Criatividade, Cultura e Economia Criativa no estado do Rio Grande do Norte (Brasil)

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XVII Congresso Brasileiro de Sociologia 20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS)

Grupo de Trabalho: GT28 - Sociologia da Cultura

Criatividade, Cultura e Economia Criativa no estado do Rio Grande do Norte (Brasil)

Fernando Manuel Rocha da Cruz

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Introdução Nas últimas décadas, o aumento de competitividade tem sido procurado através do aumento de investimentos na educação e nas novas tecnologias de informação e comunicação. A inovação tornou-se o conceito chave da competitividade, mas a sua restrição à criatividade nas ciências e na tecnologia tem sido criticada por não abranger a cultura. A criatividade cultural é um fator extremamente importante para o desenvolvimento econômico já que muitas atividades criativas estão dependentes de conteúdos culturais (MARKUSEN, 2010). A economia da cultura pode, por conseguinte, ser definida pelo conjunto de atividades, formais e informais, que produz bens e services culturais. As indústrias culturais surgiram na Europa e nos Estados Unidos relacionadas com atividades como televisão, rádio, cinema, jornais, publicação de livros e magazines, indústrias de gravação e edição de música, publicidade e artes do espetáculo (MARKUSEN, 2010). O termo “indústria cultural” teve, no entanto, sua origem em autores como Adorno e Horkheimer (1985), da Escola de Frankfurt, tendo sido substituído na década de 1960 pelo termo de “indústrias culturais” (no plural), uma vez que a sociologia francesa defendeu a existência de uma relação complexa entre cultura,

tecnologias

de

informação

e

comunicação

e

capital

(HESMONTDHALGH, 2002). Em 1994, a política cultural australiana denominada “Nação Criativa” apresentada pelo Primeiro-ministro Paul Keating veio colocar o foco na cultura como instrumento de desenvolvimento econômico desse país. Importa recordar a justificativa desse histórico relatório em que é proposta, pela primeira vez, nesse país, uma política cultural: Esta política cultural é também uma política econômica. A cultura cria riqueza. Em sentido lato, nossas indústrias culturais geram 13 bilhões de dólares por ano. A cultura cria emprego. Cerca de 336.000 australianos são trabalham em indústrias relacionadas com a cultura. A cultura agrega valor, trazendo uma contribuição fundamental para a inovação, o marketing e o design. É um símbolo de nossa indústria. O nível de nossa criatividade determina substancialmente a nossa capacidade de adaptação a novos imperativos econômicos. É uma exportação valiosa em si mesma e um acompanhamento essencial para a exportação de outras mercadorias. Ela atrai turistas e estudantes. É essencial para o nosso sucesso económico. (AUSTRALIA, 1994, tradução nossa)

O relatório enfatizou a importância da cultura para a identidade cultural, definindo-a em termos amplos e incluindo nos setores culturais: cinema, rádio e livrarias, entre outros (AUSTRALIA, 1994). Em 1997, no Reino Unido, o governo trabalhista de Tony Blair apresentou o plano “Nova Grã-Bretanha” e criou um Grupo de Trabalho Interdepartamental para as Indústrias Criativas, presidido pelo próprio Primeiro-ministro, para planejar e coordenar o desenvolvimento das indústrias criativas e culturais. Desse modo, o Reino Unido foi o primeiro país a propor o conceito de indústrias criativas e a sua política de fomento destas indústrias permitiu promover a recuperação econômica do mesmo. Este país partiu da premissa de que uma política cultural não pode ser sustentável se os setores culturais dependerem exclusivamente de subsídios. Desse modo, uma política consistente e um programa de formação podem fazer emergir uma política eficiente e defensável (WA, 2015). Estes passos – na Austrália e no Reino Unido – aliados ao debate internacional no seio de organizações internacionais como a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO) criaram uma atmosfera internacional favorável à manifestação de interesse por parte de vários países para a adoção de políticas públicas de fomento da economia criativa (NEWBIGIN, 2010; MIGUEZ, 2007; CRUZ, 2014b). A XI Conferência Ministerial da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), realizada em junho de 2004, em São Paulo (Brasil) é um marco internacional ao propor a criação de uma instituição internacional para fortalecimento e desenvolvimento da economia criativa nos países do Sul (MIGUEZ, 2007). O consenso gerado nessa Conferência, permitiu que a UNCTAD ampliasse o foco da sua análise voltada para as políticas, enfatizando quatro objetivos principais no que respeita à economia criativa: •

