\"Criar um lugar para a doce Felicidade\" [Palacete Pinto Leite > Porto]

July 22, 2017 | Autor: M. Lambert | Categoria: Arte Contemporanea, Arte Inclusiva
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Doce Felicidade @ Palacete Pinto Leite 20 anos do ESPAÇO T CURADORIA > ALBUQUERQUE MENDES TEXTO > MARIA DE FÁTIMA LAMBERT Porto, 20 novembro > 31 dezembro 2014

Estética do lugar - Criar um Lugar para a Doce Felicidade.

Em novembro de 2005 quisemos "Criar um Lugar". Na altura, concretizou-se um projeto que teve a participação/colaboração de 12 artistas portugueses e estrangeiros, desenhou-se uma exposição inusitada – ao tempo – aqui no Porto: Ana Rito, Catarina Saraiva, Samuel Rama, Beatriz Albuquerque, Miguel Soares, Miguel Palma, João Luís Bento, André Cepeda, Pedro Tudela, Susana Piteira + Ritze Van Raay e, ainda, a performer vietnamita convidada. As obras escolhidas, assim como as ações performativas, ocuparam e aconteceram em locais de passagem ou estadia breve, mapeados na cidade. Subverteu-se, de certo modo, uma definição plausível do conceito de “não-lugar”, retomando o termo a partir de Marc Augé. No caso, as obras de arte ganharam residência estratégica nesses espaços que, muito frequentemente, são de passagem. Locais onde a identificação de cada pessoa no todo se dissolve. Onde se vivencia e predomina um estado que pode vacilar entre suspensão, ausência transitória e/ou reencarnar pela energia societária. Os não-lugares, neste ocasião programada, foram a

estação de metro da Casa da Música, a estação ferroviária de S. Bento, seis vitrines de lojas na Rua de Sta. Catarina e Rua de Passos. Situados num perímetro que descia da Rotunda da Boavista para a Baixa oitocentista portuense, tomaram uma carga acrescida de identificação autoral, pelo ato assumido pelos artistas, quando instalaram as suas peças numa “ocupação estética temporária”. Durante cerca de 4 semanas, transeuntes, utentes ou simples passantes, foram confrontados com peças de escultura, instalações, vídeos, fotografias e performances inesperados - atendendo à sua imprevista localização. Ou seja, as obras de arte aproximaram-se da sua própria verdade, ao serem transportadas para espaços públicos que não instituições museológicas ou culturais. A obra e a vida são cúmplices, tantos artistas o proclamaram, caso de John Cage ou de Joseph Beuys – para citar somente dois. Eram tantos lugares – comentaram na altura algumas pessoas, eram muitos lugares com obras de arte. Tantos lugares, quantas as manhãs do mundo em que o movimento na cidade se desencadeia, liberto das noites de insónia onde se dissolvem ideias, se aconchegam ou penitenciam existências. Onde os vazios são autofágicos ou são preenchidos q.b. por segmentos fictícios de constructos, de perceptos sobre o que nos rodeia – esse mundo à minha procura, parafraseando Ruben A. As obras dos artistas cresceram em novos sentidos, depois desta sua condição passageira em topografias progressivamente irreversíveis pois teimosas, tremendamente teimosas, absolutamente impertinentes – pensaria um público mais convencional. Foi um ínfima nota contrariadora nos ritmos da cidade. Os lugares ou não-lugares podem não ter regresso; podem ser lugares onde nunca se voltará, apesar da persistência em querê-los de novo. De alguma forma, os lugares não se criam do exterior para o interior, antes o contrário. São uma decisão intrínseca a cada pessoa, demonstrativa de minúsculas sensações e ideias sobre como viver possuindo uma maior razão, servindo para criar/assegurar a vida de cada um. Para a tornar verdadeiramente feliz.

