Crianças e Notícias: Representações sobre a Atualidade e a sua Importância para o Conhecimento do Mundo

May 27, 2017 | Autor: Patrícia Silveira | Categoria: Media Literacy, Critical Media Studies
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Sérgio Gomes da Silva e Sara Pereira (Coord.) Atas do 2.º Congresso "Literacia, Media e Cidadania" 2014, Lisboa, Gabinete para os Meios de Comunicação Social ISBN: 978-989-96478-3-1

Crianças e Notícias: Representações sobre a Atualidade e a sua Importância para o Conhecimento do Mundo Patrícia Silveira ([email protected]) Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) Universidade do Minho

Resumo: Estudos recentes demonstram que os meios de comunicação fazem parte do quotidiano das crianças, desde muito cedo. Porém, verifica-se que são escassas as pesquisas sobre a relação das gerações mais jovens com a atualidade mediática. A revisão de literatura sobre o assunto mostra-nos que as investigações sobre crianças e media tendem a enfatizar os efeitos da exposição a determinados conteúdos, delegando para segundo plano as motivações, os interesses e as necessidades destes públicos na relação com essas, e outras, mensagens. Esta tendência pode dever-se ao facto de os adultos ainda não estarem totalmente preparados para ouvir as crianças, sendo certas oportunidades negadas com base em discursos protecionistas. Ressurge, assim, a necessidade de se apostar em trabalhos que optem por novas linhas de investigação que promovam os direitos das crianças (sobretudo os de participação), levando em conta as suas opiniões e percepções sobre questões que não dizem respeito apenas aos adultos. Perspetivar esta oportunidade, mais do que reconhecer o seu estatuto social como cidadãos, é tornar real a oportunidade de fazerem parte da esfera pública. Ao mesmo tempo, envolver e despertar as crianças para os assuntos da atualidade, constitui-se como um importante passo para a consciencialização e incentivo à reflexão crítica sobre os media e o seu papel na sociedade. Este trabalho pretende dar a conhecer o estado da arte e a proposta metodológica de uma investigação de doutoramento, ainda em curso, que tem como objeto de estudo as crianças e as suas representações sobre a atualidade. Partindo das suas vozes, perspetivando-as enquanto sujeitos de investigação, intentamos compreender que significados são construídos em torno da realidade imediata e mediata. Trata-se, no essencial, de privilegiar uma posição ativa das crianças no seu envolvimento com os media noticiosos, partindo do pressuposto de que estes se constituem como agentes de socialização relevantes para a sua formação cognitiva, emocional e social. Metodologicamente, optamos pela conjugação de técnicas quantitativas e qualitativas, definindo como público do estudo um grupo de crianças com idades compreendidas entre os 9 e os 10 anos, a frequentar escolas do 1º ciclo do ensino básico. Inicialmente, a pesquisa terá um caráter mais abrangente, englobando um maior número de crianças, a quem será aplicado um inquérito por questionário. Na etapa seguinte, resolvemos adoptar uma técnica de índole qualitativa, nomeadamente os grupos de discussão. A realização destes grupos será feita a um conjunto de cerca de 50 alunos, obtido a partir da amostra usada no inquérito por questionário. Palavras-chave: Media, Crianças, Atualidade, Percepções.

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Introdução Os media constituem-se como uma parte importante da vida das crianças, de tal modo que, hoje, não é possível compreender os seus mundos como algo desligado destes meios. Estudos recentes demonstram que as crianças consomem cerca de 150 minutos de televisão por dia, tendo preferência por conteúdos dirigidos a audiências adultas (Lazo, 2005). Trata-se, efetivamente, de uma das suas atividades favoritas, que possibilita o acesso a plataformas digitais, ao mesmo tempo que serve como meio de combate ao aborrecimento, compensando a falta de outras alternativas (Lazo, 2005). A televisão continua a ser essencial no quotidiano das crianças (dos 5 aos 15 anos), sendo o médium com o qual mais interagem e aquele do qual revelam que sentiriam mais falta. Porém, o número de crianças com o seu próprio telemóvel, está também a aumentar (Ofcom, 2012). Verifica-se, assim, que nos últimos anos, as formas mediáticas