Aproximar os objetivos culturais nacionais com as políticas comerciais internacionais e tecnológicas;



Analisar e propor soluções para as assimetrias que estejam inibindo o crescimento dos setores criativos nos países em desenvolvimento;



Reforçar

o

“nexo

criativo”

entre

investimento,

tecnologia,

empreendedorismo e comércio; •

Identificar respostas de políticas inovadoras para fomentar a economia criativa na perspetiva do desenvolvimento (UNCTAD, 2010).

Uma consequência desta Conferência a nível da política cultural brasileira, deuse em 2012, com a criação da Secretaria da Economia Criativa (SEC), na dependência do Ministério da Cultura, com a aprovação do seu plano, políticas, diretrizes e ações para o quadriénio 2011-2014 (Cruz, 2014a) O Plano da SEC confirmou a distinção entre indústrias criativas e indústrias culturais, uma vez que pretendeu incluir nas suas políticas de fomento da Economia Criativa, entre outros, os setores ligados às Novas Mídias, à indústria de conteúdos, ao Design, à Arquitetura, em vez de limitar sua ação aos setores tipicamente culturais (música, dança, teatro, ópera, circo, pintura, fotografia, cinema). De igual modo, preferiu o termo “setores criativos” em detrimento de “indústrias criativas” (Brasil, 2012). A SEC definiu a economia criativa como “o ciclo de criação, produção, distribuição/ circulação/ difusão e consumo/ fruição de bens e serviços oriundos dos setores criativos, caracterizados pela prevalência de sua dimensão simbólica” (Brasil, 2012). Na sua base encontram-se os setores criativos que se constituem como os empreendimentos que atuam na área da Economia Criativa. Desse modo, os setores criativos são “todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação do preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econômica” (Brasil, 2012). Miguez (2007) propõe como conceito de economia criativa o “conjunto distinto de atividades assentadas na criatividade, no talento ou na habilidade individual, cujos produtos incorporam propriedade intelectual”. (MIGUEZ, 2007) Para Caiado (2011), a economia criativa é “o ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que usam a criatividade, o ativo intelectual e o conhecimento como principais recursos produtivos”. Entendemos em conformidade com Cruz (2014b), que tratando-se de um conceito em construção se sobrepõe ao de economia da cultura. Desse modo, adotamos no

presente artigo a proposta de Cruz (2014b), o qual propõe que seja relevado o elemento cultural na noção de Economia Criativa. propomos que a economia criativa seja definida pelas atividades econômicas que têm objeto a cultura e a arte, ou que englobam elementos culturais ou artísticos de modo a alterar o valor do bem ou serviço prestado. Deste modo, compreendemos o ciclo econômico de criação, produção, distribuição, difusão, consumo, fruição de bens e serviços que têm por objeto a arte e a cultura ou que incorporam elementos culturais ou artísticos. Afastamos desta concepção as atividades culturais e artísticas que não têm intuito econômico. O elemento simbólico e intangível são elementos que importam às atividades econômicas e que quando incorporados nestas, lhes altera o valor econômico. Trata-se por um lado da profissionalização de atividades culturais e artísticas, assim como o reconhecimento do valor econômico dos elementos culturais e artísticos incorporados em outras atividades econômicas como a gastronomia, a arquitetura ou os games. (CRUZ, 2014b)

A UNCTAD optou por elencar os setores criativos em quatro categorias: Patrimônio, Artes, Mídia e Criações funcionais. Em Patrimônio, incluiu os setores criativos Locais culturais (sítios arqueológicos, museus, bibliotecas, exposições)

