Crime, bancos de dados genéticos e tecnologia de DNA na perspetiva de presidiários em Portugal

June 14, 2017 | Autor: Helena Machado | Categoria: Prisons, Crime, DNA profiling, forensic genetics, DNA databasing
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Crime, Bancos de Dados Genéticos e Tecnologia de DNA na perspectiva de presidiários em Portugal1,2 HELENA MACHADO

Introdução Preocupações contemporâneas com o controle do crime e com a segurança pública, conjugadas com a autoridade epistêmica da ciência genética, fizeram com que, desde a década de noventa do século XX, vários países procurassem o auxílio da tecnologia de identificação de indivíduos por DNA3 para apoiar a investigação criminal.

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Este texto foi produzido no âmbito de pesquisa financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ministério da Educação e Ciência), Projeto ““Base de dados de perfis de ADN com propósitos forenses questões atuais de âmbito ético, prático e político”” (FCOMP-01-0124-FEDER-009231) e bolsa de pós-doutoramento SFRH / BPD / 34143 / 2006.

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Este texto beneficiou de contributos inestimáveis de muitos colegas e colaboradores. A Claudia Fonseca, Susana Silva, Barbara Prainsack, Manuela Cunha e Filipe Santos, pelos comentários ao meu trabalho e pelos percursos partilhados no questionamento crítico das inter-relações entre cultura, genética e controle social. A Diana Miranda, pela preciosa colaboração no trabalho de campo. A Daniel Maciel, pelo cuidadoso trabalho de revisão editorial. Agradeço ainda o apoio institucional da Direção Geral dos Serviços Prisionais e o financiamento facultado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ministério da Educação e Ciência), Portugal.

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O DNA (Deoxyribonucleic acid) é a molécula em que se encontram codificadas as características genéticas de cada pessoa. Por vezes, em textos em português, usa-se a formulação ADN (correspondente a ácido desoxirribonucleico), que é uma tradução da sigla DNA. Contudo, usarei a sua designação em inglês, ou seja, DNA, por ser a designação aprovada pela Sociedade Internacional de Bioquímica.

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Na perspectiva de atores do sistema de justiça criminal (advogados, jurados, juízes, procuradores), da mídia, de políticos e mesmo de cientistas forenses, a tecnologia de DNA tornou-se uma espécie de ““máquina da verdade”” (Lynch et al., 2008) ou super-herói tecnológico, capaz de superar vários obstáculos tradicionalmente colocados à investigação criminal. A identificação por DNA é muitas vezes descrita como a maior descoberta na ciência forense desde a tradicional impressão digital. Na atualidade, a tecnologia de DNA é comumente usada para a identificação de autores e vítimas de crimes, vítimas de catástrofes para o estabelecimento dos laços de parentesco entre indivíduos, dos quais o mais vulgarmente posto em dúvida é o de paternidade (Fonseca, 2005). O primeiro banco de dados de perfis de DNA para uso policial foi criado em 1995, na Inglaterra e País de Gales, e é hoje, proporcionalmente ao número de habitantes, o maior do mundo ao cobrir 10% da população4 (ENFSI, 2011). A utilidade prometida dos usos da tecnologia de DNA, apresentada como instrumento que pode identificar criminosos e ilibar inocentes com um grau de certeza considerado imbatível, mas também prevenir e dissuadir a prática do crime, surge associada a uma esperada aceitação dos seus benefícios por parte de diversos grupos sociais (Gamero et al., 2004). Não obstante as incertezas e vulnerabilidades das aplicações da tecnologia do DNA –– por exemplo, a contaminação ou degradação de amostras na cena de crime, dificuldades na preservação da cadeia de custódia em vestígios biológicos, erros laboratoriais no manuseamento de amostras, falsas correspondências e falsas eliminações, assim como erros na interpretação de prova genética em tribunal (Costa, 2003; McCartney et al. 2010: 65-71) –– certo é que a capacidade da genética forense para alcançar a heterogeneidade intraindividual –– ou seja, para tornar um corpo distinguível, aos olhos da ciência, de todos os outros –– faz com que, nas palavras de Simon Cole, sociólogo norte-americano especialista em sociologia da ciência forense e ex-agente policial, o DNA represente, para muitos sectores da sociedade, nomeadamente para juízes, procuradores, advogados e políticos, uma ““miraculosa demonstração do poder da ciência para atingir a verdade”” (Cole, 2002: 169). A credibilidade na eficácia do DNA como método de identificação reside no seu elevado potencial de individualização, facultada pela análise de zonas genômicas supostamente características de cada indivíduo e que produzem, assim, uma ““impressão digital genética”” (Amorim, 2002). A comparação das ““impressões

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O banco de dados de perfis de DNA do FBI é o maior do mundo, mas cobre cerca de 3% da população dos EUA (FBI, 2011).

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Embora uma nova epistemologia da identificação forense reclame hoje que é impossível alcançar a individualização ““perfeita”” (Cole, 2009), devendo-se falar de probabilidades e não de certezas (Koehler e Sacks, 2010; Kaye, 2009), o DNA é, geralmente, encarado pelas instâncias científicas como sendo, do ponto de vista meta teórico, uma estrutura biológica única em cada indivíduo (com exceção dos gêmeos monozigóticos5). Este pressuposto de unicidade tem servido de pilar para a crescente expansão de bancos de dados genéticos um pouco por todo o mundo, que servem propósitos de identificação forense no âmbito de investigação criminal (Machado, Silva e Amorim, 2010). Passando a concretizar o que foi explicado atrás: recolhendo-se vestígios biológicos (como por exemplo, sangue, cabelo, saliva e esperma) de uma cena de crime e após extração de perfil genético, pode-se comparar o perfil obtido com perfis de DNA já armazenados em banco de dados genéticos criados para identificação forense. Obter-se-á ou não uma coincidência entre a amostra colhida do local de crime e determinado perfil de DNA já inserido no banco de dados. Em caso de uma coincidência, estaremos perante uma situação em que um indivíduo passa a ser suspeito de autoria de crime e que, de outro modo, poderia nunca vir a ser ligado ao local do crime. Outra forma de utilização da tecnologia de DNA na identificação com finalidades de investigação criminal é comparar o perfil genético extraído de amostra colhida em cena de crime com o perfil de um indivíduo que seja suspeito de ser o autor de um determinado crime.

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digitais ou dedadas genéticas”” permite observar se diferentes amostras biológicas provieram do mesmo indivíduo ou de indivíduos diferentes; e ainda se há uma relação biológica entre os fornecedores de amostras comparadas.

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Pelo exposto, fica claro que os bancos de dados genéticos para finalidades de investigação criminal abrem a possibilidade de, através da tecnologia de DNA, ““corroborar a identidade dos sujeitos presentes e inferir a identidade dos elementos ausentes”” (Williams e Johnson, 2004, p. 1). Neste sentido, estamos hoje perante uma nova realidade nos cenários da investigação criminal: a possibilidade de se lidar com ““suspeitos genéticos”” (Hindmarsh e Prainsack, 2010). Ou seja, ao contrário do que acontecia no passado, a identificação de um suspeito de autoria de crime não se limita a um uso retrospectivo (por exemplo, a acusação é feita com base em elementos de prova já recolhidos) mas é também possível um uso prospectivo, na medida em que é cada vez mais habitual realizar uma pesquisa especulativa (speculative searching) pela qual é feita uma comparação 5

Os gêmeos monozigóticos (ou em linguagem vulgar, ‘‘idênticos’’ ou ‘‘verdadeiros’’) são, do ponto de vista genético um único individuo, uma vez que correspondem ao desenvolvimento de um único ovo e são portanto geneticamente iguais.

