Crise no ensino jurídico – um enfrentamento a partir da obra de Ronald Dworkin

October 3, 2017 | Autor: A. Kretschmann | Categoria: Ensino Jurídico, Metodología De Enseñanza, Filosofia De Direito E Metodologia Jurídica
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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915

Crise no ensino jurídico – um enfrentamento a partir da obra de Ronald Dworkin

Ângela Kretschmann1 [email protected] Jaqueline Mielke Silva 2 [email protected]

Resumo: O artigo analisa a situação de crise do ensino jurídico e aborda a riqueza e importância da obra de Ronald Dworkin para alavancar uma mudança de postura em relação a ela. Procura mostrar que o enfrentamento da crise envolve o enfrentameto do modo como se percebe o Direito, e como se conceitua o próprio Direito. Como exemplo concreto, aborda-se a obra de Ronald Dworkin como fundamental para uma mudança de perspectiva da própria crise. Palavras-chave: Ensino Jurídico; Metodologia; Ronald Dworkin Abstract: The article analyzes the crisis of legal education and addresses the richness and significance of the work of Ronald Dworkin to leverage a shift posture towards it. Seeks to show that facing the crisis requires confronting the way the Right is perceived and how we conceive the concept of Law. As a concrete example, we take the work of Ronald Dworkin as fundamental to a change in perspective of the crisis itself. Keywords: Legal Education; methodology; Ronald Dworkin

1. INTRODUÇÃO As análises sobre o ensino e a educação jurídicas partem em geral do debate acerca de sua crise. A ideia de crise, portanto, já aparece praticamente sedimentada no debate acadêmico jurídico. Não obstante isso, a prática do dia-a-dia aponta que os professores enfrentam enormes dificuldades para trabalhar a crise com seus alunos, preocupados que estão em sempre “vencer o conteúdo”, para em tese “preparar os alunos para as provas” que certamente irão enfrentar, em especial da OAB. 1

Doutora em Direito pela Unisinos/RS, Pós-doutora pelo Institut for Information-, Telecommunication- and Media Law (ITM), Münster (Alemanha). Mestre em Direito pela PUV/RS, Especialista em Direito da Prorpeidade Intelectual pela Unisinos. Professora de Argumentação Jurídica, do Cesuca, e Propriedade Intelectual e Direito e Tecnologia da Informação, na Unisinos. Diretora de Pesquisa no Cesuca. Perita em contenciosos envolvendo propriedade intelectual, integrante da ABAPI e ABPI. Advogada. 2 Doutora e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora do Curso de Pós-graduação stricto sensu da Faculdade IMED e da Faculdade INEDI - CESUCA e de outras instituições de ensino superior. Professora na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – AJURIS, Escola Superior da Magistratura Federal – ESMAFE, Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP, Escola Superior da Magistratura do Trabalho – FEMARGS.Advogada. F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 Certo é que a crise do ensino é uma crise do próprio Direito, e no caso do ensino jurídico brasileiro o ponto fulcral da crise situa-se no excessivo apego ao formalismo jurídico, no apego vinculado ao desenvolvimento das mais diversas formas de positivismo jurídico que colocaram a escanteio as possibilidades de diálogo com valores e princípios. Um dos maiores desafios no estudo do Direito, na atualidade, está em justamente conseguir trabalhar com valores e princípios sem, contudo, descartar o papel da dogmática. Nesse sentido que teóricos do pós-positivismo, entre eles Chaïm Perelman, Theodor Vieweg e Robert Alexy, além de Ronald Dworkin, entre tantos outros, são fundamentais para o enfentamento desse desafio que é familiarizar o estudante, nos cursos jurídicos, a ir além da dogmática, sem entretanto, voltar-se contra ela. Este artigo não tem por objeto analisar a trajetória da crise do ensino jurídico brasileiro, mas sim apontar fatos históricos relevantes para sua compreensão, levando em conta seus desafios, e mudanças que podem ser implementadas, situando o ensino dentro do contexto das exigências de uma civilização digital. Metodologicamente, é realizada atividade de reflexão com base na prática jurídica, a partir de materiais coletados, privilegiando-se os documentos que referem à crise do ensino e educação jurídicas3 como uma crise do próprio Direito, e da metodologia jurídica. 2. A HISTÓRIA DA CRISE DO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO O início da formação de juristas no Brasil está relacionado à necessidade de colocar à disposição da Coroa bacharéis que respondessem às necessidades do império, comprometidos com os novos ideais de um país que deixava de ser colônia portuguesa. O ensino jurídico brasileiro pode ser analisado levando em conta tais etapas envolvendo a “necessidade e a procura”, como um mercado, onde o bem a ser comercializado, ou não, é o próprio Bacharel em Direito. Para isso é possível vislumbrar algumas etapas do ensino jurídico brasileiro, ou sob certo ponto de vista, alguns saltos. Primeiro a partir do Império. Desde que deixamos de constituir uma simples colônia de Portugal, mas adquirimos o status autônomo do Império, foi derradeira a necessidade de formação de uma consciência jurídica própria da nova nação que se constituía.4 É curiosa a análise dos primeiros juristas que se formaram no Brasil Império. A nova nação, que deixava de ser Colônia de Portugal, ressente-se de profissionais efetivamente comprometidos com os novos ideais. Os primeiros juristas que o Império formou teriam que ter uma forte vinculação com os interesses da nova nação, e importar juristas de Coimbra, afiliados aos interesses da Coroa Portuguesa, não era um bom negócio (REALE, 2000). Não só uma, mas duas faculdades de Direito foram então autorizadas pelo Imperador Dom Pedro I, uma em Olinda, e outra em São Paulo, em 1827. 3

