Crise da europa, crise da educação: Filosofia, tradição e inovação

July 24, 2017 | Autor: Luísa Portocarrero | Categoria: Estudos Europeus
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ACTAS DE LOS XI ENCUENTROS INTERNACIONALES DE FILOSOFIA EN EL CAMINO DE SANTIAGO Santiago de Compostela, 13, 14, 15 de septiembre de 2012

CULTURA, EDUCACIÓN

E INNOVACIÓN

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E INNOVACIÓN ACTAS DE LOS XI ENCUENTROS INTERN

ACIONALES DE FILOSOFIA

EN EL CAMINO DE SANTIAGO

Santiago de Compostela, 13, 14, 15 de septiembre de 2012 Edita: Edicciόns Correo, S.A.0 (Grupo Correo Gallego) Diseño y maquetaciόn: ECG Depósito Legal: C 1644-2014 ISBN: 978-84-8064-205-7 Derechos Reservados: Queda prohibida la reproducción parcial o total de esta obra por cualquier medio o procedimiento, salvo autorización previa y escrita del autor. Su incumplimiento acarreará las sanciones establecidas en la legislación vigente.

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ACTAS DE LOS XI ENCUENTROS INTERNACIONALES DE FILOSOFIA ΕNEL CAMINO DE SANTIAGO Santiago de Compostela, 13,14,,15 de septiembre de 2012

CRISE DA EUROPA Ε CRISE DA EDUCAÇÃO: FILOSOFIA, TRADIÇÃO E INOVAÇÃO

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María Luisa Portocarrero Universidade de Coimbra

Ε lά um lugar- comum dizer que vivemos hoje uma profunda crise da educação, que a cultura de massas dos nossos dias conduz ao primado do imediatismo, ao espirito da indiferença, que promove a incapacidade para pensar, a impossibilidade de decidir, a falta de valores e a incapacidade de fecundar o «adentro» do ser humano. Apesar de tudo, vivemos uma época marcada por avaliações da eficácia, avaliações do rendimento escolar e pelos rigores no adestramento dos espíritos humanos. Também não podemos deixar de esquecer que a relação educativa não pode dissociar-se das relações espirituais globais que governam o nosso quotidiano europeu, marcado pelo tão propalado fenómeno da crise. E porque estamos a falar de crise, de crise da educação e crise da Europa não posso deixar de lembrar, porque me parece fecunda para pensar o fenómeno da educação e da inovação, a conhecida tese de E. Husserl, a da sua célebre conferência «Α crise da humanidade europeia e a filosofia». Pronunciado nos inícios do sec. XX, este texto estabelece que Europa e filosofia são sinónímas, o que significa que o conceito de Europa não possui, para o filósofo, uma definição puramente geográfica ou cartográfica. Diz pelo contrário respeito a uma certa relação ao mundo, conduzida pela viagem educativa do filosofar, pela filosofia como mediação e caminho em direção às questões comuns e verdadeiramente universais da humanidade, aquelas que educam interiormente o Si próprio de cada um pela elevação que impõem acima de todo o imediatismo do desejo Aquelas que as figuras degradadas do universalismo rígido acabaram por destruir.Com efeito, estas escondem o gesto filosófico originário, o eros de que falava Platão, isto έ, um desejo / consciência de infinito, cujo horizonte transcende toda o desejo de poder expresso pela pretensão totalitária do universal subsuntivo. É na irrupção da transformação interior de índole filosófica, na qual todas as ciências se encontram incluidas, uma vez que irromperam a partir dela, que Husserl νê o fenómeno originário da Europa espiritual; e é esta herança da transformação filosófica, ou da arte de distanciamento de sí e dos seus interesses imediatos, aquela que nos foi transmitida diretamente pelo pensamento grego, que permite considerar a Europa como uma profunda unidade, apesar da sua múltipla e aparente diversidade. Uma unidade cultural que fez o homem aprender a mediação simbólica do 395