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sistemática e automatizada entre os perfis já armazenados no banco de dados e novos perfis, obtidos de cena de crime ou de amostras colhidas diretamente de suspeitos ou de vítimas de crime, na tentativa de obter uma coincidência. A possibilidade de pesquisa especulativa é levada ao extremo quando, por exemplo, como faz a polícia inglesa, em determinadas circunstâncias é realizada a chamada ““pesquisa familiar”” (familial searching) (Nuffield Council on Bioethics, 2007: 19), processo esse que tem despertado intensas críticas das comissões de ética. Usando a metodologia da pesquisa familiar, quando um perfil obtido de uma cena de crime não coincide com nenhum perfil já armazenado no banco de dados é possível procurar ““perfis parciais””. A coincidência com um perfil parcial pode significar que a amostra da cena de crime pode ter sido deixada por um parente biológico do indivíduo cujo perfil foi achado na cena de crime, procurando-se, desta forma, encontrar um suspeito. O banco de dados genéticos com finalidades de investigação criminal de Inglaterra e País de Gales, que admite a inserção de perfis de DNA de detidos pela suspeita de prática de qualquer delito (mesmo de crianças, desde que tenham pelo menos dez anos de idade) e com retenção indefinida, será exemplar da possibilidade de, futuramente, a informação genética poder vir a ser usada não só para identificar autores de crimes, mas também para prever o perigo de virem a cometer um crime (Aas, 2006: 148). Nas palavras de Michael Lynch e Ruth McNally, o que está em jogo no cenário presente de crescente expansão de bancos de dados genéticos para investigação criminal, e subsequente ampliação dos critérios de inserção de perfis e de retenção dessa informação, é a ambição de se poder produzir, com base na tecnologia de DNA, ““…… ‘‘suspeitos de risco’’, ‘‘pré-suspeitos’’ e ‘‘suspeitos estatísticos’’……”” (Lynch e McNally, 2009: 284). Os bancos de dados genéticos com finalidades de investigação criminal tornaram-se, assim, um elemento importante para o controle social da parte do aparelho estatal, cada vez mais orientado para o combate e a prevenção da criminalidade, e que ganha legitimidade por se apoiar, nessa missão, num dispositivo tecnológico cuja eficácia na identificação de indivíduos é universalmente reconhecida pela comunidade científica. Neste texto discutirei os impactos sociais da tecnologia de DNA no campo da sua aplicação no sistema de justiça criminal, focando, em particular, a visão de indivíduos a cumprir pena de prisão em Portugal em relação ao fenômeno da criação, nesse país, de um banco de dados de perfis de DNA com finalidades de investigação criminal. Numa primeira parte, sistematizo os principais tópicos de debate e reflexão que têm animado a abordagem das ciências sociais e humanas em torno das implicações sociais, éticas e políticas da expansão

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Numa segunda parte, com base em entrevistas realizadas junto de presidiários em Portugal, procedo a um mapeamento das representações sociais deste grupo específico em torno dos benefícios e riscos colocados pela utilização de bancos de dados de perfis de DNA para investigação criminal. Argumento que essas representações sociais revelam, em simultâneo, proximidade e distanciamento relativamente a mensagens culturais sobre a tecnologia de DNA que circulam nas mídias, mas também no sistema de justiça criminal.

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de novas formas de governamentalidade e controle social com base na coleta, armazenamento, informatização e manuseamento de informação genética de determinadas camadas de população (condenados por prática de crime ou indivíduos encarados como em risco de, no futuro, virem a cometer crime). Os diferentes posicionamentos em torno das vantagens e riscos da utilização de perfis de DNA na investigação criminal são explicados com base em dispositivos retóricos que sustentam as agendas e os objetivos de diferentes atores sociais.

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Ciência e justiça: promessas e desafios A crença na infalibilidade da tecnologia do DNA produz a ilusão da certeza e a exclusão da dúvida, o que vem alimentando um ““imaginário forense““ assente numa utilidade imaginada (Williams, 2010), que projeta a ideia que a melhor arma para combater o crime e dissuadir criminosos é usar a ciência e a tecnologia. Esse imaginário forense é, em boa medida, disseminado e projetado pelo poder político, o que faz com que, cada vez mais, os bancos de dados genéticos sejam um elemento integrante do desenvolvimento do aparelho de controle social do Estado. A criação e expansão dos bancos de dados genéticos com finalidades de investigação criminal não tem cessado de aumentar um pouco, por todo o mundo (ENFSI, 2011; Hindmarsh e Prainsack, 2010). Na Europa, tem-se assistido a esforços sucessivos da parte do Conselho Europeu no sentido de se tentar que todos os países membros tenham o seu banco de dados genéticos nacional e que, além disso, harmonizem procedimentos técnicos que permitam a consulta automatizada e o intercâmbio e a partilha transnacional de informações sobre perfis de DNA entre os sistemas de bancos de dados de todos os Estados-Membros (Van Camp e Dierickx, 2007). A aposta na cooperação entre países para o combate à criminalidade tem-se intensificado: desde agosto de 2011, que todos os 27 países membros da União Europeia deverão disponibilizar a reciprocidade de acesso automatizado aos respectivos bancos de dados nacionais no âmbito de ““perfis de DNA””, de ““dados dactiloscópicos”” e de certos dados nacionais do ““registro de matrícula de veículos”” (Machado et al. 2011a).

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Num futuro breve, no Brasil, a Polícia Federal implantará o primeiro banco de dados com perfis de DNA do país. O objetivo é reunir os dados genéticos de suspeitos ou de indivíduos já condenados para auxiliar em investigações policiais e, de acordo com notícias publicadas na imprensa, será usado um software que cruza informações genéticas, o Combined DNA Index System, cedido pelo FBI, como parte de um acordo de cooperação mútua com a polícia brasileira, à semelhança do que tem acontecido em muitos países na Europa, Portugal incluído. Os governos dos diferentes países que têm implementado bancos de dados de perfis de DNA com propósitos de identificação criminal têm-se socorrido de três tipos principais de dispositivos retóricos para legitimar a sua criação e expansão: (1) o recurso à ciência como suporte imprescindível para uma justiça simultaneamente mais eficaz e mais credível; (2) o contributo para o bem comum pelo combate e dissuasão do crime justifica a compressão dos direitos individuais de quem tem os seus dados pessoais e genéticos armazenados e informatizados em bancos de dados com propósitos de investigação criminal; (3) e por fim, outro dispositivo retórico, que assume particular visibilidade nos países que mais tardiamente criaram bancos de dados deste tipo, e que se baseia na invocação da necessidade de acompanhar o percurso de países mais desenvolvidos em matéria de investigação criminal e de cooperação transfronteiriça ao nível de políticas de segurança e de combate ao crime. A criação de um banco de dados de perfis de DNA constitui um elemento integrante e visível de um projeto técnico-genético e biopolítico crescentemente global e imbricado, por um lado, em imaginários coletivos assentes no medo do crime e do criminoso; e por outro lado, na ideologia da neutralidade e objetividade da ciência (Machado, 2011). O empolamento das expectativas em relação à tecnologia de DNA e aos seus efeitos práticos na resolução de casos criminais explica que, em diversos países, o poder político apresente os bancos de dados de perfis de DNA como uma espécie de panaceia para resolver a morosidade e ineficiência do sistema de justiça criminal. Esse ideário do poder quase miraculoso da tecnologia de DNA para combater o crime é apresentado pelo poder político para justificar a criação e a expansão de bancos de dados de perfis de DNA para investigação criminal tanto em países mais periféricos, como Portugal (Machado e Silva, 2010; Machado, 2011), como em países centrais, como os EUA e Inglaterra (para uma perspectiva de evolução histórica da implementação da tecnologia de DNA na investigação criminal, ver: Cole, 2002; Williams e Johnson, 2004; e McCartney, 2006) . Este fenômeno de crescente presença de biotecnologia nos sistemas de justiça criminal tem suscitado interrogações sobre as presentes e futuras configurações

