Criando Situações de Invenção Marginal

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Criando situações de invenção marginal: da trajetória da cor à trajetória do corpo João Paulo Andrade PUC-MG [email protected]

Resumo O artigo pretende analisar trabalhos e escritos de Helio Oiticica como um novo paradigma da relação entre artista, público, e processo criativo, tendo como pressuposto suas pesquisas que partem da cor e chegam ao corpo do espectador como modalidades de seu Programa Ambiental.

1 - O Museu é o mundo – o museu está ao alcance do meu passo; o museu está onde meu passo alcança. A cada passo o ex-espectador - agora participante, inaugura um espaço de criações possíveis, percebe, no contato com o entorno e com os contextos evanescentes, possibilidades criativas já dadas ou à espera de ativação. “O espectador deixa de ser um espectador passivo para ser atraído a uma opção que não estava na área de suas cogitações convencionais cotidianas, mas na área das cogitações do artista” (OITICICA, 1986, p. 16). O Delírio Ambulatório é uma situação de experiências trazida por Hélio Oiticica, que retoma a necessidade de pisarolhando, coletar informações ambientais que re-poetizem a

2 - Hélio Oiticica inicia seus deslocamentos em exercícios para reposicionar a cor, restituir-lhe a presença autônoma que perdera quando reportava seu valor poético à uma virtualidadesimulacro. A cor tem movimento, não o simula apenas; a cor é realidade em si, não simulação de realidades. Em seus Metaesquemas a cor parece começar a incomodar-se com o espaço que ocupa, parece tentar escapar. Os primeiros movimentos, ainda tímidos, irão reverberar em Magic Squares, paredes-estrutura que reposicionam a cor em um live-painting que reposiciona também o olhar do sujeito participante sobre todos os elementos ambientais envolvidos na pintura. Pausa para um primeiro relato de experiência: compreendi as intencionalidades implícitas do referido projeto no contato com a obra, experimentando a mistura de cores e seu reflexo em meu corpo. A hipótese de Hélio era então real! O destino da cor enquanto valor ambiental não é, nem nunca foi, somente a tela! Penso que vivi o Parangolé antes de vestir quaisquer capas coloridas, no contato com o Magic Square #5, Invenção da Cor.

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Palavras Chave: cor, corpo, invenção

experiência do trânsito pela paisagem da cidade ou do campo. É no transitar que o participador transforma o olhar – ao perceber criativamente o mundo, as gambiarras espontâneas que decorrem das micro-criações diárias, que o participante se torna propositor, consegue romper a barreira do não pertencimento, não para a partir daí pertencer, mas para criar outros espaços de pertença. Neste sentido o artista propõe uma situação que coloca o corpo no centro da geração e percepção da obra, síntese daquilo que o artista chama de Programa Ambiental: os Parangolés: O Parangolé revela então seu caráter fundamental de “estrutura ambiental”, possuindo um núcleo principal: o participador-obra, que se desmembra em “participador” quando assiste e “obra” quando assistida de fora desse espaço-tempo ambiental. Daí para o estabelecimento perceptivo de relações entre a estrutura Parangolé, vivenciada pelo participador, e outras estruturas características do mundo ambiental, surge o que chamo de “vivência-total Parangolé”, que é sempre acionada como que querendo decifrar a sua verdadeira constituição ambiental, transformando-o em “percepção criativa”. (OITICICA, 1986)

Como se o próximo passo fosse inevitável, Hélio chega ao corpo. O Parangolé transforma o corpo em instrumento único de experiência da cor e do/no espaço. Cada vez mais, a produção de relações entre experiência, participação e invenção tornase função do artista para Hélio de forma irrestrita e universal. Quando olha a paisagem das favelas do Rio de Janeiro, vê uma (in)conformação e uma composição poético/ambientais que traz para sua Tropicália a possibilidade de reunir aspectos do mundo real-marginal de uma experiência bastante específica de cidade enquanto validação e legitimação. O campo de criação possível, para Hélio Oiticica, é também uma possibilidade marginal: nada se cria reafirmando-se contextos já institucionalizados. A postura marginal é criadora por definição: “só pelo JOKE podem-se SCRAMBLE (portanto INAUGURAR SITUAÇÕES – INVENÇÃO) ROLES-MUNDO” (D’ALMEIDA; OITICICA, 2005)

4 – Colocam-se aqui, portanto três perspectivas que permitem analisar a maneira como Hélio Oticica reposiciona o participador – adotemos em definitivo a terminologia como o queria o artista: o mundo passa a ser campo reinventável e poético de gerações espontâneas de estruturas autônomas, livres dos