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imediato e a ultrapassar a ditadura da urgência. l- na Europa um género único de tal modo «que apesar da hostilidade das nações europeias entre si, elas têm no entanto um parentesco Intimo particular em espírito, parentesco que a todos atravessa e que transcende as diferenças nacionais. São nações irmãs», talé a tese do filósofo alemão. Irmãs na mediação e na abertura ao simbóhco, diríamos nós, que distanciando o homem do imediato lhe permitiu a abertura lúdica e imaginativa, capaz de confrontar o seu mundo presente com mundos e personagens alternativos (mas não forçosamente míticos). Resumamos então antes de continuar: de acordo com Husserl, com o nascimento da viagem filosófica e diríamos ainda da paideia grega surgiu um sentido de elevação ao universal, que forma interiormente o homem sem sacrificar o seu caráter singular, uma' mutação na forma de pensar que, ultrapassando o tempo do mito (ao qual ficaram presas outras culturas), vai envolver todo o conjunto da cultura espiritual do Ocidente e da humanidade. Mas que atitude é esta afinal? Caracterizemo-la através do conceito grego de theoria: o desejo de um saber desinteressado que conduz à meditação sobre as questões essenciais, comuns ou grandes do humano, enquanto ser no mundo. Só esta atitude teorética, isto é não governada por interesses de satisfação pragmática ou presenciais particulares, permite educar para além de interesses singulares e visar fins racionais comuns, aqueles que permitem pôr-se no lugar do outro e que têm uma atualidade universal,' eterna. O homem torna-se, com ela, um participante desinteressado, um olhar educado e elevado sobre o mundo, um filósofo, na opinião de Husserltt. Isto έ, um ser marcado pela «peculiar universalidade da postura critica, a qual está decidida a não aceitar sem questão qualquer opinião previamente dada, qualquer tradição, de modo a que possa perguntar, logo de seguida, a respeito de todo o universo previamente dado. Esta atitude, filosoficamente desinteressada, implica um ideal de formação interior e de superior educação que hoje está em crise; ela apareceu pela primeira vez na Grécia, e é uma das atitudes fundamentais que permite ao homem libertar-se dos seus condicionalismos particulares, ser livre, isto ό, isento de preconceitos míticos e do peso de tradições não sujeitas ao crivo da critica. Dela resultou, diz-nos o filósofo, uma forma particular de humanidade e uma particular vocação de vida, correlativa de uma nova educação e cultura.« O conhecimento filosófico do mundo não cria apenas resultados de tipo particular; cria, antes, uma postura humana que imediatamente engrena em toda a restante vida prática (...). Edifica-se entre os homens uma comunidade nova e íntima, poderíamos mesmo dizer, uma comunidade de puros interesses ideais — a dos homens que vivem a Filosofia, ligados entre sí pela dedicação às ideias, que não são apenas úteis a todos, mas que são próprias de todos eles. Necessariamente se forma uma eficiência comunitária de tipo particular ( a filosofia), a do trabalhar com o outro e do trabalhar para o outro, mutuamente se coadjuvando no exercício critico, a partir do qual resulta a verdade pura e incondicionada, enquanto bem comum» m Em suma, a atitude teórica que preside ii formação da Europa é governada pela procura do logos comum, que pode ser alcançado 396



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e assimilado por qualquer um, pelo simples facto de ser um humano e precisar de ser configurado pela educação. Tal atitude, relembremos, opunha-se nãο só ao pensamento mítico mas também ao modelo que, a partir da modernidade e, nomeadamente, da sociedade de massas e do espetáculo de hoje, seria dominante, no âmbito da crise da cultura e da educação, o da fabricação, que envolve fundamentalmente uma relação de meios a fins. É no contexto deste novo modelo em que quem dominam são os fabricadores - que «não podem deixar de considerar todas as coisas como meios para os seus fins οu consoante O caso, julgar todas as coisas pela sua utilidade específica»' - que surge a crise da cultura, da Filosofia e da educação. A sociedade de massas prevalecente trata hoje toda a cultura como entretenimento e os artigos oferecidos pela indústria cultural são, de facto, consumidos pela sociedade como quaisquer outros bens de consumo. II