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A crença na ciência e tecnologia para resolver o problema do crime e para apoiar a justiça na busca da ““verdade”” remete para aquilo que Boaventura de Sousa Santos descreve como um processo de ““cumplicidade epistemológica e uma circulação de sentido entre a ciência e o direito moderno, resultantes da submissão da racionalidade moral-prática do direito e da ética à racionalidade cognitivo-instrumental da ciência”” (Santos, 2000: 153). No século XXI, parecemos confrontados, assim, com um renovado positivismo tanto da ciência como do direito, alimentado por uma espécie de ““co-evolução ideológica”” (ibidem) cujos rumos são ainda incertos.

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das inter-relações entre duas instituições com normatividades distintas –– o campo da ciência e o campo jurídico –– o que exige, também, desconstruir criticamente as condições epistemológicas tanto do campo jurídico como da ciência moderna, assentes no princípio da sua relativa autonomia. Como refere Sheila Jasanoff, o uso crescente de prova de DNA nos tribunais ““conduz à colaboração de duas instituições com objetivos e compromissos normativos bastante distintos. Nos seus encontros, não isentos de conflitos, nem a ciência nem a lei permanecem totalmente autônomas”” (Jasanoff, 2006: 329).

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Crime, tecnologia e controle O enfoque das ciências humanas e sociais em torno dos impactos da utilização da tecnologia de DNA tem sido, em boa medida, na análise e compreensão das representações sociais construídas por diversos atores, diferentemente posicionados na hierarquia social, em torno dos benefícios e dos riscos dos bancos de dados genéticos com propósitos de investigação criminal. Os políticos, investigadores criminais e profissionais do sistema de justiça criminal tendem a enfatizar os benefícios da crescente expansão da utilização da tecnologia de DNA; e tipicamente apelam a uma incorporação crescente da mesma nas rotinas de investigação e nos tribunais. Geralmente, os benefícios apontados para a utilização de bancos de perfis de DNA são: a potencialidade de concretizar identificações forenses com maior celeridade e grau de certeza; excluir suspeitos, evitando que pessoas inocentes sejam alvo de investigação criminal; produzir prova robusta e credível para os tribunais; reduzir os custos da investigação; prevenir a criminalidade pelo possível efeito dissuasor que um banco de dados genéticos pode ter sobre potenciais criminosos; aumentar a confiança pública nos tribunais e na polícia pela via da cientifização de procedimentos e de construção de prova (para uma síntese crítica das principais vantagens dos bancos de dados genéticos para investigação criminal, ver Williams e Johnson, 2005).

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Não obstante as vantagens que têm sido atribuídas ao uso de bancos de dados genéticos em âmbito criminal, várias críticas têm emergido da parte de comitês de ética e também de vozes provenientes do mundo acadêmico, que acentuam os perigos de compressão ou limitação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos perante um poder estatal, de base policial, que legitima o seu autoritarismo e a forma de ação com base na legitimidade social da ciência e tecnologia (Nuffield Council on Bioethics, 2007; McCartney et al., 2010). As apreciações que enfatizam os riscos e caráter problemático da crescente expansão da utilização de informação genética para finalidades de investigação policial sublinham que estes bancos de dados suscitam a compressão dos direitos individuais em matérias como: integridade física e moral de cidadãos sujeitos a coleta coerciva de amostras biológicas; privacidade, pelo fato de os dados genéticos conterem informação sensível derivada do seu potencial informativo; a possibilidade dessa informação poder vir a ser usada para outros fins que não aqueles originariamente previstos; a perspectiva dos indivíduos cujos perfis estão armazenados nos bancos de dados poderem estar sujeitos a contínuas formas de ““biovigilância””. Um número já significativo de informação, nomeadamente aquela que está acessível ao público através do Projeto da Inocência6 (www. innocenceproject.org) permite ainda avançar a possibilidade desta informação genética ser impropriamente usada pela polícia ou pela acusação, com a finalidade de apontar um ““culpado”” de determinado crime (por exemplo, forjando provas de DNA ou usando esse meio de prova para obter confissões). A tensão entre o entusiasmo ante a potencial capacidade da tecnologia de DNA resolver crimes e o pessimismo baseado nos cenários de compressão de liberdades civis e direitos humanos não significa que estejamos perante discursos totalmente independentes e estanques. Pelo contrário, os diferentes posicionamentos em relação aos potenciais benefícios e riscos da tecnologia de DNA, apesar de refletirem agendas de diferentes grupos políticos e sociais (Beyleveld, 1997; Lentzos, 2006), assentam, todos eles, num pressuposto cultural comum: a crença na autoridade epistêmica da biologia molecular e na capacidade da tecnologia de DNA poder alterar significativamente as atividades do sistema de justiça criminal (Williams e Johnson, 2005: 208). Em seguida, discuto as principais características dos diferentes discursos em torno da informação

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O Projeto da Inocência (Innocence Project) foi fundado em 1992, por dois acadêmicos e juristas americanos –– Barry Scheck e Peter Neufeld –– da Escola de Direito Benjamin Cardozo da Universidade de Yeshiva nos EUA, para apoiar presidiários cujos casos apresentavam indícios de erros de condenação. O principal recurso para provar a inocência é a tecnologia do DNA. Até hoje, 280 pessoas foram inocentadas com base em testes de DNA (deste grupo, 17 indivíduos estavam condenados à pena de morte).

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Diferentes olhares sobre a informação genética Os genes não são uma simples entidade biológica, mas sim um ícone cultural, um símbolo com um poder praticamente mágico (Nelkin e Lindee, 1995). O DNA adquiriu nas sociedades atuais um significado cultural que extravasa as suas propriedades biológicas, e que está presente nos discursos políticos, nos debates públicos, nas decisões institucionais e nas mensagens da cultura popular (desde séries televisivas e cinema, cartuns, quadrinhos e reportagens). Conforme exemplificam a socióloga Dorothy Nelkin e a historiadora Susan Lindee, na sua obra sobre as imagens e a história do DNA na cultura popular americana, o DNA apresenta uma ampla e flexível diversidade de utilizações e interpretações possíveis, negociadas nos seus contextos locais de utilização:

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genética, refletindo sobre as distintas representações acerca da sua influência no comportamento humano e nas ações de controle social.

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No laboratório, o DNA pode ser usado para detectar condições de risco até então desconhecidas ou para prever futuras incapacidades ou doenças. No seio da família, o DNA pode ser utilizado para definir relações entre indivíduos e para apoiar em decisões de âmbito reprodutivo. Num plano cultural mais geral, o DNA pode ser usado para localizar responsabilidades e culpabilidades, assim como para justificar políticas sociais e institucionais (Nelkin e Lindee, 1995: 3).