acessíveis

às

crianças

diversificaram-se

e

estas

tornaram-se,

também,

consumidoras sofisticadas e competentes, sobretudo para a utilização das novas tecnologias, como a internet ou o telemóvel (Mintz, 2009). O estudo da relação entre as crianças e os media tem merecido a atenção dos investigadores que, nos últimos anos, se têm dedicado a avaliar o tipo de uso e consumo mediático, por parte destes públicos. Existe uma grande parcela de estudos preocupada em compreender as consequências derivadas da utilização da internet ou dos videojogos, assim como aquelas resultantes do contato com certo tipo de mensagens (como violência, crime, desastres naturais) veiculadas, sobretudo, na televisão. Neste sentido, pode dizer-se que estas investigações têm por base o estudo dos efeitos dos media, especialmente sobre crianças e jovens (McQuail, 2003), adotando uma perspetiva de vulnerabilidade ou passividade destas audiências. Como Pinto (2000) refere, no que toca à relação entre as crianças e a televisão, os estudos que se preocupam em estudar o que a TV faz às crianças são mais numerosos do que os que se propuseram analisar o que as crianças fazem com a TV. Apontando no mesmo sentido, o estudo As Crianças e os Media: Discursos, Percursos e Silêncios (1999) menciona que nos estudos sobre crianças e media, existe o domínio de uma orientação mediocêntrica, devido à especial preocupação com os media e as suas políticas de programação, os conteúdos, as formas, etc. Os autores denotam assim, uma abordagem centrada nos efeitos dos meios - sobretudo dos conteúdos transmitidos através da televisão - sobre as crianças, ao invés de uma atenção para com os significados construídos por estes públicos. Estando cientes da necessidade de se realizarem mais estudos que perspetivem o envolvimento entre as crianças e os media, a partir do ponto de vista das necessidades, das motivações e dos interesses destes públicos, desenvolvemos este trabalho com a principal preocupação de dar voz às crianças, considerando-as o sujeito central da investigação. Julgamos, como Fernandes (2006:28), que a participação das crianças nas pesquisas se constitui como forma de apoio à construção de um “espaço de cidadania na infância, um espaço onde a criança está presente ou faz parte da mesma, mas para além do mais, um

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espaço onde a sua acção é tida em conta e é indispensável para o desenvolvimento da investigação”. Além disso, é necessário que públicos tão jovens se interessem e possuam curiosidade sobre aquilo que é apresentado nos media, a fim de desenvolverem uma postura crítica sobre as mensagens. Estes aspetos são centrais na formação de cidadãos intervenientes e interessados. O principal propósito deste trabalho é compreender os sentidos construídos pelas crianças sobre as notícias, e a implicação dos mesmos para o seu conhecimento do mundo. Daquele mais imediato, e que se liga diretamente à experiência de cada indivíduo, e do mais global, em que os media se assumem como importantes mediadores e configuradores de um ambiente simbólico. Partimos da ideia dos media como agentes de socialização com relevância para a formação da criança, olhando-os como mecanismos que permitem o acesso a aspetos diversificados da realidade e a ampliação de um conjunto de saberes. Em Portugal, não existem ainda estudos consolidados sobre as crianças e a atualidade, que olhem para este envolvimento a partir das representações destes públicos. Há várias investigações sobre o significado associado às notícias, porém, os conteúdos noticiosos abordados são limitados a determinadas temáticas. Neste contexto, ressurge a necessidade de se apostar em trabalhos que optem por novas linhas de investigação que promovam os direitos das crianças, considerando as suas opiniões em torno de questões que não dizem respeito apenas aos adultos. E no âmbito de um contexto problemático e controverso, em que existe um grande domínio de notícias sobre a crise económica que, concludentemente, dão conta de um conjunto de consequências para as famílias, é importante que as crianças não sejam ignoradas e que se debruce a atenção sobre o modo como compreendem estas questões. Parece-nos que urge um trabalho a este nível que, ao mesmo tempo, se possa constituir como ponto de partida para o desenvolvimento de outras investigações que apontem para sentidos semelhantes. Os media e a socialização infantil As teorias sobre a socialização partem do pressuposto de que o ser humano, neste caso, as crianças, não se tornam espontaneamente seres sociais, sendo necessário, antes, estimular o desenvolvimento das capacidades cognitivas de que são dotadas, de forma a transformá-las em competências sociais (Belloni, 2007). Para Manuel Pinto (2000:67), a socialização trata-se do “processo através do qual os indivíduos apreendem, elaboram e assumem normas e valores da sociedade em que vivem, mediante a interacção com o seu meio mais próximo e, em especial, a sua família de origem, e se tornam, desse modo, membros da referida sociedade”. Anthony Giddens (2006:178), sociólogo de referência, fala deste processo como: “A socialização é o processo mediante o qual o bebé indefeso se converte numa pessoa com consciência de si mesma e com inteligência, capaz de manusear as formas culturais nas quais nasceu. A