Podemos dizer então que se o mundo europeu nasceu deste tipo de razão, que implicou uma forma específica de educação, isto έ, do espírito da filosofia, a atual crise da filosofia, num mundo governado, cada vez mais pelo império da razão calculadora e económica compromete o próprio desenvolvimento da viagem educativa europeia. Talé a segunda grande consequência a extrair desta conferência de Husserl sobre A crise da humanidade europeia e a filosofia , nos anos vinte do séc. passado. «As nações europeias estão doentes, a própria Europa diz-se está em crise. Estamos a ficar, decididamente submergidos por uma maré de propostas de reforma ingénuas e exaltadas»°. A crise da Europa, de que E. Husserl nos fala nesta conferência, não é a crise económica dos días de hoje, mas aquela que a precedeu. Como ο filosofo o explicitará, é a crise das bases filosóficas do olhar europeu que, convertido no cientismo do olhar de narciso, próprio do sujeito moderno, acaba por ser limitado pelas vendas do pragmatismo utilitarista, que chega até aos nossos dias. A crise da Europa radica, segundo Husserl num racionalismo extraviado°'. Mas o que é que o filósofo quer com isto dizer»? Ouçamο-lo para já no seu diagnóstico da crise: «(...)concedemos de boa vontade que a forma de desenvolvimento da ratio, enquanto Racionalismo do período do Iluminismo, foi um extravío, se bem que, ainda assim, um extravío compreensível»"".Com efeito, a partir da modernidade, o pensamento calculador, sob o olhar de Narciso, transformou o mundo ocidental e todo o significado da viagem teorética. A irruρção da moderna ciência da natureza no séc. XVII, deu de facto origem, explicita Gadamer, na mesma linha, a uma mudança crucial no estilo do pensar Ocidental que importa reter, dado que ela favoreceu simultaneamente a posição do sujeito e a redução do mundo a representação deste. O solo filosófico em que emerge ο cogito έ, de facto, o do pensamento calculador, o tal extravío do racionalismo a que Husserl se refere, isto έ, o aparecimento de um modo de compreensão segundo ο qual «a investigação dispõe do ente» por meio de uma representação explicativa. É a época do mundo reduzido 397

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a quadro diante de um sujeito que detém as suas categorias explicativas e que por meio de um cálculo quer tornar-se dono e senhor dele. Para isso, o sujeito autónomo separa a educação da instrução, que passa a concentrar-se na pura transmissão refletida dos saberes que promovem a autonomia, isto έ, uma forma de saber que lhe permita prever para, poder e dominar o mundo. Parte-se aqui da distinção entre dois tipos de ação e dois tipos de discurso, em que um visa promover o bem e o outro estabelecer o verdadeiro. É o verdadeiro que agora interessa e, nomeadamente, na época das Luzes esta distinção torna-se muito clara e importante a fim de subtrair o conhecimento do homem e do mundo'x aos ditames da tradição, nomeadamente, religiosa. Uma fronteira clara passa doravante a separar os dois tipos de matérias suscetíveis de serem ensinadas: a) a religião οu melhor os valores e opiniões que dizem respeito às crençasx de cada um; b) os objetos do conhecimento cujo horizonte último não é o bem mas a verdade. O primado da instrução vai acompanhar o desenvolvimento do cientismo, como doutrina que impondo-se a partir da Modernidade acredita que o mundo é plenamente cognoscível e transfοrmavel de acordo com os objetivos do homem. Assim se impõe o antropocentrismo e mais tarde com as ofertas da tecnociência o imediatismo, ο pragmatismo e um narcisismo absolutamente desenfreado que se move como que num espaço ilimitado. A educação como formação da capacidade ética, como formação do espírito a partir da tradição, no sentido de Bildung e elevação a um sentido comum, que permita uma sã capacidade de juízo, perde-se pois perante as capacidades de fruição e manipulação do exterior que o cientismo permite. A liberdade confunde-se com o desejo e doravante « não reconheço a ninguém o direito de travar o meu desejo ou pior ainda: o próprio direito existe apenas para permitir a realização dos meus desejοs»x'. É a própria humanidade do homem que é assim transgredida, lembra-nos B. Edelman, na medida em que ela se fundava «numa restrição dos impulsos instintivos pessoais, ου melhor na medida em que ela se elaborou na base da recusa do ser humano em ceder ao seu desejo imediato»xu. Por outras palavras, o próprio ser humano europeu perdeu ο seu núcleo ético origínárío e o conceito de teoria reduziu ο seu horizonte, ao que está perante o olhar, passando do sentido da vida para o laboratório. Converteu-se, enfim, na investigação especializada, neutra, experta, segura da natureza, em ordem a uma aplicação técnica futura. A natureza transformou-se em reservatório de forças a explorar e a filosofia em epistemologia ou filosofia da ciência. Com isto a figura educativa tradicional da filosofia e a da sabedoria prática, governada pela phronèsis, desaparecem pura e simplesmente do horizonte e em consequência a relação entre filosofia e ciência inverte-se sendo a ciência a condutora da felicidade da humanidade. Ainda hoje, apesar do desencanto ja vívido e sentido face aos desaires provocados pela ciência, entretanto tornada tecnociência, não sabemos por vezes que papel dar à educação e à filosofia. Mas todos sabemos o que é a instrução e ο desenvolvimento de capacidades intelectuais. 398

