Crise e Reestruturação do Modelo de Desenvolvimento Urbano-Industrial Brasileiro

July 31, 2017 | Autor: Eline Viana Menezes | Categoria: Urban History, Urbanism
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Crise e Reestruturação do Modelo de Desenvolvimento Urbano-Industrial Brasileiro Eline Viana Menezes Doutoranda em Administração – Núcleo de Estudos sobre Poder e Organizações Locais (NEPOL) – Núcleo de Pós-Graduação em Administração (NPGA) – Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (EAUFBa). MSc. Arquitetura e Urbanismo (MAU/FAUFBa). Brasil. E-mail [email protected]

Abstract This paper examine the many transformations of Brazilian’s urban-industrial development model, from 1930 to 1990. This terminology characterize the adoption of industrial development ideology, combining with a spacial structure transformation. This combination caused an intensive urbanization on Brazilian’s spacial structure. In this way, we analyse the correlation between power structures and spacial organization, focusing the concept of city like development locus. Furthermore, we analyse the transformation on Brazilian’s urbanindustrial development model, focusing three phases: First, the pre-development phase – formation of technocratic management on national space; second, the authority-bureaucratic phase – focusing the formation of institucional’s framework; and third, the development crisis phase, focusing the misconduct and reorganization of urban-industrial management model. Finally, we analyse the local development trend. Key words: Restructure urban, urban-industrial model and urban management mode.

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1.

Introdução

Crise e reestruturação têm sido terminologias utilizadas para caracterizar um certo estágio de intensa transformação. Nesses períodos, os “velhos” instrumentos, estruturas e meios que mantinham ou proporcionavam uma certa condição de estabilidade - ou garantia de manutenção de um determinado curso de ação - “perdem” esta capacidade mantenedora, encadeando um novo processo de reorganização estrutural. A crise pode ser analisada sob vários aspectos. Entretanto, nós focalizaremos apenas aqueles inerentes às tentativas de estabelecer uma ordem espacial no Brasil. Ou seja, pretendemos analisar o desenvolvimento e os constrangimentos advindos do esboço de configuração de uma ordem espacial no Brasil, entre os anos de 1930 a 1990. Desse modo, nos pretendamos analisar quais elementos (instrumentos, estruturas e meios) se constituíram em importante objeto de discussão, no momento em que a crise urbano-industrial assume uma dimensão em escala mundializada . Para tal, admitiremos que a ordem espacial não está dissociada das componentes social, política e econômica e tem uma dimensão territorial inserida no movimento de articulações entre as escalas global, regional e local, num contexto de expansionismo do modelo urbano-industrial das sociedades capitalistas. Na consolidação desse fenômeno, destacam-se os papéis do expansionismo industrial e do Estado nação. Todavia, enquanto o expansionismo industrial resulta do próprio processo de acumulação capitalista, o do Estado é resultante criação de instrumentos de regulação1 - inerentes à tarefa de administração dos conflitos (por coerção ou persuasão). Antes de iniciarmos a análise acerca da crise e reestruturação do modelo urbano-industrial brasileiro, achamos conveniente chamar à atenção a correlação entre as esferas política, econômica e social - como estruturas de poder decisório - nos processos de estruturação e ordenação espacial de uma forma específica de amalgamento entre os espaços urbano e industrial, que doravante passaremos a denominar modelo de desenvolvimento urbano-industrial. Esta compreensão nos interessa para focalizar a relação entre poder decisório e formulação/execução de políticas de gestão do território. 2.

Estruturas de Poder e Organização Espacial do Modelo de Desenvolvimento Urbano-Industrial Capitalista: O Papel do Estado Nação

A processo de ordenamento espacial não pode ser visto como uma relação unidirecional particularmente econômica ou social ou política2. Trata-se de uma questão de focalizar a lógica capitalista lógica e o papel dos Estados nação como elementos essenciais para a compreensão do processo de uso e ocupação espacial em várias cidades. Desse modo, tal processo pode ser visto como um movimento de ordenação social, econômico, político, espacial e funcional no âmbito do processo de estruturação do espaço urbano.

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O modelo urbano-industrial particularmente privilegiou a visão de cidade como locus do desenvolvimento econômico. Sob esta ótica, a cidade passaria a ser analisada como um espaço de conflitos (de usos) e da intervenção planejada. Por causa disto, a compreensão do papel do Estado torna-se um importante caminho para compreender o desenvolvimento induzido de várias instituições (inclusive as de planificação estatal e o crescimento da presença do Estado, além dos mecanismos de mercado), vistas como instrumentos de decisão racional, no processo de ordenação do uso dos espaços. Nesse percurso, observa-se também a emergência de processos singulares de modernização social, política, econômica e de gestão espacial, que resultaram um aceleramento da urbanização de algumas cidades industriais. Com efeito, Giddens (1991) definiu as sociedades capitalistas como um subtipo específico das sociedades modernas, que constituem um sistema com características institucionais específicas: o capitalismo (ordem econômica), o sistema de Estado nação (ordem política), o poder militar (controle dos meios de violência) e o industrialismo (enquanto meio de transformação da natureza e de desenvolvimento do ambiente “criado” ou artificializado). Neste contexto, o Estado nação concentra o poder administrativo de uma forma mais eficiente que os Estados tradicionais (no sentido weberiano) poderiam fazer. De acordo com Bottomore (1981) a consolidação do Estado nação foi possibilitada, porquanto este tenha sido a instituição que melhor proporcionou um ambiente favorável ao desenvolvimento do capitalismo. Ela oferecia um sistema político estável, metódico, dotado de um conjunto de leis. Com isto, podia proporcionar uma administração eficaz no que se refere à garantia da propriedade e o cumprimento dos contratos. Além disto, o Estado nação é uma forma organizacional que reclamava para si o papel de comandante do desenvolvimento (social e econômico) de uma determinada porção físicoterritorial. Outra particularidade é que o Estado nação contemporâneo (aquele conformado num contexto de unificação ou de independência), visto enquanto forma de organização de domínio de poder sobre um território, não possui uma supremacia absoluta, tal qual poderia se aludir aos Estados modernos (França, Portugal e Inglaterra). Porém, uma supremacia compartilhada (autonomia nãoabsoluta), posto que envolve um duplo processo de legitimação (política) e acumulação (econômica), no contexto das relações sociais capitalistas, que se realiza para além dos seus domínios territoriais. Estas observações são relevantes para a compreensão do papel desse agente no fenômeno de explosão desigual e articulada de algumas cidades, que constituem fragmentariamente o espaço urbano-industrial. Este espaço extrapola as limitações físico-territoriais dos Estados nacionais, mas dialeticamente tem seus limites e possibilidades condicionados pelas articulações de poderes (social, econômico e político) estabelecidos nessas porções territoriais. A despeito da lógica capitalista ser bastante semelhante em vários países, esses processos não se dão da mesma forma. Assim, para uma melhor compreensão do processo de ordenação espacial brasileiro, passaremos a analisar as relações entre Estado, desenvolvimento industrial e urbanização intensiva.

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3.

Estado, Desenvolvimento Intensiva no Brasil

Industrial

e

Urbanização

No Brasil, a construção de um Estado nacional se iniciou por volta do final dos anos 30, quando Vargas implementou as novas bases estruturais de nossa sociedade, na direção de um ambicioso processo de industrialização. Este também significou uma mudança social, do modelo agrário-rural para o urbano (comercial e industrial).3 Esta dupla modernização (social e econômica) posteriormente foi impulsionada pela emergência da ideologia desenvolvimentista. Esta pode ser periodizada em três fases: a prédesenvolvimentista – de constituição da gestão tecnocrática do espaço nacional; a da gestão autoritária-burocrática do desenvolvimento – ou da configuração do arcabouço institucional; e a da “crise” do desenvolvimentismo que abarca duas sub-fases – a dos descaminhos e a de reorganização do modelo de gestão urbanoindustrial. 3.1.