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socialização entre os jovens permite que se desenvolva o fenómeno mais amplo de reprodução social, o processo através do qual as sociedades mantêm continuidade estrutural ao longo do tempo. Durante o curso da socialização, especialmente nos primeiros anos de vida, as crianças aprendem as formas dos maiores, perpetuando assim os seus valores, normas e práticas sociais.”

Apesar das várias definições de que tem sido alvo, não se pode considerar que haja um significado unânime entre as correntes teóricas que se preocupam em trabalhar o conceito, porém, o que se verifica, nos últimos anos, é que tem havido um esforço dos autores, sobretudo por parte dos sociólogos, em privilegiar conceções que encarem a socialização enquanto movimento perspetivado a partir da atividade dos indivíduos e dos processos de apropriação e de aprendizagem, mediante os quais estes integram e estruturam as suas formas de ser (Belloni, 2007). Assim, no âmbito da socialização infantil, William Corsaro (1997) propõe-nos repensar os modelos lineares associados ao processo de desenvolvimento da criança, considerando que reprodução interpretativa é o termo que mais se aproxima da ideia de criança participativa. Rejeitando as propostas meramente adaptativas e internalizadoras das normas societais, o autor olha para o processo de socialização como um modo de apropriação, reinvenção e reprodução, e para a infância como forma estrutural detentora de um lugar permanente na sociedade. Como sublinha, é importante considerar o papel coletivo, porquanto se trata de um aspeto essencial para a forma como as crianças negoceiam, partilham e criam cultura. Para o autor, o termo reprodução capta a ideia de que as crianças são participantes ativas e criativas na produção e mudança cultural, além de serem constrangidas pelas estruturas sociais e pela reprodução societal. Por sua vez, o termo interpretativa permite alcançar, nas palavras do autor, os aspetos inovadores e criativos associados à participação infantil. Como elementos essenciais de todo este processo, Corsaro (1997) sublinha a linguagem e as rotinas culturais, considerando, estas últimas, como auxiliares relevantes para a resolução de ambiguidades. Neste cenário, é necessário atentar a um conjunto de agentes ou instituições com um papel ativo nos processos socializadores. São eles a família, a escola, o grupo de pares e os meios de comunicação. Giddens (2006:181) propõe a classificação de socialização, tendo em conta a atuação destes agentes, em socialização primária e socialização secundária. A primeira tem lugar na família, que se constitui como o principal agente de socialização durante os primeiros anos de vida da criança. Nesta fase, esta aprende os modos de comportamento que se tornam base para a aprendizagem futura. A socialização secundária ocorre em fase posterior, assumindo-se a escola, o grupo de pares, as organizações, os meios de comunicação e novas forças socializadoras dos indivíduos, como os principais contextos através dos quais as crianças tomam contato com normas e valores que fazem parte da sua cultura. Iremos debruçar especial atenção sobre o papel dos meios de comunicação para o desenvolvimento da criança e o seu conhecimento do mundo. Situamo-nos, assim, na esteira dos autores que olham para estes mecanismos como agências que desempenham um

