CRISE DO CAPITAL E QUESTÃO URBANA: TRAÇANDO APORTES PARA DESCORTINAR A QUESTÃO SOCIAL EM MACAÉ/RJ

June 3, 2017 | Autor: Matheus Thomaz | Categoria: Direito à Cidade, História macaé, Questão Social
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CRISE DO CAPITAL E QUESTÃO URBANA: TRAÇANDO APORTES PARA DESCORTINAR A QUESTÃO SOCIAL EM MACAÉ/RJ1

Matheus Thomaz2 Gerson dos Santos Silva3

Resumo O presente trabalho visa problematizar as contradições emergentes no processo de crescimento acelerado do município de Macaé, partindo da instalação da sede operacional da Petrobrás, no final da década de 1970, mesmo período em que o modo de produção capitalista entra em sua crise estrutural. Propondo uma leitura crítica dos

indicadores

do

processo

de

desenvolvimento

capitalista do município no momento em que, de forma vertiginosa, se industrializa com a exploração do ouro negro. Há um redesenho da cidade em um processo contraditório de produção de riqueza atrelado com uma ampla e profunda ampliação da questão social em suas roupagens contemporâneas.

Palavras-chaves: questão social; crise do capital; questão urbana.

1

Artigo aprovado, apresentado e publicado nos Anais do XIV Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS), realizado em Natal/RN – 2014. 2 Professor Substituto no curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) Pólo Universitário de Rio das Ostras (PURO) 3 Discente do curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) Pólo Universitário de Rio das Ostras (PURO)

Abstract This paper intends to discuss the emerging contradictions in the accelerated growth of Macaé process, starting from the installation of the operating headquarters of Petrobrás in the late 1970s, the period in which the capitalist mode of production enters its structural crisis. Proposing a critical reading of the indicators of the process of capitalist development of the municipality at the time, steeply, industrializing the exploitation of black gold. There is a redesign of the city in a contradictory process of production of wealth coupled with a broad and deep expansion of the social question in its contemporary garb. Keywords: social question; crisis of capital; urban question.

1.

INTRODUÇÃO: OS FUNDAMENTOS DA QUESTÃO SOCIAL

Para apreendermos as particularidades do processo crescimento do município de Macaé, optamos por mobilizar a categoria questão social tendo em vista sua centralidade como categoria elementar apta a descortinar as contradições imanentes do modo de produção capitalista. Partindo da crítica da economia política edificada por Marx, localizamos a anatomia da questão social – em seu fundamento lógico e histórico – recorrendo ao exame crítico do processo de produção capitalista exposto no curso da “lei geral da acumulação capitalista”. Marx (2013) descortina o componente medular propulsor da questão social evidenciando na “lei de acumulação” a contradição fundamental que, em suas múltiplas determinações, se expressa no surgimento do pauperismo como uma das expressões reais advindas da dinâmica imanente do capital. Na medida em que a lei de acumulação: “se expressa, na órbita capitalista, às avessas: no fato de que parcela da população trabalhadora sempre cresce mais rapidamente do que a necessidade do seu emprego para os fins de valorização do capital” (MARX, 2013:690). Assim, ocorre um crescimento exponencial do proletariado, conformando o chamado exército industrial de

reserva. “A acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado” (MARX, 2013: 690). Desta forma, é a partir desta lógica que podemos descortinar a raiz do processo de produção e reprodução da questão social. Para Marx, a força de trabalho disponível se desenvolve pelas mesmas motivações que levam a expansão do capital. Dessa forma, o exército industrial de reserva cresce na mesma proporção, e quanto maior for este em relação ao contingente ativo tanto maior será a massa dessa superpopulação que se estabelece na pobreza e no pauperismo. Quanto maior forem as camadas lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior será o pauperismo oficial. Essa é a Lei geral, absoluta, da acumulação capitalista [...] Ela ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. Portanto, a acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, o suplício do trabalho, a escravidão, a ignorância, a brutalização e a degradação moral no polo oposto, isto é, da classe que produz seu próprio produto como capital. (MARX, 2013: 719-721)

