Criatividade espontaneidade e tecnica no Sistema Impro e na pratica da improvisacao como espetaculo no Brasil

May 27, 2017 | Autor: Mariana Muniz | Categoria: Improvisation, Theatre Studies
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Criatividade, espontaneidade e técnica no Sistema Impro e na prática da improvisação como espetáculo no Brasil1. M I G U E L , Di o g o Ho rta ( SE SC Palladiu m) 1 e M UN IZ , M arian a L ima( UFM G ) 2

Resumo: Este texto reflete sobre a percepção da criatividade, da espontaneidade e da técnica no ensino da improvisação teatral, tendo como referência o Sistema Impro de Keith Johnstone. A partir de uma pesquisa comparativa realizada na EBA/UFMG e na UFSJ de 2012 a 2014, buscamos identificar como se desenvolveu o ensino da improvisação nestes contextos e os problemas enfrentados com relação a uma percepção limitada da prática da improvisação como espetáculo no Brasil. Palavras-chave: Técnica. Espontaneidade. Improvisação. Abstract: This work discusses the perception of creativity, spontaneity and technique on theatrical improvisation teaching, having as reference the Impro System of Keith Johnstone. From a comparative research done at EBA/UFMG and at UFSJ from 2012 to 2014, we aim at identifying the development of improvisation teaching in this context and the problems confronted in a limited perception of improvisation as performance in Brazil. Keywords: Technique. Spontaneity. Improvisation.

1 Artigo recebido em 31/1/2015 e aceito em 07/06/2015. 2 Diogo Horta ([email protected]) é mestre em Artes e Tecnologia da Imagem pela EBA/UFMG, ator e professor de improvisação da UMA Companhia, tendo sido professor temporário do curso de Graduação em Teatro da UFSJ de 2011 a 2013. Atualmente é curador do SESC Palladium.

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3 Mariana de Lima e Muniz ([email protected]) é doutora em História, Teoria e Prática do Teatro pela Universidad de Alcalá, professora Titular da EBA/UFMG e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG.

Introdução O Sistema Impro (DUDECK, 2013) é um conjunto de princípios, conceitos e práticas que tem como foco a criação de improvisações teatrais, criado pelo diretor e professor inglês Keith Johnstone nas décadas de 1950 e 1960. A pesquisa de Johnstone, bem como a de outros autores (FROST; YARROW, 2007; ÁNGEL, 2012) , possibilitou a criação de um gênero teatral que se dá pela realização de espetáculos improvisados diante do público, denominado Impro. Este gênero é um dos principais expoentes do que Muniz (2015) chamou de “improvisação como espetáculo” e foi difundido em vários países do mundo. As pesquisas que culminaram na experiência da improvisação diante do público partiram do desejo de redescobrir e encorajar a espontaneidade e a criatividade, tendo na improvisação teatral seu meio de trabalho. Assim, Keith Johnstone (1992) criou princípios, conceitos e práticas que deveriam ser exercitados para que o indivíduo pudesse reencontrar seu poder criativo. Na pesquisa de mestrado intitulada “O Sistema Impro na formação universitária em Teatro: experiências nos cursos de graduação em Teatro da EBA/UFMG e da UFSJ” (HORTA, 2014), pudemos aplicar, observar e refletir sobre a prática deste sistema em um contexto de formação em teatro. Partiremos desta pesquisa para refletir, no presente artigo, sobre a relação entre a criatividade, a espontaneidade e a técnica no ensino da improvisação. Primeiramente buscaremos definir criatividade, espontaneidade e técnica sob a ótica do sistema de Johnstone. Posteriormente, analisaremos como se dá a prática da Impro enquanto técnica a serviço da criação do indivíduo. E por fim, refletiremos sobre alguns problemas observados com relação à prática das propostas de Johnstone no Brasil, considerados, em nossa pesquisa, limitadores para a percepção desta técnica. Criatividade, espontaneidade e técnica A improvisação teatral está associada no Sistema Impro, assim como em outros processos de trabalho como de Willian Layton (2011) ou Viola Spolin (2005), com o tema da criatividade e da espontaneidade, passando pela compreensão de uma técnica que pode ser compartilhada. Keith Johnstone (1992) afirma que queria desenvolver a espontaneidade, uma vez que, segundo ele, em uma educação normal, tudo está desenhado para suprimi-la. Por isso, o seu sistema se constitui como uma abordagem para o treinamento do ator e para a prática teatral que encoraja a espontaneidade, a criação colaborativa e as respostas