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importante papel na aprendizagem dos mais novos, transmitindo normas e valores que, de outra forma, as crianças não conheceriam (Galera & Pascual, 2005; Belloni, 2007). Como referem Barra & Sarmento (2006, S/P), num estudo sobre a relação entre as crianças e a internet, os novos formatos de comunicação funcionam como poderosos agentes de socialização, permitindo aos “utilizadores e consumidores apropriarem-se e atribuírem significação às mensagens e informação veiculada nos seus contextos de vida e tendo como base genuína as suas necessidades, motivações e interesses”. Os media, nos seus múltiplos formatos, permitem o contato e a familiarização das crianças com aspetos (como mitos, ideias, informações) do mundo envolvente (Silva, 2008), auxiliando a compreensão e o processamento de um conjunto de saberes. Manuel Pinto (2000) considera que a televisão ocupa um lugar importante na socialização infantil, já que além de auxiliar a criança a integrar-se no mundo dos adultos, se trata de uma referência no processo de compreensão de si mesma. Na opinião do especialista, sobretudo em determinados contextos de isolamento, a televisão pode servir como um interessante mediador de realidades diversas às quais as crianças, de outra forma, dificilmente teriam acesso. O autor aborda, ainda, dois processos na relação entre as audiências e as mensagens, que considera serem fundamentais no âmbito da socialização primária. O primeiro, designado por identificação acontece quando o telespectador adota como suas, características de uma determinada personagem, enquanto o segundo, denominado de projeção, ocorre quando o telespectador desloca características suas que recusa, para certas personagens televisivas (Pinto, 2000:321). A relação que as crianças estabelecem com os media deve ser analisada tendo em conta a consideração da família enquanto importante quadro de referência e espaço de mediação e consumo (Pinto, 2000; Lacave, 2011). A este respeito, existe um conjunto de estudos (Galera, 2000; Galera & Pascual, 2005; Buijzen et al., 2007; Lazo, 2005; Silva, 2008) que reconhece, efetivamente, que a família é o lugar, por excelência, onde se dão habitualmente as negociações entre os pais e as crianças, no que diz respeito ao acesso e uso dos media. Na opinião de Buijzen et al. (2007), os pais são os principais mediadores do contato das crianças com as mensagens televisivas, considerando os autores que este papel é fundamental para a gestão da influência dos conteúdos transmitidos. No mesmo sentido, Lazo (2005) aponta para a importância deste auxílio nos processos de aprendizagem e leitura ativa das mensagens, de tal modo que o resultado, como refere, traduz-se no facto de as crianças discutirem mais com os pais acerca dos conteúdos, contrastarem as suas opiniões e interagirem com o meio. No entanto, numa investigação sobre a relação entre as crianças (dos 3 aos 5 anos) e a televisão, Silva (2008) concluiu que estas assistem TV, geralmente, na companhia dos pais ou de outras crianças, criando a possibilidade de discutirem acerca das mensagens. Porém, a autora verificou que, neste contexto, os pais não compreendem a sua importância para o auxílio na construção das significações, por parte destes públicos tão jovens.