Constituição do Modelo de Desenvolvimento Urbano-Industrial e Gestão Tecnocrática do Espaço Nacional no Período PréDesenvolvimentista

No Brasil, a gestão tecnocrática do espaço nacional emergiu no processo de modernização do Estado, deflagrado a partir dos anos 30, e na afirmação da ideologia do desenvolvimentismo. Esta, na fase pré-desenvolvimentista, chamava atenção à necessidade de se obter um desenvolvimento rápido, via processo de industrialização, a fim de se obter um perfil de nação (progressista) semelhante às nações industrializadas. De Vargas (1930/45 e 1951-54) a Kubistchek (1956-60) a industrialização seria vista como “... um ‘dever’ ao qual não cabia declinar, não só era uma ‘imperiosa necessidade’, mas também uma condição de vida” (Ianni, 1979, p.182). Todavia, se para Vargas ela estava vinculada à idéia de emancipação econômica nacional, para Kubistchek a “emancipação” não era vista da mesma forma. Este possuía a convicção de que industrialização e associação ao capital estrangeiro não era incompatível com a condição de autonomia do Estado brasileiro, frente às demais potências do espaço econômico mundial. Decorre disto, uma mudança substancial na ideologia de desenvolvimento. Pois, se em Vargas a industrialização seria o caminho mais rápido para a criação de um capitalismo essencialmente nacional (independente), em Kubistchek a discussão se daria em torno de que a industrialização só seria possível em um contexto de interdependência e associação ao capital estrangeiro. Isto é, reelaborando-se as condições de dependência (Ianni, 1979). Contudo, em ambos governos, o problema crucial era o modo pelo qual a relação subsistema nacional versus sistema capitalista mundial evoluiriam. Para além da questão do caráter dependente/independente do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, por detrás da ideologia do desenvolvimento há toda uma questão acerca do intervencionismo do Estado.

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Embora medidas intervencionistas já viessem sendo adotadas desde o início da República Velha, foi no pós - I Guerra que se inaugurou um debate entre governos e empresários quanto às conveniências, limites e riscos da adoção da planificação. Esta era vista “... como (a) técnica mais ‘racional’ de organização das informações, análise dos problemas, tomadas de decisões e controle da execução de políticas econômico-financeiras” (Ianni, 1979, p. 43). Emergindo daí, a figura do assessor técnico e o conceito de tecnocracia estatal - quando o Poder Executivo passou a incorporar de modo sistemático e permanente o pensamento técnico-científico, bem como técnicas de planejamento. As medidas intervencionistas buscavam elaborar uma compreensão totalizadora dos problemas nacionais. Nesta perspectiva, a ocupação econômica do território tornar-se-ía em um postulado da própria construção do projeto nacional. A realização deste projeto conferiu uma importância singular à planificação de (algumas) cidades, porquanto se relacionava o crescimento dessas à necessidade de promoção do desenvolvimento industrial. Nesta ótica, o controle da urbanização e o incremento à industrialização emergiam enquanto tendências desejáveis. Contribuía para isto o reconhecimento do processo crescente de interdependência econômica dos povos (integração capitalista em escala mundializada), e da coexistência de diversas capacidades materiais e de ação, fundada na diversidade do aparelhamento econômico das nações (Roberto C. Simonsen apud Ianni, 1979). Entretanto, os esforços de atuar em uma economia complexa através de um conjunto de projetos que contemplavam parcialmente a realidade econômica do país, se por um lado proveram uma série de transformações estruturais e instauraram um governo eminentemente urbano; pelo outro, contribuíram para deflagrar as crises econômica, política e social que conduziriam o país a tomar novos rumos. De fato, a partir do governo de Kubistchek, a mudança na ideologia do desenvolvimentismo engendraria uma tensão política muito acentuada (crise de legitimidade), exacerbada pelos problemas decorrentes do modelo econômico, que se tornariam mais evidentes nos anos de1961-64. O marco político do governo Kubistchek foi o Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico, também denominado Programa de Metas.4 Com ele, o Governo federal assumia deliberadamente a responsabilidade de direcionar o desenvolvimento, estabelecendo finalidades de forma sistematizada e segundo linhas de ação previamente traçadas em documentos. As dificuldades existiam na medida em que havia se esgotado as condições que proporcionaram esse governo uma conciliação entre o nacionalismo e o capitalismo dependente (Mendes, 1978; Ianni, 1979). Particularmente, esta tensão se verificaria na esfera política, no âmbito do desequilíbrio dos poderes Executivo e Legislativo. Questionava-se então o crescimento exacerbado da dimensão e extensão do Executivo, ou seja, a hipertrofia5 deste poder. Neste período, o Executivo mantinha uma relação mais direta e decisiva sobre os problemas da política econômica. Além disto, mantinha uma relação privilegiada em relação a sociedade nacional como um todo (decorrente das tradicionais práticas populistas). O divórcio entre os Poderes foi analisado por Ianni, a partir da dificuldade de se unir a classe

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política, por meio do Programa de Metas. Isto teria desencadeando uma reação, por parte do Executivo, no sentido de criar expedientes marginalizadores do Congresso. Acusava-se que o Executivo dispunha de recursos técnicos, científicos e organizacionais, necessários à pesquisa, análise e interpretação dos programas econômicos, bem como deles se utilizava em uma escala bem maior que o Legislativo. Enquanto estratégia de dominação, isto significava a retirada das possibilidades de interferências das identidades partidárias (populares e do setor privado nacionalista) do jogo de negociação das decisões sobre desenvolvimento e, particularmente, da política econômica do país. Observe-se que o distanciamento entre os dois Poderes promoveu um crescente fortalecimento dos órgãos de planejamento, em relação ao conjunto dos demais órgãos, particularmente no governo Goulart (1961-64). Este processo foi analisado por Ianni do ponto de vista do desenvolvimento e consolidação de uma tecnoestrutura. Para nós, isto também tem um significado de busca da legitimação para as ações do Executivo, sustentada em uma ideologia de racionalização, ou “neutralização” das decisões, como forma de superar impasses políticos. A citação abaixo, nos permite este raciocínio. (...) todos admitem que o plano sempre envolve algum grau de centralização das decisões sobre política econômica, a esse propósito, pode-se mesmo estabelecer o seguinte princípio: quanto mais global e sistemático é o plano, maior tende a ser a necessidade de monopólio governamental das decisões e execuções do governo das decisões sobre o alvo e os instrumentos da política econômica. (Ianni, 1979, p. 215).