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imaginativas sem censura por parte dos participantes (DUDECK, 2013). Johnstone dedicou grande parte de seu trabalho ao tema da criatividade, entendendo que a natureza do homem, sendo este dotado de inteligência, é criar, e essa criação deve ser permitida, desenvolvida e potencializada. William Gaskill, citado por Irving Wardle na introdução do primeiro livro de Johnstone Impro - Improvisation and the theatre (1992, p. 09), diz que o trabalho dele “foi feito para encorajar a redescoberta da resposta imaginativa no adulto; o reencontro do poder de criatividade da criança”4. A criatividade seria, nesse sentido, inata ao homem e precisaria ser redescoberta, desbloqueada. A criatividade está relacionada à produção de soluções novas para problemas dados (LUBART, 2011; KASTRUP, 2005). Johnstone busca uma disposição para a criação, independente se o que é produzido se configura como novo ou não. Segundo ele, a “criatividade é mais uma questão de “prestar atenção” do que de “pensamento”, e que ler um livro pode ser uma ato tão criativo quanto escrever um (embora menos difícil)”5 (JOHNSTONE, 1999, p. 195). Essa proposição dialoga com o entendimento de Stephen Nachmanovitch (1993) que afirma que a criatividade não é uma questão de fazer surgir o material, mas de desbloquear os obstáculos que impedem o seu fluxo natural. Esta compreensão, por sua vez, está próxima do que Virginia Kastrup (2005) chama de invenção. Para a autora, inventar é revelar algo que estava escondido, oculto, coberto por camadas históricas. A criatividade no Sistema Impro pode ser entendida, portanto, como uma disposição para a criação que se relaciona com o desbloqueio e a fluidez de ideias a partir do que o sujeito é. Com relação à espontaneidade, Jacob Leví Moreno (1977) afirma que ela é uma das características da criatividade, sendo a habilidade de um indivíduo de enfrentar cada nova situação adequadamente. Nesse sentido, Johnstone entende que a espontaneidade é uma habilidade chave para o desbloqueio, a partir da compreensão de que os processos criativos estão bloqueados no indivíduo. No Sistema Impro, a partir da compreensão de criatividade apresentada anteriormente, percebe-se que a espontaneidade é parte da criatividade, sendo os dois processos apresentados como simultâneos, no qual ambos estão relacionados com o fator do desbloqueio e da criação permitida a partir dele.

4 Tradução nossa. “Has been to encourage the rediscovery of the imaginative response in the adult; the refinding of the Power of the child’s creativity”.

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5 Tradução nossa. “Creativity is a matter of ‘attending’ rather than ‘thinking’, and that reading a book might be as creative an act as writing one (although less arduos)”.