A expansão crescente da utilização do DNA em vários campos da vida social tem sido analisada pelas ciências sociais e humanas com base em duas abordagens conceptuais principais: por um lado, a constatação da crescente importância do ““essencialismo genético”” no imaginário cultural das sociedades contemporâneas; e, por outro lado, a relevância da ““genetização das relações sociais””. O essencialismo genético corresponde a ações coletivas que reduzem e equacionam os seres humanos, na sua complexidade social, histórica e moral, aos seus genes. Nas narrativas populares o DNA torna-se, então ““…… um equivalente secularizado à alma cristã. Independente do corpo, o DNA parece ser imortal. Fundamental para a identidade, o DNA parece capaz de explicar diferenças individuais, a ordem moral e o destino humano”” (Nelkin e Lindee, 1995: 2). A tese da genetização das relações sociais, cunhada pela feminista Abby Lippman (1991) a propósito da aplicação da genética na medicina reprodutiva, sustenta que os usos sociais das tecnologias genéticas estão a produzir novas identidades individuais e coletivas, designadas por alguns como identidades técnico-científicas (Rabinow, 2008; Rose, 2007), e que assumem um poder

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sem precedentes na classificação social dos indivíduos. No caso particular da utilização do DNA em investigação criminal temos, como referido atrás, a construção de identidades ““suspeitas”” e ““criminosas”” com base tecnológica e científica. Neste contexto, como salienta Troy Duster (2004), o poder atribuído ao DNA na explicação do comportamento humano pode ganhar crescente legitimidade tanto na comunidade científica como perante políticos, investigadores criminais e o público em geral. Na opinião do autor, isto faz com que a expansão de bancos de dados genéticos para investigação criminal possa ““ressuscitar velhas e perigosas ideias sobre o comportamento criminoso”” (Duster, 2004: 316), que podem conduzir a uma renovada popularidade da frenologia7, seduzida, por exemplo, pela ideia que o estudo de marcadores genéticos permite detectar a propensão para a ““violência”” ou ““impulsividade”” (fatores que admite estarem na base do comportamento criminoso), sendo ainda muito provável, atendendo ao perfil étnico-social das populações mais visadas pela ação da polícia, que se ceda à tentação de tentar explicar e mesmo prever o comportamento criminoso em função do grupo étnico (Duster, 2004: 327). De acordo com um estudo levado a cabo no Reino Unido sobre as diversas representações sociais dos usos da tecnologia de identificação por perfis genéticos no âmbito da investigação criminal, é possível identificar três tipos de discursos dominantes (Williams e Johnson, 2004): o discurso do ““excepcionalismo genético””, do ““minimalismo genômico”” e do ““pragmatismo biométrico””. Cada um dos discursos projeta diferentes imagens da ““essência”” do DNA e de quais são os seus usos legítimos. O argumento do ““excepcionalismo genético”” está bastante disseminado na literatura no campo da bioética e caracteriza-se por salientar o caráter único do material genético e o potencial informativo contido no mesmo. Esta ideia alega que, com os avanços do conhecimento do genoma humano, alguns marcadores podem potencialmente vir a ser associados a doenças ou a outra informação sensível como, por exemplo, traços comportamentais. Os defensores do caráter especial dos dados genéticos acentuam que se trata de informação de natureza científica, médica e pessoal com relevância não só para os indivíduos, mas para a sua família8. Esta é a representação típica dos discursos dos comitês de 7

A frenologia é uma teoria que ganhou popularidade no século XIX, por via do trabalho desenvolvido pelo médico alemão Franz Gall, e que partia do pressuposto que seria possível determinar o grau e a propensão para a criminalidade de um indivíduo pela forma da cabeça.

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Bons exemplos da ideia de excepcionalismo genético são as definições apresentadas tanto pelo Conselho da Europa (1997) como pela Declaração da UNESCO (2003): ““Todos os dados, de qualquer tipo, referentes às características hereditárias de uma pessoa ou referentes às características que constituem o patrimônio de um grupo de pessoas da mesma família”” (Recomendação n.º R (97) do

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Ainda de acordo com o estudo realizado no Reino Unido por Robin Williams e Paul Johnson (Williams e Johnson, 2004), os cientistas forenses são geralmente partidários do discurso do ““minimalismo genômico””, que defende o caráter ““inofensivo”” da análise do DNA não-codificante9. Estes atores sociais argumentam que a tecnologia de DNA em contexto de investigação criminal apenas utiliza a informação necessária para a identificação de indivíduos. O DNA é reduzido a um mero identificador, em oposição ao destaque conferido ao seu caráter especial e sensível que encontramos nos defensores do argumento do excepcionalismo genético. A ideia que o DNA corresponde apenas a um registro individual surge, frequentemente, associada à defesa da criação de bancos universais de dados genéticos, contendo informação de toda a população. Isso permitiria, segundo tal linha de raciocínio, eliminar as desigualdades entre ““quem está”” e ““quem não está”” no banco de dados e evitar que inocentes fossem indevidamente envolvidos em procedimentos de investigação criminal (por exemplo, interrogatórios da polícia).

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ética e das organizações de defesa dos direitos humanos, que sustentam que, dada a natureza excepcional da informação genética, esta carece de proteção especial, devendo ser controladas e limitadas as suas utilizações. Em relação ao caso dos bancos de dados genéticos, o discurso do excepcionalismo genético enfatiza que devem ser destruídas as amostras biológicas depois de obtido o perfil de DNA, deve ser vigiada a utilização da informação genética para impedir que se explore indevidamente o seu potencial informativo e que devem ser colocados limites ao poder da polícia para recolher amostras e impedir que perfis de indivíduos não condenados sejam retidos (Nuffield Council, 2007).

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Por fim, temos o discurso dos operadores judiciais (nomeadamente dos investigadores criminais) que, de acordo com o referido estudo levado a cabo no Reino Unido, tipicamente se socorrem do argumento do ““pragmatismo biométrico””. Este posicionamento distingue as diferentes fontes de obtenção do DNA e avalia a legitimidade de extração de amostra biológica de acordo com distintas avaliações da integridade física, construídas por associação a diferentes partes do corpo humano. A construção jurídica do corpo humano

Conselho da Europa, de 13 de Fevereiro de 1997). ““Informações não óbvias relativas às características hereditárias das pessoas, obtidas por análise de ácidos nucleicos ou por outras análises científicas”” (Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos, UNESCO, de 16 de Outubro de 2003). 9

O desenvolvimento dos estudos sobre o DNA para identificação individual assenta sobre extensas zonas que se encontram entre os genes e a que se costuma chamar ““DNA não-codificante””. Estas zonas intergênicas mostram certas sequências químicas que se supõe serem características de cada indivíduo e que produzem, assim, uma ““impressão genética””. Logo, a comparação das ““impressões”” permite observar se diferentes amostras de DNA provieram do mesmo indivíduo ou de indivíduos diferentes; e ainda se há uma relação biológica entre os fornecedores de amostras comparadas.

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segue uma divisão estabelecida entre partes e produtos do corpo ““estritamente pessoais”” –– como o sangue –– e partes do corpo ““não estritamente pessoais”” –– nas quais se incluem os cabelos (desde que não púbicos), as unhas e a saliva (Oliveira, 1999). O método de coleta de amostra biológica com finalidades de extração de perfil de DNA, em contexto de investigação criminal, mais utilizado nos dias de hoje é a zaragatoa bucal, eventualmente complementada com uma picada de dedo para coleta de uma pequena porção de sangue. São métodos considerados não invasivos e que se admite que salvaguardam a integridade física do visado (Williams, Johnson e Martin, 2004). Com base num conjunto de trinta e uma entrevistas realizadas com presidiários em Portugal (Machado et al., 2011b), com o objetivo de perceber as representações deste grupo de indivíduos em torno do banco de dados de perfis de DNA para fins de identificação civil e criminal criado em Portugal, mediante a Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro de 2008, exploro os discursos em torno dos significados atribuídos à tecnologia de DNA, socorrendo-me da tipologia proposta por Williams e Johnson (2005). Os resultados obtidos permitem perceber que as imagens construídas em torno do DNA pelos presidiários combinam, de forma complexa, distintos elementos retóricos que tanto se aproximam como desafiam os discursos dominantes em torno desta tecnologia. Os presidiários atribuem um significado que é culturalmente construído com base no posicionamento que ocupam no mundo do crime e da investigação criminal e nas suas próprias experiências concretas com o sistema de justiça criminal. Apelidarei este posicionamento de pragmatismo genômico criminal.