Neste mesma esteira proposta por Marx, Netto (2011) localiza historicamente a expressão “questão social” se remetendo à terceira década do século XIX. A expressão nasce para dar conta do fenômeno do pauperismo, fenômeno este que se torna evidente a partir dos impactos da primeira onda industrializante na Europa Ocidental. A pauperização absoluta de uma expressiva parcela da classe trabalhadora foi uma característica explícita da consolidação do capitalismo em seu estágio industrial concorrencial. Naquele momento histórico foi visto como um fenômeno novo, a pobreza emergia na razão direta em que a capacidade de produzir mercadorias em massa era aumentada. Até então, em formas anteriores a pobreza era relacionada a escassez geral. Essa era a contradição que aflorava junto com o capitalismo, a pobreza era produzida pelo mesmo processo que se apresentava como solução à escassez. Nas sociedades anteriores à ordem burguesa, as desigualdades, as privações etc. decorriam de uma escassez que o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas não podia suprimir; na ordem burguesa constituída, decorrem de uma escassez produzida socialmente, de uma escassez que resulta necessariamente da contradição entre as forças produtivas (crescentemente socializadas) e as relações de produção (que garantem a apropriação privada do excedente e a decisão privada de sua destinação). A questão social, nesta perspectiva teórico-analítica, [...] tem a ver, exclusivamente, com a sociabilidade erguida sob o comando do capital. (NETTO, 2013: 158)

Retornando às análises de Marx em O Capital podemos identificar outra expressão real da dinâmica do capitalismo, que nos propicia subsídios para a apreensão crítica da “questão social, na medida em que esta expressão real produz a desigualdade e se coloca no centro da relação capital/trabalho: a exploração. Portanto, propor um exame consistente da categoria questão social implica problematizar o

caráter exploratório do modo de produção capitalista. A exploração é o elemento que no curso processual do capital (re)produz o pauperismo e com esse a questão social. As desigualdades produzidas se materializam em classes sociais, que se tornam antagônicas por suas perspectivas de mundo. Por isso, a questão social é também insurgência, justamente por se expressar no contexto dessa luta de classes. De forma sintética, a questão social se origina e se desenvolve no fulcro das contradições sociais produzidas no desenvolvimento do capitalismo e, indissociavelmente, na emersão do proletariado na dimensão política, se constituindo enquanto classe para si (Iamamoto – 2008). Cabe ainda ressaltar que, assentar a “questão social” nas bases fundamentais do modo de produção capitalista implica afirmar que

“não se suprime

a primeira

conservando-se o segundo” (NETTO, 2001: 45). Por conseguinte, ainda norteados pela categoria “questão social”, torna-se necessário articulá-la aos vetores essenciais que configuram a crise do capitalismo e suas principais expressões, para assim construirmos mediações consistentes que nos permitam problematizar as particularidades desse crescimento acelerado no município de Macaé-RJ.

2.

CRISE ESTRUTURAL, QUESTÃO URBANA E OS INDICADORES DA

DESIGUALDADE EM MACAÉ/RJ

Mandel (1990) reconstruindo o percurso das crises do capital, nos propicia uma radiografia histórica que abarca de 1825, data de surgimento do banco mundial, até a década de 1970; contabilizando dezenove crises cíclicas, com espaçamentos temporais decrescentes, e uma crise sistêmica detonada a partir de 1974. Esta que, segundo Mészáros, se deflagra como crise estrutural, justamente por constituir-se de múltiplas de originalidades não identificáveis nas crises cíclicas anteriores. Portanto, recorrendo às contribuições de Mészáros (2002) encontramos um conjunto de aportes fundamentais para se pensar a crise estrutural do capital, nos propiciando uma leitura consistente da crise na contemporaneidade a partir de quatro componentes que demarcam as originalidades da crise, sendo eles: 1- seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho, com sua gama

específica de habilidades e graus de produtividade etc.); 2- seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas as principais crises no passado); 3- sua escala de tempo é extensa, contínua se preferir, permanente, em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crises anteriores do capital; 4- em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na “administração da crise” e no “deslocamento” mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua energia” (MÉSZÁROS, 2002: 796).