Kastrup (2001) entende a espontaneidade como uma atitude natural, o que se opõe à invenção uma vez que esta tem a necessidade de ser cultivada. Para Johnstone, no entanto, a espontaneidade e a criatividade, entendidas como uma habilidade e uma disposição, também devem ser cultivadas e treinadas. No entanto, isso não deve ser feito no sentido de ensinar o outro a ser espontâneo ou criativo, mas treinando o sujeito para se distanciar dos aspectos que o impedem de agir espontânea e criativamente. É nesse sentido que o Sistema Impro entende a técnica, como um “modo de fazer” (HOLESGROVE, 2012) que cultiva a espontaneidade e a criatividade, permitindo ao aluno trabalhar com a improvisação e aprender a partir da experiência. Uma característica essencial da técnica é estar relacionada à experiência, à transmissão oral e à tradição (MAUSS, 2002). Portanto, perceber a improvisação como essencialmente prática, pertencente a uma tradição oral (MADSON, 2005) e fundada na experiência se torna fundamental para entendê-la como uma técnica. Dessa forma, a técnica na improvisação é um “modo de fazer” que aponta para a desconstrução de “modos de fazer” que inibem a criatividade e a espontaneidade. Ou seja, o Sistema Impro visa experimentar procedimentos que permitam ao indivíduo criar e agir sem bloqueios no teatro e na vida cotidiana, conduzindo-o a uma prática teatral através da improvisação e levando-o, consequentemente, a uma experiência e formação para estar em cena diante dos outros, criar em parceria histórias e personagens e aprofundar a vivência em elementos chaves para a compreensão da linguagem teatral. Nesse processo, é fundamental a base filosófica do Sistema Impro que encoraja a espontaneidade, a criação colaborativa, a cooperação entre os indivíduos e a benevolência a fim de criar uma atmosfera propícia para o desenvolvimento do aluno. Estes princípios permitem que o entendimento dos princípios e conceitos se constitua em uma base sólida sobre a qual se constrói a prática improvisacional, como será apresentado a seguir. A impro em ação Desenvolvemos no programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG - EBA/UFMG uma pesquisa de mestrado sobre a formação universitária em teatro a partir do ensino da improvisação teatral na EBA/UFMG e na Universidade Federal de São João del-Rei UFSJ, tendo como base o Sistema Impro de Keith Johnstone. Durante um semestre da disciplina intitulada “Prática de Atuação: Teorias e Métodos de Atuação Cênica: Impro” na UFSJ e dois semestres da disciplina intitulada “Oficina de Improvisação

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II” na UFMG, pudemos observar, analisar e colocar em prática princípios e conceitos do Sistema Impro a fim de refletir sobre a formação universitária em Teatro, no que diz respeito à improvisação. No período da coleta de dados, estas disciplinas foram ministradas, na UFMG e na UFSJ, pelos autores do presente artigo. Os alunos preencheram questionários e relatórios sobre as aulas a fim de identificar pontos importantes da experiência que foram cruciais para a formação em improvisação. A análise final da pesquisa permitiu cruzar os dados dos alunos de ambas as instituições e dialogar com as referências especializadas sobre o tema gerando apontamentos sobre o processo de ensino-aprendizagem em Teatro, tanto pela ótica do professor quanto pela do aluno. O Sistema Impro foi desenvolvido por Keith Johnstone a partir de conceitos operativos e princípios básicos que foram o eixo da sua experiência em sala de aula. A partir da leitura e análise dos livros do autor e de pesquisadores sobre o tema, além da vivência prática do sistema como atores e diretores, observamos oito conceitos operativos centrais e alguns princípios básicos que foram norteadores para a proposta pedagógica nas disciplinas supracitadas. Os conceitos de escuta, primeiras ideias, oferta, aceitação, quebra de rotina, reincorporação, círculo de probabilidade e Status6 são definidos e abordados por Johnstone no decorrer de sua obra, sendo conceitos interdependentes e que trabalham junto com os princípios básicos também descritos pelo autor inglês. A partir de jogos e exercícios, portanto, estes conceitos e princípios foram trabalhados conduzindo os alunos no desenvolvimento de cenas teatrais improvisadas. Cabe ressaltar que o jogo no Sistema Impro se constitui como uma atividade com regras e sem um objetivo fixo ou conteúdo único a ser aprendido. Enquanto que o exercício se constitui como uma atividade na qual os objetivos são específicos, há um ponto de chegada e as regras são mais fluidas. O processo das aulas foi pensado com intuito de trabalhar em um primeiro momento a espontaneidade, através dos exercícios de escuta, primeiras ideias, oferta e aceitação. Posteriormente deu-se início o trabalho com a cena improvisada, para o qual é importante a noção de dramaturgia, atuação e direção, desenvolvida através destes e de outros conceitos. Dessa forma, os alunos são provocados a agir e reagir de forma a permitir a criação, em primeiro lugar. Depois, eles são encorajados a improvisar cenas diante dos demais alunos, que se colocam como público no processo das aulas, aprofundando em elementos teatrais importantes para a formação do ator e do professor de Teatro.