Considerada a diferença entre ensino e educação jurídicas, já desenvolvida em texto anterior: KRETSCHMANN, Ângela; OHLWEILER, Leonel Pires. Desencantamento do ensino jurídico: um paralelo com “O Admirável Mundo Novo”, de Huxley. Revista Jurídica do Cesuca. v.4, n. 6, jul/2014, p. 110-131, disponível em: http://ojs.cesuca.edu.br/index.php/dialogosdodireito/issue/view/34#.VFT4aodIgmU . 4 Conforme descrevemos já no Projeto do Curso de Direito, da Faculdade Inedi, Cesuca, em Cachoeirinha, na sua versão a partir de 2012, considerando o apoio doutrinário que também aqui é citado. F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 Os cursos foram criados com previsão de duração de 5 anos, contendo nove cadeiras (ou disciplinas) no total: no primeiro ano, a primeira cadeira (Direito natural, Direito Público, Análise da Constituição do Império, Direito das Gentes, e Diplomacia). No segundo ano duas cadeiras, a primeira sendo uma continuação das matérias do ano anterior, e a segunda sendo “direito público eclesiástico”). Já no terceiro ano a primeira cadeira versava sobre “Direito pátrio civil”, e a segunda de “direito pátrio criminal com a teoria do processo criminal”. No quarto ano a primeira cadeira era continuação do direito pátrio civil, e a segunda cadeira era de “direito mercantil e marítimo”. Finalmente, no quinto ano, a primeira cadeira era de “economia política”, e a segunda de “teoria e prática do processo adotado pelas leis do Império”. É possível perceber, pela ordem e nominação das “cadeiras” (disciplinas), que já há forte acentuação nos interesses do novo Império. Já com a chegada da República ocorreu o desenvolvimento do Direito Constitucional, tendo em vista a alteração radical do cenário político, assim como novas disciplinas foram se estabelecendo e se desenvolvendo. Por muito tempo, entretanto, prevaleceram as disciplinas dogmáticas, a forte influência do positivismo, e depois, o lento retorno de disciplinas que possibilitavam o pensar crítico, como a Introdução ao Estudo do Direito, e a Filosofia do Direito, com seus conteúdos abrangendo mais do que meras análises formalistas e positivistas. No início, portanto, formam-se “as duas casas de jurisprudência” do nosso país (REALE, 2000), e que foram responsáveis pelo desenvolvimento de toda a vida cultural humanística do país inteiro, pois também os estudos filosóficos e criações literárias acabaram ficando vinculados a elas, de modo a só surgirem cursos de Letras e Filosofia no século XX. Com os quase 70 anos de império no Brasil, o contexto de mudança mais perceptível, sem dúvida, em termos de conteúdo jurídico, foi a preocupação no domínio do Direito Constitucional, dada a mudança de Monarquia constitucional unitária, para uma República presidencialista e federativa. Já as alterações no ramo do direito privado, em especial civil, levaram muito mais tempo, basta mencionar que vivíamos ainda sob a base das Ordenações Filipinas de 1603.5 A impressão que se tem é que na seara do direito civil teríamos ficado 3 séculos sem movimento, o que não é verdade. A legislação base era, sim, a das Ordenações Filipinas, mas não se pode negar que as alterações ocorreram, e tivemos sim, felizmente, efeitos na legislação advindas da própria Revolução Francesa. Nesse sentido, a 14ª.ed. do Código Filipino já trouxe uma recompilação que abrange a exclusão de leis em desuso, e a inclusão de outras leis que se promulgaram no tempo. Não se pode recusar, entretanto, as severas críticas de um “medievalismo” e “anacronismo processual”, vindas de vários juristas, preocupados com a lentidão com que se operava a movimentação legislativa brasileira. Se a nova legislação civil só veio no século XX, entretanto, com o Código Civil proposto através de Projeto de Clóvis Beviláqua, bem assinala Miguel Reale que a ciência jurídica não ficou alheia aos movimentos dos séculos anteriores. Tivemos sim, uma proposta de código civil de Teixeira de Freitas (de 1858, revisada em 1877), apesar de não ter vingado, mas que provocou profundo debate jurídico, e a promulgação dos códigos criminais (o Código Criminal de 1830, e o Código de Processo Criminal de 1832), o Código Comercial, de 1850.6

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REALE, Miguel. Horizontes do direito e da história. 3ª. Ed., Saraiva: São Paulo, 2000. p. 183-184. REALE, Miguel. Horizontes do direito e da história. 3ª. Ed., Saraiva: São Paulo, 2000. p. 185. F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 Um terceiro movimento é apontado como resultado do estabelecimento do Estado Democrático de Direito, de um amadurecimento do Estado Liberal para os percalços de um Estado que lentamente busca recuperar sua natureza igualmente social. Esse terceiro momento é marcado no seu início pela promulgação democrática da Constituição Federal de 1988, e logo depois, em 1994, pela aprovação da Portaria 1.886 do MEC. Podemos dizer que os primeiros cursos encontram um ambiente conservador, nos primórdios do século XIX, tendo iniciado em Pernambuco a busca por maior liberdade, dado o fortalecimento dos ideais de liberdade, pelas ideias de República, e ali que ser formará o embrião da Escola de Recife. Assim, os cursos jurídicos surgem sinalizando que uma nova realidade estava nascendo, pois possibilitaram o desenvolvimento de uma nova consciência jurídica no país. Ali se formaram depois mestres como Clóvis Beviláqua, que será o autor do anteprojeto do Código Civil de 1917. Naquela época, assinala Ana Paula de Holanda, havia o controle estatal do Império, desde a órbita administrativa à metodologia, a nomeação dos professores, a bibliografia e a estrutura curricular, impedindo assim inovações no ensino, o que de certa forma, até hoje permanece.7 Mesmo nesses primórdios dos cursos jurídicos no Brasil, já falava-se de um Direito alienado da sociedade, pois tanto a Faculdade de Olinda, depois transferida para Recife, quanto a de São Paulo, criavam juristas que assumiriam importantes papéis na estrutura política e jurídica do país, tanto na fase ainda imperial quanto na nascente República. Com o tempo os profissionais do Direito foram tendo cada dia mais variadas possibilidades de escolha, novas áreas exigiram novos talentos, mas permanecia aquele Direito afastado da realidade social, abstrato demais. O Brasil, por outro lado, vive o que se pode chamar de um terceiro momento na expansão dos Cursos Jurídicos. Esses Cursos ganham legitimidade desde que operem na necessidade de um Brasil que está em expansão não apenas na área da Engenharia, da Física, da Biologia, da Medicina. Todas as áreas estão em expansão e basta observar o quanto a demanda do Judiciário aumentou. Nesse sentido, é óbvio que são necessários mais juízes, mas também mais advogados e outros profissionais do direito. Infelizmente, a crítica ao aumento dos cursos jurídicos muitas vezes não é imparcial, mas vem de setores que tradicionalmente monopolizaram o ensino jurídico. O que se observa, por outro lado, é uma crise generalizada, que não é exclusiva do ensino e da educação jurídicas. Sabe-se que a crise vêm desde o ensino fundamental, sabe-se que o aumento de horas de aula não resolve o problema da qualidade, as análises8 envolvendo as crises nos mais variados ramos do conhecimento apontam que a mudança requer que ser movam estruturas, que não se vinculam exclusivamente às instituições, mas envolvem também professores e alunos. Mover estruturas, considerando professores e alunos, compreenda-se, indica mudança de atitude em relação ao modo de conceber o próprio direito,9 e o modo de fazer Direito, ou de estudá-lo – vendo-o esse estudo como um processo criativo. 7