O marco do governo Goulart foi o Plano Trienal. Este também concebia o desenvolvimento econômico em conformidade a uma visão totalizadora dos problemas econômicos do país, em termos de repartição de renda per capita e da renda entre as regiões e grupos sociais (Mendes, 1978). O Plano propunha mudanças significativas, no sentido de buscar a correção da racionalidade estatal, para o que implicava modernizar o modelo de sociedade agrário-agrícola. Esta, conforme Ianni, em última instância significaria uma modernização política, conquanto reformadora das relações sociais rurais. Ao lado das crises política e econômica que se exacerbavam, naquele governo, Ianni ressalvou ainda a acelerada politização das massas6 que, devido ao problema inflacionário, lutavam em torno da não-desvalorização do salário. Além disto, Ianni apontou também o debate em torno das reformas de base (agrária, tributária, universitária e etc.) como um outro ponto de articulação social, mediante o qual a sociedade se politizava. Estes antagonismos puseram em marcha as condições de ruptura dentro do sistema capitalista, como também engendraram condições ideológicas para uma ruptura fora daquele sistema, na direção de uma estratégia de construção do socialismo. Nestas condições, passou-se a tributar os impasses políticos e econômicos ao caráter ambíguo e até mesmo excessivo, não do plano desenvolvimentista, mas da “democracia representativa”. Deste entendimento, abriram-se rachaduras no regime de governo civil e da erosão das condições de estabilidade política e econômica do Estado desenvolvimentista sucedeu-se o Golpe Militar (1964). A

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partir de então, o espaço político passaria a ser apropriado de forma absolutamente autoritária que, contrariamente ao processo de cooptação política instituído desde o Estado varguista, fundou-se no exercício da força no sentido de desmobilizar as instituições sociais (partidos, sindicatos e outras), bem como se apoiaria em setores conservadores que serviriam como base de sustentação. A instauração do Estado burocrático-autoritário7, apoiado na tecnocracia (saber legítimo), afastaria a participação popular (senso comum) e anularia as forças do poder legislativo (e algumas subesferas federativas – estados e municípios “estratégicos”) das decisões macroestruturais, porquanto fossem um obstáculo à obtenção de um crescimento econômico rápido. A negociação do espaço político foi artificialmente centralizada num sistema bi-partidário, mediante a criação de instrumentos de “repressão legal”, via Atos Institucionais. O debate do nacional foi recolocado, porém com outro significado. A Ditadura Militar passou a postular e evocar para si a construção do Brasil potência, face a questão da interdependência entre as nações (cooperação mútua), como resposta à tendência internacionalizante, questionada na era Vargas e levada a termo por Kubistchek. 3.2.

Desenvolvimento Econômico e Gestão Autoritária-Burocrática do Espaço Nacional: Configuração do Novo Arcabouço Institucional

Em meados dos anos 60, iniciou-se a conformação de um novo arranjo institucional: o Estado burocrático-autoritário. Construíam-se novas relações entre o governo central e as subunidades políticas estadual e municipal que mantinham e até intensificaram a tendência de gestão centralizadora (preponderância das decisões do Executivo), mediada por planos de intervenção e justificada como “necessária” ao bom desempenho do governo, no exercício e coordenação da política nacional de desenvolvimento. Esta proposição reformista, buscava se diferenciar do populismo, afastandose de conteúdos de gestão de natureza neo-patrimonialista, para o que implicava despolitização das decisões; o que se tentaria pela afirmação das técnicas de planejamento, como instrumento básico para uma administração de objetivos nacionais. Deste modo, esta configuração também cumpria um objetivo de afastar outros projetos reformistas, abrindo espaço para a implementação de medidas, que em seu conjunto podem ser caraterizadas como um projeto de reformas para o país (ver Kliass, 1996). Procurava-se organizar um conjunto de medidas (pretensamente) consistentes através de dois movimentos: combate ao processo inflacionário; e, a retomada do crescimento econômico, via a potencialização de um novo surto de “progresso”. Sendo que, para a “cultura de planificação” da burocracia estatal, a organização e o controle do crescimento urbano acelerado exigiam a constituição de mecanismos de intervenção sistemática, estruturadores do meio urbano e modificadores das condições físico-sócio-ambientais (Menezes, 1999). Acreditava-se que o controle (“descentralizado”), sobre a distribuição espacial das atividades sociais e econômicas de desenvolvimento urbano,

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proporcionaria um estágio de equilíbrio entre as várias regiões. Estas trabalhariam cooperativamente integradas no processo de promoção do desenvolvimento sócio-econômico do país. Disto resultou uma estratégia organizacional na qual a potencialização do modelo sócio-econômico se daria mediante a racionalização da produção do ambiente urbano. Tentava-se estabelecer então um sistema sócio-econômico, geo-referenciado e institucionalizado, no qual os problemas urbanos passaram a ser abordados como “disfunções do crescimento”.8 Nesta perspectiva, a cidade passaria a ser diagnosticada sob uma concepção eminentemente desenvolvimentista. Inicialmente, as intervenções no espaço urbano se deram pela retomada dos projetos reformistas (particularmente o urbano e o educacional), contudo com uma substancial mudança dos seus conteúdos originais. Assim, a “reforma urbana” foi reinterpretada na formulação de um programa habitacional para as cidades (originando o Sistema de Financeiro da Habitação - SFH), que também enfatizava a criação de “frentes de trabalho”. A primeira iniciativa de uma política urbana (nacional) deu-se com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), órgão gestor dos programas de habitação e saneamento, concomitantemente à criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema Financeiro do Saneamento (SFS), pelo Decreto Lei nº 4380, de 1964. Tais instrumentos foram criados com o objetivo de operacionalizar uma política urbana que integrasse o sistema de cidades com as políticas setoriais de habitação e saneamento. Conforme, Elias (1980) a criação do BNH representava a eliminação do privilégio assentado na manipulação política dos empréstimos destinados ao financiamento da casa própria. A insuficiência dos empréstimos denunciava uma situação de redução do alcance da política habitacional e dava margem a prática de privilégio social, cuja “comercialização do favor” beneficiava a utilização da política eleitoral e dos financiamentos em causas particulares. Também, os empréstimos não remuneravam o valor do dinheiro utilizado na compra, haja vista que o processo inflacionário, ao devorar o valor da mensalidade, reduzia a operação de pagamento a um nível nominal, que apenas amortizava seu sentido político (de privilégio). Necessitava-se estabelecer um sentido de correção da injustiça desta prática. Para tal, retomava-se o princípio democrático, do direito à casa própria, ao que correspondia a obrigação de pagamento de seu justo valor. Esta obrigação impôs a criação de um mecanismo corretivo, para neutralizar a o depauperamento da moeda pela inflação, culminando por instituir a correção monetária como um princípio sagrado que buscava garantir a possibilidade de financiamento de novas unidades habitacionais, mediante a importância paga pelos financiados (Elias, 1980), realimentando o sistema. Pode-se notar uma relação objetiva entre controle inflacionário e problema habitacional. Haja vista que, de certo modo, ela estava inserta nas medidas de combate à elevação dos custos de produção relativo a existência de inelasticidades setoriais dentro da oferta da economia, no que diz respeito ao déficit habitacional. Também pode ser percebida na tentativa de se manter o

