Crime de drogas no âmbito das Instituições Militares, Vacatio legis do art. 290 do CPM?

July 27, 2017 | Autor: Rodrigo Montezuma | Categoria: Justicia Penal Militar, Direito Penal Militar, Direito Processual Penal Militar
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Crime de drogas no âmbito das Instituições Militares
Vacatio legis do art. 290 do CPM?
A Súmula 14[1], de 04/01/2013, do Superior Tribunal Militar -
STM - com o texto: "Tendo vista a especialidade da legislação militar, a
Lei nº 11.343, de 23/08/06, (Lei Antidrogas) não se aplica à Justiça
Militar da União.", afastou por completo a aplicação da Lei supracitada no
âmbito do STM, que vem reiteradamente decidindo questões relacionadas ao
delito do art. 290[2] do Código Penal Militar - CPM - em tese sem qualquer
fundamentação regulamentar adequada, já que a Portaria/SVS/MS nº. 344, de
12/05/1998 (republicada em 01/02/1999 e com atualizações periódicas), que
determina as substâncias de uso controlado e proibido, faz referência
expressa àquela lei em suas republicações de atualização e não à norma
penal castrense, se vinculando indissoluvelmente da legislação antidrogas,
já que a busca expressamente como regulamentação no seu art. 66[3].
A Justificativa da Corte Castrense para inaplicabilidade da
legislação especial sobre drogas que diferencia o usuário do traficante,
conferindo aquele tratamento e ao outro sanção penal, é que no âmbito
militar outros bens jurídicos são violados além da saúde pública, como a
hierarquia e a disciplina, e assim sendo, norma mais benéfica ou
despenalizadora da conduta agrediria estes bens jurídicos que são pilares
da vida militar.
Tal justificativa destoa do preceito do §1º[4] do art. 2º do CPM
que trata da retroatividade de lei mais benigna.
O Art. 290 do CPM cita: "Receber, preparar, produzir, vender,
fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer
consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de
qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine
dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, até cinco anos.". Trata-se de uma norma penal de eficácia
limitada, pois ao atribuir autorização, determinação legal ou complementar,
torna-se carente de regulamentação no sentido de especificar o que é
autorizado, legal ou ilegal, especificando a substância entorpecente ou que
determine dependência física ou psíquica.
Trata-se então de uma norma penal em branco, incompleta ou
imperfeita, que determina o preceito e a sanção, onde no preceito busca-se
alcançar os elementos do bem jurídico tutelado com a proibição ou atos
(tipos penais) que configurem melhor adequação de proteção ao bem jurídico,
no caso a saúde pública; já a sanção é o poder dever do Estado coercitivo
ajustado à norma jurídica, entretanto normas penais em branco requerem a
remissão a outro dispositivo regulamentador ou outra norma penal para se
conferir eficácia legislativa, uma vez que há determinação certa de sanção,
porém incerta do dispositivo ou conteúdo primário.
Tal qual o art. 290 do CPM, a Lei nº 11.343, de 23/08/06 no art.
33 estabelece: "Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar,
adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar,
trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou
fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos)
dias-multa.", donde se extrai a necessidade de indicativo da ilicitude do
comportamento, a pratica do verbo do tipo penal que se amolda na conduta
ausente de autorização ou com desvio da autorização ainda que regularmente
concedido, e consequentemente carente de regulamentação determinando
especificamente o que seriam as drogas em referência.
Como sendo norma legal de eficiência limitada, a Lei nº 11.343,
de 23/08/06, se regulamenta com a Portaria/SVS/MS nº. 344, de 12/05/1998
(republicada em 01/02/1999) e atualizada sempre que necessário, cujas
atualizações mais recentes possuem remissão direta ao parágrafo único do
art. 1º daquela lei "Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as
substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim
especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente
pelo Poder Executivo da União.", e em decorrência da necessidade de
regulamentação no art. 66. que determina: "Para fins do disposto no
parágrafo único do art. 1o desta Lei, até que seja atualizada a
terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas
substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle
especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.", tornando-se
clara a vinculação da portaria a lei e vice-versa.
Com a definição dos crimes relacionados às drogas no prólogo da
Lei nº 11.343/06 e a determinação expressa da regulamentação e
especificação das substâncias entorpecentes, psicotrópicas e outras de
controle especial em seu conteúdo normativo, a não aplicação da referida
lei em decorrência da Súmula 14 do STM, deixa seu dispositivo legal, o art.
290 do CPM, sem subsídios regulamentares para a determinação do delito em
questão, já que para a determinação da materialidade delitiva é necessária
a análise das substâncias com base em ato regulamentador, entretanto, o
único existente advém da referida lei antidrogas, vedada no âmbito da
Justiça Militar da União.
Carece, portanto, o art. 290 do CPM de norma regulamentadora
própria para eficácia plena da aplicação da Súmula 14 do STM, determinando
as substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou
psíquica. Somente após a edição desta, a lei castrense estaria apta a
produzir seus efeitos penais.