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Não estará a verdadeira crise que hoje nos assola na hesitação do nosso presente entre modelo ético, social tradicional, modelo moderno e pós-moderno de educa- 0. 0? Não radicará a crise, como o pensa a escola de Frankfurt, nas promessas não mantidas do Iluminismo? Na conversão da sua racionalidade em razão puramente instrumental? Não será o humanismo moribundo e o seu desencantamento do mundo, a retirada dos deuses e dos valores, uma razão da crise? De agente da crise de um mundo marcadamente religioso e metafísico, o humanismo antropocêntrico tornou-se hoje o lugar da crise e, finalmente a vítima da crise por decomposição interna do próprio fenómeno educativo No entanto, é curioso: hoje vários são os setores da sociedade, a clamar por um novo humanismo (veja-se o caso da Bίοética) e uma nova educação que procure transmitir às novas gerações de profissionais não só o conhecimento mas também juízos de valor e exemplos de atitudes. P.Rícoeur, num texto em que reflete sobre a crise «Ser a crise um fenómeno especificamente moderno?» conclui a sua apreciação da época contemporânea deste modo: nas diversas interpretações da crise contemporânea, [é a ideia de sobreposição de duas crises: a da sociedade tradicional, sob a pressão da sociedade moderna, a da própria sociedade moderna, enquanto aparece como um produto abortado da sociedade tradicional»Xm. Dito isto, «a minha dúvida inicial, respeitante à possibilidade de proceder a uma avaliação global da época presente, regressa com novos argumentos. A época atual, diz-nos, não se deixa definir por meio de uma ideologia única. As definíções rivais da modernidade, a querela entre modernidade e pós-modernidade testemunham o carácter equívoco do tempo presente. Assim para o filósofo o que melhor parece caracterizar o tempo presente, como tempo de crise, έ: a ausência de consenso numa sociedade dividida entre tradição e pós-mοdernidade b) o recuo geral das convicções e da capacidade de compromisso dos humanos. É ainda o afastamento do sagrado, seja ele entendido no sentido vertical, seja no horizontal (político)». Como sair então da crise? Para responder à pergunta com que começou o seu texto, «será a crise de hoje, pela primeira vez interminável», ao contrário das do passado que, como nos mostraram os modelos regionais, eram transitórias? Ricoeur afirma que tem esperança que não, porque apesar da ausência de consenso e de convicções fortes na nossa sociedade pluralista, abre-se hoje uma oportunidade inédita à inovação pela reinterpretação das heranças do passado. Muito particularmente à reinterpretação do cristianismo. Só a hermenêutica, como lugar de memória e crise, no sentido de compromisso e inovação, poderá pois salvar-nos da inércia e neutralidade ética em que caímos. A hermenêutica, lembra-nos Gadamer, o seu grande teórico, cultiva um modelo de formação, de senso comum, de capacidade de juízo e de gosto que não se adquirem por meio de uma educação reduzida pela modernidade iluminista a instrução. Pelo contrário exige o exercício hermenêutico do ser interpretado pela narrativa que constitui o texto, do saber ouvir a proposta de sentido transmitida pelo