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Apesar de a maioria dos autores concordar que cabe primeiramente aos pais a função de auxiliar as crianças na compreensão das mensagens mediáticas, promovendo a sua autonomia, a verdade é que o salto tecnológico entre a dita televisão tradicional e o aparecimento de múltiplos formatos tecnológicos, desde o telemóvel, o computador, às consolas de jogos, etc., gerou desproporções entre gerações, no que toca ao conhecimento e habilidade necessários para lidar com estas tecnologias (Ladevéze, 2012). Quase como se de um talento natural se tratasse, as crianças, desde muito cedo, adquirem capacidades e conhecimento prático para usar estes novos meios, o que faz com que estejam mais aptas para tomarem decisões (ibidem), aumentando as dificuldades dos adultos em controlarem o tipo de uso e os conteúdos que consomem (Perales, 2012). Os pais veem-se assim, perante um dilema, na medida em que, por um lado, sabem que são a principal referência para a socialização da criança, devendo prepará-la para o mundo contemporâneo que, hoje, se caracteriza, também, pela presença de múltiplos canais comunicativos; por outro, assistem à introdução destas novas formas de relacionamento, de entendimento, de aprendizagem, de comunicação, nas quais as crianças se movimentam de forma autónoma, ao contrário deles mesmos, que necessitam de se formarem e aprenderem para, de facto, poderem servir como mediadores para um acesso e uso esclarecido destes novos conteúdos e formatos (Lacave & Araus, 2012). Há autores, no entanto, que consideram que a escola se pode constituir, ao lado da família, como espaço privilegiado na mediação e discussão das mensagens mediáticas. Jacques Gonnet (2007), na obra A Educação para os Media: As Controversas Fecundas, parte do princípio de que os media nos oferecem ideias, imagens e representações que, inevitavelmente, configuram a nossa forma de olhar a realidade. Por esse motivo, o autor advoga que o espaço escolar, enquanto local privilegiado de formação das crianças e onde passam grande parte do seu dia, deve ser ativo no desenvolvimento de capacidades preventivas e criadoras, devendo, por isso, incentivar o debate sobre a atualidade, acolhendo as questões e interpretações dos alunos, com seriedade. Na opinião de Sara Pereira (2000), especialista em literacia mediática, é importante que haja um trabalho conjunto entre o ambiente escolar e o contexto familiar, para que a educação para os media seja bem sucedida através do apoio mútuo entre pais e professores. Como explica, os pais podem fornecer informações importantes no que toca ao consumo mediático dos mais novos, como por exemplo, o tempo que estes passam a ver televisão ou a jogar videojogos, que tipo de programas preferem, ou quais os comentários que fazem relativamente a uma série televisiva. Por sua vez, os professores podem orientar e aconselhar os pais relativamente a este consumo, para tentarem, em conjunto, que as crianças possam retirar daí algum saber e conhecimento (ibidem). Para Pereira (2000), é fundamental que haja um envolvimento e compreensão por parte dos pais, já que, sem o apoio destes, o trabalho desenvolvido nas instituições educativas dificilmente será bem sucedido.

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Tendências de pesquisa sobre crianças e notícias Os estudos desenvolvidos nos últimos anos sobre a relação entre as crianças e as notícias, mostram-nos que este envolvimento tem sido perspetivado a partir de duas tendências: ora através da preocupação com a influência e o impacto de certas mensagens sobre as jovens audiências, ora olhando para os públicos infantis como “um conjunto mais ou menos motivado de consumidores dos media, encarregues da sua própria experiência mediática, mais do que como vítimas passivas” (McQuail, 2003:371). Aqueles que se guiam pela primeira perspetiva - centrada essencialmente nos efeitos das mensagens - fazem-no partindo da ideia de vulnerabilidade e passividade das crianças, na medida em que há uma grande preocupação em determinar a influência e o impacto de determinado tipo de conteúdos sobre os mais novos (Buijzen et al., 2007; Galera & Pascual, 2005; Smith & Wilson, 2002). Os resultados destas investigações mostram que existe uma relação direta entre a exposição das crianças às notícias e as suas respostas emocionais, de tal modo que os autores consideram que uma mediação ativa bem sucedida pode reduzir os sentimentos de medo, preocupação e ansiedade (Buijzen et al., 2007). Segundo Galera & Pascual (2005), autores de um destes estudos, as crianças experimentam sentimentos negativos perante imagens sangrentas, recordando-se das mesmas por um longo período de tempo. Além disso, os investigadores concluíram que a exposição de crianças a notícias sobre raptos provoca reações de susto e preocupação relativamente à sua própria segurança. Assim, advogam que os pais deverão assumir a responsabilidade na mediação dos conteúdos, conversando com as crianças sobre aquilo que veem, discutindo e contextualizando as mensagens, ao invés de proibirem a sua visualização ou leitura. Este será o ponto de partida que levará à maximização dos benefícios e minimização dos prejuízos, considerando os estudiosos que um trabalho conjunto permitirá à criança melhorar a compreensão destes conteúdos (Buijzen et al., 2007; Smith & Moyer-Gusé, 2006). Esta tendência nos estudos pode resultar do facto de os adultos não estarem, ainda, totalmente preparados para ouvir as crianças, negando-lhes a oportunidade de expressarem juízos de valor sobre os mais variados assuntos. Na opinião de Gerison Landsdown (2001), do Unicef Innocenti Research Centre, apesar da legitimação das crianças como autoras das suas próprias vidas, existe, ainda, em alguns países, um exercício de poder excessivo dos adultos para com elas. Segundo a autora, permitir que as crianças participem nos assuntos que lhes dizem diretamente respeito – e isto inclui falarem sobre as suas experiências mediáticas pode, na opinião de muitos, colocá-las em situação de risco. As investigações que se propuseram avaliar o envolvimento entre as crianças e as notícias, a partir de uma abordagem comportamentalista, consideram que as crianças conseguem decidir se gostam ou não de determinados conteúdos (Silva 2008). Da autoria de Smith &Wilson (2002), o estudo Children`s Comprehension of and Fear Reactions to Television News teve como propósito avaliar as reações e a compreensão das crianças face às notícias televisivas. De acordo com os resultados obtidos, verifica-se que, no processamento das

