Criatividade e Rotina em Pesquisa

June 13, 2017 | Autor: Vinicius M. Netto | Categoria: Criatividade, Fazer Pesquisas Para Mestrado, Metodologias de Pesquisa
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Criatividade e Rotina em Pesquisa Vinicius M. Netto1 A pesquisa é um trabalho sistemático que envolve duas coisas, talvez mais do quaisquer outras: engajamento e criatividade. Trabalhos de pesquisa competentes, independentes da área de atuação, demandam centenas, talvez milhares de horas de trabalho. Por isso, é importante definir o tempo em cada dia para adicionar a essas horas. Rotinas nos ajudam a fazer isso, ao definirem expectativas sobre nossa disponibilidade, alinhando fluxo de trabalho e nosso nível de energia, e colocando nossas mentes em um ritmo regular de criação.2 Há uma aparente contradição entre essas duas coisas: criatividade e rotina. O segundo termo parece o oposto do primeiro: ‘rotina’ se relaciona à repetição, fazer mais do mesmo, o trabalho cotidiano. A criação parece um momento de exceção, o momento especial. Mas veremos que, em qualquer trabalho sistemático, esse momento não vem facilmente – sem envolvimento e imersão no tema. O que é criatividade? A criatividade tem a ver com anseios típicos de pesquisadores. Pessoas se tornam pesquisadores porque sentem que: • • • • • •

precisam aprender com profundidade gostam de lidar com problemas de modo independente precisam de atividades que tenham significado sentem a necessidade de causar efeitos positivos em seu entorno precisam lidar com as questões importantes (e difíceis) da disciplina e do mundo precisam interagir com aqueles que sentem essas mesmas necessidades.3

Definições usuais se referem a inventividade, a capacidade de inovar, pensar ou fazer o novo. Pessoas criativas teriam insights com facilidade... Mas essa não é a definição mais consistente de criatividade. Para o psicólogo Mihaly Csiksentmihaly, a criatividade é a capacidade de selecionar uma boa ideia, persegui-la, materializá-la na forma do trabalho, chegar ao resultado, e fazer esse resultado repercutir no campo. Pessoas com alto reconhecimento e impacto em seus campos frequentemente

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Professor do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFF. Publicado em 20 de Janeiro de 2016. Este texto integra as Notas de Aula de Seminários de Dissertação e publicação no prelo “A Atividade de Pesquisa”. Para conhecer outros artigos e livros do autor, veja https://uff.academia.edu/ViniciusMNetto 2 Veja McGuiness (2013a); Glei (2013); Belsky (2010). 3 Itens enumerados por McClarty (2015).

reportam que só tiveram uma ou duas boas ideias em suas carreiras... Mas que perseguiram essas ideias até o fim.4 •



Podemos entender a criatividade como um processo;5 uma capacidade de perseguir e desenvolver uma ideia, fazê-la amadurecer, circular; desdobrar uma abordagem até sua repercussão. ...uma capacidade que envolve a autorreflexão, a possibilidade transformação, busca de novas direções, a vitalidade da insatisfação, e da vontade de fazer.

“Mentes criativas consistentemente lançam as fundações para que ideias germinem e evoluam. Elas estão sempre refinando sua abordagem pessoal como forma de sequestrar caminhos neurais, desenvolvendo formas de estimular a fagulha que faz a mente acender.”6 O lugar da criatividade na pesquisa científica A criatividade parece algo disponível para poucos privilegiados... Mas pensar isso é um erro: • •

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A criação aparece durante o esforço em resolver um problema, como um problema de pesquisa. A criatividade é uma habilidade que advém do envolvimento – da busca e encontros com respostas, ideias, soluções para questões que aparecem durante a construção de uma abordagem, a produção de um trabalho informacional ou artístico. O trabalho de pesquisa demanda a criação de respostas a uma série de problemas que se colocam durante o processo de investigação. O trabalho de criação ou produção de ideias em pesquisa demanda, portanto, imersão – um envolvimento constante. Esse envolvimento deve ser conquistado pela pesquisadora. Esse agenciamento pessoal do tempo é o que chamamos de rotina. Atividades ganham um caráter de repetição, mas mais que isso, um caráter de construção, aprofundamento de um raciocínio, o desdobramento de ideias arranjadas com sentido metodológico. Juntas, concatenadas, ideias vão guiar o caminho para dentro do problema a ser entendido, e nesse processo, construirão a explicação.