e

Expressões

culturais

tradicionais

(artesanato,

festivais,

celebrações). Em Artes, os setores criativos se distinguem entre Artes Visuais (pinturas, esculturas, fotografia, antiguidades) e Artes Cénicas (música ao vivo, teatro, dança, ópera, circo, teatro de fantoches). Na categoria cultural Mídia, os setores criativos estão subdivididos entre Editoras e Mídia impressa (livros, imprensa e outras publicações) e Audiovisuais (filme, televisão, rádio e demais radiodifusões). Finalmente, em Criações funcionais, os setores criativos se distinguem entre Design (design de interiores, gráfico, moda, joalheria, brinquedos), Novas Mídias (software, vídeo games, conteúdo digital criativo) e Serviços Criativos (arquitetónico, publicidade, cultural e recreativo, pesquisa e desenvolvimento) (UNCTAD, 2010). Por seu lado, o Plano da SEC identificou cinco categorias culturais: Patrimônio, Expressões Culturais, Artes de espetáculo, Audiovisual/do livro, da leitura e da literatura e Criações culturais e funcionais. Na categoria cultural Patrimônio encontramos os setores criativos: património material, arquivos, museus e patrimônio imaterial. Em Expressões Culturais estão incluídos os setores criativos: artesanato, culturas populares, culturas indígenas, culturas afrobrasileiras, artes visuais e arte digital. Em Artes de Espectáculo identificamos os setores criativos: dança, música, circo, teatro. Na categoria Audiovisual/ do

Livro, da Leitura e da Literatura, distinguimos os setores criativos: cinema e vídeo, publicações e mídias impressas. Por último, em Criações Culturais e Funcionais encontram-se os setores criativos: moda, design e arquitetura. (Brasil, 2012) Tabela 1 – Comparação das categorias culturais e setores criativos (SEC e UNCTAD) Secretaria da Economia Criativa (Brasil)

UNCTAD

Categoria Cultural

Setores criativos

Categoria Cultural

Setores criativos

Patrimônio

Patrimônio Material Arquivos Museus

Patrimônio

Locais culturais: - Sítios arqueológicos - Museus - Bibliotecas, - Exposições Expressões culturais tradicionais: - Artesanato - Festivais - Celebrações

Artes

Artes visuais - Pinturas - Esculturas - Fotografia - Antiguidades Artes cênicas - Música ao vivo - Teatro - Dança - Ópera - Circo - Teatro de fantoches Editoras e mídias impressa - Livros - Imprensa e outras publicações Audiovisuais - Filme - Televisão - Rádio e demais radiodifusões. Design - Interiores - Gráfico - Moda - Joalheria - Brinquedos Novas mídias - Software - Video games - Conteúdo digital criativo Serviços criativos - Arquitetônico - Publicidade - Cultural e recreativo - Pesquisa e desenvolvimento (P&D) criativo

Expressões culturais

Patrimônio Imaterial Artesanato Culturas Populares Culturas Indígenas Culturas Afro-brasileiras Artes Visuais Arte Digital

Artes de espetáculo

Dança Música Circo Teatro

Audiovisual/ do Livro, da Leitura e da Literatura

Cinema e vídeo Publicações e mídias impressas

Mídia

Criações Culturais e Funcionais

Moda Design Arquitetura

Criações funcionais

Fonte: CRUZ (2014).

A SEC definiu como missão formular, implementar e monitorar políticas públicas para o desenvolvimento local e regional, priorizando o apoio e o

desenvolvimento aos profissionais e micro e pequenos empreendimentos criativos. Desse modo, a política pública de fomento da economia criativa se funde nos princípios de inclusão social, sustentabilidade, inovação e diversidade cultural (Brasil, 2012). O Plano da SEC identificou ainda cinco desafios prioritários para que a economia criativa se assuma como política de desenvolvimento no Brasil: •

Levantamento de informações e dados sobre a Economia Criativa brasileira;



Articulação e estímulo ao fomento de empreendimentos criativos;



Educação para competências criativas;



Infraestrutura

de

criação,

produção,

distribuição/circulação

e

consumo/fruição de bens e serviços criativos; •

Criação/adequação de Marcos Legais para os setores criativos (Brasil, 2012).