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crédito privado orientado para a manutenção da liquidez real do sistema (política de combate às causas monetárias da inflação). Além disto, há que se considerar o papel da construção no sentido da absorção/emprego de mão de obra. De um modo geral, as medidas de estabilização econômica (particularmente, controle da inflação e do balanço de pagamentos), puseram em curso uma série de reformas, com implicações diretas sobre a urbanização brasileira, entre as quais destacamos: a) a reforma tributária, instituída pelo Decreto Lei nº 5172/66 - que visava o aumento da receita, via melhoria do sistema de arrecadação tributária, entre outros, como forma de subsidiar as demandas decorrentes do processo de urbanização acelerada; e, b) pela reformas administrativas, formalizadas pelo Decreto Lei nº 200/67 - que tratava da centralização normativa. Estes instrumentos orquestraram a reformulação, expansão e criação de uma série de órgãos, bem como a institucionalização do planejamento, como instrumento disciplinador e possibilitador de ações coordenadas, a nível nacional. O Decreto 200 influenciou na conformação do modelo de gestão dos planos de desenvolvimento, dos períodos seguintes, na medida em que instituía como instrumentos básicos do planejamento: o Plano Geral do Governo; os programas setoriais e regionais (plurianuais); o orçamento e programas anuais; bem como, a programação financeira. Ressalve-se, porém, que das reformas que visavam uma racionalização do emprego dos recursos, vai se conformando também os mecanismos de ingerência do governo central sobre as suas subunidades federativas em um movimento que, ao tentar romper com as heranças de gestões paternalistas, bem como introduzir elementos de um novo modelo de gestão (gerencialista), paradoxalmente, reforçava a gestão burocrática-autoritária. 9 A definição de uma estratégia de desenvolvimento urbano, através de uma estrutura institucionalizada pode ser percebida pela mudança do enfoque habitacional para o do desenvolvimento urbano-regional. As bases desta mudança se conformariam no movimento de inserção dos programas habitacionais no contexto mais amplo do desenvolvimento urbano, para o que convergia a criação do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) em 1964; e, posteriormente, a institucionalização das Regiões Metropolitanas (RMs), em 1974; da Comissão Nacional de Planejamento Urbano (CNPU), em 1974; e do Ministério do Desenvolvimento Urbano (MDU), em 1985 (Menezes, 1999). Ao SERFHAU competia, entre outras atribuições, a prestação de assistência técnica aos Estados, aos Municípios e às empresas do País para constituição, organização e implantação de entidades de caráter público de economias mista ou privadas; cujo objetivo era promover a execução de planos habitacionais ou financiá-los, inclusive assisti-los para se candidatarem aos empréstimos do Banco Nacional da Habitação ou das sociedades de crédito imobiliário. Além desta, destacamos: a competência para o estabelecimento de normas técnicas para a elaboração de Planos Diretores; e, para assistir os municípios na elaboração ou adaptação de Planos Diretores àquelas normas técnicas (cf. Brasil. Lei nº 4.380/64). A criação do SERFHAU, inaugurou o processo de indução dos municípios

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brasileiros na realização de Planos Diretores, como um dos instrumentos de controle. Porém, a adoção destes significava que, para dispor dos recursos financeiros destinados ao desenvolvimento urbano, os municípios deveriam realizar um plano urbanístico sem o qual nenhum outro tipo de financiamento para investimentos públicos poderia ser obtido. Observe-se que para realizar a normatização, peça necessária para estabelecer critérios (racionais) de decisão, existe também a condição que estabelece a permissão de ingerência da esfera federal sobre a autonomia de decisão a nível local. Percebe-se então que a política urbana, centralizada em órgãos federais de decisão e financiamento, também servia como instrumento para o estabelecimento de meios de eliminação de entraves políticos da gestão pública territorial das cidades10. Assim, o motivo da ingerência do Governo central sobre as esferas locais se manifestava na ênfase dada aos programas habitacionais, como parte da estratégia de sustentação do novo modelo econômico. Esta ingerência seria paulatinamente reforçada, pelo processo de engendramento das relações entre instituições centralizadas ao nível da esfera de decisão e financiamento federal e instituições (estaduais e municipais) de execução da política de desenvolvimento urbano, criadas por delegação. Ela se tornaria mais visível no segundo momento, quando a ênfase habitacional se deslocou para a de crescimento urbano. Este deslocamento foi impulsionado pela necessidade de construção de um modelo sócio-econômico, racional e georeferenciado, que requeria uma análise da estrutura espacial da economia brasileira, por meio de sua rede urbana e pela localização dos investimentos públicos e privados (incluindo-se o estudo do comportamento do setor terciário), a fim de interligar os programas de investimentos intra-urbanos à estratégia desenvolvimentista mais geral. Disto decorria uma definição para a política nacional de desenvolvimento urbano como “...o elemento da política nacional de desenvolvimento que diz respeito ao processo de urbanização nas suas dimensões intra e interurbanas” (Franciscone & Souza, 1976, p.10). Através dela, buscar-se-ía a otimização dos efeitos da política global sobre o território, ou seja, a definição de um modelo espacial de ocupação do território compatibilizado com os programas setoriais, hajam vistas os sistemas inter e intra-urbanos constituírem a base territorial do processo de fomento ao desenvolvimento econômico e social. Nesta perspectiva, pode-se afirmar que a gestão da política nacional de desenvolvimento, implicava explicitar o desenvolvimento urbano brasileiro, mediante as interações entre a sua manifestação territorial (rede e hierarquias urbanas) com a política econômica e os diferentes mecanismos acionados pelo Governo central, por intermédio das diretrizes políticas e setoriais de investimento. Deste modo, o papel da Política urbana definia-se em relação a adequação (distribuição e densificação) das massas “desajustadas” no espaço urbano do país. Em outras palavras, o modelo espacial (de informações georeferenciadas) deveria orientar a melhor alocação de recursos e meios, de forma a impedir a reprodução dos obstáculos estimados pela análise dos desajustes que o modelo econômico (industrial) pudesse causar (Menezes, 1999). Em geral, os estudos que têm por base o enfoque econômico-demográfico

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apontam que o amalgamento entre a questão urbana e o desequilíbrio econômico regional ocorreu a partir das propostas de controle sobre as migrações. A desconcentração econômica deveria cumprir um papel estabilizador (e até mesmo corretor) das crescentes e assimétricas densidades urbanas. Com efeito, podemos visualizar a orientação e evolução desta estratégia de ocupação territorial mediante os vários Planos, entre eles: o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1970/72); o I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND - 1972/74); bem como o II PND (1975/79). Além do aspecto sócio-econômico, havia também uma reformulação da própria organização administrativa do Estado; da sua unidade de ação política, visualizada a partir das novas configurações de seu arcabouço institucional. Este e os instrumentos financeiros, se constituiriam em instrumentos viabilizadores da gestão governamental, de decisão centralizada e execução coordenada; propostos por tecnocratas do regime e setores da intelectualidade, que ou participavam de debates inter-institucionais ou eram requisitados para prestação de consultorias na formulação de programas técnico-setoriais (Menezes, 1999). O Plano Decenal considerava que a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) deveria atentar para dois aspectos: o potencial local e a conveniência estratégica do aproveitamento do mesmo. Sendo que, a nível macrorregional e nacional, ela deveria estar consubstanciada por uma definição de regiões-programa e pólos de desenvolvimento. Já o I PND especificava a política de integração nacional, como uma política cujo significado econômicosocial era o de criar um mercado interno capaz de manter um crescimento acelerado e auto-sustentável11 (Franciscone e Souza, 1976). A integração visava equacionar a relação entre áreas menos e mais desenvolvidas, para o que implicava reorientação de fluxos migratórios, a fim de evitar o congestionamento das áreas centrais representadas pelos núcleos urbanos do Centro-Sul. Preconizava-se a criação de pólos regionais de integração agrícola-industrial, no Sul e Nordeste; e de integração agrícola mineral, no Planalto Central e Amazônia; complementando o grande pólo do núcleo São Paulo-Rio-Belo Horizonte. Do ponto de vista da produção nacional, a integração deveria permitir a progressiva descentralização econômica que deveria ser alcançada pelo estabelecimento daqueles pólos. Assistia-se a um processo de organização do espaço nacional em torno de pólos hierarquizados pelo tamanho e classificados de acordo com a função atribuída. Incluído na estratégia do Plano, poder-se-ía observar as possibilidades de controle da União sobre os estados e municípios, conforme uma estratégia de controle de recursos (transferências intergovernamentais), pela utilização dos mesmos como forma da União orientar sua aplicação em setores considerados prioritários e com isto promover uma elevação da eficiência geral do setor público (Serra, 1991). Esta seria mensurada pela capacidade deste setor em induzir a predominância da renda industrial sobre a de comércio e serviços (Faissol apud Franciscone & Souza, 1976). Com relação a ação do Executivo federal sobre o urbano, Caiado (1983) destacou: a) o desenvolvimento das áreas metropolitanas do Rio e São Paulo; b) a integração e coordenação de programas setoriais de urbanização (saneamento,