Como a criatividade funciona? “The origin, pursuit, and secret of creativity are a central fixation of the Idea Age. But what, exactly, does “creativity” — that infinitely nebulous term — really mean, and how does it work?” Popova (2012)

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Csiksentmihaly (1997). Sugerido por Wandilson Guimarães, em aula no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFF, em 11 de Janeiro de 2016. 6 McDowell (2013:184). 5

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Serendipidade • •

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Encontros acidentais – com ideias, textos, autores, pessoas – podem gerar grandes benefícios.7 Ideias novas surgem quando colidimos coisas que não imaginávamos conectadas (Beveridge, 1954) ...como ao abrir um livro de um autor de uma outra disciplina... ou apresentar um artigo em uma conferência, conversar com alguém a quem não se conhecia. Mantenha sua rotina “aberta à serendipidade” – dê espaço ao imprevisível, coloque-se em contato com ideias e interações novas.8 Defina um momento ou “tempo desestruturado”, livre de reuniões e compromissos, para explorar, aprender, entrar em situações não programadas (Belsky, 2013).

A rotina de pesquisa Alguns itens me parecem fundamentais para sua imersão e para lidar com o dia-a-dia de construir uma abordagem a um problema de pesquisa e o texto acadêmico. A importância do registro de ideias no desenvolvimento da pesquisa Uma das situações que enfrentamos quando escrevemos é o grande custo de tempo e esforço para se produzir um parágrafo ou trecho de texto ao longo de uma sessão de trabalho. Se isso está ocorrendo com você, provavelmente se deve ao fato de você estar preocupado com a qualidade do texto: em fazer um texto bem-escrito, com os termos certos e precisos. Mas a preocupação em escrever bem e com precisão terminológica logo ‘de cara’ atrapalha o fluxo das ideias a serem materializadas na forma do texto. Suas ideias precisam sair da sua cabeça na forma da escrita. Naturalmente, não é possível escrever tão rápido quanto se pensa, mas a passagem fluída entre pensamento e escrita facilitará seu processo de construção do texto (do artigo ou do capítulo) – e isso terá um benefício-extra, porque será estimulante. Só se preocupe com um texto bem acabado adiante, quando retornar para revisar o texto ou trecho de texto escrito. Escrevendo suas ideias sem preocupação com o acabamento do texto, a correção das palavras ou sua eloquência, as ideias serão postas no papel com velocidade mais próxima do pensamento. E o mais importante: ter suas ideias projetadas na escrita de modo direto facilitará o processo de fluxo associativo: o fato de que cada palavra e ideia escrita sugere e se conecta com outras palavras e ideias. Ideias se desdobrarão mais facilmente em mais ideias, com mais fluidez. •

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Escrever os textos da pesquisa (na dissertação, tese, artigo, livro) não é um evento especial na trajetória da pesquisadora. É parte do envolvimento com o problema.

Belsky (2010; 2013); Johnson (2010). Belsky (2013); Johnson (2010).

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A melhor maneira de escrever é... Escrever constantemente. Mantenha um bloco (digital ou não) de notas sobre o problema de pesquisa ou sobre seus aspectos. Escreve nesse bloco qualquer pensamento seu sobre o problema. Não despreze pensamentos.