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6 Mais informações sobre os conceitos de Keith Johnstone podem ser encontradas em Johnstone (1992; 1999), Horta (2014) e Muniz (2015).

Um dos temas constantemente abordados pelos alunos nos relatórios das aulas, tanto na UFMG, quanto na UFSJ, foi a liberdade de criação experimentada a partir dos jogos e exercícios do sistema, atingindo o primeiro objetivo das disciplinas. Foi relevante perceber, no entanto, que esta liberdade está intrinsecamente relacionada a um limite imposto em determinada prática. Ou seja, quando os alunos estão livres para improvisar sem premissas ou regras, eles tendem a ter mais dificuldade do que quando possuem indicações de ação, fala ou objetivos a cumprir em cena. Spolin (2005) através dos jogos de solução de problemas identifica o mesmo processo, fazendo com que seus alunos busquem sempre resolver o problema teatral apresentado, focando em determinado elemento. Os jogos de Johnstone são mais livres no que diz respeito a regras e a cobrança dos atores, assim como não estão voltados para a solução de problemas específicos, no entanto, a prática é sempre baseada em conceitos centrais que indicam claramente um procedimento, uma técnica a ser usada em cena. O conceito de Aceitação, por exemplo, apesar de observações específicas que podem ser feitas em determinados casos, indica que é preciso dizer “sim” a todas as propostas para que a improvisação aconteça. Este é um conceito básico e que limita, no bom sentido, a resposta do aluno, fazendo com ele aprenda a valorizar o outro e as primeiras ideias que apareçam em cena. Outro conceito que dialoga com o “modo de fazer” na improvisação é o Status que tem como objetivo fazer o aluno perceber como as relações se dão – sejam elas entre dois sujeitos, ou entre um sujeito e um espaço ou objeto – e como ele pode criar uma cena a partir destas relações. Quando Johnstone (1992) utiliza o conceito de Status ele não está se referindo ao status social, ou seja, a posição que um sujeito ocupa na sociedade. O termo Status se refere à posição que o sujeito ocupa com relação ao outro, independente da sua posição social. Ainda com relação ao Status, Johnstone define o princípio da gangorra, que rege todas as relações, dizendo que em uma relação se o Status de alguém sobe, o do outro abaixa, e vice-versa. O entendimento e prática deste conceito proporcionou um avanço nas improvisações tanto da UFSJ quanto da EBA/UFMG a partir do momento em que os alunos se conscientizaram das possibilidades de relações existentes em cena e passaram a jogar com elas. O Status é assim um elemento que ajuda o aluno a se deter em um ponto para criar, nesse caso a relação com seu companheiro, com o espaço ou com o objeto. Além disso, alguns dos exercícios de Status ainda possuem uma espécie de estrutura e propõem objetivos para os alunos em cena, como o exercício “Transferência de Status” no qual os personagens devem começar a cena com um Status e terminar com o Status oposto, criando a cena a fim de percorrer esse caminho que leva de um lado ao outro da gangorra.