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habitação, transporte, energia elétrica e educação, entre outros); c) o estabelecimento de normas prioritárias para o uso de recursos disponíveis, via Fundo de Participação dos Municípios (FPM); d) o fortalecimento da estrutura de decisão a nível municipal, intermediada pela implementação dos Planos para o Desenvolvimento Localmente Integrado (PDLI), em conformidade com o Plano de Ação Concentrada (PAC), editado em julho de 1966, que visava assegurar o trabalho coordenado entre os três níveis governamentais. Outro ponto que mereceu um destaque foi o sancionamento da Lei Complementar nº 14, de 08/07/1973, que criava as Regiões Metropolitanas (RMs) de Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife e São Paulo. Para Caiado, a institucionalização das RMs visava garantir a eficiência da ação governamental, desenvolvida de forma coordenada entre as três esferas de governo, tendo-se em vista a realização de serviços comuns aos vários municípios aí abarcados, apoiados em uma contínua ação de planejamento. Para além da relevância da institucionalização das RMs, Caiado (1983) comentou ainda sobre a criação do Conselho Nacional de Política Urbana (CNPU), pelo Decreto nº 74156/74. Este Conselho estava vinculado à Secretaria do Planejamento da Presidência da República (SEPLAN/PR) e tinha por objetivos a formulação de uma política urbana e a implementação de programas que objetivavam a organização espacial do território. A CNPU iniciou um trabalho de articulação com os estados da União e órgãos metropolitanos, por intermédio de dois programas: o Programa de Implantação das Regiões Metropolitanas; e o Programa de Apoio às Capitais e Cidades de Médio Porte (CCMP), melhor visualizados a partir do II PND (Lei nº 6151 de 04/12/74). O II PND formalizou, de uma forma inédita e abrangente, uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) definida em conformidade com a sua inserção no quadro da Política Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, como decorrência e uma condicionante desta, constituindo-se em um de seus desdobramentos no plano espacial (Brasil. Minter, 1975, p. 73). Com esses instrumentos de ação o Governo se capacitava em termos de mecanismos de coordenação, ação normativa e apoio financeiro, entre os quais pode-se destacar a criação da Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU) cujo objetivo era o de ser o Órgão do Governo federal para coordenar as ações de desenvolvimento urbano. Entre os instrumentos legais e normativos recomendava-se a elaboração e adoção de um conjunto de normas tais como: a regulamentação do uso do solo urbano; a aprovação de códigos de obras e loteamentos; a regulamentação das desapropriações dos terrenos urbanos; dos desemembramentos realizados em áreas rurais; a criação das regiões metropolitanas; e a preservação da qualidade do meio-ambiente e do patrimônio histórico e paisagístico. Com efeito, o Programa de Ação do Governo na Área do Desenvolvimento Urbano apresentava entre outros objetivos: a elevação dos padrões de urbanização e da qualidade de vida urbana e a racionalização e disciplinamento do uso do solo, como forma de rentabilizar as múltiplas utilizações do solo urbano. Com relação aos instrumentos financeiros mencionava: a) o financiamento de planos, via Fundos, tais como: os de Financiamento de Planos

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de Desenvolvimento Integrado (FIPLAN) e de Financiadora de Estudos, Projetos e Programas S/A (FINEP) - para distritos e áreas industriais; b) o de apoio de projetos urbanos através de Fundos de Desenvolvimento Urbano, criados com recursos do Caixa Econômica Federal (CEF), Banco Nacional da Habitação (BNH), Banco do Brasil (BB), Banco da Amazônia S/A (BASA), e o Fundo de Desenvolvimento de Programas Integrados (FDPI); c) transferências da União via, Fundo de Participação para os Estados (FPE) e para os Municípios (FPM). Pode-se observar então que as cidades passaram a ser definidas como partes integrantes do sistema urbano nacional, em termos de dimensões de suas unidades; padrões de distribuição espacial; bem como dos níveis de equipamentos e funções que desempenhavam. Por conseguinte, definia-se a Política Urbana, enquanto um conjunto de ações que visavam o fortalecimento e melhor estruturação do sistema urbano do País. A espacialização das diretrizes desta política estava atrelada à organização política do próprio Estado, mediante a ação das Superintendências de Desenvolvimento Regional (Sudene e etc.), a ação governamental dos diversos estados da Federação e por meios de órgãos de competência setorial. Contudo, a partir de 1979, quando o Brasil passou a sentir os efeitos da crise do capitalismo mundial, todo este arcabouço viria a sofrer novas configurações. 3.3.

A Crise do Capitalismo Contemporâneo e os Descaminhos do Modelo de Gestão Urbano-Industrial

A crise do capitalismo contemporâneo instituiu uma crítica reformista do padrão de intervenção estatal do Pós II Guerra em diversos aspectos: econômico, financeiro, tecnológico; como também o político, haja vista os regimes autoritários e ditatoriais de todo o mundo terem se tornado alvo de mudanças (Weffort, 1992). As reformas dos Estados nacionais passavam também pelo reconhecimento de uma soberania compartilhada (Held, 1991), cujo significado foi o reconhecimento de autoridades plurais não-estatais interferindo no espaço público, no âmbito do território nacional. No bojo da crítica a intervenção estatal, estava a recusa da preponderância do papel do Estado na regulação econômica. Esta, segundo Affonso (1990), ocorria em um contexto de crise fiscal dos Estados capitalistas12, definida por O’Connor (1977, p.14) como a propensão (do poder público) para gastar mais do que poderia arrecadar por meio de tributos, o que implicava sucessiva acumulação de déficits orçamentários. Sob tais circunstâncias, aliada a questão das “incertezas” (ou contingências) promovidas pelas mudanças do capitalismo contemporâneo, iniciou-se uma generalizada rejeição ao planejamento econômico, no âmbito das nações de capitalismo avançado, de capitalismo periférico e, inclusive, nas socialistas. Affonso (1990) confirmou que a perda da capacidade planificadora do Estado estava associada à crescente transnacionalização de interesses e estruturas econômicas, que expõem a fragilidade, e até mesmo a impotência, da capacidade de regulação dos Estados nacionais em relação a Política de Comércio Externo. Ele fundamentou sua análise com as observações de Maria da Conceição Tavares