HOLANDA, Ana Paula Araújo de. A Escola do Recife e seu papel na construção do ensino jurídico brasileiro: uma ruptura de paradigmas. IN CERQUEIRA, Daniel Torres; CARLINI, Angélica; FILHO, José Carlos de Araújo Almeida, org. 180 Anos do ensino jurídico no Brasil. Campinas: SP, Milllenium Editora, 2007. P. XXXI e XXXII. 8 Ver DEMO, Pedro. Ser professor é cuidar que o aluno aprenda. 7a. ed.. Porto Alegre: Mediação, 2010. 9 Modelos tradicionais: A) Modelo silogístico – defendido pelo formalismo jurídico. Segundo esta concepção, a tarefa do juiz é lógico-mecânica. O problema do juiz é a subsunção do caso a uma norma pré-estabelecida. Se não existe norma aplicável, o juiz F A C U L D A D E

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3. SINTOMAS, DIAGNÓSTICOS E REMÉDIOS: QUAL O SENTIDO DAS PROVAS E AVALIAÇÕES PARA A QUALIDADE DO ENSINO E EDUCAÇÃO JURÍDICAS? Uma das formas de se perceber que o ensino jurídico se mantém praticamente inalterado é comprvado pelas exigências de provas, as mais diversas, para o bacharel do Direito. O Ensino Jurídico não se pretende condicionador, ou condicionante, e por isso o fato de um condicionamento permitir que alguém seja aprovado em uma prova da OAB nos faz retomar a obra de Aldous Huxley, como já se oportunizou desenvolver em mais detalhes anteriormente (KRETSCHMANN & OHLWEILER, 2014). Não se critica o fato de concursos pretenderem a seleção de candidatos que apresentem um aproveitamento mínimo para ingresso na atividade pública. Por outro lado, sabe-se que o condicionamento a determinadas respostas é apenas uma forma de se ver uma prova, comparando-a um papel que apenas recolhe informações básicas necessárias para uma tarefa para a qual o candidato poderá ser exigido a realizar. Em geral trata-se apenas de uma primeira etapa da prova, mas nem por isso menos importante. No mesmo sentido, a prova da OAB representa uma prova que em sua primeira fase acaba gerando inúmeras técnicas de estudo, e já está comprovado que parte do conhecimento deve ser apreendido, muitas vezes com memorizações e repetições. Outra opção é o hábito, ou seja, habitualmente, ou rotineiramente, realizar determinados exercícios para alcançar o conhecimento. Assim que foi desenvolvido o método Kumon, de ensino, por exemplo, exclente para o aprendizado da matemática, através do qual o aluno aprende porque diariamente realiza, sem falta, alguns exercícios. De tanto repeti-los, memoriza e costuma aprender com rapidez e consistência. A questão é o que se quer: juristas condicionados? Certamente não. No Direito é necessária a reflexão, o desenvolvimento da virtude da prudência, ou o saber prático já ensinado por Aristóteles. Afinal, o Direito é uma ciência prática. Quem acompanha o debate nacional acerca do Ensino Jurídico, e observa também a mobilização da OAB junto ao MEC pode dizer que as faculdades de Direito podem se beneficiar da luta de classe da OAB pela melhoria do ensino jurídico, ainda que críticas possam ser dirigidas à prova da OAB, no sentido de que poderia aperfeiçoar mais o modo como deseja avaliar se o futuro advogado tem condições de responder de modo virtuoso às demandas a que será submetido. Na realidade, se por um lado a pressão da OAB por maior qualidade é muitas vezes criticada – ela poderia ser ainda mais exigente (uma vez que um mero condicionamento pode deve rejeitar a demanda. No direito não existem casos difíceis, porque tudo o que não está proibido está permitido. A função do juiz está subordinada à lei. B) Modelo realista – defendido por muitas correntes antiformalistas. Segundo esse modelo, as decisões dos juízes são fruto de suas preferências pessoais e de sua consciência subjetiva. O juiz primeiro decide e após justifica sua decisão mediante normas. O juiz tem poder político, não está subordinado à lei. Concede ao juiz um autêntico poder político que não é congruente com o sistema de legitimação do estado democrático nem com o postulado da separação de poderes. C) Modelo positivista da discrição judicial - este modelo reconhece a existência de casos difíceis, nos quais não existe norma aplicável. É defendido por Hart e Bobbio. Nos casos difíceis, o juiz exerce um poder discricionário. Para este modelo, o direito não oferece uma resposta correta, mas uma variedade de respostas possíveis. O juiz elege discricionariamente as mesmas. (DWORKIN, 1995, p. 20-21). Enquanto isso, Ronald DWORKIN (1995, p. 102 e ss.) propõe um novo modelo de decisão judicial, contrastante com os modelos tradicionais: o modelo da resposta certa. F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 aprovar um candidato). Fato é que as pressões auxiliam na gestão de um Curso de Direito, já que a mobilização da OAB auxilia na busca da qualificação do Curso, pois estabelece, juntamente com o MEC, e inclusive de modo mais profundo e consistente do que o MEC, uma postura dos dirigentes e um diálogo com os gestores dos cursos, de modo que em geral reivindicações que atentem para a melhoria da qualidade do ensino não são desprezadas, pelo contrário, são incentivadas. O problema está em que gestores não podem confundir o índice de aprovação na prova da OAB como sinal de qualidade do ensino e educação jurídicas, dado que, em especial na primeira fase da prova, o que é exigido do candidato são respostas condicionadas, vinculadas a um conceito de Direito que, ao mesmo tempo em que é exigido dos candidatos (o direito que confunde-se com os “códigos”), é criticado desde o início dos cursos, porque ultrapassado. Além das exigências mínimas de cumprimento exigidas pelo MEC o Curso de Direito também precisa inovar, atento às peculiaridades do aluno que ingressa. Nesse sentido o apoio da própria OAB aos cursos é fundamental, e define estratégias de gestão para alcançar determinadas