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Observamos que essa estrutura que vai do início ao fim da cena tranquilizou alguns alunos, que demonstraram mais segurança para improvisar, uma vez que eles tinham um percurso “do que fazer”, embora fossem improvisar o “como fazer”. A partir dessa percepção de que estruturas, roteiros prévios ou até mesmo pequenos diálogos (como propõe Johnstone) nas improvisações contribuíram para a formação dos alunos tanto na UFMG, quanto na UFSJ, pudemos concluir que se trata de uma etapa importante para a transmissão da técnica no Sistema Impro. Desenvolver a criatividade e a espontaneidade neste sistema diz respeito, portanto, a proporcionar uma experiência de criação baseada em pautas precisas e que cultivam o processo criativo do aluno, fazendo-o entender sua própria maneira de lidar com as ideias e com o ato de criação em si. Dessa forma, pode-se perceber que a técnica alimenta a criatividade e espontaneidade e vice-versa, em um processo dinâmico de interdependência no qual o sujeito é central para o seu próprio aprendizado. Como pudemos observar na pesquisa realizada, os alunos desenvolvem a partir da experiência com a Impro, um trabalho sobre si mesmos, identificando e alterando posturas, procedimentos e ações a fim de improvisar, criar e atuar diante do público. No Sistema Impro não existe, portanto, um formato a ser seguido na improvisação, sendo o aluno responsável por trilhar seu caminho, assim como o é o professor. No entanto, em nossas experiências como professores de improvisação, pudemos observar diversos momentos em que os alunos se distanciam de si mesmos e daquilo que acontece em cena para reproduzir um padrão de improvisação visto na televisão ou na internet que acaba se tornando um limite para a prática e percepção do Sistema Impro como um todo, fato que analisaremos adiante. Criação no instante e diante do público A Impro, enquanto gênero teatral, começou a ser difundida no Brasil no início dos anos 2000 com a estreia, em 2002, do espetáculo Jogando no Quintal em São Paulo, considerado o primeiro do gênero no país (HORTA, 2014). A partir de então, outros grupos se formaram em Minas Gerais e Rio de Janeiro (a UMA Companhia e o Teatro do Nada, respectivamente), corroborando para a difusão desta linguagem e das pesquisas de Keith Johnstone. Durante nossa pesquisa, saímos a campo na internet e tratamos de localizar e entrevistar todos os grupos de improvisação que pudemos encontrar na rede. Segundo os dados levantados entre 2013 e 2014, o Brasil possui, atualmente, 32 grupos de Impro, dentre os quais 75% se encontram na região sudeste e aproximadamente 77,7% foram criados após o ano de 2008 (HORTA,

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2014). A criação destes grupos coincide com a grande repercussão do espetáculo de improvisação Improvável, da Companhia Barbixas de Humor e da estreia dos programas de televisão Quinta categoria da MTV (2008 a 2011) e É tudo improviso da Rede Bandeirantes (2010 a 2011). O espetáculo Improvável, estreado em 2008, parte de um trio de humoristas paulistanos, com experiência em Stand Up e em esquetes cômicas. O espetáculo foi criado inicialmente com poucas referências sobre o Sistema Impro e a partir de uma estrutura de jogos de improvisação popularizadas pelo programa televisivo inglês Whose Line Is It Anyway?7. Para Hércules (2011), devido à formação de humorista da companhia Barbixas, a construção das cenas do grupo está em geral, focada em tiradas cômicas, rápidas e de efeito. A difusão do grupo e seu conhecimento em nível nacional podem ser percebidos pelo número de acessos aos vídeos do espetáculo Improvável no canal de vídeos da internet YouTube, que começaram a ser postados em 2008 desde sua primeira apresentação nos palcos. A partir de então, o grupo entrou para a lista dos indicados da semana do YouTube, aumentando exponencialmente sua divulgação e acesso. Em dezembro de 2012, o canal do grupo no YouTube atingiu a marca de 300 milhões de acessos, sendo que esse número cresce constantemente. A qualidade técnica dos vídeos, bem como da execução dos jogos praticados pelos Barbixas é notável e vem sendo reconhecida também pelos convites que o grupo já recebeu para participar dos principais festivais internacionais de improvisação no Brasil e na Ibero-américa. A partir de seu sucesso repentino, os Barbixas começaram um treinamento contínuo de improvisação com Márcio Ballas, diretor do espetáculo Jogando no Quintal, e com o improvisador colombiano Gustavo Miranda, do grupo Acción Impro, mantendo uma prática semanal de Impro para além da apresentação de seus espetáculos. Em 2011, o grupo foi a Calgary, Canadá, para a realização de um workshop de dez dias com Keith Johnstone, aprofundando na pesquisa e prática da Impro tendo como referência o professor inglês. Os Barbixas também integraram a programação do programa Quinta Categoria da MTV que era um programa de jogos de improvisação com foco exclusivo em cenas cômicas. E o já referido diretor do Jogando no Quintal, Márcio Ballas, assumiu a função de apresentador do programa da Rede Bandeirantes É tudo improviso que contava com elenco de improvisadores variado e também era focado em improvisações cômicas. Em que pese a constante busca da Cia. Barbixas por uma formação continuada e de qualidade, percebemos em nossa pesquisa que a difusão de seu principal espetáculo e dos referidos 7 Programa televisivo no qual os atores realizam jogos de improvisação (de natureza cômica). Whose Line surgiu na Inglaterra em 1988 e foi inicialmente exibido no Channel 4 até o ano de 2006. Segundo Dudeck (2013) o Teatro-esporte de Keith Johnstone foi a inspiração para o surgimento deste programa.