Ralph W. Emerson nos lembra que não raro encontramos no trabalho reconhecido de outros ideias que tivemos e rejeitamos.9 Não cometa esse erro: escreva tudo o que for pensando sobre seus temas. 1. Crie um arquivo de notas para cada aspecto do problema. Nele, deposite suas sínteses, impressões, aspectos, referências, o que parecer importante. 2. Quando for a hora de escrever o texto (do artigo ou dos capítulos da dissertação, tese ou livro), passe suas notas para o arquivo de texto. Não precisa ser o ‘arquivo final’ – um arquivo de trabalho será mais informal e fácil de adicionar e mexer. Ordene as notas de acordo com um fluxo desejado, que tenha sentido como tratamento do problema. Você chegará a um esboço de um texto, o fluxo das principais ideias e argumentos que farão seu artigo ou capítulo. 3. Agora adicione frases e parágrafos de transição entre aquelas notas. Essas transições amarrarão as ideias e pontos-chave, estabelecerão passagens, situarão o leitor no fluxo do argumento. Esboçadas e reescritas assim, você chegará mais facilmente em uma versão satisfatória do seu texto. E o melhor: você chegará no artigo ou capítulo de modo ‘natural’, sem saltos, inícios e reinícios tensos e amedrontadores. Depois, virão os acréscimos, modificações, polimentos – até deixar o texto em condição de apresentação a seus colegas de pesquisa, orientadores etc. Desenvolva sua resistência “Nós somos o que nós fazemos repetidamente. Excelência portanto não é um ato, é um hábito” Aristóteles10 Pesquisas mostram que as principais características pessoais para atingirmos objetivos, como concluir uma pesquisa, incluem (Tough, 2013:xv): • • • • • • 9

Persistência Autocontrole Atenção ao que se está envolvido Confiança no próprio trabalho Resistência a tarefas aparentemente chatas e repetitivas Resistência a quedas e frustrações

Emerson (1841 [2000]). In Glei (2013:39).

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Resiliência: adaptabilidade a diferentes situações de trabalho Habilidade de lidar com situações imprevisíveis ou confusas, e com informações contraditórias Capacidade de manter o plano: manter o foco no objetivo a longo prazo, apesar de obstáculos. Capacidade de concluir trabalhos.

Para certas habilidades, como a leitura ou o cálculo, iniciar mais cedo e fazer mais fazem diferença. Para outras, um ambiente psicologicamente tranquilo ajuda naturalmente. Crianças que crescem em ambientes de stress tem seus cérebros mais afetados em seu cortex prefrontal, crítico para as atividades auto-regulatórias de todos os tipos, como a concentração. Essas crianças tendem a ter mais dificuldade para se concentrar, para se recuperar de desapontamentos, receber orientação, controlar impulsos; são mais facilmente tomadas por sentimentos negativos, como a dúvida a respeito da própria capacidade, ansiedade ou a depressão (veja Tough, 2013:17). A boa notícia é as habilidades de concentração, resistência e foco em um plano (“funções de execução”) podem ser desenvolvidas. Experimente iniciar exercícios para desenvolver foco e auto-controle: desenvolver hábitos novos, como ouvir audio books, que demandam atenção constante, e regular o sono em um número suficiente de horas. 11 Proteja seu tempo: a pesquisa é prioridade • A pesquisa deve vir em primeiro lugar. • Muitos autores acreditam que devemos iniciar o trabalho criativo quando “frescos”, no começo do dia, deixando o “trabalho reativo” (como responder emails e outras demandas) para depois. • Nossa habilidade de resistir a distrações cai ao longo do dia (Belsky, 2010). Essa ideia faz sentido sobretudo para aqueles envolvidos em atividades de trabalho em grupo. • O trabalho matinal às vezes demanda um “aquecimento” – resolvendo problemas práticos como responder emails ou pedidos. Se esse for seu caso, tome o cuidado de não estender esse tempo, de modo que ele tome boa parte ou a maior parte do seu dia. • Muitos preferem o trabalho de criação em pesquisa em horas avançadas da noite. • O que importa é achar e desenvolver seu ritmo de modo consistente. Molde suas práticas de modo a estimular aquelas que aumentam sua habilidade de fazer seu trabalho criativo (Newport, 2013). • •

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Desenhe uma linha divisória entre as demandas do mundo e as suas aspirações se não ficarmos atentos, tarefas que outros consideram importantes não deixarão tempo para aquelas que você considera importante (McGuiness, 2013).

