Criação, organização e atuação do Corpo Policial do Ceará (Polícia Militar) e sua banda de música (1835-1889)

June 13, 2017 | Autor: Inez Martins | Categoria: History, Cultural History, Music, Musicology, Popular Music
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Criação, organização e atuação do Corpo Policial do Ceará (Polícia Militar) e sua banda de música (1835-1889)

Inez Beatriz de Castro Martins Doutoranda em História Social da Cultura pela Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] Resumo: O presente trabalho consiste num recorte do projeto de doutorado que tem como objeto de estudo a banda de música da Polícia Militar do Ceará, Brasil. Esta banda está sendo analisada sob a ótica da História Social da Cultura fundamentando-se principalmente nas ideias de “prática musical” e “representação” propostas pelo historiador Roger Chartier e nos conceitos de “dialogismo” e “circularidade” do teórico cultural Mikhail Bakhtin. A banda de música da Polícia Militar do Ceará (antigo Corpo Policial) foi a primeira banda militar constituída neste estado e permanece em funcionamento até os dias atuais. Para esta comunicação específica, propõe-se recuar no recorte temporal para a data de criação do Corpo de Polícia (24 de maio de 1835) na tentativa de vislumbrar a organização desta corporação e sua atuação até o fim do período imperial brasileiro (1889). Propõe-se ainda analisar a inserção da banda de música da Polícia neste contexto social e político, refletindo sobre sua criação, organização e atuação à época. Este estudo preliminar se baseia em fontes bibliográficas e nas leis imperiais do Brasil e da província do Ceará sobre o tema em questão. Palavras-chave: Polícia Militar, banda de música, Ceará (Brasil), Império.

INTRODUÇÃO

A figura policial já existia no Brasil desde o seu período colonial. Os capitães-mores de ordenança, subordinados aos governados das capitanias, os alcaides e quadrilheiros, nomeados pelas Câmaras locais, tinham a função de manter a ordem pública nas diversas vilas e municípios da colônia. Com a transferência da corte portuguesa em 1808 para o Brasil, D.João criou através do Alvará Régio de 10 de maio de 1808 a Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, com atribuições policiais, com jurisdição ampla e ilimitada. Uma de suas atribuições era realizar um serviço de informação sobre o comportamento da população e a disseminação de possíveis ideias liberais difundidas pela Revolução Francesa e que pudessem ser adotadas pelo povo. Junto à Intendência foi criada a Secretaria de Polícia e a Guarda Real da Polícia do Rio de Janeiro e, dois anos mais tarde, o Corpo de Comissários da

Polícia (MELO, 2007, p.25-26). A Guarda Real passou a ser chamada de Imperial Guarda da Polícia após a independência do Brasil (07 de setembro de 1822). A história da criação dos corpos policiais provinciais (atualmente, estaduais) está diretamente relacionada com a do Exército. O início da história dessa força começou a partir da Independência do Brasil. O período do Primeiro Reinado governado pelo imperador D.Pedro I (1822-1831) foi marcado por levantes de portugueses contrários a independência e a guerra de três anos contra o Uruguai. Devido à desorganização da tropa, D. Pedro foi obrigado a contratar estrangeiros (irlandeses e alemães) para compor sua tropa de 1ª linha (assim chamado o Exército). Contudo, as questões financeiras com relação ao pagamento das tropas militares e as despesas de guerra aumentaram a impopularidade de D. Pedro e sua permanência no Brasil (SCHULZ, 1974, p.243). Com a abdicação de Pedro I, os liberais que chegaram ao poder se opunham ao Exército por temer que este pudesse ser usado pelo governo central para suprimir as liberdades das províncias. Dessa forma, criaram quase que imediatamente à saída de D.Pedro, a Guarda Nacional e os Guardas Municipais Voluntários (IDEM, 1974, p.243244). Essas duas tropas vieram substituir as tropas de Milícia e de Ordenanças existentes desde o período colonial. A proposta liberal de criação de forças repressoras tinha a intenção de levar adiante o princípio revolucionário francês contido no lema “nação em armas”, ou seja, o princípio democrático de que a responsabilidade pela defesa da nação é de responsabilidades de todo cidadão (CASTRO, 1974, p.275). A Guarda Nacional (ou tropa de 2ª linha) era uma corporação paramilitar, uma milícia cidadã que tinha como objetivo auxiliar na segurança interna do território e ser um corpo auxiliar do Exército quando requisitado; os Guardas Municipais Voluntários (ou tropa de 3ª linha) eram responsáveis pela segurança local e não deveriam, a princípio, serem deslocadas. Essas atribuições não eram seguidas de forma tão estrita já que de fato todas possuíam caráter de policiamento e os Guardas Municipais também reforçaram o Exército. A proposta deste artigo é traçar considerações iniciais sobre a trajetória do Corpo Policial do Ceará no período do Império brasileiro (1824-1889), em particular no Ceará (1835-1889), na tentativa de fazer compreender posteriormente como essa instituição contribuiu para a história da consolidação da independência do Brasil e, particularmente, na proclamação da sua República (1889).