Metodologia A legislação portuguesa relativa ao banco de dados de perfis de DNA apresenta-se restritiva nos critérios de inserção e remoção de perfis, quando comparada com outros enquadramentos legislativos na Europa (Machado et al., 2011a). A lei portuguesa só admite a inserção de perfis de indivíduos condenados por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ao contrário de outros países (tais como Escócia, Espanha, Irlanda do Norte, Suíça e Inglaterra e País de Gales) que inserem os perfis de simples suspeitos. Além disso, é obrigatória a remoção dos perfis de DNA de condenados no termo do processo-crime ou no fim do prazo máximo de prescrição do procedimento criminal previsto no Código Penal (cinco a dez anos após o cumprimento da pena). Isto contrasta, por exemplo, com a legislação de Inglaterra e País de Gales, detentores do banco de dados genéticos para investigação criminal

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Perante este quadro legislativo, o referido estudo visou analisar as representações dos presidiários em torno da aplicação da genética forense na investigação criminal, incidindo sobre os seguintes tópicos: (1) fontes de conhecimento sobre a tecnologia de DNA na investigação criminal e avaliação das potenciais ameaças e benefícios da utilização desta tecnologia no sistema de justiça; (2) representações e expectativas em relação ao futuro funcionamento, com base na utilização da tecnologia de DNA e de bancos de dados genéticos, do sistema de justiça criminal e de outras instâncias de controle; (3) percepções sobre a reinserção social e suas modalidades de concretização pelo fato do perfil de DNA ser removido do banco de dados genéticos no prazo máximo de prescrição do procedimento criminal previsto no Código Penal. No âmbito do presente texto debruço-me, em particular, sobre o primeiro destes tópicos de análise.

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mais antigo do mundo, que permite a retenção de perfis de DNA por tempo indefinido e que não determina a destruição das amostras biológicas.

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Construiu-se uma amostragem teórica, assente na representatividade pela diversidade e exemplaridade, conjugando com uma amostragem de conveniência, atendendo aos indivíduos que poderiam estar, em princípio, mais predispostos a participar neste estudo, de acordo com informações obtidas por elementos da direção de cada estabelecimento prisional. Obteve-se uma amostra diversificada em termos de registro criminal (número de condenações, tipo de crime praticado e duração da sentença) e em termos de perfil sócio-demográfico (idade, estado civil, habilitações literárias e profissão) (conferir tabela 1). Todas as entrevistas foram gravadas após a obtenção do consentimento informado dos presidiários e atribuiu-se um nome ficcional a cada entrevistado, de modo a assegurar o anonimato dos presidiários e a confidencialidade da informação.

Visão do DNA pelos presidiários: modalidades de pragmatismo genômico criminal Numa primeira aproximação aos presidiários, foi indagado se sabiam o que era a tecnologia de DNA e de que forma tinham obtido conhecimento sobre a mesma. Todos os entrevistados já tinham pelo menos ouvido falar desta tecnologia e a maioria referiu que a principal fonte de informação sobre a tecnologia de DNA era a televisão. Mesmo no caso oito entrevistados que foram alvo de coleta de amostra biológica no âmbito de investigação criminal a referência à televisão como fonte de informação sobre o DNA teve destaque. Com frequência, foi colocada ênfase no visionamento da famosa série televisiva

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de investigação criminal Crime Scene Investigation (CSI)10, assim como nas reportagens e noticiários sobre casos reais de investigação de crimes. Embora as representações que os presidiários apresentam sobre a tecnologia de DNA e bancos de dados genéticos e seus usos na investigação criminal e como elemento de prova possam refletir, de algum modo, as mensagens culturais circuladas pela mídia, e em particular pela ficção televisiva, as visões deste grupo específico não se podem ser meramente explicadas, como referem Prainsack e Kitzberger (2009: 53) pelo que hoje se apelida de ““efeito CSI””11, até porque, em grande medida, os entrevistados vêm rebater esse efeito, revelando um distanciamento crítico em relação ao cenário high tech projetado pelo CSI (Machado et al. 2011b: 30-31). Nas palavras de um dos presidiários entrevistados, Rúben, analista informático antes de ter entrado na prisão, condenado a seis anos por burla, falsificação de documentos e acesso ilegítimo a sistema informático: ““O CSI não é representativo da realidade. Não, acho que aquilo está a anos-luz da realidade. Isto se calhar é um bocado do conhecimento que tenho a nível de meio informático (...) o que se consegue ter é uma ideia do que pode ser feito.”” Abunda hoje a literatura sobre o chamado efeito CSI e os respectivos efeitos de projeção da ideia que a tecnologia de DNA é uma espécie de superciência, absolutamente infalível no combate ao crime. É provável, então, que diversos públicos possam construir, a partir dessas narrativas das séries televisivas, um imaginário forense similar ao que foi descrito atrás neste texto: o CSI projeta a ideia que a melhor arma para combater o crime e dissuadir criminosos é usar a ciência e a tecnologia (Williams, 2010); e, embora assente numa aparente verossimilhança relativamente a algumas técnicas usadas na vida real, ignora as contingências das suas aplicações no mundo concreto da investigação criminal e da análise laboratorial. Mas em que modalidades se manifestará, então, o efeito CSI junto de indivíduos condenados a pena de prisão? Como tive ocasião de discutir noutro trabalho (Machado, 2012), o grupo de presidiários entrevistados revelou formas de adesão, mas também de distanciamento em relação às mensagens culturais sobre a tecnologia de DNA projetadas pelo CSI. Curiosamente, uma das formas de manifestação de crença

10

Uma das vias de popularização mediatizada da tecnologia de DNA no combate ao crime é, precisamente, a série televisiva CSI. Desde a sua estreia em 2000, nos EUA, o CSI tem sido um grande sucesso de audiências em vários países.

11

Este efeito CSI foi originariamente utilizado para avaliar as alegadas percepções distorcidas da ciência forense que seriam construídas por jurados em julgamentos reais e que se traduziriam numa preponderância na avaliação e valoração da prova de DNA (para uma síntese do debate, ver Cole e Dioso-Villa, 2007).

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[A polícia] através da saliva fez-me análise ao DNA para saber se eu também tinha participado nesse crime sexual. Deu negativo... Foi através do DNA que me limpei, não é? Limpei-me com a verdade.