Veja estudos divulgados em Tough (2013:17), Goleman (2013) e Glei (2013).

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Defina um bloco substancial de tempo para gerar um foco sustentado em sua pesquisa, ao menos na maioria dos dias da semana (Newport, 2013).

Estimule sua concentração e foco “Mentes criativas são altamente suscetíveis à distração” (Jarret, 2013). Como preservar o trabalho focado em uma agenda movimentada? • •

Remova-se de interferências, como redes sociais, emails, televisão, ambientes de distração. Retire distrações de seu campo de percepção e atenção.12 Mova a máquina de distrações contra ela mesma: defina tempos para atender emails e acessar redes sociais.

“Mentes criativas devem aprender a treinar sua atenção e controlar sua energia criativa sob as circunstâncias mais caóticas” (Doland, 2013:103). Enfrente seus medos... Imergindo Atividades criativas nos deixam naturalmente inseguros: “temos capacidade de desenvolver essa pesquisa? Temos capacidade de achar uma forma, desenvolver um método, achar esta resposta?” O medo bate facilmente à porta – e pode ser resistente e nos sabotar. Todos que fazem trabalhos criativos têm de achar um modo de lidar com os próprios demônios, de modo a conseguir realizar seu trabalho.13 A estratégia é simples: • Pratique, faça sua pesquisa regularmente, de modo habitual e confiável. • Faça seu trabalho especialmente quando não tiver disposição para fazê-lo. • Mantenha seu trabalho no aqui e agora (as atividades de curto prazo) alinhadas com seus objetivos de longo-prazo.14 Estabeleça “gatilhos associativos” ... como ouvir a um mesmo tipo de música ou arrumar sua mesa de um certo modo. Assim sua mente saberá que é hora de focar na pesquisa.15 Defina a frequência de trabalho Com frequência, temos a ideia de procrastinar até o momento em que o prazo chega, a entrega e o trabalho são inevitáveis. Uma pesquisa não pode ser feita assim. A pesquisa é um fluxo longo, de longo prazo, e precisa de trabalho contínuo. •

Comprometa-se na sua pesquisa em intervalos consistentes – idealmente, todos os dias – de modo a fortalecer seu “músculo criativo” e seu momentum no decorrer do tempo.

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Jarret (2013). Glei e Godin (2013); Rubin (2013). 14 Glei e Godin (2013). 15 McGuinness (2013); veja Belsky (2010). 13

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Ritmo durante a sessão de trabalho • A definição de um ritmo entre gastar e renovar a energia é importante. • Uma forma de fazer isso é justar períodos de tempo – é comum a sugestão de algo como 90 minutos investidos no trabalho, entre pausas.16 Faça tempo (e espaço) para si Tome um tempo para si, sozinho: “crie espaço para a solidão” (Babauta, 2013). Isso contribuirá para descansar, acalmar sua mente, olhar o trabalho com uma distância, observar hábitos improdutivos e processos de pensamento, e concentrar-se.17 “A self-respecting artist must not fold his hands on the pretext that he is not in the mood.” Tchaikowsky (1878)18 “Artists have a vested interest in our believing in the flash of revelation, the so-called inspiration… shining down from heavens as a ray of grace. In reality, the imagination of the good artist or thinker produces continuously good, mediocre or bad things, but his judgment, trained and sharpened to a fine point, rejects, selects, connects… All great artists and thinkers are great workers, indefatigable not only in inventing, but also in rejecting, sifting, transforming, ordering.” Nietzsche (1878) Não espere pelo momento certo Não caia na ilusão de esperar “inspiração” para trabalhar. O ditado de que 95% do trabalho é transpiração é mais do que uma lenda. O que chamamos “inspiração” vem durante a imersão... Na 3ª ou 4ª ou 5ª hora de trabalho. Boas ideias só aparecem na imersão, no fluxo. Defina prazos para si mesmo O que Tchaikowsky e Jack White têm em comum, além de serem músicos brilhantes em suas respectivas eras? Ambos reconhecem a importância da definição de prazos para si mesmo; de se trabalhar dentro de restrições de tempo, e mesmo com recursos limitados – não infinitos (veja Popova, 2014). Torne seu progresso visível Ver os resultados positivos do seu trabalho é um grande motivador no seu cotidiano. Cerque-se de sinais de seu trabalho: publicações, menções, recados de que atingiu certo ponto almejado do trabalho, etc.