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que acusava a irrelevância dos interesses nacionais (do mercado interno), face a este novo contexto. Com isto, Affonso (1990) afirmou que a crise da periferia capitalista latino-americana estava inscrita no movimento de reorganização da ordem mundial; bem como que a “crise do planejamento” estava associada aos seguintes aspectos: 1) reversão do ciclo industrial interno; 2) ruptura do padrão de financiamento calcado no financiamento externo; e, 3) no difícil processo de transição democrática desses países. No Brasil, a reorientação da política industrial, para o mercado externo, contribuiu para enfraquecer os vínculos daquela com o consumo interno. Isto, por sua vez, implicou esvaziamento dos conteúdos das Políticas desenvolvimentistas e crise no sistema de planejamento integrado. Nessa perspectiva, Affonso (1990) propôs a análise das relações entre Plano, Orçamento e execução orçamentária para fins de caracterizar a gênese e significado da crise do planejamento no Brasil. Neste percurso, ele detectou que os Planos subsequentes ao II PND13 careciam de uma diretriz hegemônica que viesse subsidiar as ações econômicas, com uma “certa” coerência e num “determinado” sentido. Em sendo assim, denunciava a desconexão entre Planos nacionais e o Orçamento Público, manifestada pela falta de coesão entre as estruturas da conta dos planos e a da conta dos orçamentos, que dificultava uma avaliação da implementação das diretrizes daqueles, via leitura de sua execução orçamentária. Affonso (1990) atribuiu o prejuízo do controle de implementação dos Planos, via controle orçamentário, a estrutura crescentemente enrijecida do Orçamento Público, face ao contínuo aumento das receitas vinculadas, bem como a elevação crescente da taxa de inflação. Esta última foi apontada por ele como responsável pelo maior distanciamento entre orçamento e execução orçamentária. Pois, a prática de solicitação, por parte do Executivo ao Legislativo, para gastar além dos limites inicialmente estipulados (lei do Excesso) contribuía para a redefinição segmentada das prioridades do gasto público. Esta redefinição, por sua vez, convergiria para a cristalização dos interesses corporativos-clientelistas (oriundos do conturbado processo de redemocratização do país), que acabavam por prevalecer, ante a ausência de uma diretriz geral de uma política econômica capaz de balizar as mudanças (circunstanciais) nas prioridades políticas, no médio prazo. Por fim, Affonso (1990) apontou também a política (contracionista) de ajuste fiscal, como fator do alargamento da distância entre o orçamento público e sua execução, na prática. Haja vista que ela privilegiava a contenção indiscriminada dos gastos públicos. Se o aperfeiçoamento dos aparelhos centralização dos recursos financeiros, nas mãos da União, aliado às inovações administrativas impostas no Decreto 200/67, conduziram a um expansionismo do aparelho de Estado, nos anos 70; nos períodos posteriores, sobretudo a partir de 1979, os efeitos da crise do sistema capitalista no Brasil e a reversão de prioridades (em relação aos gastos governamentais) conduziriam este expansionismo ao seu reverso; qual seja, a um “enxugamento” paulatino do sistema administrativo. Esta tendência tornou-se mais nítida com o pronunciamento da Presidência da República de uma “Nova Política Industrial”, a partir de junho de 1987. Para,

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Velloso e Cruz (apud Affonso, 1990), esta política enfatizava a necessidade de se proceder a ampliação do grau de abertura econômica, iniciado com a ruptura do padrão de financiamento pautado no endividamento externo nos anos 70; além da supressão dos entraves burocráticos à atividade empresarial e necessidade de se conferir um tratamento mais liberal ao capital estrangeiro. Este processo acelerou-se nos anos 90, via programas de privatização, enquanto forma deliberada de desprender a esfera federal de atividades que a imobilizassem, particularmente, nas novas tarefas; de controle inflacionário e captação de recursos (financeiros e tecnológicos); nas negociações internacionais (Mercosul, títulos da dívida e etc.), bem como, no gerenciamento das políticas cambial e de juros, necessários a estabilização do sistema econômico interno. Em relação ao sistema nacional de planejamento urbano, o ajustamento institucional vai se dar no âmbito das diversas restruturações ministeriais, cujo marco se dava com a criação do Ministério de desenvolvimento Urbano (MDU). Na vigência deste, iniciou-se um debate popular, capitaneado pelo Instituo dos Arquitetos (IAB) e pela Federação Nacional de Sindicatos de Arquitetos (FNA), visando subsidiar a elaboração de uma nova política habitacional e pressionar o Congresso a aprovar o Projeto de Lei 775/83, que dispunha sobre os objetivos e a promoção do desenvolvimento urbano (Caiado, 1993). Entretanto, este esforço não logrou êxito e, contrariando o que se propunha em relação à política urbana, assistiu-se ao arquivamento do Projeto de Lei 775/83; como também a extinção do BNH que foi incorporado a CEF, que por sua vez estava subordinada ao Ministério da Fazenda (Minfaz). Em 1986, iniciou-se a convocação para os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte (ANC), todavia o tema da reforma urbana não se afirmaria entre aqueles que, a exemplo da forma de governo, polarizaram o debate nacional. Após um longo período de debates e embates, a ANC aprovou dois artigos sintéticos (182 e 183), nos quais se apresentava o objetivo da política urbana e alguns dispositivos até então inexistentes na legislação brasileira, muito aquém dos 23 artigos propostos pela emenda popular (Ep-023), que aliás não contemplava os temas de estruturação espacial e redes de cidades. Outros artigos de impacto sobre as cidades foram dispersados no texto constitucional, entre eles destacam-se: a participação das associações representativas no planejamento municipal; a iniciativa popular em projetos de lei de interesse específico de Municípios, cidades ou bairros (sic); e a delegação ou competência aos estados, quanto a instituição de regiões metropolitanas e micro regiões (Caiado, 1993). Em relação ao arcabouço institucional, Caiado denunciou a transformação do MDU em Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MHU), pelo Decreto nº 96.634/88, atraindo a CEF, do Minfaz para este Ministério, sem com isto atrair o controle monetário pertencente ao Banco Central. Contudo, em 1988, o MHU foi extinto, sendo que as atribuições referentes à habitação e o CNDU seriam transferidas para o Minter e as demais, a exemplo da EBTU, para o recém criado Ministério do Bem Estar Social (MBES). Este por sua vez, foi extinto, em 1989, pelo Decreto nº 8.082/89, e todos os seus órgãos foram repassados para o Ministério do Interior (Minter).

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Com a posse de Collor, em 1990, procedeu-se outra restruturação ministerial, extinguindo-se o Minter, a CNDU e a EBTU, criando novos arranjos institucionais dos órgãos executores da política urbana, já adaptados à nova divisão constitucional de competências entre as três esferas do poder, no âmbito de seus respectivos executivos (Caiado, 1993). Em 1990, criou-se o Ministério da Ação Social (MAS) - com atribuição de formular as diretrizes da Política Nacional de Habitação, Saneamento, Migrações e Ocupação do Território. O MAS herdava a Secretaria da habitação, sem a CEF, agência oficial de execução desta política, alocada no Ministério da Economia, junto ao terceiro escalão daquela estrutura, criada outrora para formular a política urbana nacional. Em 1992, O MAS e a Secretaria de Desenvolvimento Regional foram extintos. Recriou-se o Ministério do Bem-Estar Social, agora com a atribuição de formular as diretrizes da política Nacional de Habitação, de Saneamento, Migrações internas e Ocupação do Território, e o Ministério da Integração Regional que assumiu as atribuições inerentes ao desenvolvimento regional e urbano, entre outras. Nestas circunstâncias, a atribuição de desenvolvimento urbano, no Governo Collor, desapareceu da estrutura administrativa federal. Desse modo, “melancolicamente o ‘germe’, nascido do período autoritário, com forte viés tecnicista e descolado das bandeiras populares; sucumbiu natimorto” (Caiado, 1993). Observe-se que todo desenho institucional e administrativo, gestados na segunda fase desenvolvimentista, foi possível até os limites impostos ao setor público pela ruptura do padrão de financiamento que sustentava os diversos Planos nacionais, como também pela agudização da crise fiscal do Estado, em 1979 (F. A. Oliveira, 1995). Esta, para vários autores14, tinha sua origem em diversos aspectos: a) no declínio econômico; b) no “descontrole” do dispêndio público; c) na variação populacional; d) na adoção de práticas administrativas e financeiras inadequadas e etc. Com efeito, a crise do Sistema de Planejamento do Desenvolvimento Urbano Nacional denunciava a própria “crise” do Estado e dos instrumentos de controle e coordenação como um todo; isto é, expunha uma crise administrativa. Nesta perspectiva, a “crise” do Estado, foi analisada enquanto uma perda crescente do “controle” do Governo central sobre a organização da produção pública de bens de consumo coletivo e de bens privados. Entretanto, a crise do planejamento se vinculava às conseqüências “nefastas” das “crises” advindas da conjuntura internacional, entre elas, a da retirada da política industrial do centro das preocupações em favor dos planos de estabilização econômica. 3.4.