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O presente texto se insere dentro do projeto de pesquisa de doutorado na qual a autora deu início em 2013 na Universidade Federal de Minas Gerais no Brasil. Com o tema “Banda de música da Polícia Militar do Ceará (música e músicos): prática musical e intercurso cultural em tempos de discurso civilizador e racista” a pesquisa parte do ano de 1854, data de fundação da banda de música deste corpo policial. Tendo como uma das fontes que embasam a pesquisa, seis fotografias da banda tiradas em diversos momentos de sua história, estabelece como recorte temporal final o ano da última fotografia (1932). A presente comunicação, portanto, retorna um pouco atrás nos marcos definidores para melhor compreender o contexto de fundação dessa banda e da corporação policial, sua organização e função, refletindo o objeto dentro do mesmo período histórico e político brasileiro, o Império. Como a pesquisa ainda está em fase inicial de levantamento das informações, esse assunto apresenta partes ainda não muito claras como, por exemplo, as questões de nomenclatura das corporações, a necessidade de levantamento das leis provinciais cearenses, estudo comparado com outras forças policiais brasileiras. Buscou-se nesse texto não incluir essas dúvidas e ater-se a um levantamento bibliográfico inicial. Sobre o Corpo Policial do Ceará e sua banda o livro base utilizado como referência foi o de Aberlardo Rodrigues (1955) que apresenta as leis de criação, regulamentação da corporação e algumas imagens fotográficas.

FORÇA POLICIAL DO CEARÁ Logo após a criação da Guarda Nacional em 18 de agosto de 1831 1, que extinguiu os antigos corpos de Milícia, as Ordenanças e as Guardas Municipais, a Regência2 sancionou a lei de 10 de outubro de 18313 que criou os Corpos de Guardas

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Coleção de Leis do Império do Brasil. Disponível em: Acesso em 12 out. 2013. 2 O Império no Brasil foi dividido em duas fases: o primeiro Reinado (1822-1831) tendo D. Pedro I como o Imperador e o segundo Reinado (1824-1889). Esta segunda fase iniciou-se com o período Regencial (1831-1840), já que Pedro II não podia assumir por ser ainda criança. Com a declaração de maioridade de D. Pedro II (1840), ele passa a ser o Imperador do Brasil até a proclamação da República (1889). Alguns historiadores como Jeanne Berrance de Castro não inclui o tempo da menoridade de Pedro II e o período Regencial dentro da fase do Segundo Reinado. 3 Coleção de Leis do Império do Brasil. Disponível em: Acesso: 13 out. 2013.