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Rubin (2013); cf. McDowell (2013). Belsky (2010; 2013); McDowell (2013). 18 In Popova (2014). 17

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Conheça seus objetivos “A forma mais básica de estupidez humana é esquecer o que estamos tentando realizar” Nietzsche19 “Diga-me ao que você presta atenção e eu direi quem você é” Ortega y Gasset20 Muitos definem listas de coisas para fazer durante o dia ou semana... Mas há atividades e objetivos que são mais complexos, têm mais significado e consistem em itens centrais para nossos trabalhos, esforços e carreiras. • • •

Essas atividades demandam um conjunto complexo de ações concatenadas no tempo envolvendo etapas e objetivos intermediários. Eles demandam energia e foco – mas podem ser elusivos quando tratados como ações cotidianas no aqui e no agora. Por isso, estabeleça e deixe visível para você os objetivos e atividades que quer atingir no tempo – uma lista que seja também um lembrete constante de quais os resultados você quer chegar (Dignan, 2013).

Abandone o perfeccionismo “O artista que busca a perfeição em tudo não a atinge em nada” Eugene Delacroix21 “você é capaz de fazer qualquer coisa, mas não tudo” David Allen22 A atenção ao próprio trabalho, o cuidado com ele, o zelo e a preocupação com sua qualidade são sinais positivos da postura e visão da pesquisadora ou pesquisador. Entretanto, esse cuidado pode ser facilmente afetado por “uma disposição da personalidade caracterizada por uma pessoa lutando para não ter falhas e estabelecendo standards de desempenho excessivamente altos, acompanhadas por auto-avaliações excessivamente críticas e pela preocupação com a avaliação de outros” – “uma disposição a considerar tudo o que está menos que perfeito como inaceitável” (Saunders, 2013). Tendemos naturalmente a usar, para avaliar nosso trabalho, o mesmo critério que o orientou – uma circularidade lógica que nos impede de ver com transparência a qualidade de nosso trabalho. Mesmo presos nessa circularidade, definir standards para avaliar o próprio trabalho é algo também positivo. 19

In Glei (2013:87). In Glei (2013:107). 21 In Glei (2013:200). 22 In Glei (2013:140). 20