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no poder quase miraculoso da tecnologia de DNA na identificação de crimes que foi transmitida por este grupo de presidiários foi a aprendizagem feita no meio prisional, em conversas com parceiros. O caso de Valter representa claramente como é que as representações sociais da tecnologia de DNA na investigação criminal são localmente construídas, com base nas experiências individuais. Este presidiário foi condenado a dezoito anos de prisão por vários crimes: rapto, violação, furto, falsificação de documentos e posse ilegal de arma. Conta como foi submetido a coleta de saliva para investigação de um crime sexual, que Valter diz ter presenciado mas afirmando que não participou no ato de consumação da violação. Nas suas palavras:

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Valter conta ainda como ficou sabendo mais sobre a tecnologia de DNA, narrando como tudo começou a fazer mais sentido depois de conversar com os parceiros de prisão: Eu agora estou mais atualizado em relação a isso [DNA] porque também vejo o CSI, essas coisas. [Antes de vir para a prisão] tinha a ideia que ““Ah, isto é televisão, isto é tudo tanga12. Através de um cabelo não se vai saber quem é o culpado (...) Mas depois entro na cadeia e começo a ouvir: ““Ah, este foi através de uma gota de sangue que deixou no vidro, aquele foi através de uma pinta de sangue que tinha nas calças...””. Uma pessoa começa a ficar mais atualizada, não é? A ouvir mais informação acerca do tema (...) Mas [no CSI] exageram um pouco. Mas tem fundamento aquilo que eles investigam, não é?

Colocados numa posição vantajosa para adquirirem conhecimentos sobre a investigação criminal e os procedimentos da polícia e dos tribunais, os entrevistados revelaram algum ceticismo em relação à ideia que a tecnologia de DNA é infalível na identificação de autores de crimes. Sobretudo porque acham que o DNA, nas mãos erradas, pode conduzir à condenação de inocentes. Vejamos o que disse Henrique, condenado a três anos por furto e falsificação, quando convidado a comentar a ideia (pouco tempo antes da entrevista, divulgada publicamente pelo Ministro da Justiça Português) que o DNA é uma tecnologia poderosa para identificar culpados e ilibar inocentes: Não estou de acordo [que se possa ilibar inocentes]. Não concordo. Porque lhe digo por experiência própria (...) Tenho é que ter um bom advogado que é para a 12

““Tanga”” é um termo em calão que significa ““mentira”” e/ou ““brincadeira””.

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[prova] ser interpretada [a meu favor]. A prova de DNA é pior para nós [indivíduos que já foram condenados/potenciais suspeitos]. Sem dúvida que é pior. [É uma prova que é fácil] de convencer o juiz e é mais fácil para as autoridades mostrarem que a prova é nossa. Um cabelo, você agarra num cabelo e mete-o lá [na cena de crime]. E pronto, metem uma pessoa na prisão.

A visão dominante da tecnologia de DNA revelada pelos presidiários coincide com a ideia de ““minimalismo genômico””, atrás descrita: o DNA serve para identificar uma pessoa, por ser único em cada pessoa (nenhum dos entrevistados referiu a possibilidade de gêmeos verdadeiros terem o mesmo DNA). É este o discurso que também prevalece nas séries televisivas: a tecnologia de DNA representa um poderoso instrumento de identificação individual. Contudo, vários presos referem que o DNA, em si mesmo, não prova nada em relação à autoria de um crime, pois pode cair nas mãos erradas e ser ““plantado”” pela polícia. Como refere, por exemplo, Artur, condenado a doze anos de cadeia por roubo e furto qualificado, ““A própria Polícia Judiciária13 é bem capaz de fabricar provas para condenar alguém (...) Na PJ são corruptos. A tecnologia pode estar em mãos erradas””. Troy Duster, numa abordagem que faz das diferenças na confiança depositada na ““infalibilidade”” da tecnologia de DNA (Duster, 2006), explica que não obstante se poder acreditar que se trata de uma forma robusta de identificação de indivíduos, é expectável que determinados grupos sociais, socialmente mais vulneráveis à ação do sistema de justiça criminal –– aqueles que são alvo frequente de investigação criminal, tais como negros e outros grupos étnicos ––, revelem ceticismo em relação aos usos dessa tecnologia da parte da polícia e dos tribunais, acreditando que, por exemplo, pode ser plantada prova de DNA em cena de crime ou ser indevidamente usada para obter uma confissão (ver também Machado, Santos e Silva, 2011 e Machado e Prainsack, 2012, capítulo 8). O ceticismo revelado pelos entrevistados em relação aos impactos benéficos da tecnologia de DNA (por exemplo, tornando a justiça mais eficaz, e por isso, mais ““justa””) assenta assim numa visão predominantemente negativa do sistema de justiça, algo que parece ser transversal a várias realidades nacionais (Machado e Prainsack, 2012). A visão pessimista dos usos da tecnologia de DNA conjuga-se com a ideia que se trata de informação particularmente sensível e ““especial””, o que me conduz a afirmar que as narrativas dos presidiários também 13

A Polícia Judiciária (PJ) é o principal órgão de polícia criminal em Portugal, sendo dirigido pela autoridade judiciária e está sob a tutela do Ministério da Justiça. Esta polícia é apoiada, nas suas diligências de investigação criminal, pelo Laboratório da Polícia Científica, considerado o mais avançado do país nas análises de materiais colhidos de cenas de crime.

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O dispositivo retórico do excepcionalismo genético encontra alguma especificidade nos discursos dos presidiários, reforçando a hipótese que as representações sociais acerca da tecnologia de DNA que são construídas por este grupo resultam, sobretudo, do seu posicionamento no mundo do crime e do sistema de justiça criminal. O DNA é encarado como um identificador infalível, por ser único em cada indivíduo, mas também como algo que escapa ao controle de cada um: pode-se deixar cair um cabelo, saliva, suor, unha na cena de crime, não significando isso que se tenha cometido o crime. Esses vestígios biológicos, cuja libertação corporal é difícil ou impossível de controlar, podem ser abusivamente manipulados pela polícia para incriminar um suspeito, arranjando uma amostra biológica e colocando-a no local do crime.

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revelam elementos do argumento do ““excepcionalismo genético”” que, conforme já explicado, caracteriza-se por salientar o caráter único do material genético e o potencial informativo contido no mesmo e é tipicamente veiculado por comitês de ética e outras organizações preocupadas com possíveis compressões de direitos individuais com base em informação genética.

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Consideremos o testemunho de Miguel, condenado a cinco meses por condução ilegal de veículo automóvel, e que teve experiência anterior com a polícia do Canadá, tendo sido sujeito a coleta de amostra biológica. Acredita que o seu perfil de DNA está no banco de dados forense desse país. Afirma que a tecnologia de DNA não prova a autoria de um crime, apenas permite verificar que determinada pessoa passou na cena de crime: Não poderá ser um cabelo a dizer quem cometeu um crime. Depende se o [autor do crime] perde cabelo, há pessoas que não perdem cabelo ou pode ser que ele se depile. Podem encontrar cabelo de vinte pessoas e nenhuma delas estar relacionada com o crime (...) eu costumo roer as unhas e cuspi-las para o chão. Basta [a polícia] encontrar um pedaço de unha e sabem bem quem é que eu sou. Mas eu podia ter cuspido essa unha uns meses antes [de um homícidio].

A particularidade do DNA é encontrar-se em todo o corpo e como tal ““escapa”” ao controle dos indivíduos: daí a sua excepcionalidade e ser visto, pelos presidiários, como material particularmente sensível. Como diz Nelson, condenado a nove anos de cadeia por crime sexual, é muito difícil não deixar vestígios. O maior desafio colocado ao criminoso pela utilização crescente da tecnologia de DNA na investigação criminal será converter-se numa espécie de perito forense informal, no sentido de não deixar vestígios (Prainsack e Kitzberger, 2009): Para não deixar vestígios é, é muito difícil. Nós estamos a perder cabelos todos os dias, qualquer cabelinho que fique na cena do crime contém DNA. Ao falar

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soltamos saliva……O nosso corpo está sempre a deixar cair pele também…… Então, algum indício sempre fica. Não é uma coisa que uma pessoa possa meter-se dentro de uma borbulha e cometer um crime, não é?