Para responder a esses desafios, a SEC elegeu como objetivos de atuação: •

Promover a educação para as competências criativas através da qualificação de profissionais capacitados para a criação e gestão de empreendimentos criativos;



Gerar conhecimento e disseminar informação sobre economia criativa;



Conduzir e dar suporte na elaboração de políticas públicas para a potencialização e o desenvolvimento da economia criativa brasileira;



Articular e conduzir o processo de mapeamento da economia criativa do Brasil com o objetivo de identificar vocações e oportunidades de desenvolvimento local e regional;



Fomentar a identificação, a criação e o desenvolvimento de polos criativos

com

o

objetivo

de

gerar

e

potencializar

novos

empreendimentos, trabalho e renda no campo dos setores criativos; •

Promover a articulação e o fortalecimento dos micros e pequenos empreendimentos criativos;



Apoiar a exportação de produtos criativos;



Apoiar a circulação e distribuição de bens e serviços criativos;



Desconcentrar a distribuição de recursos destinados a empreendimentos criativos, promovendo um maior acesso a linhas de financiamento;



Ampliar a produção, distribuição/difusão e consumo/fruição de produtos e serviços da economia criativa;



Promover o desenvolvimento intersetorial para a Economia Criativa;



Efetivar mecanismos direcionados à consolidação institucional de instrumentos regulatórios (Brasil, 2012).

Pesquisa qualitativa no estado do Rio Grande de Norte A pesquisa adotada é de teor qualitativo dada a complexidade da problemática abordada e a construção pelo pesquisador de um caso complexo e holístico, seja através do discurso, seja através de representações (Creswell, 1994). De acordo com Sarró e Lima (2006), a atividade científica é uma ação social total cujo processo de construção segue procedimentos socialmente aceites tendo em conta a compreensão de uma determinada realidade. Realizou-se

entrevistas

semiestruturadas

em

nove

setores

criativos

(identificados abaixo), entre 2013 e 2014 no âmbito do projeto PVC9822-2013 – “Estudo de caso e mapeamento das indústrias criativas no Rio Grande do Norte, de acordo com o Programa Nacional da Economia Criativa (Brasil)”, renovado pelos Edital PIBIC_PIBIC_AF_PIBITI_2014-2015 da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O tipo de entrevista adotado se mostrou adequado para a comparação das respostas quer entre cada setor estudado, quer entre os diferentes setores. O critério que se adotou na seleção de entrevistados fundou-se na responsabilidade e na autonomia do exercício da atividade ou profissão, de tal modo que no caso de grupos ou equipes se procurou entrevistar os responsáveis ou coordenadores. Desse modo, entrevistamos: •

No setor da Música: Diogo Guanabara do “Macaxeira Jazz”, Prof. Maestro André Muniz da “Orquestra Sinfônica da UFRN”, Iranilda Santana do grupo “As Nordestinas”, Cláudio Freire, Claubertto Freire, Ana Cláudia Freire e Francisco Carlos Freire dos “Meirinhos e Forró Meirão” e Cris Botarelli dos “Far From Alaska”.



Na Literatura de Quadrinhos: Geraldo Borges, Milena Azevedo, Ana Luísa Medeiros, Rodrigo Brum, Aureliano Medeiros, Wendell Cavalcanti e Jamal Sigh.



Na Arquitetura: Arq. Rachel Condorelli (Autônoma), Arq. Lorena Galvão de “4 Artes Arquitetura e Interiores” e Arq. Nelson Araújo de “Nelson Araújo Arquitetos Associados”.



No teatro: Robson Hardechpek de “Arquétipos Grupo de Teatro”; Quitéria Kelly

do “Grupo Carmim”; Lenilton Teixeira do “Grupo

Estandarte”; Katlhen Lousie da “Cia Cênica de Teatro”; Nara Kelly e Caio Padilha da “Estação de Teatro”. •

Nos museus: Lerson Maia, diretor do Museu do Brinquedo Popular, IFRN – Cidade Alta; Sonia Otton, diretora e Gildo Santos Junior, museólogo do Museu Câmara Cascudo; Daliana Cascudo, diretora do Ludovicus: Instituto Câmara Cascudo; Rosemary Barreto, museóloga no Memorial Aluízio Alves, Francisco Ferreira, “Barão de Ceará Mirim”, guia turístico do Roteiro dos Engenhos de Ceará Mirim.



No setor da publicidade: João Daniel Vale, diretor executivo da “Art&C – Comunicação integrada”, Ruth Guará, responsável pelo setor de mídia e Amanda Furtado, secretária da “Pandora Comunicação” e Pedro Ratts, diretor de criação e o administrador da “Ratts Ratis - Agência de Comunicação e Propaganda”.



No setor do design: Cristiano Alves (Designer industrial), Leila Guilhermino (Designer de interiores), João Dias (Designer de negócios), Andreza Falcão (Designer gráfica e web designer) e Cicero Alves (Designer gráfico e web designer).