metas, em especial a reclamação da OAB de que os Cursos devem ser responsáveis pelos alunos que admitem em seus vestibulares, ou seja, aquele que igressa precisa ter uma atenção especial para conseguir superar dificuldades as mais variadas, de modo que é impossível pensar em um Curso de Direitos em pensar em investimentos específicos de cada região, que possui sempre uma demanda própria e um corpo discente com peculiaridades e dificuldades próprias. Não existe mais mistério no ensino jurídico. Não existe mais uma “chave” mágica que possa abrir portas, como o nome tradicional de uma faculdade que tenha muita tradição no mercado. O que existe é o trabalho sério e transparente de cada curso que procura levar a sério todas as dificuldades reais dos aprendizes que possui. E o que faz isso são as avaliações externas pelas quais todos os cursos no Brasil são submetidos, como o ENADE e a prova da OAB. Por outro lado, o acompanhamento do egresso é uma avaliação interna que pode servir tanto quanto, ou ainda mais, qualitativamente, para que um curso perceba se está realmente alcançando seus objetivos. Fato é que as avaliações, tanto internas quanto externas são fundamentais para a qualidade do ensino superior, de qualquer curso. A OAB tem apresentado uma preocupação particular, que não se identifica com as preocupações e exigências do MEC. A OAB insiste em não ser meramente ratificadora do que o MEC faz, mas sim que seja criadora de uma nova estrutura do ensino, e que sua voz tenha mais força nas avaliações externas das instituições de ensino superior. Também que a nota do ENADE apareça no histórico do aluno, além da intenção de melhorar o instrumento de autorizaão e reconhecimento de cursos. Certamente o uso da prova da OAB para avaliação dos cursos, assim como o ENADE, constitui um instrumento fundamental de avaliação externa do curso de direito. As alterações sugeridas pelas novas DCNs não trariam muitas novidades para universidades e centros universitários, como a adoção de metodologias de ensino ativas e carga horária mínima para prática do estágio obrigatório (de 12% da carga horária total do curso, que somada com as atividades complementares não poderia ultrapassar 20%), mas na medida em que impõe a internacionalização e incentivo à inovação como obrigatoriedade F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 pode efetivamente causar surpresa para as instituições de ensino que não alcançaram o perfil de centro universitário ou universidade, o que obrigará muitas a alteração inclusive de seus planos de desenvolvimento institucionais (PDI), eis que, se prevista a internacionalização e a inovação no PDI, então essa passará a contar como critério de avaliação. 10 Outras mudanças se relacionam com a inclusão de determinados conteúdos como obrigatórios, como “formas consensuais de composição de conflitos”, hermenêutica e direito romano (na formação básica), tutela dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais (na formação profissional), e atividadespráticas de negociação, mediação e demais modalidades, como conciliaçao, arbitragem e práticas de tutela coletiva, prática do processo judicial eletrônico no Núcelo de Prática Jurídica. O objetivo de tais ações é, sem dúvida, desenvolver uma política mais intensa reguladora da prática do ensino jurídico, não apenas, mas principalmente, acreditamos, devido às pressões da OAB e de suas comissões fiscalizadoras da profissão do advogado. É certo que a pressão exercida através, principalmente, do valor agregado das avaliações externas já geraram mudanças. As instituições de ensino sentem mais a pressão da comunidade organizada, e do governo, os professores sentem que maior responsabilidade pelo futuro dos alunos também lhes pesa nos ombros, e agora também o aluno sente que é ator em uma comunidade, e autor de uma realidade nova a ser construída, pautada por compromissos sociais, econômico-sustentáveis, com preocupação com seu entorno mas também como meioambiente em geral. É possível perguntar, fazendo uma analogia a partir da sugestão de Reboul (2000, p. XV): a aula do professor é retórica? O professor tem função persuasiva? Ou é o aluno que assume um papel mais ativo no discurso? A própria recuperação da retórica como uma função pedagógica merece ser trazida para o debate das mudanças no ensino jurídico, ainda que os limites deste artigo não o permitam. Merece ser considerado, ainda nesse aspecto, que há a consciência de que pertencemos todos a uma só história e que somos construtores dela. E para isso precisamos tirar do aluno o que ele tem de melhor – sua experiência de vida na comunidade. Precisamos instruí-lo e darlhe condições de fazer mudar a realidade de pobreza, não apenas material, mas de ensino da sua comunidade. Ele precisa levar adiante os conhecimentos que adquire, e melhorar o nível de vida próprio e auxiliar sua família – e isso não envolve apenas um aumento de qualidade de vida material, mas também sensibilidade para temas jurídicos que impliquem na consciência da capacidade e valor de cada um no Estado Democrático de Direito que vivemos. Naturalmente, os alunos e alunas, preparando-se para as provas da OAB, podem assumir uma atitude condicionante. Se durante o curso de Direito passaram a compreender o direito dentro de conceitos estanques, talvez tenham facilidade em realizar uma espécie de “acoplamento” do seu saber às necessidades imediatas daquele tipo de exigência posta. Por outro lado, os aprendizes que se dedicam a compreender o Direito, no contexto de teorias contemporâneas, podem ter maior dificuldade na realização de provas que exigem apenas a transferência irrefletida de respostas prontas. E aqui encontraremos muitos teóricos contemporâneos que podem auxiliar, entre eles, Ronald Dworkin. 10