Ao tempo, comentou-se quanto o objetivo e conceito, subjacentes à realização da “exposição irregular” , radicava numa quase utopia. Utopia essa que se transformou em realidade efetiva em Março de 2008, quando o Espaço T inaugurou o edifício que, agora, tomou a designação de Casa da Felicidade. Então, verifica-se que as utopias são plausíveis e felizes. Podem demorar mas acontecem, para surpresa e estupefação de muitos incrédulos nestas coisas que querem pensamento otimista e lúcida, simultaneamente… Entre a decisão de achar o seu lugar, crescer e permanecer, cabem uma lista enorme de inúmeras convicções que exigem-se outras tantas decisões e atos empreendedores. Tomar posse do local que se converte em lugar para permanecer, para residir – não sendo casa própria tem riscos. Todavia, no caso do Espaço T/Casa da Felicidade, a partilha toma o lugar como sendo para Todos, pelo que se constrói cada dia mais sólido e desejado. Tornar-se sedentário não significa estagnar, nem tampouco conformarse, contentar-se com aquilo que já se conquistou. A Casa da Felicidade é um local diversificador, plural e em mutação que reúne propostas, atividades e sentimentos díspares.

Hoje, um número significativo da produção plástica concebida, idealizada e concretizada pelos possuidores/habitantes do Espaço T (aquele lugar criado para ser de Todos, num tempo que é partilhado) mudou-se de armas e bagagens para o Palacete Pinto Leite. Temporariamente, as obras realizadas quer em contexto de ateliê, quer em workshop, quer numa outra qualquer situação de felicidade pela arte…podem ser conhecidas pelos demais habitantes do espaço agregador que é a própria cidade. O Palacete Pinto Leite constitui-se por 5 andares, entre subsolo, R/chão e 3 andares (que eu saiba). Encimado por uma claraboia belíssima, é uma aventura olhar lá de cima da plataforma no telhado, observando as redondezas do bairro de Cedofeita. Olhar de cima para ver melhor em baixo. É esse privilégio que temos, quando ao entrar pela escadaria principal sobranceira ao jardim, do lado esquerdo se abrem as salas do Auditório (memória do tempo em que albergou o Conservatório de Música), se contempla do alto – como se fossemos gigantes amorosos – os desenhos belíssimos que refletem o sol a entrar pela janela pois quem os fez, é gente de bem e coração quente. As iconografias são alimento para a gula de quem os quer tocar e não pode: há que usufruir do privilégio de ver com os olhos da alma e do coração, sentir a presença imaginada do papel a dobrar-se e a ser impregnado pela cor. Que feliz é o aroma do papel a tornar-se adulto, num chão de madeira que se transforma num oceano…que nos relembra a também belíssima instalação de Cildo Meireles - Marulho (1991/97) - com os livros abertos em fotografias de mar a azular, onde o cais nos permite olhar de cima e inventar a viagem do navegar. Do lado direito, atravessando o átrio e ansiando por subir as escadas e tomar posse do lugar, onde o aroma a chocolate e a bolos de laranja deve ter vivido por longos anos, encontra-se um outro baú de tesouros pintados. Para gratíssima surpresa do visitante, percebemos que uma das fronteiras convencionais da arte foi ultrapassada: podemos tocar nas pinturas. Senti-las com os dedos, os ouvidos, não somente com os olhos. Senti-las no nosso corpo como um abraço. E as obras estão felizes. Foram convidadas a sentar-se…essas pinturas que em geral, se têm de manter em pé, encostadas às paredes, afastadas do melhor das festas e celebrações da vida ou seja…não podendo ser acarinhadas pelo toque de seda das mãos das pessoas. As pinturas estão ali, para serem conversadas, descobertas, participadas por todos e não somente por aqueles que as geraram. Logo mais atrás, num outra sala, vislumbram-se fotografias e, em cima de uma mesa, os cadernos que lembram a intervenção de Cristina Ataíde na Quase Galeria: os cadernos moleskine criados pelas pessoas do Espaço T para todos os demais. Essas doces memórias participadas e que somadas a todas as histórias que se alinham no horizonte são um refrão que diz em modo funkie, canção, rap ou sinfonia…: “Oh, é esta a Doce Felicidade".

Maria de Fátima Lambert

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