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Municipais Voluntários tanto nas cortes quanto nas províncias. Estes corpos substituíram as antigas forças, ligadas ao Ministério da Justiça e que faziam o policiamento local desde o período colonial. Com o Ato Adicional de 18344 que alterou a constituição de 1824, que além de criar as Assembleias Legislativas Provinciais, determinou que a fixação da Força Policial passasse a ser objeto de competência do presidente da Província e de suas assembleias, legislando e regulando sobre a matéria. No Ceará, somente três anos após a publicação da lei de outubro de 1831 é que o governo provincial resolveu criar sua própria Guarda. O policiamento era feito até aquele momento pelo corpo de Milícia e pelas tropas de 1ª linha. Em 18 de junho de 1834, o governo do Ceará enviou um ofício comunicando ao Ministro da Justiça a aprovação em Conselho deste governo provincial a criação de uma Companhia de Guardas Municipais Permanente, alegando a necessidade de formação de um Corpo de Polícia para a cidade e embasando a decisão na lei de outubro de 1831. A resposta do Ministro foi em desaprovação, pois a criação de Guardas Municipais era matéria que deveria ser regulada pela Assembleia Legislativa Provincial. Precisava primeiro o Ceará criar uma Assembleia provincial para depois submeter à apreciação da matéria a esta Casa e não mais ao Ministério da Justiça. Foi assim que, sete meses depois, o presidente da Província, o padre senador José Martiniano de Alencar instalou a Assembleia Legislativa Provincial. No dia 29 de abril de 1835 foi criado legalmente a Guarda Municipal Permanente do Ceará. No dia seguinte seguiu para a mesma Assembleia uma nova emenda que criou uma nova companhia de Polícia. Nesta emenda, a Companhia da Guarda Municipal foi absorvida pela Força Policial e transformada em tropa de Cavalaria. O artigo 6 desta emenda determinou que a Força Policial e a Guarda Municipal Permanente, agora, tropa de cavalaria, passassem a formar o Corpo da Força Policial do Ceará. Interessante observar que, apenas um dia depois da criação da Guarda Municipal, criou-se outra companhia de polícia. Por que então não criar diretamente a Força Policial? Esse fato leva-nos a concluir que a Companhia da Guarda, mesmo com a proibição do Ministro da Justiça em aceitar sua criação, existiu de fato. O que a Assembleia Provincial fez foi regulamentar por lei a sua criação para poder usar o contingente já existente na nova Força Policial.

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Coleção de Leis do Império do Brasil. Disponível em: Acesso: 13 out. 2013.

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Esses fatos e documentos são apresentados no livro de Abelardo Rodrigues (1955, p.7 -17) onde também está impressa a imagem do documento da lei n° 13, de 24 de maio de 1835, data em que foi sancionada a criação da Força Policial, futura Polícia Militar do Ceará. Durante o Império, em algumas leis posteriores provinciais, os textos utilizam os nomes de Corpo Policial ou Corpo de Polícia do Ceará. Não parece deixar claro quando estas mudanças de nomes acontecem, diferente do que acontece em 1889 quando passa a corporação a se chamar de Corpo de Segurança Pública. Após a proclamação da República o Corpo Policial sofrerá uma alternância de nomes até se fixar com o nome de Polícia Militar do Ceará em 1947. O Corpo Policial de São Paulo tinha suas funções divididas em serviços ordinários e extraordinários. Os ordinários eram ligados as ações na Casa de Correção, na Cadeia Pública, no Quartel e nas diligências; já os serviços extraordinários ligavamse aos deslocamentos para toda a província. (PINHEIRO et al., 2006, p.261). Observando esta divisão e em documentos escritos como o que escreve o próprio presidente da província do Ceará, Martiniano de Alencar, estes deslocamentos para fora da província também existiram. Alencar relata que foram enviados quarenta e três praças do Corpo Policial mais o 2° e 3° comandantes para a província do Pará no ano de 1836 para ajudar na revolta local. Este deslocamento também acontece em 1865 quando a Força Policial envia 170 praças e 9 oficiais para lutarem na guerra do Paraguai (18641870) (RODRIGUES, 1955, p.79- 84) A Força Policial regulava-se pelas normas do Exército. Ela só foi ter seu primeiro regulamento no ano de 1864 (RODRIGUES, 1955, p.44). No ano em foi criada (1835) a Força Policial foi estruturada com três comandantes (Capitão, Tenente e Alferes), primeiro e segundo Sargentos, um Furriel, seis cabos, duas cornetas e cem soldados. A nomeação dos comandantes era dever do governo da província; para os Sargentos, Furriel e cabos, havia uma hierarquia de escolha a ser seguida: propostos pelos segundo e terceiro comandantes, aprovados pelo primeiro comandante e demitidos pelo governo por pedido do primeiro comandante. (RODRIGUES, 1955, p.14-15). Os vencimentos seguiam também o que por lei recebia a tropa de 1ª linha. Para cada ano era necessário fazer a dotação orçamentária do efetivo que não podia ultrapassar o número de 640 pessoas e o valor de 180 contos de réis estipulados na lei de 1831. Um dos motivos para a instabilidade numérica do efetivo deve-se ao fato dessa flutuação orçamentária ser modificada a cada ano, o valor baixo de soldo e o