A respeito em: FAGUNDES, Gustavo. Educação Superior Comentada – Análise da proposta da SERES/MEC para as novas DCN do curso de Direito. Coluna Educação Superior Ocmentada. Portal ABMES, Ano2, n. 13, em 30/06/2014. Disponível em http://www.abmes.org.br/abmes/noticias/detalhe/id/1092 . F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 Um dos pontos centrais do êxito da obra de Ronald DWORKIN se encontra em construir e justificar uma teoria política liberal superadora do liberalismo conservador. O Direito, enquanto fenômeno social, deve ser analisado através da prática argumentativa. A opção interpretativa em detrimento de teorias semânticas dominantes – sobretudo o positivismo - procura compreender o caráter argumentativo da prática jurídica para desvelar o sentido do Direito como dimensão simbólica da equidade, da justiça (em termos abstratos) (CHUEIRI, 1995, p. 103). A atitude interpretativa atuará assim sobre a prática, alterando as formas originárias, reinterpretando-as sucessivamente. A interpretação supõe um momento pré-interpretativo, no qual a natureza da prática é identificada. Neste estágio, o intérprete coleta regras, padrões e descrições do comportamento característico dos participantes e de suas atividades, os quais se constituem nos elementos da prática em questão. Em seguida, ocorre a interpretação propriamente dita, cabendo ao intérprete buscar a melhor justificação possível à prática, cujos elementos foram identificados no primeiro momento. E aqui o intérprete propõe um valor para a prática, ao descrever um esquema de interesses ou objetivos aos quais a prática deve servir, expressar (DWORKIN, 1986, p. 52). Todavia, segundo Ronald DWORKIN (1986, p. 90), 11 há um ponto paradigmático na prática jurídica, qual seja: o de orientar e constranger o poder governamental. Neste caso, o Direito admitiria o uso da força, desde que para o cumprimento dos direitos individuais decorrentes das decisões políticas passadas, nas quais o uso da força fora justificado. Vale dizer, os direitos e responsabilidades autorizam a coerção, pois decorrem de decisões nas quais se observou o estrito respeito aos direitos individuais (CHUEIRI, 1995, p. 108). Para Ronald DWORKIN (1995, p. 61 e ss.), os princípios assim identificados não são apenas partes de uma teoria do Direito, mas também partes implícitas do próprio Direito. Ele caracteriza esses princípios e as concretas proposições do Direito que decorrem a partir deles como Direito num sentido interpretativo. A interpretação crítico-criativa não se limita à mera exegese, à mera interpretação do que o autor disse conforme seus propósitos e intenções. O significado já começa a se definir na atitude do intérprete, a gerar uma interação entre intenção e objeto. Na esteira da chainoflaw (continuidade do Direito), o Direito é um exercício de interpretação construtiva, interessando-lhe antes os propósitos e intenções do intérprete, conquanto surja como consequência das intenções do autor. O mérito dos aprendizes é alcançar a compreensão do significado do Direito, e ao mesmo tempo ter condições de alcançar o mínimo exigido em termos de conhecimentos básicos que são exigidos pelas provas. Realizar esse raciocínio, preparar-se para a prática do dia-a-dia, que exige uma reflexão muito mais profunda do fenômeno jurídico, e ao mesmo tempo, responder questões dentro dos limites que as provas impõe é, sem dúvida, um desafio ao estudante. 4. UM ENFRENTAMENTO DA CRISE A PARTIR DA OBRA DE RONALD DWORKIN 11

“But for all their abstraction, they are constructive interpretations: they try to show legal practice as a whole in its best light, to achieve equilibrium between legal practice as they find it and the best justification of the practice”. (DWORKIN, 1986, p. 90). F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 A crise do ensino jurídico está relacionada com o constrangimento moderno que se viu diante da preferência à racionalidade processual no lugar da material, devido à evolução histórico-cultural concluir pela recusa de ordens ou sistemas de valores absolutos - na filosofia isso culminou no relativismo, no politeísmo de valores e dos fins, e até no niilismo, como se não existisse uma outra opção que não fosse a exclusão inevitável de uma proposta pela outra. No pensamento pós-moderno (em especial com Nietzsche, Heidegger) não há verdadeiro fundamento, mas um fundamentar compreensivo, ontologicamente compreensiva e interpretativo, é como se estivéssemos retomando o mesmo problema, insistindo no abandono do conhecimento clássico, que não tem mais espaço no universo humano-prático, como se tudo o que nos resta são teorias morais procedimentais. 12 Já foi dito que ainda está por ser desenvolvida a reflexão hermenêutica de uma epistemologia de consciência pragmática que na verdade seria o objetivo principal do programa hermenêutico – onde o objetivo existencial da ciência encontra-se fora dela, e tem base na sabedoria prática, numa recuperação da phronesis aristotélica – no hábito de decidir bem13. Ainda que o fundamento do sistema jurídico vincule-se a uma validade normativa, esta é pressupostamente viculante e materialmente referida – e é a racionalidade hermenêutica que dá satisfação a tais exigências. A hermenêutica como racionalidade e método é pensamento dirigido à compreensão o interpretação de sentidos culturais no âmbito de um determinado contexto. A índole hermenêutica da racionalidade jurídica vincula-se ao pensar jurídico que é acima de tudo um pensar interpretativo das fontes prescritas pelo sistema normativo vigente, a fim de, a partir delas, se possam obter os fundamentos das decisões14. Naturalmente, bem longe de quaisquer condicionamentos sugeridos pelas provas objetivas que buscam captar um mínimo suficiente dos candidatos a vagas, seja em concursos públicos, ou para prova da OAB. As provas, nesse sentido, remetem a uma prática que reproduz um dogmatismo estanque, a juízos formais, sem juízos de valor, concebendo o Direito como uma ciência formal (WARAT, 1995, p. 16). A ausência de juízos de sentido é extremamente limitadora, e curva-se diante de um simplismo que carrega todo o Direito para uma crise profunda. É necessário, pois rever o próprio conceito de Direito, e entre as várias formas de se conceber o conceito de forma renovada, está Ronald Dworkin, escolhido para permear este ensaio. Ronald Dworkin consegue realizar a crítica do Direito formal, estanque, retomando aspectos da filosofia para renovar o Direito, assumindo a importância da atitude interpretativa, demonstrando que ensinar disciplinas e cumprir conteúdos curriculares sem a compreensão das práticas sociais só pode representar um trabalho sem sentido. Ou seja, não basta ensinar Direito Penal, Direito Civil, Direito Processual, Direito do Trabalho, apenas remetendo a fatos e dispositivos legais. Há necessidade de um modo de trabalho e compreensão que ultrapasse essa atitude passiva, onde os cnceitos jurídicos são maleáveis, pois “uma concepção de igualdade ou liberdade está correta em relação a outras 12