outro, que fala a partir da tradição, isto έ, a partir do dίálοgο e do aprender a não ter sempre razão. Chegou agora o momento de fazer referência aqui H. Arendt e ao seu grande seu texto «A crise na educação»X'" em que a filósofa se debruça justamente sobre a crise educativa como reflexo de uma crise mais geral e da instabilidade da sociedade modernaX".Este escrito teve como alvo principal a crise provocada pelo modelo americano de educação de massas, dos anos sessenta, modelo que, todos sabemos, governa desde meados dos anos oitenta o sistema educativo da Europa. Para a filósofa, que considera ser uma crise a ocasião de um crescimento e de esperança, se houver ânimo e condições para a enfrentar, o grande problema da educação progressista que comanda ainda hoje o mundo, é ter afastado completamente o papel formador da tradição. Tal esquecimento bloqueou, segundo Arendt, a capacidade humana de perceber e ajuizar a crise. Assim o que mantém crise é a perda das tradições e a anulação contemporânea de toda a autoridade, movimento provocado pelo pathos da novidade que surgiu na Europa partir do sec. XVIII e se «desenvolveu conceptual e politicamente no século XX. «Foi a partir desta fonte que se constituiu um ideal de educação mesclado de rousseaunismo e de facto diretamente influenciado por Rousseau de acordo com o qual a educação se transformou num instrumento da política e a própria atividade politica foi concebida como uma forma de educação» Preocupada com os aspetos do mundo moderno e da sua crise que acabaram por se revelar na crise da educação, Arendt denuncia o grande equívoco da modernidade: criar uma nova ordem política através da educaçãoX'1.«Quem quiser seriamente criar uma nova ordem política através da educação, quer dizer, sem usar a força ou o constrangimento nem a persuasão, tem de aderir à terrível conclusão platónica: banir todos os velhos do novo estado a fundar. Mesmo no caso em que se pretende educar as crianças para virem a ser cidadãos de um amanhã utópico, o que efetivamente se passa é que se lhes está a negar o seu papel futuro no corpo político pois que do ponto de vista dos novos, por mais novidades que o mundo adulto lhes possa propor, eles serão sempre mais velhos do que elas próprias»X"m. A educação moderna ao estabelecer um mundo próprio das crianças e querer educar para o novo, esquecendo que «faz parte da condição humana que cada geração cresça no interior de um mundo velho»m, anulou a tradição e a autoridade « recusando assim àqueles que chegam de novo a sua própria possibilidade de mnovar»XX É este o grande motivo da crise da educação. Expliquemo-nos então: para Arendt tal modelo de educação tem os seus fundamentos no pragmatismo; caracteriza-se por substituir as antigas teorias da aprendizagem, baseadas na tradição como apresentação do mundo àqueles que são mais novos, por teorias de um saber fazer que, aliado à racionalização técnica do mundo, se conjuga muito bem com a ideia segundo a qual um professor pode ensinar toda e qualquer coisa. Fenómeno que desobriga, por sua vez, o docente de possuir conhecimentos teoricamente sólidos. «0 professor — assim nos é explicado — é aquele que é capaz de ensinar qualquer coisa. A formação que recebe é em ensino e não no

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domínio de um assunto particular (...). Porque o professor não tem necessidade de conhecer a sua própria disciplina, acontece frequentemente que ele sabe pouco mais do que os seus alunos. O que daqui decorre é que, não somente os alunos são abandonados aos seus próprios meios, como ao professor é retirada a fonte mais legítima da sua autoridade enquanto professor»xx'. Assim se impôs no âmbito da educação a ideia de que não se pode compreender senão aquilo que se faz por si próprio, o que leva à substituição do aprender formativo pelo primado do fazer e do cultivo de habilidades. «Considera-se pouco importante que o professor domine a sua disciplina porque se pretende compelir o professor ao exercício de uma constante aprendizagem para que, como se diz não transmita um 'saber morto', mas ao contrário, demonstre constantemente como se adquire esse saber. A intenção confessada não é a de ensinar um saber mas a de inculcar um saber fazer. O resultado é uma espécie de transformação das instituições de ensino geral em institutos profissionais»xx°. Nesta conceção, em que o primado é dado ao saber fazer e se esquece que educar uma pessoa não é simplesmente instruí-la ou entretê-la mas facilitar a formação do seu caráter, a habilidade supera o conhecimento e a brincadeira, como nos diz Arendt, pode substituir o trabalho sério. Ora, o que de mais grave acontece é que tal modelo de educação não dá aos novos a possibilidade de inovar. Com efeito, sem a tradição e as balizas da autoridade em educação, as margens não têm qualquer oportunidade para surgir, logo não há capacidade para perceber o novo. Sem a apresentação que a tradição faz do mundo, aos mais novos, estes nunca terão a possibilidade de estar atentos ao novo. Só a conservação, diz-nos Arendt e também Gadamer o defende, possibilita que o novo possa aparecer como crise, diferença. Então o que uma verdadeira educação deve conservar é, antes de mais, a possibilidade do novo vir a ser; por outras palavras: o professor deve ter a capacidade de narrar o passado, possibilitando simultaneamente que a imaginação dos educandos o interprete. Não há, com efeito, outra forma de apresentação do mundo empírico do ser humano, nas suas várias nuances, sem a tradição e a sua força lúdica. É justamente para preservar o que é novo e revolucionário em cada criança que a educação deve ser conservadora. O conservadorismo €0 grande principio da educação, embora não o seja da política, logo há que dissociar a politica da educação, percebendo que no âmbito da política agimos sempre entre crescidos e iguais. Mas no da educação não devemos tratar as crianças como adultos e iguais. A educação, lembra-nos a filósofa, é o lugar onde se decide se «amamos suficientemente as nossas crianças, para as não expulsar do nosso mundo»xxm, deixando-as completamente entregues a si mesmas e retirando-lhes deste modo a possibilidade de realizarem qualquer coisa de novo. E Arendt pergunta: como manter hoje esse mínimo de conservação sem o qual a educação não é possível? De novo respondemos com uma educação hermenêutica que distinga claramente educação de política, fazendo perceber que faz parte da educação, pela sua própria estrutura, o exercício da autoridade e da tradição; que a