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recrutamento voluntário ou forçado (que acontecia sempre que o número de voluntários não atingisse a quantidade de pessoas estipulada pela província). Sua organização de caráter militar produziu uma característica híbrida para esta corporação: por um lado, ela estava estruturada num formato militar como o Exército, por outro lado, em relação as suas funções de manutenção da ordem, sua característica era de polícia civil (PINHEIRO et al, 2006, p.260). As diferenciações entre polícia militar e civil ainda não eram distintas no Império. No Ceará, essa separação vai acontecer somente no ano de 1948 quando se instituiu a carreira do policial civil. Portanto, no período Imperial as atribuições do chefe de polícia, exercidos por um juiz de direito ou desembargador, os delegados, os subdelegados, os juízes municipais, todos constituíam uma mesma estrutura policial. Para manter a ordem pública, a segurança, fazer diligências, todos eles poderiam requisitar a força armada, patrulhas e rondas, o que fosse necessário, ao comandante da Força Policial ou da Guarda Nacional, para salvaguardar tanto as cidades, vilas, quanto as estradas ou povoações (MELO, 2011, p.59-60). É provável também que existissem no Ceará outras companhias auxiliares de manutenção da ordem urbana como a existente no mesmo período na província de São Paulo (Companhia de Pedestres, Guarda Urbana ou Companhia de Urbanos) (PINHEIRO et al, 2006, p.261). Quanto à existência de um quartel, faltam-nos informações mais aprofundadas sobre este aspecto. Segundo o memorialista Antonio Bezerra, ele menciona que até 1847 a Força Policial usava uma casa alugada. Neste mesmo ano, o presidente da província Ignacio Corrêa de Vasconcelos comprou uma casa que, desde o ano de 1824, estava sendo construída. Localizava-se entre as esquinas das ruas Guilherme Rocha com Floriano Peixoto, na área da atual Praça do Ferreira, no centro da cidade de Fortaleza5. Não informa o ano certo que o Corpo Policial foi pra essa casa. Em 1877 o quartel transferiu-se para a praça do Liceu e em 1893, para a praça Marques de Herval (atual praça José de Alencar). Neste prédio, Bezerra menciona a existência de um lugar para o ensaio da banda (RODRIGUES, 1955, p.94). O recrutamento era feito de forma voluntária. As vagas eram abertas durante três meses e se não fossem preenchidas recorria-se ao recrutamento forçado. Havia então diferença de tempo de serviço para quem fosse voluntário e recrutado: quatro anos pra o primeiro e seis anos par ao segundo (IDEM, 1955, p.44).

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Conferir: http://museu.pm.ce.gov.br/galeriadefotos/fotospb.html Acesso 14 de outubro de 2013.

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BANDA DE MÚSICA DO CORPO DE POLÍCIA DO CEARÁ

A banda de música do Corpo Policial do Ceará foi criada pela Lei n° 688 de 28 de outubro de 1854. A referida lei mencionava a autorização do presidente da província em fazer despesa para a conservação da música, mas afirmava também não haver verba especial para esta manutenção. Inicialmente foi criada uma banda com 14 músicos e um mestre (maestro) (RODRIGUES, 1955, p.46). Segundo consta no site do Museu do Instituto Histórico da PM, o nome do primeiro mestre da banda seria Joaquim José dos Prazeres Macaco6. Na análise das fotografias da banda da Polícia uma pergunta vem a nossa mente: por que constituir uma banda de música na Polícia? Qual sua importância para esta instituição e para as instituições militares? Essa resposta pode ser fundamentada nas práticas musicais antigas que foram sendo incorporadas desde a Antiguidade pelos grupos militares, os quais foram incorporando os instrumentos, cantos e toques de guerra bem como, as danças guerreiras em suas vivências. A iconografia deste período comprova a existência de instrumentos de sopros (trombetas) e percussão (tambores) em associação com as representações militares. Quanto a dança guerreira, presença observável nas iconografias onde aparecem índios, era considerada “manifestações rítmicas para intimidar o inimigo ou para exacerbar a agressividade dos praticantes” (ENGELS apud MEIRA, SCHIRMER, 2000, p.18). Já o grito de guerra, que pode ser tanto uma palavra interjetiva quanto uma frase, tinha (tem) a intenção de animar os soldados, apoiá-los moralmente, ao mesmo tempo que impressionar os inimigos (DICIONÀRIO MILITAR, 1991, p.1961 apud MEIRA, SCHIRMER, 2000, p.20). Os relatos bíblicos estão cheios de exemplos em que é possível constatar o uso dos instrumentos, do canto e de danças associadas às práticas militares. Um exemplo emblemático é a entrada de Josué na cidade de Jericó em que foram usadas as trombetas e os gritos de guerra para derrubar as muralhas da cidade (Js 6, 20-21 / BÍBLIA SAGRADA, 1999, p. 257-258). A utilização da prática musical nos grupos militares foi se fortalecendo no decorrer da história. Foram se agregando mais instrumentos, ampliando o número de