Cfe. NEVES, Castanheira. Metodologia jurídica - problemas fundamentais. Coimbra Editora, Coimbra, 1983, p. 45-46. 13 SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Graal: São Paulo, 2010. p. 29. 14 Cfe. NEVES, A. Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p. 75. F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 concepções rivais”. Afinal, conforme Dworkin, as pessoas partilham determinados conceitos, partilham determinadas práticas sociais, sendo natural que surjam divergências em virtude de haver interpretações diferentes destas práticas. São os chamados conceitos interpretativos (DWORKIN, 1995, p. 18). Isso exige, naturalmente, maior esforço para a compreensão do significado do Direito, pois ele compreende um conceito interpretativo. Com isso, há a ideia de revolução epistemológica vinculada à forma necessária como o aluno precisa encarar o objeto que estuda. Ele – aprendiz – insere-se em uma tradição. Isso tudo não está isento de críticas, naturalmente, mas auxilia, e muito, a sair do lodo em que o Direito se meteu. 5. OS TRUNFOS DE DWORKIN COMO APOIO ÀS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO E ENSINO JURÍDICOS O Estado de Direito não é um Estado simplesmente vinculado à lei e à legalidade, mas também à observância de uma pauta material de valores, entre os quais, especialmente, os direitos fundamentais (NOVAES, 2012, p.17). E segundo Ronald Dworkin, ter um Direito fundamental em um Estado de Direito, é ser titular de uma garantia jurídica forte, equivalente a ter um trunfo num jogo de cartas. A carta de trunfo prevalece sobre as outras, mesmo sobre as de valor facial mais elevado. A qualidade de trunfo, que lhe é reconhecida segundo as regras do jogo, bate a força do número, da quantidade, das cartas de outros naipes. O jogador que senta do outro lado da mesa é o Estado, já que os direitos individuais são posições jurídicas em face do Estado. Ter um direito fundamental significa ter um trunfo contra o Estado, contra o governo democraticamente legitimado. É ter um trunfo contra a maioria que governa, mesmo quando esta decide segundo os procedimentos democráticos instituídos e dispõe do apoio de uma maioria social (NOVAES, 2012, p. 18). Para Ronald DWORKIN, uma concepção de Direito que negue a separação absoluta entre Direito e moral e não se socorra de princípios de justiça material pré-estabelecidos, é uma doutrina perigosa. É perigosa porque, na prática jurídica dos tribunais, a distinção entre o Direito e a moral não é tão clara. A crítica do pressuposto da distinção rígida entre o Direito e a moral é o objetivo fundamental do ataque de Ronald DWORKIN ao positivismo jurídico15. Pode-se dizer que o ataque de Ronald DWORKIN ao positivismo baseia-se em uma distinção lógica entre normas, diretrizes e princípios. O modelo positivista tem como característica ser estritamente normativista, porque se baseia em normas, deixando de fora de sua análise as diretrizes e os princípios. Para Ronald DWORKIN (1995, p. 147), junto às normas existem princípios e diretrizes políticas que se identificam por seu conteúdo e força argumentativa. As diretrizes fazem referência a objetivos sociais que devem alcançar e que se consideram socialmente benéficos. Os princípios fazem referência à justiça e à equidade. Enquanto que as normas aplicam-se ou não, os princípios dão razões para decidir em determinado sentido, mas – diferenciando-os das normas – seu enunciado não determina as condições de sua aplicação. O

15

Ronald DWORKIN toma como ponto de referência a teoria de Herbert Hart, porque considera ser a versão mais depurada do positivismo jurídico. F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 conteúdo material do princípio é o que determina quando se deve aplicá-lo em uma determinada situação. Os princípios, por sua vez, informam as normas jurídicas concretas, de tal forma que a literalidade da norma pode ser desatendida pelo juiz, quando violar um princípio específico considerado importante. Exemplificando: a determinação, segundo a qual ninguém pode obter vantagem (lucro) através do seu próprio erro, é uma norma que funciona como um princípio, enquanto a determinação, segundo a qual acidentes de trânsito devem diminuir, é uma norma que funciona como política. Na análise dos casos difíceis, o autor americano critica o modelo de função judicial positivista16. Para ele, um caso é difícil se existe incerteza, seja porque existem várias normas que determinam sentenças distintas - porque as normas são contraditórias - seja porque não existe norma exatamente aplicável. Ronald DWORKIN (1995, p. 150), porém, sustenta que os casos difíceis têm resposta correta. É evidente que podem haver situações em que não se pode aplicar nenhuma norma concreta, mas isto não significa que não sejam aplicáveis os princípios. O autor assinala que o material jurídico, composto por normas, diretrizes e princípios, é suficiente para dar uma resposta correta ao problema apresentado. Para Ronald DWORKIN (1995, p. 150), ao juiz se deve exigir a busca de critérios e a construção de teorias que justifiquem a decisão - e esta deve ser consistente com a teoria. Os juízes, nos casos difíceis, devem socorrer-se dos princípios. Todavia, como não há uma hierarquia pré-estabelecida entre princípios, é possível que estes possam fundamentar decisões distintas. Ronald DWORKIN (1995, p. 14) sustenta que os princípios são dinâmicos e mudam com grande rapidez e que todo intento de canonizá-los está condenado ao fracasso. Por este motivo, a aplicação dos princípios não é automática, mas exige a fundamentação judicial e a integração da fundamentação na teoria. O juiz, ante um caso difícil, deve balancear os princípios e decidir-se pelo mais relevante. Uma das chaves do êxito da obra de Ronald DWORKIN (1995, p. 15) se encontra na sua preocupação com o tema “certeza” no Direito. Sua teoria tem a originalidade de enfocar a análise do Direito desde a perspectiva dos casos difíceis e das incertezas que produzem. Os casos difíceis apresentam problemas que a teoria deve resolver (teoria = redução da incerteza17). Ronald DWORKIN (1995, p. 16) considera que toda teoria jurídica deve ter um aspecto descritivo e outro prescritivo. A teoria não serve somente para conhecer o Direito vigente senão que também é um auxiliar indispensável do juiz. Assim, Ronald DWORKIN critica o pressuposto metodológico positivista da separação absoluta entre a descrição e a prescrição. Em um caso difícil, a teoria serve para que o juiz decida com fundamento racional. A teoria é o fundamento de validade da tese da resposta certa. Sem uma teoria do Direito, não é possível solucionar os casos difíceis. O juiz, 16