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notícias, as respostas das crianças diferem conforme a idade, sobretudo devido às competências necessárias para avaliar os conteúdos. Depois de ouvir as crianças que fizeram parte da amostra, com idades compreendidas entre os 7 e os 13 anos, os autores concluíram que há interesse pelas notícias, estando estas integradas no quotidiano destas audiências. Porém, segundo Smith & Wilson (2002), é necessário considerar e articular as competências dos indivíduos, com o tipo de avaliação e compreensão que fazem dos conteúdos. Neste âmbito, os autores falam em: - Capacidade para decifrar verbalmente a informação: como as crianças mais pequenas não dominam a linguagem, terão maior dificuldade em entender as terminologias usadas nas notícias. Por sua vez, as crianças mais velhas entendem melhor não só o conteúdo, como a relevância social das notícias. Isto leva a que discutam com as famílias sobre as mesmas, considerando os autores que o consumo das notícias conduz à vontade e necessidade de falar sobre as mensagens. - Habilidade para distinguir fantasia de realidade: este facto faz com que as crianças mais velhas se sintam mais aborrecidas ou preocupadas perante certas mensagens, sobretudo no que toca a notícias sobre a vida real. Isto acontece

devido à consciência de que os

conteúdos veiculados correspondem à realidade. - Processamento perceptual e processamento concetual: o primeiro é característico das crianças mais novas, correspondente a um tipo de perceção em relação à forma (sentemse atraídas pela cor ou pelo movimento). As crianças mais velhas fazem um processamento concetual, associando os conteúdos a conceitos. Este processamento pode servir como explicação para a maior atração das crianças mais pequenas para notícias com a presença de elementos visuais (desastres, incêndios), enquanto há um maior entendimento das notícias por parte das crianças mais velhas, visto que existe também um maior domínio dos conceitos, não necessitando de imagens para perceber ou sentirem-se atraídas pelas notícias. Em Portugal, evidenciou-se nos últimos anos uma maior preocupação em estudar a relação entre as crianças e as notícias. Neste contexto, fazemos referência ao projeto de investigação Crianças e Jovens em Notícia desenvolvido no Centro de Investigação Media e Jornalismo, da Universidade Nova de Lisboa, sob a coordenação da professora e investigadora Cristina Ponte. Desenvolvida entre 2005 e 2007, esta investigação centrou-se na análise da cobertura jornalística de notícias a envolver crianças e jovens, de modo a identificar tendências e enquadramentos, contribuir para o aumento da atenção sobre vozes habitualmente ignoradas e despertar os jornalistas para a importância do conhecimento das temáticas da infância. Além disso, um dos objetivos da investigação foi analisar o modo como as crianças dos 6 aos 10 anos, e dos 13 aos 17 anos, inseridas em diferentes meios familiares, apreciam as notícias e outros conteúdos mediáticos nos quais são envolvidas. No que respeita a este último ponto, os

