Crise Grega e Euro: necessidade de reencontro do projeto de integração (Magazine)

June 12, 2017 | Autor: Márcio Olímpio | Categoria: European integration, Politics, Economic Crisis
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A Crise Grega e o Euro: necessidade de reencontro do projeto de integração Márcio Fernandes Artigo publicado pela seção eletrônica “Pulse” em 27 de julho de 2015

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á cerca de 2 semanas, o portal de notícias VoxEurop publicou uma muito boa compilação de análises acerca da vitória do "Não" no referendo grego sobre as medidas de austeridade propostas pela Troika.

O conjunto daquelas publicações - vindas de distintos países e jornais - nos ajuda a entender a diversidade de interpretações acerca da atual crise grega. Trata-se de uma variedade de visões que acaba por ser natural em um espaço político como o europeu - caracterizado pela multiplicidade cultural e de soberanias. O caso da Grécia é cheio de especificidades típicas da política comunitária (vistas de maneira marginal a partir do Brasil). Estas particularidades afetam profundamente a governabilidade dos países-membros da União Europeia. Na esfera dos partidos políticos, atinge especialmente a agremiações como o Syriza (e toda a frente de legendas da Esquerda Unitária que atua a partir de Bruxelas). Por isso, a Grécia tornou-se o palco por excelência para a compreensão da crise do Euro e para a reflexão sobre o processo de "distanciamento e reencontro" do projeto de integração. *** No Parlamento Europeu, partidos como o Syriza se opõem às exigências de ajustes que infligem grandes custos sociais aos países comunitários. Ao mesmo tempo, têm dificuldades para adaptar seus programas aos imperativos das reformas econômicas que se impõem no dia a dia. Isso tem sido especialmente problemático para o Syriza, que assumiu o Governo na Grécia (um país de governabilidade difícil em virtude da radicalização da opinião pública). Dentre as diversas constatações acerca dos desafios atuais da política comunitária, uma delas é especialmente importante para se entender o caso grego: o dilema da "Europa de Duas Velocidades" (isto é, o problema da intensificação

das diferenças entre as chamadas "Europa do Norte" - dinâmica e competitiva - e "Europa do Sul" - atrasada e pouco produtiva) está muito relacionado ao modo como a estrutura comunitária foi construída. A "ideia de Europa" pós-Tratado de Maastricht (1992) consolidou um projeto de união monetária com a ausência de câmbios flexíveis nas esferas nacionais, em espaço formado por economias fortemente regionalizadas, com distintos potenciais de competitividade e fraco controle sobre a circulação de capitais no espaço comum. As economias da Zona do Euro não estão suficientemente integradas ao ponto de estimularem uma responsabilização transnacional das dívidas regionais. Também por isso, incitam credores estatais internos ao espaço europeu (como a Alemanha) a impor ajustes fortíssimos às regiões mais pobres da União (como a Grécia). No entanto, economias como a grega não têm grandes capacidades de reestruturação macroeconômica a partir de seus próprios recursos. Há um conjunto de providências que precisam ser tomadas de forma coletiva dada a limitação das economias europeias em realizá-las unilateralmente. Tais medidas envolvem o desenvolvimento de sistemas conjuntos de saneamento bancário, de arrecadação fiscal, bem como de fundos de estabilização e de mutualização das dívidas soberanas (sejam ou não na forma de Eurobonds). Nesta dinâmica, países como a Alemanha não podem pensar que estão a carregar a União nas costas. O aquecimento da economia europeia no pós-II Guerra (em grande parte estimulado pelo Plano Marshall e suas exigências de gestão) foi especialmente importante para parques industriais como o alemão, que se beneficiaram enquanto provedores de bens de capital e de outras manufaturas de alto valor agregado às demais economias do continente. A manutenção da união monetária - sob uma rede de economias saudáveis e com bases produtivas integradas - deveria ter como uma de suas principais interessadas a própria Alemanha. Por isso, certas responsabilidades fiscais/tributárias poderiam ter sido antecipadamente compartilhadas pelos países-membros antes de uma unificação monetária. Passada a fase de ampla adoção da moeda comum após 1999, tal debate volta a ser mais do que atual.

*** O processo de integração europeu sempre se alimentou de crises para dar passos adiante. No entanto, discussões quanto ao aprofundamento de uma união política/fiscal são evitadas em tempos de bonança, mas sempre retomadas nas fases decisivas e de reconstrução do continente. Esta tem sido a dinâmica de “distanciamento e reencontro” das sociedades europeias. E a atual ocasião marcada pela crise grega e por suas particularidades no espaço comum - parece imperativa para que a Europa reafirme a capacidade de renovação observada nos últimos 60 anos de integração continental. O sucesso do projeto da União dependerá disso.

Márcio Fernandes é cientista político formado pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em História Econômica pela Universidade de Coimbra. Exerceu funções como pesquisador-visitante na Universidade de Salamanca, na Espanha, e hoje trabalha acompanhando o Congresso Nacional em Brasília, de onde envia suas percepções sobre os bastidores da política e do poder na capital da República.

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