Segundo Ronald DWORKIN (1995, p. 150), o modelo positivista hartiano é incapaz de dar conta da complexidade do direito. Na tradição positivista mais desenvolvida, mantém-se a tese da discrição judicial. No caso de não existir uma norma exatamente aplicável, o juiz deve decidir discricionariamente. O direito não pode oferecer resposta a todos os casos que surgem. Conforme já visto, o positivismo hartiano sustenta que nos casos difíceis não existe resposta correta prévia à decisão do juiz, que tem notadamente marcado um caráter discricionário. DWORKIN atacará a teoria da função discricionária do juiz com a tese da resposta certa. 17 Neste aspecto, há similitude com a concepção Luhmaniana a respeito da dogmática jurídica. F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 ao utilizar a teoria como critério para a resolução dos conflitos sociais, aplica o Direito. A teoria não só descreve senão que forma parte do Direito. Pelo exposto, observa-se que a teoria de Ronald DWORKIN é pragmática. A filosofia de Ronald DWORKIN (1995, p. 158 e ss.) tem por fundamento os direitos individuais. Isso significa que os direitos individuais - especialmente o Direito a igual consideração e respeito – são preponderantes frente à maioria. Nenhuma diretriz política nem objetivo social coletivo podem triunfar frente a um autêntico Direito. Ronald DWORKIN (1995, p. 102 e ss.) propõe um novo modelo de decisão judicial, contrastante com os modelos tradicionais: o modelo da resposta certa. O juiz carece de discrição e, portanto, de poder político. A verdadeira resposta corresponde à teoria que é capaz de justificar, de melhor modo, os materiais jurídicos vigentes. Entende que a função dos tribunais, nos casos controversos, seria não a de criar um novo direito, mas a de descobrir o Direito que se acha oculto até então. Tal descobrimento se faria através dos princípios e das diretrizes. Os princípios, para Ronald DWORKIN (1995, p. 147), caracterizam-se com um conjunto de normas outras (que não regras jurídicas) no sentido do seu improvement econômico, político e social. O termo “princípio”, em seu sentido específico, vai se opor à noção de política, ao dizer respeito a um tipo de norma cuja observação é um requisito de justiça e eqüidade ou, ainda, de alguma outra dimensão moral. A noção de política, por sua vez, diz respeito a um tipo de norma cujo objetivo é o bem-estar geral da comunidade. 18 Quando os juízes constroem regras não anteriormente reconhecidas, não estão eles livres no sentido em que o são os legisladores. Os juízes devem tomar suas decisões costumeiras apoiados em princípios e não em políticas. Devem desenvolver argumentos acerca do porquê as partes tinham, de fato, ‘novos’ direitos e deveres jurídicos, os quais eles exigem como cumpridos, quer no momento em que as partes agiram, quer em algum outro momento pertinente ao passado (DWORKIN,1986, p. 76). A argumentação de Ronald DWORKIN (1995, p. 147) apóia-se na sua tese dos direitos, ou seja, as decisões judiciais, especialmente nos casos difíceis e nos casos controversos, são - e deveriam ser - geradas por princípios. Essa tese assevera, na prática, a dimensão política do jurídico, na medida em que joga para as decisões judiciais o fazer valer ou fazer cumprir dos direitos políticos existentes: primeiro, ao lançar mão de um princípio, de um objetivo político individualizado, identificando, através do mesmo, a existência de um direito. Impera a moralidade pessoal do juiz - enquanto membro de uma instituição que comporta uma teoria política - através da sua argumentação baseada em princípios e a moralidade institucional contida no precedente. A tese dos direitos distingue, objetivamente, direitos individuais e fins sociais. Os direitos individuais consistem em objetivos políticos individualizados, enquanto que os fins sociais consistem em objetivos políticos não-individualizados. Os direitos individuais, na concepção de Ronald DWORKIN, escapam à mera positividade da lei, ainda que dela possam ser extraídos. Para Ronald DWORKIN, os direitos 18

Exemplificando: a determinação segundo a qual ninguém pode obter vantagem (lucro) através do seu próprio erro é uma norma que funciona como um princípio, enquanto a determinação segundo a qual acidentes de trânsito devem diminuir é uma norma que funciona como política. (CHUEIRI, 1995, p. 158). F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 jurídicos, desde um exercício argumentativo, referem-se, também, a dois conceitos articulados: o de propósito ou intenção de uma lei, ou artigo, o qual faz uma ponte entre a justificação política da idéia geral de que leis criam direitos e os casos difíceis que perguntam que direitos uma determinada lei criou, e o de princípio, o qual é anterior às regras positivas do Direito e aos precedentes, fazendo uma ponte entre a justificação política da doutrina de que casos iguais deveriam ser decididos igualmente e os casos difíceis, nos quais não é claro o que a doutrina exige. Logo, é possível pensar em direitos jurídicos, ainda que se trate de um caso difícil, respeitando tanto a legislação, quanto os precedentes. Assim, na perspectiva de Ronald DWORKIN (1995, p. 102 e ss.), a regra jurídica não se constitui em um óbice ao cumprimento dos direitos individuais, mas num ingrediente que a ela se soma. Ao ser compreendida de forma mais aberta, a regra jurídica desmistifica-se, tornando-se uma fonte extraordinária de direitos morais (princípios). Todas as ponderações acima colocadas surgem nos casos difíceis, nos quais há uma discordância acerca do critério a partir do qual as pretensões se estruturam. Através da interpretação, poder-se-ia superar a indeterminação ou vagueza que apresentam as regras, na medida em que se buscariam, através das mesmas, os princípios ou políticas que melhor agasalhassem as pretensões das partes. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na linha de análise de Ronald DWORKIN, sugere-se que a atividade do juiz, assim como a de qualquer jurista, não se reduza a uma mera operação mecânica, a negação do poder político do juiz, sem reduzir sua atividade a uma mera operação mecânica. Em seu modelo, o juiz é garantidor de direitos e não criador dos mesmos. De outra parte, a análise de Ronald DWORKIN não supõe uma quebra de legitimação do Estado Democrático nem a criação de normas retroativas. Estamos tratando, naturalmente não de simples informações, mas de compreensão de um fenômeno jurídico complexo, que vai muito além de mero conhecimento acerca do que diz a lei. Muitos críticos dos modelos em vigor de concursos públicos e provas da OAB destacam que os concursos aprovam aferindo apenas informações, e não conhecimento. Nesse sentido (STRECK, 2014), uma aluna recentemente, com 18 anos, foi aprovada na prova da OAB tendo cursado poucos meses de aula, e alcançou a aprovação através de “treino”, como ela mesmo diz. O autor então pergunta: a aluna foi aprovada sem praticamente contato algum com a matéria, a não ser por via derivada: no mesmo sentido de que ninguém gostaria de ser “tratado” por médicos que se tornassem médicos simplesmente após um “adestramento”, quem contrataria um “jurista adestrado”? 19 Em não raras ocasiões, infelizmente, o debate ingressa em um denuncismo sem propostas de solução, onde as palavras rastejam por entre argumentos que têm em vista