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3 – O interesse pelo samba em Hélio Oiticica traz um posicionamento irreversível em seu trabalho, extremamente potente no que diz respeito às novas proposições do artista, e sobretudo lhe dá, enquanto situação de convívio social específico na época (o Morro da Mangueira) uma dimensão ética e política que permeará toda a sua produção e pesquisa. Passa a fazer parte de seu trabalho um “desintelectualizar, uma desinibição intelectual, [...] necessidade de uma livre expressão, já que me sentia ameaçado na minha expressão de uma excessiva intelectualização”. (OITICICA, 1986, p.74) A criação mora na experiência cotidiana, livre de condicionamentos morais e estéticos. É ali que se acham coisas que vistas todos os dias mas que jamais pensávamos procurar. “É a procura de si mesma na coisa uma espécie de comunhão com o ambiente (ah! Como a dança realiza isso muito bem!)”. (OITICICA, 1986, p.80).

usos e funções para as quais foram originalmente destinadas – o exemplo da lata de óleo a qual se coloca fogo: [...] quem viu a lata-fogo isolada como uma obra não poderá deixar de lembrar que é uma obra ao ver, na calada da noite, as outras espalhadas como que sinais cósmicos, simbólicos pela cidade: juro de mãos postas que nada existe de mais emocionante do que essas latas sós, iluminando a noite (o fogo que nunca apaga) – são uma ilustração da vida: o fogo dura e de repente se apaga um dia, mas enquanto dura, é eterno. (OITICICA, 1986) Além disso, o dado da cor como objeto artístico que, com o deslocamento e reposicionamento que lhe foi dado a partir das experiências empreendidas pelo artista (e por alguns de seus contemporâneos como Lygia Clark e Lygia Pape), deixa de ser apenas um índice plástico para se tornar parte ambiental de um circuito de proposições que toma corpo a partir dos Núcleos e dos Bólides, e que chega na fronteira das experimentações com os Parangolés - a fronteira não significa aqui o fim das experimentações, apenas sua elevação para um outro patamar; e a trajetória não se dá de maneira hierárquica, ou ascendente do ponto de vista temático ou estético: talvez o movimento mais adequado para metaforizar a trajetória de Oiticica seja o espiral, pois tem-se a impressão de que as mesmas questões abordadas nas guaches dos Metaesquemas continuam presentes (embora com outras reverberações e necessidades ambientais) nas Cosmococas, por exemplo. Finalmente tem-se o samba e o contato com o morro, com a “estética favelar”, e com a insurreição como última garantia da total liberdade tão cara em um contexto de livre-criação e de descoberta de liberdades individuais: A Marginalização – que já que existe no artista naturalmente, tornou-se fundamental para mim – seria a total “falta de lugar social”, ao mesmo tempo que a descoberta do meu “lugar individual”, como homem total no mundo, como ser social no seu sentido total e não incluído numa camada social ou elite, nem mesmo na elite artística marginal mas existente [...] O que me interessa é o “ato total de ser” que experimento aqui em mim não atos parciais totais, mas um “ato total de vida”, irreversível, o desequilíbrio para o equilíbrio do ser. (OITICICA, 1986)

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de uma célula-mater: É a derrubada de todo condicionamento “para a procura da liberdade individual, através de proposições cada vez mais abertas visando fazer com que cada um encontre em si mesmo, pela disponibilidade, pelo improviso, sua liberdade interior, a pista para o estado criador – seria o que Mario Pedrosa definiu poeticamente como “exercício experimental da liberdade”. (OITICICA, 1986, p.114) 5 – Portanto faz-se necessário pensar, como em um contexto de espaço expositivo, museológico, o contato com os diversos acervos e curadorias pode se dar em um plano de participação; em que nível esta participação é de fato horizontal; como o público recebe as propostas dos programas educativos de uma instituição, ou em que medida as ações educativas alcançam um patamar de legitimidade. O educador é capaz de perceber as limitações de uma proposição? Quando, através de uma proposição, o educador cria falsas sensações de pertença e participação? Estas perguntas surgem de um ponto de vista crítico e de pesquisa em torno do meu objeto de trabalho – a mediação, no contato e no embate com os escritos de Hélio Oiticica. De alguma maneira me pareceu bastante interessante, tomar emprestados alguns de seus conceitos ou procedimentos poéticos, concedendo-lhes sentido em um plano não necessariamente familiar àquele do discurso do artista: o da mediação. Sendo assim, comecei a mapear, em cada nova exposição, onde minhas práticas poderiam ser falsas, onde poderiam ser legítimas. Quando existe um lugar onde as práticas colocam as percepções, experiências e proposições do público hierarquicamente abaixo daquilo que os acervos oferecem, não há espaço para a atuação do educador. O educador deve ter como missão, transformar o espaço expositivo em uma grande lata de óleo a qual se ateia fogo: a exposição é plataforma para que o público perceba que qualquer gesto de ressignificação deve ser visto como gesto artístico, propositor. Aproximar o público dos procedimentos poéticos dos artistas, como um convite a coparticipacão, transcendendo-os em algum momento, é uma metodologia que tem me interessado neste sentido.