No turismo cultural: Rosangêla Farias da “Dandara Turismo” e Erick Moura do “Território Potiguar”;



Em Pesquisa: Franklin Nelson da Cruz, Coordenador do Setor de Programas e Projetos na Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPESQ), na UFRN; Adilson de Lima Tavares professor universitário da UFRN, desde 2007, e vice-diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA); Fábio Fonseca Figueiredo, professor do Departamento de Políticas Públicas (DPP) da UFRN, desde 2012.

O objetivo das entrevistas levadas a cabo se centrou na comparação das respostas dos diferentes setores criativos a quatro questões/tópicos: •

A origem da criatividade nos projetos;



A influência das redes nos projetos;



A influência da cidade nos projetos;



A influência das políticas públicas nos setores criativos.

A) A origem da criatividade nos projetos A criatividade é a resposta, na publicidade, às necessidades colocadas pelo negócio do cliente, se fundando no conhecimento sobre a empresa, perfil e negócios ou negociação da proposta com o cliente (empresa). Contudo, a criatividade está igualmente relacionada com o cotidiano, com os movimentos culturais, redes sociais, cinema… No design, a criatividade é procurada através da observação seja do público, do contexto cultural, leituras, exposições, viagens, pesquisa, experiência e desafios colocados pelos próprios clientes. Na pesquisa, sobressai a ideia de que a criatividade tem origem nos desafios lançados pelos professores aos alunos, ou seja, na interação professor-aluno. A experiência do professor é destacada nesse processo criativo e por conseguinte é o professor que reconhece as ideias criativas. Na arquitetura, as ideias criativas ou inovadoras têm origem no “olhar” do arquiteto, nas viagens que realiza, nas saídas cotidianas para reuniões, para o restaurante, para qualquer outro lugar, mas também nas revistas, na televisão, nas redes sociais virtuais. No teatro, a origem das ideias criativas, tanto é de ordem individual como coletiva. Trata-se muitas vezes de um processo longo. Tanto parte de um texto, como de temáticas, como de elementos da natureza. Somam-se as experiências dos atores e diretores e se confronta por vezes com os próprios autores ou dramaturgos. Conta, porém, com as limitações materiais. As ideias criativas no âmbito museológico são fixadas em editais, a que os artistas podem concorrer e ter acesso às salas de exposição. A organização de exposições temporárias procura inovar e coloca em prática as ideias criativas. Igualmente, assinalar datas comemorativas e organizar eventos nos museus são formas criativas de renovar as coleções.

Em conclusão, a criatividade se funda na cultura, na interação e na experiência. B) A influência das redes nos projetos Os contatos em rede podem justificar as ideias criativas. Não importando se se tratam de redes formais ou informais, reais ou virtuais, esporádicas ou permanentes. Na UFRN, são múltiplos os exemplos de redes formais e informais que professores/pesquisadores integram. Os convênios celebrados entre a Reitoria da UFRN e outras instituições internacionais de diversos países como Portugal, Espanha e França. A participação em eventos e pesquisas é uma das formas de estabelecimento de redes formais e informais ao nível da Pesquisa, pelos professores da UFRN, tanto ao nível nacional, como internacional. Na arquitetura, se destaca a existência do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) que trata de questões relacionadas com a arquitetura, o urbanismo e o exercício da profissão. Na publicidade, é de evidenciar a Federação Nacional das Agências de Propaganda (FENAPRO) que se subdivide em sindicatos locais. No RN, o Sindicato das Agências de Propaganda do Rio Grande do Norte (SINAPRO) se encontra filiado à FENAPRO. O Conselho Executivo de Normas-Padrão (CENP)