educação requer, pela sua própria natureza a autoridade, dada a obrigação que a existência das crianças coloca a toda a sociedadexx'". Que 'obrigação é esta? Aquela que nos impõe a conceção e o nascimento dos mais novos: a da dupla responsabilidade pela vida e desenvolvimento da críança, mas também pela continuidade do mundoxx Isto έ, a criança deve ser protegida em ordem a evitar que o mundo a possa destruir, mas por outro lado, também este mundo tem necessidade de proteção de modo a não ser devastado e destruído pelas novas gerações. Delimitar um lugar seguro que permita salvaguardar a educação é pois uma das grandes tarefas do mundo contemporâneo que deve, segundo Arendt, perceber antes de mais a diferença entre o que é público e o que é privado e ainda que: «Quanto mais completamente a sociedade moderna suprime a diferença entre o que é público e o que é privado (...), quanto mais a sociedade moderna introduz entre o privado e o público uma esfera social, na qual o privado, as coisas para as crianças é tornado público e vice-versa, mais difíceis as coisas se tornam para as crianças, as quais precisam, «por natureza, da segurança de um abrigo para poderem amadurecer sem perturbações»xx"'. Eis um dos grandes desafíos que se colocam ao mundo massificado e mediatizado dos nossos días.

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HUSSERL, E. Europa: crise e renovação. Artigos para a revista Kaizo. A crise da humanidade europeia e a filosofia, trad. Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2006, p.126. Cf., IDEM, ibidem, p.136. i" IDEM ,ibidem p.138. " H. AREN OT, Entre passado e futuro. Oito exercicios de pensamento politico, Trad. Relógio d"Agua, 1968, ρ.225. HUSSERL, E., of rit, ρ.120.

IDEM, ibidem, p.141. ""' IDEM, ibidem, ρ.141-142. V"'

RICOEUR,P., Leconflit des interprétations. Essaisd"herméneutique, París, Seuil, 1969, p.226. TODOROV,T., L "esprit des lumières, Paris , Robert Lafont, 2006, pp.67. IDEM, ibidem.,ρ.68 Β. EDELMAN, La personne en danger, Paris, Puf,1999, p.18 "" IDEM, ibídem. ""'RICOEUR P., La crise: un phénomène spécifiquement moderne? In httρ: //www.fondsricoeur.fr/photo/crise%284%29.ρdf, 27-09-2012. "" H.ARENDT, op. cit.,ρρ.183-206. IDEM, ibidem, ρ.195. IDEM, ibidem, p.186. IDEM, ibídem, p.187.

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IDEM, ibidem. ibidem. xx IDEM, ibidem.

x'x IDEM,

IDEM, ibidem, p.192. xx" IDEM, ibidem, ρ.193. xx"' IDEM,-ibidem, p. 206. xxiv IDEM; ibidem,ρ.195. xxv IDEM, ibidem,p.196. xxvl IDEM, ibidem ρ.198. xxi

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