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O excesso de cuidado, a definição de standards quase impossíveis de serem atingidos e a insatisfação crônica com os resultados do próprio trabalho podem se tornar sérias barreiras para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa e do próprio amadurecimento da pesquisadora. Uma tendência perfeccionista não deve minar a habilidade de produzir trabalhos interessantes. Precisamos de uma decisão consciente de não deixar o perfeccionismo nos controlar. Conseguir controlar o próprio perfeccionismo permite ter mais alegria com processo criativo e levar a ampliar nossos limites – mesmo a superar certas limitações (Saunders, 2013). Bloqueio criativo: o risco de “travar” em pesquisa Não é incomum ver pessoas com real capacidade e mesmo domínio de um tema “travarem” diante da realização da pesquisa acadêmica. A trava acontece geralmente durante a fase da produção do texto da pesquisa – a dissertação ou a tese. Esse, afinal, é o “produto” tão aguardado, pelo qual a capacidade de investigação será avaliada, julgada por uma banca.23 É o momento de enfrentamento com o resultado do seu trabalho – um momento onde teremos ali, exposto, nós mesmos, transparentes; o texto pode mostrar limitações, erros; nossas incapacidades podem estar reveladas. É um momento portanto de insegurança, de confronto com a própria capacidade. Pessoas que têm sua competência vista em trabalhos anteriores, e que tem uma expectativa alta sobre seu próprio trabalho, são especialmente sujeitas ao risco de travar diante da realização do texto final. Se pensarmos sobre a natureza da pesquisa, veremos que esse risco não é surpreendente. • • • • • •





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Misto de humildade diante do fenômeno e de ambição diante da vontade de descreve-lo, mesmo de “captura-lo” pelo entendimento e pela razão. Muitos caem na sedução da própria capacidade de entender, e em exercícios frequentes de narcisismo e autoindulgência. Não há uma fórmula para evitar o risco de travar. Mas alguns cuidados podem reduzi-lo, ou evita-lo. Entenda antes de tudo que o trabalho de pesquisa é um trabalho complexo, que demanda “atenção”, apreciação, mesmo respeito pelo tema. Se seu tema for digno de pesquisa, ele facilmente evadirá seus esforços de entendimento, e terá dimensões demais para sua tradução completa – em linguagens verbais ou matemáticas. Há dimensões de inefabilidade que cercam qualquer fenômeno complexo, e ele requer muitas abordagens vindas de diferentes lugares, orientações, perspectivas para ter suas tramas de relações e implicações satisfatoriamente entendidas. Portanto, a sedução do autor como “pleno” deve ficar à parte – suspensa no momento do entendimento e no esforço de pesquisa.

Veja McGuiness (2013b).

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Não se preocupe em “deixar uma marca”, tornar-se de cara um “autor de peso”, digno de referência, ou de mostrar seu valor assim, já nesses primeiros trabalhos sistemáticos de pesquisa. Deixe de lado a ideia de escrever imediatamente com estilo, pensando antes do conteúdo, na retórica. Ignore a retórica, não busque escrever “bonito”. ... em decorrência da influência de outras escolas e de nossa própria cultura, costumamos confundir retórica com qualidade de raciocínio. A mesma ideia pode ser comunicada de forma rebuscada ou de forma simples. Se de forma rebuscada, poderá impressionar sobretudo aqueles que se deixam seduzir pelas aparências. Se simples, sua ideia será entendida pelo que ela realmente é, e apreciada ou não. O risco de impressionar diminui, mas a honestidade estará lá com certeza. Sua contribuição poderá ser reconhecida claramente assim. Essa “vontade de estilo” também paralisam pesquisadores: escrever um texto, colocar a explicação em palavras, na linearidade inescapável do raciocínio na forma do texto, já são um tremendo desafio. Ter de fazer isso se preocupando ainda com a retórica, em escrever “bonito”, em mostrar domínio e gerar efeitos impactantes com palavras, seu ritmo e som, pode ser um peso grande o bastante para travar o autor ou autora em seu esforço.

Alguns expedientes podem ser úteis: • Imersão é a primeira resposta prática. • Escreva sempre, o tempo todo. • Escreva em notas informais, continuamente. • Assim, o texto tido como “final” virá como parte de um hábito, um processo contínuo – apenas como uma edição e revisão, digamos, das notas e ideias registradas na forma de textos. • Produza seu texto como um rascunho para si mesmo – não para ser mostrado, mas como registro da sua abordagem, forma de pensar e tratar o tema. • Evite digitar diretamente dentro do arquivo “final” da dissertação, tese ou artigo. Produza rascunhos. • Eventualmente, esse rascunho será revisado, e convertido em outro arquivo, aí sim mais próximo de um arquivo final ou um arquivo para ser mostrado a uma orientadora ou banca. Essa transição será gradual, e ela não deve ser antecipada. • Escreva de maneira simples: preocupe-se apenas em comunicar com a maior clareza que puder sua ideia. Preocupe-se em comunicar bem a ideia. Lembre-se: o pesquisador serve à ideia (Weber, 1991). A ideia, a explicação, e as finalidades práticas as quais ela poderá servir, são o que importa nesse momento.