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Conferir http://museu.pm.ce.gov.br/galeriadefotos/fotospb.html

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músicos, formando então a banda militar. A partir do século XIX, constatam-se um aumento do número de músicos que formavam as unidades de infantaria na França (54 músicos) e de cavalaria (36 músicos), as bandas militares na Alemanha (59 músicos), e as da Inglaterra (30 músicos) (MEIRA, SCHIRMER, 2000, p.40). Segundo Salles (1985, p. 20) o modelo de banda militar brasileira tem sua origem no modelo português quando da transferência da corte para o Brasil em 1808. Mas a modernização da banda portuguesa aconteceu somente em 1814 com o retorno dos soldados da Guerra Peninsular (1807-1814), quando trouxeram as bandas de música com músicos contratados, principalmente alemães e espanhóis. Quando a Força Policial do Ceará surge em 1835, sua composição administrativa estipulava a presença de dois corneteiros. Este músico tem função diferenciada em relação à banda de música dentro das forças militares. Ele é encarregado de executar diferentes toques que devem ser compreendidos pela tropa. Estes sinais codificados servem para dar voz de comando, chamar a tropa, organizá-la, discipliná-la, preparar para marcha. No decreto de 22 de fevereiro de 18397, é possível perceber que a figura do corneteiro está situado em posição diferenciada com relação a própria banda de música. Nesta lei que deu nova organização ao Exército do Brasil, em todas as companhias existem discriminados a presença de pelo menos um corneteiro ou um de seus instrumentos similares (clarim ou trombeta), mas somente na companhia do Batalhão dos Caçadores é que podia haver a banda de música. O musicólogo Raoul F. Camus (1976, p.3 apud BINDER, 2006, p. 15) compreende que a existência da banda de música nas formações militares está relacionada a quatro funções: primeiro, a de desenvolver o espírito de corpo e a moral da tropa; segundo, a de auxiliar a tropa nas tarefas de campo; terceiro, a prover com música as cerimônias militares; quarto, a prover com música as atividades sociais e recreativas da tropa. No caso da banda cearense, um misto de atividade social e auxílio às atividades de campo podiam ser verificados, no uso deste grupo como chamariz para o recrutamento de soldados. Esta ação foi prevista em lei (n° 853, de 23 de agosto de 1858) na qual ela determinava que a banda devia tocar na “praça da Municipalidade” (atual praça do Ferreira) das 8 horas da manhã às 5 da tarde com o intuito de 7