A incapacidade de controlar o DNA, o soltar vestígios biológicos na cena de crime, é contrastado com a facilidade com a qual, de acordo com os entrevistados, se pode lidar com impressões digitais. Vários testemunhos dos presidiários entrevistados acentuam que é fácil evitar deixar impressões digitais no local de crime (basta usar luvas) e que estas podem mesmo ser adulteradas, ao contrário do DNA, que não se consegue ““falsificar””. Vejamos, mais uma vez, o que nos disse Nelson: As impressões digitais, hoje em dia, conseguem-se falsificar. Eu explico. Há um gel que a gente põe nos dedos que consegue falsificar as impressões digitais. O DNA não se consegue falsificar.

Os discursos dos presidiários entrevistados revelam também nuances do chamado ““pragmatismo biométrico””, vulgarmente assumido da parte de operadores judiciais, e que acentua a ideia que uma coleta de amostra biológica feita no âmbito de investigação criminal e por método considerado não invasivo legitima, por si mesma, a ação policial com vista a identificar um autor de crime. A maioria dos entrevistados referiram que é legítima a coleta de amostra biológica se for feita sem violência e com base em prova fundamentada e autorizada por um juiz. No entanto, transpareceu das narrativas o receio que, invariavelmente, as colheitas de amostra sejam sempre dirigidas aos ““mesmos”” –– aos indivíduos que já foram condenados. O testemunho de Artur, condenado a doze anos por roubo, relata bem a desconfiança sentida em relação à polícia que, na perspectiva dos presidiários, poderá socorrer-se de meios ilegítimos e da prova de DNA para arranjar um culpado. Conta como se recusou a realizar um teste de DNA exigido pela polícia, quando já estava detido na prisão: Era um caso de uma morte. A Polícia Judiciária já andava há muitos anos em cima daquilo e não encontrava um culpado! (...) a Judiciária é dos maiores bandidos que anda aí, não é? (...) E ao fim daqueles anos [decidiram] ‘‘Não encontramos o autor, não temos ninguém a quem [acusar], vamos ali à fábrica do lixo, a cadeia, vamos ali e olha, pronto, é este’’. Eu vi que era assim e disse: ‘‘não, não faço, não faço [teste de DNA]

Frederico, condenado a vinte anos de prisão por associação criminosa, extorsão e tráfico de drogas, é dos poucos que faz uma referencia direta à possibilidade de um banco de dados genéticos com finalidades de investigação criminal poder constituir uma ameaça aos direitos dos indivíduos. Na sua opinião a criação de

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[Um banco de dados genéticos deve] ter a maior segurança em tudo (...) o acesso não deve ser dado a qualquer pessoa. Tem que ficar tudo registadinho sobre quem lá foi e se [teve acesso] indevidamente deve ser responsabilizado criminalmente (...) a própria investigação pode ser tendenciosa. [Daí que eu ache] que é bom [existir um banco de dados genéticos] mas tem que se criar condições de segurança.

Frederico mostra-se convencido do potencial científico do DNA, da sua capacidade de identificar indivíduos com rigor, mas receia que possa haver erros humanos e más intenções no manuseamento da tecnologia, que penaliza quem já esteve na prisão, na medida em que a suspeição irá sempre pairar sobre indivíduos com passado criminal. Daí que defendam que haja sempre o recurso a contra-análises na produção de prova de DNA, de modo a assegurar a robustez científica e a ““honestidade”” da prova:

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um banco de dados deve, sobretudo, garantir a segurança no acesso à informação, para que os dados não sejam indevidamente utilizados:

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Os juízes, às vezes, não procuram mesmo a verdade a 100% (...) se a pessoa já teve um passado, se já foi preso, ficam convencidos que ele cometeu o crime (...) se a prova de DNA aparecer em tribunal com verdade acho que é credível. O problema é saber o percurso que as análises [de DNA] levam. Pode haver margem de erro. Mas as [análises de DNA] deviam ser sempre pedidas também a outra equipe, para ver se o resultado era compatível. Porque só um agente [policial], só ir a um laboratório da polícia científica, acho que assim não chega.

Em suma, estas narrativas formam o que aqui apelido de pragmatismo genômico criminal: os presidiários sustentam uma visão prática e enraizada no terreno (pragmática), baseada em representações sobre o caráter único e especial do DNA (genômica), mas que, sobretudo, é fruto de experiências diretas com o sistema de justiça criminal (criminal) marcadas por uma profunda negatividade e sensação que os presidiários serão, sempre, os suspeitos do costume.

Conclusão Se o cenário da investigação criminal no século XX foi marcado pela impressão digital (a ““era da datiloscopia””, para usar uma expressão de Simon Cole, 2002), o cenário do século XXI pode ser descrito como o domínio da genética na era do CSI (Machado e Prainsack, 2012). O imaginário coletivo sobre a investigação criminal é, em boa medida, definido pelos dispositivos retóricos do CSI: os heróis televisivos deixaram de ser os detectives criminais e passaram

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a ser as tecnologias de identificação forenses, com destaque para a tecnologia de DNA, que simboliza uma ideologia na qual as máquinas são consideradas mais fiáveis e dignas de confiança que a ação e perícia humanas (Kruse, 2010). Vários grupos sociais, desde políticos, a cientistas forenses, investigadores criminais, advogados, magistrados, advogados, cidadãos comuns a comitês de ética, têm-se pronunciado na esfera pública sobre os riscos e os desafios colocados pela crescente expansão dos usos de tecnologia de DNA na investigação do crime e, principalmente, pelo crescente armazenamento de perfis genéticos (e em alguns países, também de amostras) em bancos de dados informatizados. O debate tem-se polarizado em torno da ideia de defesa do bem comum pelo combate ao crime, por um lado; e da defesa da liberdade e da privacidade dos cidadãos. A perspectiva dos indivíduos que são alvo de ““biovigilância”” só muito recentemente começou a ser estudada (Machado et ali, 2011c; Machado e Prainsack, 2012; Prainsack e Kitzberger, 2009; Prainsack, 2010), e este texto pretende ser um contributo para essa discussão. A visão dos presidiários sobre a tecnologia de DNA e bancos de dados genéticos para investigação criminal reflete, em diferentes modalidades, o posicionamento deste grupo social no sistema de justiça criminal. Conjuga-se a noção que o DNA é infalível na identificação de indivíduos, com representações sociais marcadas pela negatividade e suspeição em relação à ação policial e dos tribunais. Não é a tecnologia, em si mesma, que desperta dúvidas, mas a ação humana –– pela probabilidade de erro, mas também, e sobretudo, pelas más intenções, que podem conduzir a que, na perspectiva dos presidiários, os investigadores criminais possam ““plantar”” vestígios de DNA em cena de crime, com o propósito de incriminar alguém de quem suspeitam a priori. O pragmatismo genômico criminal, expressão que aqui utilizo para caracterizar o imaginário do DNA que é projetado por aqueles que foram alvo de detecção, captura e encarceramento (mesmo que não tenham sido envolvidos em utilização de DNA), é construído com base em processos identitários marcados pelo estigma da reclusão (Machado et al., 2012). Simultaneamente, este imaginário do DNA reflete processos sociais de reprodução de desigualdades: tal como sustenta Troy Duster (2006), a avaliação dos usos da tecnologia de DNA evidencia as desigualdades sociais reproduzidas pelo sistema de justiça criminal, reportando este autor, tendo por referência os EUA, de que forma a convicção da neutralidade dos usos policiais da tecnologia de DNA na investigação criminal é mais frequente em brancos do que em negros, o que é explicado pela profunda estratificação social do sistema penitenciário desse país, que absorve maioritariamente afro-americanos.