A não aplicação da Lei nº 11.343, de 23/08/06, no âmbito da
Justiça Militar fulmina todos os laudos periciais, preliminares ou
definitivos, advindos com base na Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de
1998, já que esta é parte da lei vedada pela Súmula 14 do STM, seja por
derivação regulamentadora, seja por estar claramente expressa, inserida, no
seu texto, no art. 66 "Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1o
desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no
preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas,
precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de
12 de maio de 1998.", assim, sua vinculação na especificação das
substâncias e a característica regulamentadora desta norma, são colidentes
com a súmula que é taxativa na inaplicabilidade in totum da referida lei.
Verifica-se atualmente a dependência do Art. 290 do CPM à Lei nº
11.343/2006 na utilização do seu instrumento regulamentador e desta forma
uma contradição nos julgados da Justiça Militar já que por força da Súmula
14 não se admitiria a aplicação da referida lei no âmbito da Corte
Castrense, tratando-se de causa de nulidade absoluta derivada, uma vez que
a coleta de prova é lícita pela administração militar, mas seu
processamento inválido em decorrência de sua própria súmula.
Constata-se que a Portaria SVS/MS nº 344/98 da ANVISA,
atualizada, faz referência tão somente à Lei nº 11.343/2006 na determinação
da lista de substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras
sob controle especial, atendendo o dispositivo da lei especializada de
drogas, vindo o art. 290 do CPM, obrigatoriamente a utilizar esta lista, e
subsidiariamente, a legislação que a determina, caso contrário não haveria
objeto material a ser apurado como substância entorpecente, ou que
determine dependência física ou psíquica já que todas advêm daquela
legislação especial do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
- SISNAD.
1. Qual a norma aplicável para os casos de crime de tráfico ou
porte de droga para uso próprio, praticado por militar?
Atualmente na Justiça Militar não há qualquer distinção entre o
traficante e o usuário, variando as decisões apenas no tocante ao montante
da pena pela apuração do quantitativo de substância, já a legislação sobre
drogas faz uma diferenciação clara e trata o usuário como elemento carente
de proteção estatal no sentido de atingir mais firmemente o bem jurídico
tutelado que é a saúde pública, verifica-se neste condão de tratamentos
diferenciados numa legislação e outra o problema no concurso de normas
sobre o mesmo tema – a Lei de Drogas e o CPM - sendo ambas são válidas e
emanadas por autoridade competente, colocando o aplicador do direito num
dilema, pois a escolha de uma, implica na violação da outra. Entretanto, há
critérios jurídicos para a escolha mais apropriada, que devem ser sopesados
visando a manutenção da segurança jurídica das decisões em sentido uno.
Segundo a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, os
critérios de escolha entre normas conflitantes estão amparadas na
hierarquia, especialidade e a cronologia, especificados a seguir.
Em primeiro lugar na determinação de prevalência impera a
hierarquia da norma, que neste caso não se aplica, visto que o Decreto-Lei
Nº 1.001, de 21 de outubro de 1969, que instituiu o Código Penal Militar -
CPM – tem força de lei, tal qual a lei nº 11.343/2006 e desta forma
equiparam-se, não sendo este um critério válido de escolha de uma ou outra
norma.
Em segundo lugar está a o critério de especialidade da norma, na
qual ambas as normas em questão, são especializadas em seus temas, não se
admitindo superioridade de uma a outra, pois tratam de temas específicos, o
CPM na determinação da legislação da vida em caserna e a Lei nº 11.343/06
no que tange ao Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e desta
forma, neste critério, se equiparam novamente.
Em terceiro lugar está o critério cronológico, onde a Lei nº
11.343/2006 é mais recente que o CPM, e neste critério deve prevalecer a
legislação específica sobre drogas, ainda mais se tratando do objeto
jurídico tutelado que é a saúde pública tanto numa norma quanto na outra e
não a localidade ou ofício do agente.
Mais ainda, a Lei nº 11.343/2006 que "Institui o Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas
para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e
dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras
providências", abarca na totalidade, o que diz respeito às drogas e ainda
tem o condão de definir os crimes, absorvendo o art. 290 do CPM, de forma
avassaladora, onde há consunção de todos os delitos deste tipo penal, sendo
inclusive o art. 290 do CPM atualmente dependente de subsídios doutra norma
para a confirmação da materialidade delitiva, já que utiliza a lista
produzida por deliberação expressa do art. 66 daquela norma.
E mais, de acordo com o Princípio da Legalidade, tanto no Código
Penal Militar quanto no Código Penal comum o artigo 1º é claro "Não há
crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação
legal.", desta forma, ao entrar em vigência e atribuir para si, definir
crimes, a Lei nº 11.343/2006, revoga os dispositivos explícitos e
implícitos, mesmo que tacitamente, sobre o mesmo tema, como o disposto no
art. 290 do CPM.