A Reorganização do descentralização e a desenvolvimento local

Modelo Urbano-Industrial: emergência da tendência

A do

Nos anos 80, a valorização da dimensão local tornou-se uma tendência universal (Castells, 1994; Massolo, 1988). Nesse contexto, a discussão do papel do governo local foi posta junto à questão da reforma do aparelho de Estado, incorporada ao equacionamento da relação entre eficiência e eqüidade da

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produção de bens públicos de consumo coletivo e de bens privados, na qual também está inserta a discussão sobre os gastos governamentais. Enfatizava-se a revalorização da esfera local como protagonista do processo de desenvolvimento social e econômico, num clima de reajustamento do papel do Estado e da reforma de seus aparelhos, no âmbito das mudanças do MPC. Tais mudanças visavam torná-los estruturas mais flexíveis em uma ambiência de integração competitiva. Particularmente, isto significava uma redefinição de espaços e papéis do Estado. Pois, as novas exigências internacionais engendravam uma adaptação desta instituição, no sentido da sua adaptação aos novos requisitos de um mundo que se globalizava. Em relação à gestão do desenvolvimento das nações, este movimento implicava maior esforço de deslocamento de funções das esferas de governo centrais para as locais. Nesse processo, emergiram inovações no âmbito da gestão do desenvolvimento urbano, entre as quais: a maior participação das esferas locais, como autoridades mobilizadoras de recursos no processo de desenvolvimento, como também a gestão privada de serviços de consumo coletivo. No Brasil, o processo de reestruturação do Estado se concentraria no problema do “expansionismo” do Governo central sobre as demais instituições (social, política e econômica). Neste sentido, a partir dos anos 80, os esforços passaram a ser dirigidos no sentido de transferir ou devolver às demais esferas institucionais aquilo que o Estado centralizador “tomara” para si. Este processo tem sido lento e construído por cima de um clima de instabilidade do sistema capitalista globalizado. Seu elemento norteador foi o processo de desestatização (desregulamentação, extinção de empresas e órgãos, privatização; e descentralização). No contexto reformista, a descentralização significava uma redivisão das funções de governo, no sentido da autonomia ou expressão política de comando15 e a reforma administrativa (que incide sobre a execução das opções políticas do governo) operaria mais no âmbito de cada nível de governo. Esta tem sido o locus dinâmico do ajuste institucional, no sentido da redefinição dos espaços político, econômico e social. Pode-se afirmar que o processo de descentralização do Estado brasileiro emergiu nos anos oitenta como um esforço da reforma institucional. Neste contexto, o processo de municipalização foi posto em debate, enquanto movimento que reivindicava uma maior autonomia do município frente ao governo central, referenciado em relação às dimensões política, administrativa e econômico-financeira. Contudo, o município, visto como um nível governamental, não passaria a gozar de uma autonomia “soberana e absoluta”, haja vista que ele participa de um sistema de divisão de papéis e espaços, no âmbito da constituição de um Estado federativo. Nestas circunstâncias, o debate sobre o sentido da orientação desenvolvimentista, polarizado em termos de mercado versus sociedade, vem se deslocando em termos de lógica global versus pressões sociais e a necessidade de desenvolver formas locais de controle político. Em sendo assim, a lógica do sistema decisório vem sendo discutida, no bojo da crise da democracia representativa (Jacobi, 1992), como também em torno da construção de uma

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democracia participativa, na qual a sociedade, a economia e o Estado são os agentes. A resultante dessa discussão pode ser vista na explosão dos canais de participação popular (Conselhos Municipais, Comitês de Bacias e outras formas de inserção da participação dos demais agentes – o popular e o empresarial). Nestas propostas, a descentralização e a participação social constituem elementos chave na construção de novos arranjos institucionais, num contexto de afirmação de governos democráticos, na gestão do espaço urbano. 4.

Considerações Finais

No Brasil, o sistema de planejamento, enquanto instrumento específico de um processo global (em escala nacional), emergiu com a modernização do Estado e afirmação de um modelo de desenvolvimento de cunho industrial, combinado a transformações na estrutura espacial, que resultaram um processo de urbanização intensiva. Sobretudo, a adoção ao desenvolvimento industrial implicava a constituição de um poder governamental urbano. Na fase prédesenvolvimentista, esse poder pregava a necessidade de obtenção de um desenvolvimento rápido, via processo de industrialização (modificação da estrutura produtiva do agrário ao industrial), a fim de se obter um perfil de nação semelhante às nações industrializadas. Até a primeira fase desenvolvimentista (correspondente ao grande boom da industrialização brasileira - período de substituição de importações), tais instrumentos seriam mais valorizados, particularmente, no sentido de promoverem uma forma de governabilidade que objetivava “isolar” a influência “nefasta” de correntes patrimonialistas do processo decisório. Neste período, a preocupação se voltou para a expansão e consolidação do modelo urbanoindustrial (enquanto modelo espacial e econômico de indução do desenvolvimento). A partir da primeira fase desenvolvimentista, o intervencionismo do Estado na gestão do urbano se realizaria pela ingerência do Governo central, mediante a criação dos Planos Nacionais de Desenvolvimento e do Sistema Nacional de Planejamento (regional-urbano). Sob esta ótica, no período de 1964-78, afirmava-se um tipo de concepção de regionalizada de planejamento, na qual o Estado era visto como o grande agente articulador. Este processo implicava conceber um modelo de organização espacial, de ação complementar ao modelo econômico, que deveria ser o indicador de diretrizes do uso e ocupação do solo, objetivando promover uma devida correção dos efeitos indesejáveis da espacialização do modelo (tendências à densificação e periferização desordenada). Nesta fase, o intervencionismo do Governo central caracterizava-se pela “suspensão” dos direitos políticos dos cidadãos e “negação” das esferas locais como ente político e teve como marco a criação das regiões metropolitanas e agências de desenvolvimento urbano-regionais. Particularmente, isto afetava apenas as localidades mais imbricadas aos objetivos desenvolvimentistas. Nesta concepção, as cidades eram vistas como um produto de vários processos inter-