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Assim, o DNA é encarado por estes indivíduos como uma espécie de algema tecnológica: amarra os suspeitos da prática de crime com a chave da objetividade e da neutralidade da ciência.

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A tecnologia de DNA vem, do ponto de vista dos presidiários, trazer novos desafios à sua condição de condenados pelo sistema de justiça: por um lado, abre a possibilidade, se usada de modo adequado, de provar a inocência e de escapar a procedimentos incriminatórios e tendenciosos da polícia. Por outro lado, o cenário da sua utilização para incriminar, vem tornar os presidiários possíveis reféns das amarras da tecnologia de DNA como ““máquina da verdade””. Erros humanos ou ações mal-intencionadas podem conduzir a que a prova de DNA –– entendida como infalível na identificação de indivíduos da parte dos operadores do sistema de justiça –– reduza, drasticamente, as margens de negociação.

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Tabela 1 – Caracterização sócio-demográfica e jurídico-penal dos entrevistados Presidiário

Idade

David

42

Anos de Escolaridade 6

João

49

4

Ocupação Profissional Construtor civil/ Gerente Pedreiro

Carlos

52

4

Electricista Auto

Joel

22

9

Joaquim

49

6

Amaro

40

4

Gaspar

39

9

Maquinista de tecelagem (agulhador) de feltro/ Desempregado Carpinteiro de limpos Outros agricultores e trabalhadores qualificados da policultura, criação e tratamento de animais Servente – construção civil e obras públicas/ Desempregado

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Principal crime que levou à prisão Homicídio qualificado na forma tentada Ofensas corporais com dolo, maus tratos a menores, violação, condução ilegal e com álcool, resistência e coacção sobre funcionário. Lenocínio, violação, violação agravada, tráfico de menor e de estupefacientes, maus tratos a menores, injuria, ameaça e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência Violação e agravação

Duração da sentença 3 Anos e 10 meses 4 Anos, 13 meses e 100 dias

Abuso sexual de menores dependentes Homicídio qualificado e homicídio qualificado na forma tentada

6 Anos

Furto qualificado, consumo de estupefacientes, roubo, furto e evasão

7 Anos e 6 meses

5 Anos e 6 meses

20 Anos

5 Anos e 6 meses

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Presidiário

Idade

António

26

Anos de Escolaridade 1

Manuel

27

> 12

Estudante

Martim

27

4

Ferrageiro

Mariano Jaime

29 29

6 6

Daniel

36

> 12

Canalizador Operário da construção civil Segurança de um bar

Tomás Gil

28 33

9 7

Ovídio

33

> 12

Amadeu

43

6

Nelson

35

> 12

Micael

31

10

Indiferenciado

Emílio

32

9

Armador de ferro

Feliciano

34

> 12

Artur

38

6

Pintor da construção civil Electricista

Frederico

54

6

Comerciante

Valter

25

6

Electricista/ Desempregado

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Ocupação Profissional Pasteleiro

Impermeabilizador Empresário Estucador/ empresário Servente – construção civil Vigilante (guarda, rondista)

Principal crime que levou à prisão Tráfico e outras actividades ilícitas, condução de veículo sem habilitação legal, detenção de arma proibida Homicídio qualificado e tráfico de estupefacientes Violação na forma consumada, coacção na forma tentada, rapto e condução de veículo sem habilitação legal Homicídio qualificado Homicídio qualificado

Duração da sentença 5 Anos

Homicídio qualificado, homicídio na forma tentada, incêndio, ofensas corporais graves, ofensas corporais físicas, furto de uso de veículo Violação e homicídio qualificado Tráfico de estupefacientes e outras actividades ilícitas Tráfico de estupefacientes, detenção ilegal de arma, condução de veículo sem habilitação legal Homicídio qualificado, furto qualificado, roubo e ofensas corporais Abuso sexual de criança e falsidade de depoimento (também: maus tratos a menor, roubo, furto e falsificação de documentos…) Crime de agressão sexual, com acesso carnal e uso de meios especialmente perigosos (código penal espanhol) e violação Homicídio, ameaça, coacção sexual, roubo, ofensa à integridade física qualificada Homicídio simples

24 Anos

Roubo agravado, roubo agravado na forma tentada e furto qualificado Associação criminosa (líder), extorsão, tráfico de estupefacientes, conversão e transferência de bens Rapto, violação, furto simples, detenção de arma ilegal, condução sem habilitação, roubo, roubo com ameaça de arma e falsificação de documento

14 Anos 9 Anos e 3 meses

17 Anos 16 Anos

21 Anos 6 Anos 8 Anos

23 Anos

9 Anos

12 Anos e 1 mês e pag. de indenização à vítima 15 Anos

12 Anos 12 Anos

20 Anos

18 Anos

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Presidiário

Idade

Luís

26

Anos de Escolaridade 8

Amândio

31

9

Rúben

31

> 12

Olegário

31

6

Henrique Miguel

37 44

4 > 12

Lucílio

34

10

Ocupação Profissional Ajudante de carpinteiro/ Electricista

Calceteiro

Principal crime que levou à prisão Furto qualificado, furto de uso de veículo, introdução em lugar vedado ao público, falsidade de declarações, receptação e condução de veículo sem habilitação Homicídio qualificado consumado e na forma tentada, tráfico de estupefacientes, roubo, furto qualificado, detenção de arma proibida e posse ilegal de arma de defesa e falsificação de documento Burla qualificada, falsificação de documento, acesso ilegítimo a sistema ou rede informática, abuso de cartão de crédito, falsas declarações, gravação e fotografia ilícita Roubo e falsas declarações

Serralheiro Civil Mecânico de Automóveis Encarregado de construção civil

Furto e falsificação Condução de veículo sem habilitação legal Condução de veículo sem habilitação legal

Broquista

Analista de Sistemas Informáticos

Duração da sentença 9 Anos

25 Anos

6 Anos

3 Anos e 6 meses 3 Anos 5 Meses 2 Anos

Referências bibliográficas AAS, Katja. ““‘‘The body does not lie’’: identity, risk and trust in technoculture””. Crime, Media and Culture, v.2, n.2, 2006, pp. 143––158. AMORIM, António. A espécie das origens. Genomas, linhagens e recombinações. Lisboa: Editora Gradiva, 2002. BEYLEVELD, Deryck. ““Ethical issues in the forensic applications of DNA analysis””. Forensic Science International, v.88, n.1, 1997, pp. 3-15. COLE, Simon. Suspect identities: a history of fingerprinting and criminal identification. Boston: Harvard University Press, 2002. _______. ““Forensics without uniqueness, conclusions without individualization: the new epistemology of forensic identification””. Law, Probability and Risk, v.8, 2009, pp. 233-255. COLE, Simon; DIOSO-VILLA, Rachel. ““CSI and its effects: media, juries, and the burden of proof ””. New England Law Review, v.41, n.3, 2007, pp. 435-470. COSTA, Susana. A justiça em laboratório. A identificação por perfis genéticos de ADN. Entre a harmonização transnacional e a apropriação local. Coimbra, Almedina, 2003. DUSTER, Troy. ““Selective arrests, an ever-expanding DNA forensic database, and the specter of an early - twenty-first-century equivalent of phrenology””. In: LAZER, David (org.), The technology of justice: DNA and the criminal justice system. Cambridge: MIT Press, 2004.

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