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resultados obtidos demonstram que a variável sexo não é muito relevante, quando se trata da utilização dos tradicionais e novos media, sendo que as principais diferenças radicam no estatuto socioeconómico e cultural das famílias e no nível académico das mães. Embora se recordem sobretudo de notícias de risco social (como o caso Joana)levando os investigadores a concluir que o seu visionamento “deixa marcas”, as crianças não são acompanhadas nem conversam sobre estes, ou outros conteúdos. Integrado neste projeto, o estudo “Uma escola foi visitar um hospital...” O Lugar das Notícias na Vida das Crianças: Estudo Exploratório (2007) resulta de uma investigação quantitativa com 246 crianças do ensino básico. O principal objetivo foi compreender de que forma crianças oriundas de distintos meios sociais e geográficos se relacionam com as notícias de imprensa e de televisão. Para isso, os autores partiram das percepções e entendimento das crianças, no seu relacionamento com os media e o discurso noticioso. Embora este estudo fosse sobre os usos dos meios de comunicação e conhecimento acerca das notícias, houve uma preocupação especial em focar notícias nas quais as crianças fossem as protagonistas. De acordo com os resultados, 55,9% das crianças afirmou que lia jornais. O jornal português A Bola foi principalmente referenciado por meninos, enquanto as meninas escolheram o Correio da Manhã. A televisão está também muito presente no dia a dia das crianças, que reconheceram ter este meio no quarto. Relativamente às notícias, a maioria das crianças demonstrou interesse pelas mesmas, embora tenham mencionado o seu desagrado perante histórias aborrecidas. 16% das crianças gosta de assistir a noticiários de TV e apenas quatro crianças estão proibidas pelos seus pais, de fazê-lo. Apesar de, em geral, não existirem diferenças substanciais nas respostas, tendo em conta o género, as meninas falam mais sobre o que veem ou leem, e suas respostas são mais diversificadas, comparativamente aos rapazes. Objetivos e opção metodológica Considerando a escassez de trabalhos no domínio das representações das crianças sobre a atualidade, propomo-nos desenvolver uma investigação que privilegie a participação e o ponto de vista destes públicos na sua relação com os media noticiosos. Consideramos, tal como McQuail (2003), que é necessário encarar este envolvimento a partir de uma perspetiva sociocêntrica, isto é, centrada no papel ativo e crítico destes públicos. Além disso, é necessário notar que os media são essenciais para o bom funcionamento das sociedades, detendo um papel importante na formação das representações e no conhecimento da realidade envolvente. Por esse motivo, é necessário que sejam desenvolvidas investigações sobre o campo mediático e a formação de modos de entendimento do mundo pelas crianças, já que os estudos sobre estas matérias, especialmente em Portugal, são praticamente inexistentes. Com este trabalho, esperamos compreender de que forma as crianças constroem sentidos sobre as notícias e qual a implicação dos mesmos para o seu conhecimento do

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mundo. Para isso, delineamos cinco objetivos centrais, nos quais esperamos analisar, descrever e compreender: - As práticas de consumo de notícias por crianças em idade escolar, tendo em conta outras atividades do seu quotidiano; -O interesse e o grau de conhecimento que as crianças possuem sobre as notícias; -As concepções das crianças sobre a informação e os valores aí veiculados; -O papel dos agentes de socialização, em especial, da família, na mediação sobre o consumo de notícias e a produção de sentidos sobre as mensagens; -A representação das crianças sobre os seus direitos e a participação nos media noticiosos. Metodologicamente, optamos pela utilização de técnicas de âmbito quantitativo e qualitativo junto de crianças dos 9 aos 10 anos de idade, correspondente aos alunos que se encontram a frequentar o 4º ano de escolaridade. Deste modo, a recolha dos dados será feita em escolas do 1º ciclo, do ensino básico. Apresentamos alguns dos motivos que justificam a escolha desta faixa etária: - A revisão de literatura mostra-nos que, no que toca à relação entre as crianças e os media, são poucos os estudos que trabalharam com crianças a frequentar a escola primária. A maioria tem-se detido sobre a idade pré-escolar ou a fase da adolescência. - Nestas idades, as crianças são capazes de (Smith & Wilson, 2002): Compreender os conteúdos noticiosos e a relevância social das notícias; Discutir as notícias com os demais; Distinguir fantasia de realidade, o que faz com que entendam que a informação noticiosa corresponde à realidade. Numa primeira fase, iremos aplicar um inquérito por questionário às crianças do 4º ano a frequentar as escolas do concelho de Paredes, distrito do Porto. Neste concelho há cerca de 32 escolas, pelo que se estima que o inquérito seja aplicado aos cerca de 600 alunos que integram aquele ano de escolaridade. Trata-se de uma amostra por conveniência, já que tivemos em conta a possível facilidade de relacionamento com as instituições de ensino e a proximidade geográfica a que nos encontramos. A aplicação de inquéritos por questionário é uma técnica quantitativa adequada para o “conhecimento de uma população enquanto tal: as suas condições e modos de vida, os seus comportamentos, os seus valores e as suas opiniões” (Quivy & Campenhoudt, 1992:191). Desse modo, consideramos que será pertinente a sua utilização, sobretudo num primeiro momento do nosso estudo, com o objetivo de obtermos dados relativos aos hábitos de utilização mediática das crianças, às suas atividades quotidianas e às suas preferências relativamente a determinados conteúdos.