Harvey (2001) ao traçar o diagnóstico da crise pontua que, a partir das transformações deflagradas a partir de 1974, novas configurações no capitalismo contemporâneo

foram

delineadas,

sendo engendradas



em

suas

múltiplas

determinações – características e processos inéditos. Destarte que, a emergência da crise econômica como crise de superprodução se irrompe na mesma esteira da crise política do Estado de Bem-Estar Social. No curso desta crise, almejando garantir vitalidade à reprodução ampliada de capital, no bojo das propostas neoliberais é que emergem as iniciativas do capital frente a crise. Desta forma, na atualização dos postulados do liberalismo clássico – preconizando o Estado mínimo (na perspectiva da perda de direitos) e a mão-invisível do mercado como principal mediador das relações sociais – é que são engendrados dois processos originais do rearranjo neoliberal em tela, são eles: a reestruturação produtiva e a contra-reforma do Estado. Segundo Behring (2008), as principais expressões da reestruturação produtiva encontram seu significado na flexibilização e desregulamentação no âmbito econômico e produtivo; na contra-reforma do Estado seu principal vetor se cristaliza no deslocamento das funções precípuas do Estado sendo estas revertidas para a implementação das políticas nos moldes do neoliberalismo. Na dinâmica desses dois processos são amplificadas as múltiplas expressões da questão social como, por exemplo, a desestruturação do Estado concretizando a perda de direitos, a precarização do trabalho, a flexibilização das leis trabalhistas, o desemprego estrutural a terceirização, entre outros. Nosso próximo passo se realiza na aproximação sistemática da questão urbana articulada aos elementos até aqui problematizados. Para dar conta desta empreitada iniciamos pontuando historicamente emergência da cidade. Lefebvre (1999) localiza a cidade como resultante do processo de dissolução das formações sociais que precederam o capitalismo e na assim chamada acumulação primitiva a partir do

desenvolvimento das forças produtivas, na divisão sócio-espacial (com a expressiva cisão entre o campo e a cidade a partir dos cercamentos dos campos – enclousers) e no alargamento da divisão sócio-técnica do trabalho. Nesta perspectiva desde o princípio os pobres, ou a expressão mais nítida da questão social, já eram vistos como problema nas cidades. Como nos mostra Hobsbawm: Para os planejadores de cidades, os pobres eram uma ameaça pública, suas concentrações potencialmente capazes de se desenvolver em distúrbios deveriam ser impedidas e cortadas por avenidas e bulevares [...] Para os construtores, os pobres eram um mercado que não dava lucro, comparado ao dos ricos com suas lojas especializadas e distritos de comércio. (HOBSBAWM, 1979: 220).

A cidade encontrou seu desenvolvimento atrelado à grande indústria e ao grande capital que, articulados, impulsionaram novas configurações sócio-espaciais e redefinições na questão social, como, por exemplo, o alto fluxo migratório e transformação compulsória do espaço urbano sendo revertido à produção de valor de troca. A cidade constitui-se, então, como um lugar importante para a materialização do capital e decisivo para as metamorfoses necessárias à consolidação e expansão do sistema capitalista; como também se tornou o lugar onde a habitação se transforma em uma mercadoria produzida sob as relações capitalistas e, portanto, destinada ao lucro. A reorganização interna das cidades é resultado da ação de diferentes agentes que têm interesses diversos e, por vezes, antagônicos. Concorrem para a definição do perfil da cidade o Estado, as empresas, as imobiliárias, os donos da terra e a população trabalhadora. (PINTO, 2004: 94).

Retornando às análises de Mandel, a partir de meados dos anos 1970 o mundo capitalista começa a atravessar momentos difíceis com esgotamento da onda expansiva e a redução das taxas de lucros. Um marco importante para esse processo é a crise do Petróleo. Esses acontecimentos vão repercutir diretamente no em nosso recorte. Diante da crise do petróleo a Ditadura Militar vai apresentar como resposta política duas propostas diretas, conforme nos aponta PAGANOTO (2008), dentro da linha desenvolvimentista que seguia com grandes projetos de infra-estrutura. A implantação de um programa de reestruturação da matriz energética com o objetivo de aumentar a produção de petróleo nacional e na produção de álcool como uma opção de combustível para automóveis, a partir da cana-de-açúcar. Paralelamente a implementação do Proalcool, intensificou-se a prospecção de petróleo, principalmente do fundo do mar, com intuito de diminuir , no médio e longo prazos, a dependência externa do produto. Uma das áreas promissoras era o Norte Fluminense, onde, desde o final da década de 1950, a Petrobrás já realizava sondagens que permitiam otimismo com relação ao potencial de produção comercial da denominada Bacia de Campos. (PAGANOTO, 2008: 13).