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relacionados, os quais poderiam ser diagnosticados, avaliados, regulados e monitorados como forma de alcançar os objetivos gerais. A segunda fase do período desenvolvimentista correspondeu à crise do sistema capitalista e dos Estados nacionais e a redemocratização do Estado brasileiro. Nesta fase, o acirramento (internalização) da crise econômica, nos anos 80, promoveu uma estagnação das economias regionais e resultou um processo de desestatização. Estes fenômenos promoveram uma interrupção no processo de desconcentração industrial, que vinha ocorrendo no espaço nacional (cuja tendência refletia uma reconcentração espacial da indústria brasileira na região Sudeste), como também a desorganização de toda estrutura institucional que lhe dava suporte (o Sistema Nacional de Planejamento). Na terceira fase (a partir dos anos 90), a adesão à abertura comercial, como forma de retomar o desenvolvimento, colocaria em questão alterações profundas nas regras do jogo da competitividade. A reorientação da economia brasileira na direção da “integração competitiva”, via mercados internacionais, aprofundou o “desmonte” da estrutura estatal que conferia um certo suporte ao modelo de desenvolvimento urbano-industrial, reelaborando-a conforme as novas exigências de modernização do Estado e redefinição de seu espaço e papel. Neste contexto, a privatização e a descentralização cumpririam um importante papel de redirecionamento do modelo desenvolvimento urbano-industrial, como resposta organizacional aos problemas enfrentados pelo governo. Essa modernização resultaria na adoção de um papel mais pró-ativo das esferas locais na modelagem de um “novo” padrão de crescimento econômico, referenciado na centralidade do mercado global - na sua relativa primazia nas decisões alocativas. No Brasil, isto implicou redefinição do processo de promoção do desenvolvimento urbano-industrial do país de uma concepção regionalizada (dos anos 70), para outra que privilegia a ação isolada de alguns estados e municípios. Neste contexto, as esferas locais vêm assumindo um papel de mobilizador e criador de condições para atrair e evitar a mobilidade ou “deslocalização” dos investimentos, como forma de superação da crise do modelo de desenvolvimento. Nesta ótica, a formulação de estratégias competitivas tem forçado uma comunicação mais visível entre o Estado e o setor privado, na gestão dos problemas urbanos. Passa-se então a valorizar a importância de algumas instituições (sistema legal, regulamentações, ações governamentais, saúde ambiental, traços culturais e etc.), bem como o questionamento das ações dos governos locais no ajustamento dos interesses de mercado e de redefinição do modelo urbano-industrial brasileiro.

Notas de fim de página 1

Entendemos por instrumentos regulatórios, aqueles por meio dos quais o Estado exerce uma forma de intervenção “legítima” na vida social, econômica e política.

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Tais aspectos seriam sobretudo: mobilização econômica, resistência social e constituição dos papéis das esferas social, econômica e política. Observandose, porém, que várias análises tendem a privilegiar (de um certo modo) a questão da estruturação do espaço do ponto de vista de um determinismo econômico, centradas num processo de lutas de classe (ver. Castells, 1983; Löjkine, 1979; e Lipietz,1988). Outras, ponderam a existência de sociedades em que o desenvolvimento econômico é posterior a uma modernização política, num espaço social incipiente, e assim procuram privilegiar os aspectos nos quais a luta de classes não se aplicaria, como argumento explicativo de modernização social (ver. Schwartzman, 1988). 3 A transformação da estrutura social brasileira foi analisada por Leonardo Guimarães Neto (s.d.) de modo condizente às formas de acumulação vigente. Assim, como primeiro momento de articulação do capital nacional, tem-se o movimento do capitalismo agrário para o comercial; e num segundo movimento, o da articulação via processo de desconcentração industrial no espaço nacional. Sobre a periodização dos tipos de desenvolvimentismo, estamos adotando a diferenciação que leva em conta a discussão do padrão de financiamento do desenvolvimento (capital nacional versus estrangeiro). 4 Este tratava-se de um programa que visava a transformação da estrutura econômica do país, mediante a criação da indústria de base e “... a reformulação das condições reais de dependência com o capitalismo mundial” (Ianni, 1979, p. 150). 5 Diferentemente do gigantismo, que é o expansionismo dos aparelhos de Estado, a hipertrofia desta esfera se caracterizava pela excessiva expansão do Executivo, em detrimento do Legislativo (Ianni, 1979). 6 Que para Weffort (1980, p. 26) constituíam-se em uma camada ampla proletarizada de uma sociedade em desenvolvimento, desvinculada dos quadros sociais de origem e relacionadas entre si por uma sociabilidade periférica e mecânica. 7 Terminologia usada por O’Donnell (1990, pp. 60-62) para conceituar um tipo específico de Estado autoritário, cujas características são: a) base social composta pela grande burguesia; b) institucionalmente é um conjunto de organizações onde a coerção tem um peso forte, como meio usado para reimplantar a “ordem” na sociedade; c) exclusão do setor popular; d) despolitização das questões sociais - submetidas a critérios neutros e objetivos da neutralidade técnica; e, e) fechamento dos canais democráticos de acesso ao governo e dos critérios de representação popular ou de classe. 8 Tais distorções eram: a) aceleração do processo inflacionário; uso de técnicas intensivas de capital [e com isto, aumento de contingente desempregado]; relativa estagnação do setor agrícola ; aumento crescente da participação do setor público na economia [refletindo o papel do Estado no processo de centralização de capitais]. Este diagnóstico impulsionava os seguintes objetivos: a) aumento da taxa de crescimento da renda nacional, para 6% a.a.; b) controle inflacionário

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sistemático; c) redução das disparidades regionais e setoriais de renda; d) expansão da oferta de empregos [urbanos]; e) redução do déficit do balanço de pagamentos (Mendes, 1978 - acréscimos nossos). 9 A gestão burocrática-autoritária se caracterizava pela decisão “racional” (unilateral do Executivo) e execução coordenada das subesferas federais (institucionalizada e desconcentrada). Já a gerencialista se caracteriza pela ênfase na descentralização administrativa; bem como pela separação entre as instâncias de decisão e formulação das operacionais ou de execução de tarefas (preestabelecidas). Ela advém da tentativa de se adotar elementos da gestão privada, no sentido de melhorar a eficiência do setor público, que se constituiu em alvo de propostas reformistas desde os anos 60, quando vários países enfrentavam consecutivas crises fiscais. 10 E que incidiam sobre a autonomia municipal que progressivamente vai sendo subordinada aos interesses do Governo central. 11 Observamos que a noção de sustentabilidade empregada pelo I PND é a econômica-financeira e não a ecológica. 12 Nos chamados países desenvolvidos, a crise fiscal estava associada à falência do Welfare State (Harvey, 1994; O’Connor, 1977; Draibe e Henrique, 1988). 13 Especificamente, Affonso se refere ao Plano Nacional da Nova República (I PND-NR, 1986/89); ao Plano de Controle Macroeconômico (PCM, 1987-91); e ao Programa de Ação governamental (PAG, 1987-91). 14 Entre eles: Paulo Nogueira Batista Jr, 1985; Vito Tanzi, 1990; Fábio Giambiagi, 1991; Carlos A. C. Ribeiro, 1993). 15 A descentralização, na Constituição de 1988, corresponde ao restabelecimento da autonomia política, financeira e administrativa. Impôs a definição e delimitação de competências, receitas e autonomia decisória entre as unidades federativas. Ela vem sendo contestada em relação à realização deste último objetivo (F. Oliveira, 1995; Santos Fº, 1996; Menezes & Menezes, 1997).

Agradecimentos Meus sinceros agradecimentos aos professores Ana Fernandes (MAU/FAUFBa), Angelo Serpa (MAU/FAUFBa), Suzana Moura (NEPOL/NPGA/EAUFBa) e aos amigos Michael D. Perry (IL - USA) e Bradley Wayne Addington (KS – USA).

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