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Numa segunda etapa, adotaremos uma técnica de índole qualitativa: grupos de discussão. A realização destes grupos envolverá cerca de 50 alunos que serão selecionados a partir da amostra usada no inquérito por questionário. Deste modo, procuramos obter dados que o inquérito por questionário não permite, complementando e aprofundando a análise. Os grupos de discussão constituem-se como uma forma privilegiada de dar voz às crianças e de fomentar o debate em torno da temática pretendida, permitindo a participação de todas elas. Neste caso, será pertinente escolher alguns acontecimentos da atualidade como objeto de discussão, incentivando o debate e o confronto de opiniões. Esta técnica permitir-nos-á obter dados diversos, ajudando a perceber qual o modo de compreensão das crianças relativamente a determinados assuntos e qual a sua conceção sobre o mundo. Financiamento Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do QREN-POPH (Tipologia 4.1 – Formação Avançada), comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MEC. Referência da bolsa: SFRH / BD / 80918 / 2011. Referências bibliográficas Barra, S. & Sarmento, M. (2006). ´Os Saberes das Crianças e as Interações na Rede`[On Line]. Zero a Seis,(14). [http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/zeroseis/article/view/1776/1539, acedido em 17/08/2012]. Belloni, M. (2007). ´Infância, Mídias e Educação: Revisitando o Conceito de Socialização`. Perspectiva, 25 (1): 57-82. Buijzen, M., Molen, J. & Sondji, P. (2007). ´Parental Mediation of Children`s Emotional Responses to a Violent News Event`. Communication Research, 34(2): 212-230. Corsaro, W. (1997). The Sociology of Childhood. Thousand Oaks: Pine Forge Press. Fernandes, N. (2006). ´A Investigação Participativa no Grupo Social da Infância`[On Line]. Currículo Sem Fronteiras, 6(1):25-40. [http://www.curriculosemfronteiras.org/vol6iss1articles/soares.pdf, acedido em 17/08/2012]. Galera, M. (2000). Televisión, Violencia e Infancia: El Impacto de los Medios. Barcelona: Editorial Gedisa. Galera, M. & Pascual, R. (2005). ´La Televisión como Agente Socializador ante el 11-M: Percepciones y Reacciones de la Infancia frente a los Atentados Terroristas`. Zer, 10: 173-189. Giddens, A. (2006) (5ªed.). Sociología. Madrid: Alianza Editorial. Gonnet, J. (2007). Educação para os Media: As Controversas Fecundas. Porto: Porto Editora. Lacave, T. (2011). ´El Lugar de la Familia en el Processo de Recepción Televisiva Infantil`, In P. Martínez , Los Niños y el Negocio de la Televisión: Programación, Consumo y Lenguage, Zamora: Comunicación Social, pp.31-65. Lacave, T. & Araus, A. (2012). ´La Educación de las Familias para la Comunicación en la

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