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Reconheça suas limitações • Veja suas limitações como uma forma de conhecer o que você pode fazer, e não como um impedimento. • Trabalhe a partir delas. • Elas ativam seu pensamento criativo. Não vá apenas no “piloto automático” Se a rotina é um aspecto importante do trabalho de pesquisa, abrindo espaço para que as ideias venham e se desenvolvam e conectem com outras ideias (incluindo as de outros autores), a pura repetição de tarefas pode ser um inimigo do insight. Dose risco e probabilidade de atingir resultados Seja experimental: explore abordagens não-ortodoxas – até mesmo improváveis – para resolver os problemas ou pontos mais difíceis da pesquisa, e teste o que acontece. A pesquisa é um esforço de experimentação – é uma aventura intelectual. Abrir mão disso em nome da segurança de se evitar riscos de abordagem é uma atitude conservadora que não ajudará sua contribuição. Dose risco e probabilidade de atingir os resultados dentro do tempo de pesquisa. Alterne entre trabalho significativo e trabalho trivial A alternância faz o cérebro descansar, recupera energias... e dá ao cérebro tempo de processar problemas complexos em um modo relaxado (Doland, 2013). Multitarefas: é possível mesmo fazer várias coisas ao mesmo tempo? Não há o fazer multitarefas – há o multiswitching – pular de uma coisa para outra, fazer a mente mudar entre uma e outra demanda. O desempenho em todas essas tarefas termina levando mais tempo, e leva a redução de precisão e qualidade. Dominar essas atividades vai levar mais tempo.24 •

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A pessoa multitarefas tira o foco da prioridade – mais do que se pensa. Seu email ou facebook aberto toma mais da sua energia do que você pensa: ele oferece a excitação da comunicação inesperada – que o tirará do fluxo criativo ou da realização É bom trabalhar em mais de um projeto ao mesmo tempo – digamos, por variedade? Deixar trabalhos inacabados significa que eles ficarão na sua cabeça, afetando sua energia e concentração – um efeito chamado “resíduo de atenção” É difícil abandonar desafios não finalizados – eles continuam drenando nossa energia mental depois que achamos ter mudado de foco para outro trabalho. Assim, busque o fechamento da atividade (e o fechamento mental) de modo a aplicar sua energia toda ao próximo desafio ou tema.25

Jarret (2013). Derivado de Jarret (2013).

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Gerencie seu tempo: emails • Emails são uma forma-chave de conversar, trocar ideias, ganhar informação, estimular a criatividade. • Entretanto, um estudo recente do McKinsey Global Institute aponta que o trabalhador no setor informacional consome 28% do seu tempo escrevendo, lendo ou respondendo emails. • Isso aponta que estamos gastando muito tempo com eles. • É necessário achar meios de melhorar nosso uso do email. • Rotule emails para acesso mais fácil • Use um método para deixar os emails importantes mais visíveis • Rastreie seus emails, de modo a saber quando são lidos • Crie modelos de emails para usar e reduzir tempo • Limite seus emails a 5 linhas ou menos • Evite o excesso de recebimento de newsletters • Use um plug-in social para ver as caras atrás de seus e-mails.26

* Veja também “Como definir o problema de pesquisa e escrever um texto científico”, em: https://www.academia.edu/5626164/Como_definir_o_problema_de_pesquisa_e_escrever_um_texto_cient%C3%ADfico

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Veja Dignan (2013).

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