Noutra vertente para a solução de antinomia legislativa, os
critérios para prevalência da especialidade da norma, se determinariam
pelo, (01) critério da cronologia ou sucessividade por ser lei mais nova
derroga a lei mais antiga; (02) critério da subsidiaridade na determinação
das substâncias de uso proscrito que advêm da Lei nº 11.343/2006, esta se
tornou principal em relação ao Código Penal Militar – CPM; (03) critério da
consunção ou absorção, por ser mais abrangente que a norma castrense no
tema específico sobre drogas; desta forma a Lei nº 11.343/2006 deve
prevalecer em relação à Lei Penal Castrense e sua aplicação de forma
imperativa, pois culminam três pressupostos jurídico-positivos a
cronologia, a consunção (ou absorção) e a subsidiaridade em relação ao
simples dispositivo penal castrense.
2. Exemplo prático de solução de conflito entre duas leis
especiais
Assim como ocorre na justiça castrense, há concurso de normas
válidas e emanadas de autoridade competente, no que tange à aplicação da
Lei de Drogas e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8.069/1990), quando se trata do fornecimento de drogas a criança ou
adolescente. A esse respeito, o ECA, no seu art. 243 determina:
"Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou
entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa
causa, produtos cujos componentes possam causar dependência
física ou psíquica, ainda que por utilização indevida: Pena -
detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não
constitui crime mais grave. (Redação dada pela Lei nº 10.764, de
12.11.2003)".
No mesmo sentido, dispõe a Lei de Drogas sobre o fornecimento de
drogas a criança e adolescente, consubstanciando crime de tráfico com pena
agravada:
"Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir,
fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em
depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa."
"Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são
aumentadas de um sexto a dois terços, se: (...) VI - sua prática
envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem
tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade
de entendimento e determinação...".


Neste caso qual lei deve prevalecer, visto que ambas possui
especialidade em seu ramo e são hierarquicamente similares?
Compreende-se, na exposição feita, que há conflito aparente com
a Lei nº 11.343/2006, no que tange às substâncias descritas, que causem
dependência, especificada ou não na lei antidrogas, entretanto, se a
substância estiver na lista advinda da Lei nº 11.343/2006, aplica-se esta
lei antidrogas, por ser mais nova, e se a substância não estiver na lista,
como a cola de sapateiro, por exemplo, aplica-se o ECA em função do bem
jurídico tutelado: a saúde da criança e o adolescente.
O critério preponderante é o da cronologia, vindo assim a Lei
11.343/2006 se sobrepor ao ECA nos delitos desta natureza pelo princípio da
"lex posterior derrogat priori". Não seria diferente com a legislação
militar.
Outro exemplo da doutrina neste mesmo sentido quem dá é o
doutrinador Nucci:
"Quando alguém importa substância entorpecente, à primeira vista
pode-se sustentar a aplicação do disposto no art. 334 do Código
Penal (crime de contrabando), embora o mesmo fato esteja
previsto no art. 33 da Lei de Drogas. Estaria formado um
conflito aparente de normas, pois duas normas aparecem
aplicáveis ao mesmo fato ocorrido. O direito, no entanto,
oferece mecanismos para a solução desse impasse fictício. Na
situação exposta, aplica-se o art. 33 da Lei de Drogas (tráfico
ilícito de drogas), por se tratar de lei especial". (NUCCI,
Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 6ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 157 e 160.).
Diante do exposto verifica-se que sob o prisma da especialidade
da norma, o Código Penal Militar e a Lei nº 11.343/06, ambas se equiparam,
e no conflito aparente, haveria a prevalência da Lei nº 11.343/06, pelo
critério da cronologia, da subsidiaridade e da consunção, e a rigor da
Súmula 14 do STM, o artigo penal incriminador sobre drogas de nº 290 do
CPM, está carente de regulamentação que o ampare, em nítida vacatio legis,
visto que a regulamentação existente no Brasil é apenas aquela derivada da
Lei nº 11.343/06, vedada expressamente pela Súmula 14 do STM.
Conclui-se que nas ações penais em trâmite e já julgadas do
crime intitulado no art. 290 do Código Penal Militar na Justiça Castrense
estão sendo definidas penas contrárias de sua própria Súmula 14, visto que
para a determinação de materialidade delitiva é imprescindível o uso da
norma regulamentadora da legislação vedada, assim para que a eficácia
legislativa seja plena, ou revoga-se a Súmula e aplica-se a Lei nº
11.343/2006 em sua totalidade ou se providencia regulamentação própria para
a Justiça Militar.
Rodrigo Antonio Bites Montezuma – Médico Veterinário, estudante de Direito
do Uniceub – 7º Semestre. Estagiário na Defensoria Pública da União de
Categoria Especial.
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[1] Súmula 14: Tendo vista a especialidade da legislação militar, a Lei nº
11.343, de 23 Ago 06, (Lei Antidrogas) não se aplica à Justiça Militar da
União.
[2] Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que
gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para
uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo
substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica,
em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacôrdo
com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, até cinco anos.
[3] Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1o desta
Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no
preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas,
precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de
12 de maio de 1998.
[4] Retroatividade de lei mais benigna - 1º A lei posterior que, de
qualquer outro modo, favorece o agente, aplica-se retroativamente, ainda
quando já tenha sobrevindo sentença condenatória irrecorrível.
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