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Posto isso, e observando que, para Hélio Oiticica definitivamente a antiga posição frente a uma obra de arte é inadequada, cabe perguntar: como as investigações e proposições de Hélio Oiticica querem atingir ou abordar a participação do espectador? Qual é o lugar do corpo de quem participa, que também é índice ambiental ao lado da luz, do espaço, da palavra e de tantos outros corpos mobilizados pelo artista para a criação de seus programas-proposição? É importante perceber que a trajetória do corpo em Hélio Oiticica se inicia nas investigações do corpo da cor. É a cor enquanto corpo que proporciona sua percepção no e em relação ao tempo. Desde o ato de mudar a direção das pinceladas para que uma mesma cor tenha diferentes aspectos, passando pela cor em objetos descobertos que inseridos na obra temporalizam de maneiras diversas e imprevisíveis a presença da cor (os Bólides) até os Penetráveis, a cor é destituída de qualquer imobilidade para com isso, atingir sua total potencialidade enquanto aparição e presença. É a primeira atuação de Hélio Oiticica no sentido de conceder ao corpo-cor, uma intensificação e um alargamento de sua presença do ponto de vista ambiental. A cor não é determinada pelo desejo do artista: ela é colocada em uma situação de imprevisibilidade. O corpo do participador vai ser também aquele que atua em uma situação criada pelo artista que inclusive pode ser, em um contexto de total liberdade, a da não-ação: prova da total possibilidade de escolha daquele que se propõe a participar. O artista é apenas um “declanchador de estados de invenção” (Oiticica inventa essa palavra com base no termo francês déclancher que significa destravar, provocar) que atingem o espectador da maneira menos prescritiva possível. A invenção torna-se palavra apropriada, pois representa o resultado de uma série de experimentos, vindos de lugares e de autorias diversas, mas que resultam em algo novo, inédito, embora tenha em sua constituição a participação de diversos declanches. A relação entre artista e público se dá, portanto em um plano totalmente horizontal e co-criativo, mesmo que não presencial. É como se a as proposições dadas pelo artista fossem vestígios de como o mundo é apropriável, e de como cada corpo tem em si o potencial

Ao conversar sobre um quadro de Picasso, por exemplo, me interessa dizer que experimentar a cor, observar o plano e suas possibilidades, é um ato que não deve estar atrelado apenas ao espaço expositivo: será que observamos as cores da rua? As cores que nossa roupa toma quando caminhamos? Desta forma podemos pensar como discurso em mediação a possibilidade de deslocar a importância dada ao gesto artístico para o gesto de cada um. Esse declanchar inicial é importante, sobretudo para um movimento de desconstrução de qualquer aura que envolva o fazer artístico, e também para conferir aos gestos mais prosaicos do público uma potência criativa e ressignificadora. 6 – Comecei a pensar então, em uma espécie de metodologia de abordagem dessas questões que me surgiram, em galeria, no contato com a diversidade de artistas que abordamos junto com os públicos. Interessou-me, desde então, a palavra presentificar como definidora dessa abordagem de algumas temáticas no trajeto pelas exposições. O que o público pode conhecer, experimentar e, caso queira, subverter e tomar para si, durante o trajeto por uma exposição? As poéticas dos artistas escolhidos pela curadoria. Como as poéticas que geraram aquelas obras em exposição podem atingir o público a ponto de torna-los propositores de novas poéticas? De poéticas e gestos próprios, subjetivos, inéditos, muitas vezes marginais (já que encontram a o próprio espaço como barreira em alguns momentos). Ao presentificar as práticas de artistas escolhidos pela curadoria, o público se percebe propositor! E como é intenso perceber que, a condução de toda a ação deixa de ser minha e passa a ser do público. Com o mediador o público acessa um campo onde gestos criadores são possíveis, acessíveis e desmitificados; conhecer procedimentos artísticos é uma ação educativa capaz de catalisar esse declanchar de estados criativos.

OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. D’ALMEIDA, Neville; OITICICA, Helio. Cosmococa: Programa in Progress. Rio de Janeiro: Projeto Hélio Oiticica, 2005

Renata Greco de Oliveira1 Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) [email protected] Eliene Nery Santan Enes

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Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) [email protected] Thiago Martins Santos

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Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) [email protected]

Resumo O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência da Universidade Vale do Rio Doce iniciou, em março de 2014, seu segundo projeto institucional “Educação e Docências em Tempo Integral: territórios educativos”. O projeto acontece em 21 escolas da rede municipal de Governador Valadares, promovendo formação docente no contexto da Escola em Tempo Integral. Este trabalho pretende narrar e discutir os sentidos das práticas, dos diálogos que se estabelecem a partir delas e da formação de professores no contexto da Escola em Tempo Integral. A primeira atividade do projeto foi oferecer aos bolsistas o minicurso de Cartografia e Educomunicação, com o objetivo de subsidiar a revitalização dos espaços e estratégias educomunicativas das escolas parceiras e a construção de propostas articuladas à realidade da escola e sua

1. Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2. Pedagoga, Psicóloga, Mestre em Gestão Integrada do Território pela Universidade Vale do Rio Doce. 3. Licenciado em Ciências Biológicas, Mestre em Gestão Integrada do Território pela Universidade Vale do Rio Doce.

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Referências:

Educação integral e território: diálogos e sentidos da prática na formação de professores

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