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programas de televisão popularizaram apenas uma forma de improvisar, deixando de lado aspectos importantes da filosofia e técnica do Sistema Impro em prol do riso constante da plateia. Por esse motivo, pudemos observar que as experiências da quase totalidade dos grupos de Impro recentes apontam para a ênfase em espetáculos de jogos e no trabalho com a comicidade. Através das entrevistas realizadas, pudemos concluir que a formação em Impro se deu, em muitos destes grupos, de maneira intuitiva e sem uma busca pela ampliação de suas referências artísticas, teóricas ou metodológicas. A pesquisadora brasileira Vera Cecília Achatkin (2010) corrobora para este resultado ao alertar sobre os espetáculos que, diante da perspectiva de ganho rápido, esquecem, ou até mesmo desconhecem, os fundamentos da Impro. Parece-nos que a banalização e a superficialidade são um risco para a Impro no Brasil e, consequentemente, para a compreensão das propostas de Johnstone. Para o autor britânico, os focos principais de seu trabalho são a cooperação com o outro e o trabalho com a criação, o que muitas vezes é esquecido na busca pela próxima piada. Durante as aulas na UFSJ foi possível observar alunos que tentavam reproduzir características, piadas e elementos engraçados com a tentativa de agradar o público, no caso os próprios alunos na sala de aula. Na UFMG isso também se deu, ainda que de forma menos evidente. Acreditamos que o acesso que os estudantes da capital tiveram a diversos espetáculos de improvisação realizados pela Uma Companhia ou trazidos pelo FIMPRO – Festival Internacional de Improvisação, tenha contribuído para essa diferença percebida. Sendo assim, concluímos ter sido importante o acesso dos alunos, do interior e da capital, a outras formas de improvisar na sala de aula, ampliando seu leque de possibilidades e referências. Além disso, estivemos atentos para que fatores relacionados ao riso não se tornassem critério único nos comentários sobre as cenas. As observações do professor podem contribuir nesse aspecto, discutindo sobre a busca somente por cenas engraçadas e pelo riso fácil. Parecenos importante provocar nos alunos a observação de que a improvisação em si, por lidar com o inesperado, já se aproxima do território do riso, mas que é possível despertar o interesse do público de formas diversas. Consideramos importante desmistificar essa ideia de que a improvisação será sempre engraçada (MADSON, 2005). Muitas cenas durante o processo na UFSJ, e também durante o processo na UFMG, foram para outros territórios que não os da comédia. Nesse sentido, reconhecer a importância e o valor do cômico no teatro e na arte e a possibilidade de explorar este universo em conjunto com outros territórios (o dramático, o lírico, o melodramático, a tragédia, entre outros) foi importante para aprofundar na prática da improvisação.