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restabelecer o princípio do recrutamento, ou seja, do alistamento voluntário de praças (RODRIGUES, 1955, p. 46). Na análise da fotografia de 1879 é possível contar a presença de 28 músicos e 1 mestre; na fotografia de 1897, são 34 pessoas, sem a identificação clara de quem seja o mestre. O efetivo da banda de música foi criado em 1854 com 15 músicos e 1 mestre. De uma maneira geral manteve-se nesse mesmo patamar numérico havendo uma pequena variação em 1872 para 19 músicos. Ao estipular o número dos músicos em lei, o governo destinava a esses soldados um soldo. Pode-se concluir que os músicos excedentes eram os que eram voluntários e não recebiam soldo por esta função. É possível então que eles se incorporassem a banda através do recrutamento voluntário ou forçado (sem maiores explicações para a maneira de como se dava esse procedimento). Contudo, infere-se que, participar da banda seria uma forma mais amena de participar do serviço militar, sendo ele obrigatório. Além disso, a entrada desses soldados podia estar atrelada a oportunidade de aprender ou ter a chance de se exercitar em um instrumento. É importante frisar que esse instrumental pertencia à própria polícia8 e que o exercício dessa função poderia significar a possibilidade futura de se obter uma profissão após sua saída da polícia, como músico executante ou professor de instrumento. As fotos tiradas em 1897 e 1910 aparecem crianças na banda. É estranho pensar o que crianças possam estar fazendo em uma banda militar de polícia. Em sua pesquisa de mestrado Fernando Binder (2006, p.118-119) levantou a existência em 1842 de uma regulamentação que tratava de uma Companhia de menores do Arsenal de Guerra do Império do Rio de Janeiro ligada ao Exército. Esta companhia tratava-se de uma escola que acolhia crianças abandonadas, indigentes, órfãos as quais recebiam as primeiras letras, aulas de música, instrumental e desenho. Esta regulamentação foi válida para outras províncias como Pernambuco e Bahia e, posteriormente, encontrada também no Pará, no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso e em Minas Gerais. Como o Corpo Policial do Ceará seguia a regulamentação do Exército é provável que possa ter existido uma companhia semelhante a esta no Ceará o que justificaria a presença dessas crianças na banda da Polícia.

“Os instrumentos e material pertencentes a música do Corpo de Polícia passarão a pertencer ao Collegio dos Educandos” lei n° 60, de 26 de agosto de 1848 (RODRIGUES, 1955, p. 17). 8

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A banda movimentou a música não só dentro do Corpo de Polícia, mas também na capital Fortaleza. Em seu acervo de música é possível constatar através das partituras a variedade de estilos musicais tocados, passando pelos hinos e marchas, como também por transcrições de obras eruditas como aberturas de óperas, valsas, polcas entre outras. Além disso, a presença de muitos copistas, partituras de compositores brasileiros e locais, arranjadores, a variedade de instrumentos que a banda possuía apontam para uma riqueza cultural advinda dessa instituição. Também foi encontrado nos levantamentos bibliográficos o registro da presença de civis na banda como é o caso do italiano Luigi Maria Smido que foi bastante ativo na banda como regente, compositor, arranjador. Alguns de seus arranjos encontram-se ainda hoje preservados no acervo da Banda da Polícia. Outro importante fato é a presença atuante da banda em importantes eventos cearenses como nas comemorações do tricentenário da chegada dos portugueses ao Ceará (1903) e na inauguração do teatro José de Alencar (1910), fatos também relatados por memorialistas cearenses (HOLANDA, 2004, p.29-30). No regulamento de 1864, estava previsto uma dotação para a compra de instrumentos musicais. Na fotografia de 1879 e 1897 pode-se observar a presença de clarinetes, flautas, flicorne, saxhorn contralto e tenor, saxofone, trompetes, trombone, oficleide, helicon, bumbo e caixa. No século XIX muitos desses instrumentos foram aprimorados (no caso das flautas e dos trompetes, por exemplo) ou mesmo criados como é o caso dos saxofones (1840) e do oficleide (1817). É bastante interessante observar e constatar que esses instrumentos, considerados modernos para a época, faziam parte do instrumental da banda de uma Polícia recém criada. Isso demonstra ainda a importância que essa banda representava naquele momento para a própria corporação e para administração pública cearense (OLING, WALLISH, 2004, p. 89119).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa sobre a banda de música da Polícia Militar do Ceará e sua corporação propõe, portanto, ser um tema de pesquisa inserida dentro de uma perspectiva da História Social da Cultura. Tem como objetivo, analisar as práticas musicais dessa banda e suas trocas culturais bem como as trocas sociais de seus músicos, a relação dessa banda com a própria corporação policial e sua inserção no 10

contexto histórico da cidade de Fortaleza no período da segunda metade do Império e começo da República. Esse estudo pretende contribuir, conforme a proposta de Marcos Bretas (1998, p. 221), para a construção historiográfica de uma “história social do estado Brasileiro” sob a perspectiva dos mecanismos de dominação e repressão, mas também, na compreensão dessa pesquisadora, sob uma perspectiva cultural.

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