é

outra

instituição

que

visa

controlar

a

observância

das

recomendações e princípios éticos no mercado publicitário brasileiro. Na arquitetura, as redes sociais, como Facebook e Instagram, permitem divulgar trabalhos e materiais, bem como conhecer trabalhos de outros arquitetos. As redes de amizade permitem a troca de ideias sobre o exercício da profissão. A participação em congressos e o estabelecimento de contatos deve-se também ao conhecimento da sua realização, sobretudo, através da Internet. Dessa forma, as redes intensificam a troca de conhecimentos e a defesa de interesses específicos. C) A influência da cidade nos projetos No setor da música, os entrevistados estão de acordo que o meio influencia a sua produção, destacando diferentes fatores: atualidade e redes; público, moda

e iniciativa do músico ou banda; gêneros musicais, origem dos músicos ou bandas, local de atuação e cultura potiguar; poderes públicos, mídia e poder econômico; outras bandas. Quanto aos quadrinistas, as opiniões se dividem sobre a influência do local e, nomeadamente da cidade de Natal sobre a sua produção criativa. Para uns, a influência da cidade é um dos fatores a considerar, estando presente também pelo bem-estar propiciado; mas igualmente, pelas raízes culturais, pelos lugares; pelos bairros; pelas pessoas e suas concepções espaciais. Outros quadrinistas

consideram

que

os

projetos

seriam

os

mesmos

independentemente do lugar, admitindo contudo que os contatos propiciados pelo local são diferentes; e, que as tirinhas podem refletir contextos culturais de outros lugares, independentemente de onde se encontre o profissional da história de quadrinhos. Na arquitetura, os entrevistados entendem que a cidade de Natal influencia seus projetos a partir dos materiais utilizados, pela ausência de um acervo arquitetônico relevante, pelas demandas dos clientes e pelo mercado de trabalho existente; pela cultura nordestina e sertaneja; e por último, pela concorrência entre profissionais e do próprio mercado de trabalho. A UFRN estimula a pesquisa através do lançamento de editais, mas existem outros editais de órgãos do governo, para os quais é possível submeter projetos de pesquisa. Quanto à publicidade, o crescimento do número de agências, em Natal, veio também aumentar a concorrência e dinamizar o mercado da publicidade e propaganda. A dependência das verbas públicas é elevada e a cidade é pequena exigindo dos publicitários que trabalhem com pequenos orçamentos e obrigando estes profissionais à oferta de produtos bem criativos. Quanto à influência da cultura potiguar nos projetos teatrais, ela é assumida unanimemente, embora um dos grupos refira que se trata apenas de uma influência no meio de outras. A preservação dos acervos museológicos está presente na organização dos museus e reflete a cultura potiguar e a sua relação com a cidade de Natal. A contextualização história e geográfica da cidade influencia os projetos criativos, assim como a concorrência e os financiamentos públicos.

D) A influência das políticas públicas nos setores criativos. No setor da música, as instituições, medidas e políticas públicas existentes para o exercício da profissão destacadas são: Fundação José Augusto; as iniciativas individuais de vereadores municipais para aproximarem os artistas do público; a Lei municipal Câmara Cascudo; o projeto na Câmara Municipal de Natal que obriga a contratação de artista estadual; a Lei Rouanet. Para o desenvolvimento da profissão de músico, os entrevistados propõem medidas e políticas públicas que definam um porcentual mínimo da música local na mídia (ex. rádio), que promovam projetos sociais com músicos, bem como, o pagamento de cachês pelas entidades públicas sem atrasos; que promovam o surgimento de espaços que promovam a cultura local onde os grupos possam atuar, a igualdade de pagamento de cachês entre os músicos do estado e de fora do estado; que promovam a diversificação e o apoio de pequenos projetos; que promovam uma política contínua de editais de financiamento e de circulação de eventos musicais, bem como, o apoio aos jovens músicos; e, finalmente que valorizem o músico local. No setor da literatura de quadrinhos, para além da indicação da Lei Câmara Cascudo, são referidas as reuniões e contatos com a Fundação Capitania das Artes (Funcarte), em Natal, quer para a cedência de espaços para organização de

exposições/venda

de

quadrinhos,

quer

para

dialogar

sobre

as

especificidades dos quadrinhos, as quais não são normalmente observadas nos editais de artes visuais. A falta de apoios públicos que é ultrapassada com o

recurso

a

sites

de

“crowdfunding”

(ou

financiamento

coletivo)

e

empreendedorismo. Ao nível das políticas públicas é sugerido a atenção à especificidade dos quadrinhos quer na elaboração dos editais, quer da sua não inclusão em artes visuais, bem como uma atenção maior aos prazos e à divulgação efetiva dos mesmos. No setor da arquitetura, é destacado ao nível das medidas e políticas públicas existentes os planos de habitação popular federal; o Plano Diretor e o Código de Obras. Em termos de propostas de políticas públicas, é sugerido uma atenção maior com a preservação histórica, a qual seria possível com a criação de uma Secretaria própria; continuidade das políticas apesar da mudança de gestão; e, que as políticas públicas focassem sobretudo a parte da obra e não tanto o uso da terra.