É esse processo que vai anteceder a instalação da Petrobrás em Macaé e o

crescimento acelerado que o município vai sofrer. A região onde se insere Macaé tinha como principais atividades econômicas a produção de açúcar, cana e café, além ser uma referência importante em Pecuária. A cidade de Macaé situada no NorteFluminense vai sofrer uma grande transformação com a instalação da Petrobrás que faz ali sua principal base operações para a produção e prospecção do petróleo na Bacia de Campos. A partir de 1978, com a chegada da Petrobrás, há um crescimento vertiginoso da produção de riquezas locais e da população residente. Quando do início da exploração de petróleo na Bacia de Campos, não houve, da Petrobras, preocupação em minimizar os impactos que poderiam ser causados localmente, e sua atuação seguiu o padrão das demais empresas brasileiras de grande porte da década de 1970. Em Macaé, então um pequeno município de base agropecuária, a chegada de trabalhadores e suas famílias, assim como daqueles que se deslocam em busca de alguma oportunidade de serviço, acarretou uma ocupação urbana desordenada e uma sobrecarga nos parcos equipamentos de consumo coletivo existentes. Deu-se uma ocupação predatória do litoral não só pelas empresas ligadas ao petróleo como também por novos loteamentos para moradias. (PIQUET, 2010:13).

O início, com um grande crescimento do emprego direto na Petrobrás vai até o final dos anos 1980. Na década seguinte, com o impacto das políticas neoliberais e a reestruturação produtiva a Petrobrás, avança para a terceirização e subcontratação da força de trabalho e com isso uma consequente precarização desses trabalhadores aos empregados diretamente na Petrobrás. De acordo com PAGANOTO (2008), a população em Macaé vai dar seu grande salto entre os anos de 1990 e 2001 quando cresce 41,4%. Esse crescimento acelerado terá impacto direto no processo de urbanização da cidade. Foram vários os bairros sem infra-estrutura que surgiram na periferia da cidade de Macaé desde o inicio da exploração de petróleo na Bacia de Campos, a maioria ocupando áreas de preservação ambiental. As primeiras ocupações irregulares se deram junto a foz do rio Macaé, em área de manguezal: Inicialmente as comunidades de Nova Holanda, Malvinas e Botafogo; e posteriormente Ilha Colônia Leocádia e Nova Esperança, ressalvando que a Ilha da Caieira, também área de preservação permanente, hoje abriga um condomínio de classe média/alta, sendo a primeira ocupação na foz do rio Macaé, com a exceção do centro urbano. (TAVARES, 257:2010).

A população urbana de Macaé saltou de 55.152 em 1980 para 202.859 habitantes em 2010, segundo o Anuário de Macaé 2012, produzido pela prefeitura municipal. Há que se considerar a migração como um fenômeno essencial desse processo. “Dizer que os novos migrantes chegaram, ou que novas gerações então nasceram num mundo de indústria e tecnologia é bastante obvio, mas não esclarecedor” (HOBSBAWM, 1979: 217).

Assim se inicia o décimo-segundo capítulo

de a Era do Capital: 1848-1875, dedicado ao processo de formação da cidade, indústria

e classe trabalhadora. A assertiva de Hobsbawm também pode ser colocada para as transformações que ocorrem em Macaé. A chegada dos migrantes e da indústria vai alterar as bases das desigualdades sociais existentes no município, mas com particularidades. Conforme nos aponta Paganoto (2006), é possível perceber o aparecimento de dois tipos de migrantes em Macaé. Uma parcela recebe altos salários e se encontram empregados no setor petrolífero, estes vão habitar áreas mais nobres ao sul da cidade. Muitas vezes em um processo de auto-segregação no interior de condomínios fechados. A outra parcela dos migrantes são aqueles atraídos por propagandas que apontam Macaé como um novo eldorado, estes muitas vezes sem condição de ingressar no mercado do petróleo. Irão ocupar a periferia ao norte do município, locais com péssimas infra-estrutura, se tornando muitas vezes expressões da questão social. Porém mesmo com essa disparidade, Paganoto (2008) nos aponta que os migrantes acabam por levar grande vantagem sobre os naturais de Macaé no mercado de trabalho do petróleo. Com isso a questão urbana se manifesta nos fenômenos da favelização, uso predatório dos recursos naturais do litoral, congestionamentos, aumento da violência, falta d’água e enchentes constantes, além de um crônico problema de infraestrutura e carência de serviços públicos. Esse processo vai impactar no direito à cidade, na sobrecarga dos serviços públicos, na segregação do território e na degradação ambiental. Entretanto essas transformações não se deram sem resistência no município, com destaque para luta ambiental e no enfrentamento com a especulação imobiliária. Macaé é uma cidade litorânea com belas praias e uma grande parte de sua costa é formada por restingas. Dentre as lutas se destaca no da década de 1980 o movimento que ficou conhecida como “Xô Monobóia”, um movimento feito por ambientalistas e pescadores contra a instalação de um supermonobóia a menos de 2Km do Arquipélago de Santana, área de preservação do município. Uma conquista importante foi, em 1998, o Parque Nacional de Jurubatiba, o primeiro Parque Nacional totalmente inserido em ecossistema de restinga. Outra luta importante é o SOS Pecado, um movimento para preservar uma imensa área de restinga localizada entre os bairros dos cavaleiros e Praia do Pecado, transformar o espaço em um parque Natural. Esses bairros sofrem com um violenta especulação imobiliária e um acelerado processo de verticalização, mesmo sem reunirem infra-estrutura para esse crescimento. Duas lutas tiveram boa visibilidade em

