\"Crime e (in)felicidade\", em QUEIRÓS, Eça de: O Mandarim, Lisboa: Livros do Brasil, 1880

May 24, 2017 | Autor: Silvia Busto Caamaño | Categoria: Portuguese Literature, Eça de Queirós
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Crime e (in)felicidade1 Silvia Busto Caamaño Literatura portuguesa 2 Ano letivo: 2016/17 O Mandarim é uma novela curta de Eça de Queirós que saiu do prelo em 1880. O próprio autor recolhe na carta-prefácio da novela que o objetivo da mesma é a procura de outras maneiras narrativas, além das formas próprias do Realismo: “Entretanto, justamente porque esta obra pertence ao sonho e não à realidade [...] ela caracteriza fielmente, ao que me parece, a tendência mais natural, mais espontânea do espírito português” (O Mandarim, pp. 78). Além do mais, nessa carta, o autor pretende que a novela seja considerada de caráter idealista e questiona-se a objetividade naturalista, nomeadamente através dos personagens do diabo e do mandarim, essencialmente quanto ao plano narrativo, facto que se pode visualizar no narrador autodiegético que conta a história em primeira pessoa. Assim, é introduzida uma perspetiva subjetiva do narrador, que é contrária à objetividade realista. Isto leva-nos a poder classificar a Queirós como um escritor entre o Romantismo e o Naturalismo. É também um escritor naturalista, nomeadamente por expressar as suas próprias perceções do mundo, sucesso que se pode visualizar n’O Primo Basílio (1878). De facto, as Conferências do Casino tiveram grande importância para Queirós pela relação do autor com o Naturalismo. O Mandarim pode ser considerado um texto à margem das outras obras de Queirós, juntamente com A Relíquia (1887), pelo seu caráter cómico e irónico. Apesar dessa caracterização da novela, Queirós, na carta-prefácio, não deixa de mostrar o claro género romântico da mesma: “Tendes aqui, meu Senhor, uma obra bem modesta e que se afasta consideravelmente da corrente moderna da nossa literatura, que se tornou, nestes últimos anos, analista e experimental” (O Mandarim, p. 7). Quanto à evolução literária, O Mandarim supõe uma mudança para o romântico, pois, como já foi mencionado, a obra afasta-se do Naturalismo. No que se refere à crítica da obra desde uma perspetiva moral, na novela podem contemplar-se duas categorias críticas: uma relacionada estreitamente com o material (graças ao dinheiro, Teodoro mostra a hipocrisia pela que se regem as relações sociais) e outra vem a dizer que nenhuma quantidade de dinheiro compensa um assassinato. De facto, Teodoro, 1

Eça de QUEIRÓS: O Mandarim, Lisboa, Livros do Brasil, 1880.

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apesar de que o crime que cometeu lhe ofereceu muito dinheiro, não consegue ser feliz e mesmo sente a necessidade de voltar à vida humilde que levava antes de assassinar o mandarim. Contudo, não deixa de ser surpreendente para o/a leitor/a que O Mandarim seja uma novela, pois a acção principal vira em torno a um só personagem: Teodoro, e, a partir dele é construída a história, uma história caracterizada pela tentação e pelo egoísmo pelos que se deixa levar o protagonista a fim de conseguir levar a vida cheia de luxos que tanto sonhara. Mediante o personagem de Teodoro o/a leitor/a é quem de fazer surgir uma crítica face a sociedade portuguesa, pois vivendo mediocremente, anelando ser rico e esquecendo seus valores morais, é quem de matar para alcançar uma alta posição social. Além disso, é importante mencionarmos a viagem à China que tem de fazer Teodoro na procura do mandarim que o diabo lhe encomendou assassinar. Graças às descrições que Eça oferece da China, o/a leitor/a pode imaginar um lugar colorido que constitui a parte central da história. Por outro lado, um dos principais temas da novela é o enredo pelo qual se deixa levar Teodoro, antes e depois de assassinar Ti-Chin-Fú, mas também o egoísmo, que acabará sendo um detonante da infelicidade de Teodoro, pois chega à conclusão de que o bom trato e respeito que recebe da sociedade são precisamente pelo dinheiro que tem. Assim, nunca alcançará a felicidade; de facto, as visões que tem com o mandarim serão decisivas para que Teodoro faça uma viagem à China com o objetivo de procurar a família do mandarim e mesmo casar com uma mulher dessa família a fim de poder-lhe devolver dalguma maneira o dinheiro que cobrou pelo crime que cometeu. Nessa viagem é criticado, nomeadamente, o oportunismo pelo qual se deixa levar a gente com o objetivo de sacar proveito, mas Teodoro não consegue casar e decide voltar para Lisboa, onde será perseguido pelo fantasma do mandarim. Então, volve ao seu antigo quarto na pensão de dona Augusta, mas nem assim se livra do fantasma do mandarim e é insultado pelos lisboetas. Farto disso, Teodoro toma a decisão de levar a vida de milionário e pede-lhe ao diabo que ressuscite o mandarim, algo que, obviamente, é impossível. Finalmente, Teodoro faz o seu testamento em que doa toda a sua herança ao diabo e, arrependido e sem ter a consciência tranquila, quer deixar em claro que “Só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas mãos: nunca mates o mandarim!” (O Mandarim, p. 267).

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Então, nem todos os milhões do mundo pagam a estabilidade e a tranquilidade da consciência, nem sequer o respeito da gente a paga.

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