamente dito, com a criação de duas unidades no Estado de Goiás – RESEXs Lago do Cedro e Recanto das Araras de Terra Ronca. As reservas extrativistas federais totalizam atualmente 51 unidades de conservação decretadas, distribuídas em 13 estados brasileiros. O total de área abrangida soma mais de 10 milhões de hectares e estas unidades beneficiam diretamente mais de 45 mil famílias. O fortalecimento desta categoria de unidade de conservação e sua crescente difusão e divulgação, somados ao reconhecimento das populações tradicionais, de seu importante papel na conservação ambiental e o acirramento de conflitos socioambientais no país levaram à

Fernandes-Pinto et all., 2007. Criação de Reservas Extrativistas e sua importância estratégica frente aos conflitos socioambientais brasileiros. In: III SAPIS – Simpósio de Áreas Protegidas e Inclusão Social – Teresópolis/RJ. intensificação das demandas por criação de RESEX e RDS em todas as regiões do País, somando atualmente cerca de 130 processos em estudo. No contexto de disputa territorial e pelos recursos naturais que se agrava a cada dia no país, as RESEX são uma das poucas alternativas que comunidades tradicionais têm encontrado como forma de resistência contra a completa desestruturação de seus modos de vida e dos ambientes naturais dos quais dependem. A solicitação formal de um grupo para a criação de uma RESEX em determinada área já representa um grande esforço de mobilização comunitária e de luta por direitos humanos básicos e fundamentais, além do compromisso com a conservação ambiental. Ao longo do processo de criação das unidades e de mobilização das comunidades, muitas vezes os conflitos se agravam, colocando em risco moradores e lideranças comunitárias, técnicos do serviço público e de instituições parceiras que atuam nos processos, além de ameaçar os recursos naturais que caracterizam a área e do qual a população extrativista depende. O empoderamento dos moradores locais e a proposta de criação da reserva podem ferir interesses políticos e econômicos – muitas vezes ilícitos. No cerne destes conflitos, muitas vezes elites empresarias e políticas não hesitam em usar os mais tradicionais e antiquados métodos de pressão, opressão e por vezes violência e morte. É comum a contratação de jagunços e pistoleiros (como nos casos do mosaico da Terra do Meio no Pará, da RESEX de Canavieiras na Bahia e da RESEX de Chapada Limpa no Maranhão) e não raro a conivência de polícias locais (como na área da futura RESEX Baixo Rio Branco-Jauaperi na divisa dos estados de Rondônia e Amazonas). Estes opositores tendem também a ter controle das mídias locais e regionais e utilizá-las para manipulação de informações, confundindo a população local e propagando inverdades sobre as unidades de conservação (como nas áreas em estudo para criação de unidades no estado de Santa Catarina). É bastante estratégico e comum também que os grupos e forças sociais dominantes fomentem a discórdia entre diferentes segmentos de dominados e excluídos, criando oposições dentro das comunidades, não raro com subsídio financeiro para uma das partes. Da época do assassinato de Chico Mendes até os dias atuais, as formas de coerção apenas se aprimoraram e em muitos casos se institucionalizaram com a conivência (e não raro o protagonismo) de poderes públicos locais, estaduais e do Poder Judiciário.

Fernandes-Pinto et all., 2007. Criação de Reservas Extrativistas e sua importância estratégica frente aos conflitos socioambientais brasileiros. In: III SAPIS – Simpósio de Áreas Protegidas e Inclusão Social – Teresópolis/RJ. CONCLUSÕES As RESEX representam um dos mais bem elaborados exemplos de mudança do modelo de gestão ambiental e desenvolvimento econômico, a partir de experiências “nativas” inteiramente diversas dos padrões da racionalidade tecnológica. PORTO-GONÇALVES (2003) ressalta que a Reserva Extrativista é uma invenção no campo do direito que expressa uma territorialidade construída no terreno movediço da história, de uma história materializada em “habitus”, que tenta construir um novo “habitat”. Uma categoria de unidade de conservação totalmente inovadora, onde pela primeira vez se explicita o caráter intrínseco da relação entre interesse social e ecológico. A criação de novas RESEX tem por objetivo promover o desenvolvimento sustentável e a inclusão social de populações tradicionais. É uma forma de reconhecimento do direito destas comunidades aos seus territórios originais - garantindo sua permanência e reprodução social bem como de seu importante papel na conservação ambiental dos principais biomas brasileiros. Desde 1990 – quando foram criadas as primeiras RESEX - até os dias atuais, 17 anos se passaram e muitas questões se transformaram e evoluíram no âmbito da criação e gestão destas áreas. As particularidades desta categoria demandaram o estabelecimento de procedimentos e instrumentos de gestão pautados no fortalecimento da organização comunitária e no reconhecimento da importância dos saberes e sistemas de gestão tradicionais dos espaços e dos recursos naturais. Em um contexto onde as pesquisas recentes indicam a existência de um contingente de mais de 4,5 milhões de pessoas consideradas parte de grupos definidos como povos ou comunidades tradicionais (ALMEIDA, 2006), esta categoria de unidade de conservação ganha expressão e importância como modelo alternativo de desenvolvimento e de instrumento de gestão ambiental compatível com a realidade socioambiental brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, A.W.B. Terras tradicionalmente ocupadas: processos de territorialização, movimentos sociais e uso comum. No prelo, 2006. 20 p Ministério do Meio Ambiente. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Brasília: MMA/SBF, 2000. 56 p. PORTO-GONÇALVES, C.W. Geografando: nos varadouros do mundo. Brasília: Ed. IBAMA, 2003. 591 p.

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