tempos recentes, a primeira contra esse processo de verticalização, chamado de “Deixa o sol entrar” cuja proposta era limitar o gabarito dos prédios na orla dos bairros Praia do Pecado, Cavaleiros e Praia Campista. Outra é o movimento contrário a instalação de um segundo porto na cidade, o “Xô Porto”, com o argumento de que um novo porto trará outro processo de urbanização acelerada. Seria trazer um novo problema, se ter sequer chegado perto de resolver os problemas urbanos atuais. Assim, passado 36 anos da instalação da Petrobrás no município, esse processo de urbanização acelerado teve um grande impacto tanto na população quanto nos indicadores econômicos e sociais. De acordo com o anuário de Macaé 2012, da prefeitura municipal, o PIB per capita do município chegaria a R$ 42 mil. Esse número suntuoso, também é acompanhado por um crescimento acelerado da questão social. As desigualdades começam a ficar latentes e a cidade divida entre o sul, que apesar de alguns problemas estruturais é próspero e terreno rico da especulação imobiliária. Enquanto isso, o norte cresce em um ritmo maior e de forma mais caótica, trazendo também a violência urbana como mais uma expressão aparente da questão social. Assim a mesma cidade que nada em abundância tem em periferias, nem tão distantes do centro, cenários do mais absoluto pauperismo. A expressão dessa desigualdade é percebida ao se observar os dados socioeconômicos existentes. Um olhar sobre o atlas do desenvolvimento humano 20134, nos mostra uma variação da renda per capita de R$ 561,15 em 1991, para R$ 1.103,42 em 2010. Em dezenove anos, mesmo considerando o acelerado crescimento populacional, dobrou a renda per capita no município. Porém essa proporção não é acompanhada pela redução da desigualdade, considerando a variação do índice de GINI, no mesmo período teve uma variação ínfima, passando de 0,57 para 0,56. Por esses números é possível perceber que há uma forte acumulação no período. Retornemos à Lei Geral da Acumulação Capitalista: A acumulação capitalista produz constantemente, e na proporção de usa energia e seu volume, uma população trabalhadora adicional relativamente excedente, isto é excessiva para as necessidades médias de valorização de capital e, portanto, supérflua [...] Assim, com a acumulação capitalista produzida por ela mesma, a população trabalhadora produz, em volume crescente, os meios que a tornam relativamente supranumerária. (Marx, 2013. 705-706)

4 é uma plataforma de consulta ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM - de 5.565 municípios brasileiros, além de mais de 180 indicadores de população, educação, habitação, saúde, trabalho, renda e vulnerabilidade, com dados extraídos dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010. (http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/o_atlas_/)

Em números, a variação dos 20% mais pobres no município era em 1991 eram 2,85% da população que correspondia à 2670 habitantes. Ao passo que esse mesmo recorte da população em 2010 aumentou para 3,39%, o que parece uma pequena variação em termos absolutos é de 7008, o que equivale a um aumento de mais de 60% de pessoas nessa condição. No mesmo período a população total teve um aumento de 45%, ou seja, houve um aumento dos 20% mais pobres em uma proporção maior que o próprio aumento populacional. É a explicitação de um produto do modo de produção capitalista, que se desenvolve aumentando a parcela dos mais pobres na localidade, conforme a argumentação de Marx em O Capital. Nessa contradição a cidade aparece como um grande negócio para aqueles que lucram com a especulação imobiliária, a venda de serviços básicos como segurança, educação e saúde. Enquanto que para outros é espaço de sobrevivência e busca por qualidade de vida. Mas a cidade também não é apenas reprodução da força de trabalho. Ela é produto ou, em outras palavras, também um grande negócio, especialmente para os capitais que embolsam, com sua produção e exploração, lucros, juros e rendas. Há uma disputa básica, como um pano de fundo, entre aqueles que querem dela melhores condições de vida e aqueles que visam apenas extrair ganhos. (Maricato, 2013: 20)