O setor publicitário possui um orgão (CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) que efetua a auto-regulação da atividade publicitária

evitando

dessa

forma

a

censura

de

orgãos

externos,

nomeadamente do Ministério Público; as Políticas Públicas do setor permitem ainda a compra de campanhas nacionais de publicidade a uma única agência de publicidade. Contudo, seus orgãos representativos (FENAPRO – Federação Nacional de Agências de Propaganda e SINAPRO – Sindicato das Agências de Propaganda) defendem que os governos (nacional, estadual e municipal) contratem a comunicação de suas ações a agências de publicidade regionais e que as verbas publicitárias públicas sejam igualmente regionalizadas. Outra medida reclamada pelo setor é de carácter fiscal e consiste na possibilidade de adesão ao “SIMPLES” que faculta o pagamento de uma carga menor de impostos às pequenas empresas. Quanto ao setor do design, é referido que não existem políticas públicas específicas para os designers. O que existe é enquadrado nas Políticas da Inovação, mas com poucos efeitos práticos. A justificação para a ausência de Políticas Públicas da área justifica-se por se tratar de uma atividade profissional recente. Há, contudo, medidas ou ações da Confederação Nacional das Indústrias de Design e no âmbito do Programa Brasileiro de Design desenvolvidas pelo SEBRAE e pela Federação das Indústrias do estado do Rio Grande do Norte (FIERN). O Governo do Estado tem também apoiado os designers através de incentivos ao nível da inovação. Como propostas de Políticas Publicas para o setor são sugeridos incentivos fiscais, apoio à formalização de designers e empresas de design e finalmente, apoio a ações de divulgação, sensibilização e fomento do mercado do design. As Políticas Públicas direcionadas para a Pesquisa, sobretudo dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, têm contribuído no financiamento material da pesquisa. Desse modo, têm privilegiado apoios financeiros ao nível do financiamento de projetos, material, mas também humano. Igualmente, ao nível estadual (RN) a pesquisa é estimulada através de editais. É ainda, destacada a lei de incentivo à informação no âmbito da pesquisa científica quando esta envolve dados de órgãos públicos. Na atividade teatral, destaca-se o Fundo de Incentivo à Cultura. Os editais são fundamentais na vida dos grupos de teatro que gostariam, no entanto, que seu

número fosse ampliado, bem como, os incentivos à pesquisa, produção, fruição e circulação no próprio estado. Por outro lado, registra-se ainda a necessidade de preparação específica para os concursos via edital. Quanto ao exercício da museologia, verificamos a ausência de Políticas Públicas estatais e municipais. Apenas o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) apoia e orienta o exercício e o desenvolvimento da museologia. Concluímos assim, que o poder local é aquele que é mais demandado e sua omissão ou ausência e falta de investimento são aquelas características que são mais notadas.

Considerações finais A economia criativa tem por base a criatividade, o que explica a reunião dos setores criativos sob sua alçada. Contudo, esta se funda na arte e na cultura, uma vez que os valores estéticos justificam cada vez as opções coletivas e individuais. A cultura, a experiência e o cotidiano aparecem a justificar o ato criativo, o qual se intensifica em função das redes de que o criativo ou o setor criativo integra. A cidade é, por isso, um centro que potencia (ou limita) a criatividade, conjugando o local com o global, tal como as redes que os criativos integram. As tecnologias de informação e comunicação têm um papel decisivo no conhecimento e no contato com outras experiências, produtos, realidades e culturas. Apesar da dicotomia entre o local e o global, as políticas públicas sobretudo ao nível local são demandas na potenciação do ato criativo e no fomento do papel dos setores criativos. Daí que a existência de uma Secretaria da Economia Criativa, ao nível federal, veja seu papel comprometido em virtude da sua (quase) ausência em termos locais. O financiamento público tanto liberta como amordaça a criatividade, em virtude da temporalidade e das vicissitudes da publicação dos editais e das próprias políticas culturais.

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