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Sendo assim, consideramos que a experimentação das técnicas de improvisação deve se dar na prática e a partir do entendimento (em um sentido amplo) da filosofia que sustenta esta prática. Do contrário, parece-nos que a técnica, enquanto modo de fazer, se transforma em modo de reproduzir, levando o sujeito a se distanciar de sua criatividade e espontaneidade, de forma paradoxal. Considerações finais A percepção das conexões entre criatividade, espontaneidade e técnica no Sistema Impro nos levam a refletir que, mesmo a partir de uma prática determinada, o ensino da improvisação é fruto, principalmente, do encontro entre alunos e professores dentro do contexto no qual estão inseridos. Pudemos constatar em nossa pesquisa que o aprendizado foi diferente para cada aluno uma vez que foi a partir da própria experiência que ele pôde se conhecer melhor e iniciar seu processo individual na improvisação. Por esse motivo, acreditamos que a técnica na improvisação não deve ser vista como um modo de fazer fixo, como uma resposta determinada para estímulos diversos. Pudemos comprovar que este foi o modo de trabalho de diversos grupos de improvisação brasileiros recentes que tiveram na internet e na televisão o único contato com a linguagem da Impro. Neste sentido, parece-nos importante que estes grupos possam ampliar seus repertórios a partir do encontro com experiências diversas no campo da prática e do ensino da improvisação. Observamos que em Belo Horizonte, devido provavelmente a existência de um grupo de improvisação com trajetória e de um festival internacional de improvisação já em sua quinta edição, essas referências são mais diversificadas contribuindo para nossa experiência pedagógica na UFMG. Na UFSJ, onde esse acesso ainda é restrito, percebemos que o contato com o Sistema Impro foi fundamental para ampliar as possibilidades artísticas e metodológicas da improvisação como espetáculo. Assim, consideramos que as premissas do Sistema Impro possibilitaram nos dois contextos analisados uma experiência teatral única, fruto da percepção/compreensão de mundo do aluno, ampliando suas habilidades de criação e dando confiança para improvisar diante do outro. Referências ÁNGEL, Gustavo Miranda. Una obra de Teatro. Dramaturgia compartida. 247 f. Dissertação (Maestría en dirección y dramaturgia). Facultad de Artes, Universidad de Antioquia, Medellín,

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Colômbia, 2012. DUDECK, Theresa Robbins. Keith Johnstone: A Critical Biography. London: Bloomsbury Methuen Drama, 2013. FROST, Anthony.; YARROW, Ralph. Improvisation in drama. Second edition. New York: Palgrave Macmillan, 2007. HÉRCULES, Thaís Carvalho. Jogando no Quintal: a (re)invenção na relação entre palhaço e impro. 146 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São Paulo, 2011. HOLESGROVE, Thomas. Técnica e espontaneidade: uma comparação das obras de Jerzy Grotowski, Viola Spolin e Kristin Linklater. Revista aSPAs. v. 2, n.1, p. 141-150, dez. 2012. HORTA, Diogo. O Sistema Impro na formação universitária em teatro: experiências nos cursos de graduação em teatro da EBA/UFMG e da UFSJ. 168 f. Dissertação (Mestrado em Artes). Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, 2014. JOHNSTONE, Keith. Impro. Improvisation and the theatre. New York: Routledge, 1992. ____. Impro for Storytellers. New York: Routledge, 1999. KASTRUP, Virgínia. Aprendizagem, arte e invenção. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 1, p. 17-27, jan./jun. 2001. ____. Políticas cognitivas na formação do professor e o problema do devir-mestre. Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 93, p. 1273-1288, Set./Dez. 2005. LAYTON, William. ¿Por qué? Trampolín del actor? Novena edición. Madrid : Editorial Fundamentos, 2011. LUBART, Todd. Psychologie de la créativité. Paris : Armand Colin, 2011. MADSON, Patricia Ryan. Improv Wisdom: don’t prepare, just show up. New York: Bell Tower, 2005. MAUSS, Marcel. Les techniques du corps. Edição eletrônica realisada por Jean-Marie Tremblay, 2002. Disponível em: . Acesso em 15 de dezembro de 2014.

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MORENO, Jacob Leví. Teatro de la espontaneidad. Ed. Vancu C.A. México, 1977. MUNIZ, Mariana Lima. Improvisação como espetáculo: processos de criação e metodologias de treinamento do ator-improvisador. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015. NACHMANOVITCH, Stephen. Ser criativo – O poder da improvisação na vida e na arte. 5ª Ed. São Paulo: Summus, 1993. SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.

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