A cidade se constitui em uma totalidade orgânica, uma obra máxima da civilização, é a cidade o local da reprodução da força de trabalho. E, nesse caso, onde além dessa reprodução, Macaé precisa acompanhar o crescimento acelerada de sua força de trabalho atraída pela propaganda de ser a capital do petróleo nacional um eldorado de oportunidades e empregos. Trata-se, portanto, de uma força de trabalho barata, segregada e excluída da cidade legal. Assim como vivemos a industrialização dos baixos salários, podemos dizer que vivemos a urbanização dos baixos salários. A melhoria desses bairros é uma fonte inesgotável do velho clientelismo político: troca-se por votos a pavimentação de uma rua, a iluminação pública, uma unidade de saúde, uma linha de ônibus etc.(Maricato,2013: 21)

É o conflito da questão urbana, conforme aponta Ermínia Maricato (2013). A estrutura da cidade não acompanhou o crescimento vertiginoso, em especial nas periferias ao norte da cidade. Dessa forma, Macaé, um município do interior, passa a ter problemas que são comuns a regiões metropolitanas como ampliação da violência urbana e alto custo de vida. E com isso o direito à cidade fica restrito a uma parcela da população, enquanto o restante, o grosso da força de trabalho e a parcela sobrante permanecem à mercê das politicagens tradicionais.

3.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da crise estrutural do capital procuramos neste trabalho trazer a lume as principais transformações em curso no acelerado processo de crescimento no município de Macaé. Ancorado na categoria questão social, deflagrando suas múltiplas expressões que, cotidianamente, batem às portas nos espaços sócio-ocupacionais onde os assistentes sociais estão inseridos. Portanto, na perspectiva de trazer à baila aportes que nos permitam abrir caminhos para identificar as novas demandas impostas ao Serviço Social, identificamos que o desenvolvimento capitalista traz como produto o pauperismo e um excedente de força de trabalho constituído como exército industrial de reserva. O recorte sobre o município de Macaé demonstra esse processo sendo deflagrado com enorme pujança. Um acelerado crescimento, marcado por uma exponencial capacidade de acumulação que, potencializa a manifestação real que o modo de produção capitalista cria em maior quantidade: as expressões da desigualdade desveladas em pobreza e segregação sócio-espacial. A crise estrutural que enfrenta o capital, o fez construir “respostas” que agravam ainda mais as expressões da questão social, aqui mencionamos as políticas neoliberais e as novas configurações no mundo do trabalho – reestruturação produtiva. No fulcro deste processo potencializado pela crise, uma série de impactos abarcados neste artigo se tornam latentes na realidade no município de Macaé. De fato, atrelado as profundas redefinições da questão social deflagradas no município de Macaé, localizamos como ponto nevrálgico a transformação sócio-espacial na lógica da apropriação e mercantilização do espaço que, no curso da chamada produção capitalista do espaço, manifesta um constante processo de corrosão das possibilidades de direito à cidade. Pensando o direito à cidade, no sentido que apresenta Henri Lefebvre, não se trata de um direito de visita ou de retorno às cidades tradicionais, mas formulado e como um “renovado e transformado direito à vida urbana”. No caso de Macaé a resistência ainda frágil, mas que conquista importantes vitórias, esse redesenho da cidade passa pela luta contra a especulação imobiliária e uma atenção à questão ambiental. Elementos que foram apontados nesse trabalho e que carecem de um maior aprofundamento. Portanto sem a insurgência daqueles que sofrem a exploração do capitalismo

ficaremos a vivenciar a reprodução desta ordem de desigualdades. Outrossim, fica o desafio de se construir reflexões que possibilitem o fortalecimento de perspectivas que resistam neste caminho que nos leva à barbárie.

Referências bibliográficas

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Sites

consultados:

13/07/2014)

http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil/macae_rj

(em

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