19

STRECK, Lênio. Senso Incomum: Thays, 18, passa na OAB: o rei está nú! Fracassamos! Consultor Jurídico, 01/05/2014, disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-mai-01/senso-incomum-thays-18-passa-oab-rei-nufracassamos, acesso em 02/05/2014. F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 chamar atenção, pela palavra, sobre o problema, sem efetivamente discuti-lo a fundo. O que não se distingue muito da exemplificação de Huxley: “Mas o condicionamento sem palavras é grosseiro e genérico; é incapaz de fazer apreender as distinções mais sutis, de inculcar as formas de comportamento mais complexas. Para isso é preciso palavras, mas palavras sem explicação racional. Em suma, a hipnopedia. – A maior força moralizadora socializante de todos os tempos”.20

O caos, a histeria e a tragédia vendem mais do que propostas de solução efetivas, trabalhadas exaustivamente, expostas de modo claro e sem o caráter popular que um denuncismo costuma provocar. Verdade é que muitas vezes parece que a palavra nesse caso é usada meramente como instrumento de marketing, onde se vendem produtos, os mais variados, quase na linha de uma onipotência da retórica, propalada por Górgias, e que efetivemente causa efeito como as colunas policiais dos jonrais. E isso não é um devaneio, já que foi defendido literalmente por Górgias: Aconteceu-me várias vezes acompanhar meu irmão à casa de algum doente que recusava uma droga ou que não queria ser operado a ferro e fogo, e sempre que as exortações do médico resultavam vãs eu conseguia persuadir o doente apenas com a arte da retórica. Que um orador e um médico andem juntos pela cidade que quiseres: se começar uma discussão em numa assembleia popular ou numa reunião para decidir qual dos dois deverá ser eleito médico, afirmo que o médico será anulado e que o orador será escolhido, se isso lhe agradar.21

Górgias vai além, exemplificando ainda mais: não são os engenheiros que decidem em um empresa, assim como o Ministro da Saúde não precisa ser médico, e o próprio Ministro da Educação não precisa ser Professor: “quem realmente decide não são os especialistas, mas aqueles que, graças à cultura e à arte da eloquência, são capazes de fazer-se ouvir e arbitrar.” 22 Essa onipotência da retórica é logo destruída, tanto por Platão quanto, mais ainda, por Aritóteles, que lembra muito bem que “tan absurdo sería aprobar a un matemático que empleara la persuasión como reclamar demonstraciones a un retórico”.23 É necessário destacar, portanto, que o saber algo, efetivamente, implica em saber o porquê, se alguém sabe e não sabe justificar, não sabe efetivamente, não compreende, não passa de possuidor frágil de uma informação que pode até servir para ser aprovado em um concurso ou na prova da OAB, e aí todo o debate sobre a questão atingir os níveis atuais. É informação apenas, ou o aprovado efetivamente compreende, detém o conhecimento? Ora, o conhecimento verdadeiramente é adquirido com a prática, de modo que desde já é preciso destacar que as provas, seja de concursos, seja da OAB, pretendem um mínimo suficiente para que alguém ingresse com responsabilidade na vida prática. Elas de todo modo não tem sequer o condão de impedir uma tragédia profissional, pois o sujeito que é aprovado pode, de todo modo, ser indolente e irresponsável em sua vida prática.

20

HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Trad. Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2009. p. 63. PLATÃO. Diálogos II: Górgias, Eutidemo, Hípias Maior, Hípias Menor. Tradução, textos complementares e notas de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007, 456 c. 22 REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. Martins Fontes: São Paulo, 2000. p. 15. 23 ARISTÓTELES. Ética a Nicómaco. Madrid: Cetnro de Estudios Poolíticos y Constitucionales, 1999. I, 1094, b. 21

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 O maior desafio do aprendiz que se vê diante de provas condicionantes, é conseguir ser aprovado nelas sem se deixar levar por condicionamentos e raciocínios matemáticos e formais, para alcançar a função humanizadora própria do Direito. As faculdades aqui precisam preparar os melhores para os melhores resultados, sendo que o significado de “melhor”, considerada a obra de Huxley, por exemplo, está vinculado à ordem posta pelo sistema. Melhores são aqueles que realizam bem as tarefas sem questionar, e assim, obedecem sem saber por que obedecem. Ora, não é esse tipo de jurista que a sociedade informacional e de comunicação necessita. Esse jurista sequer terá qualidades para a conciliação. Sem uma base dialética os argumentos encontram um terreno vazio, a fertilidade do terreno é fundamental para que, a partir da dialética, surja possibilidade de diálogo, e através de argumentos, um consenso resulado de um debate vigoroso sobre qual é a resposta certa (se se desejar ficar com Dworkin) – ou qual a melhor resposta para um problema. A incapacidade de justificar o saber que se sabe é inclusive identificado como irracionalidade. Ou seja, se alguém que diz saber não consegue, em realidade, justificar ou fundamentar o que sabe, está limitado a defender o que sabe de modo exclusivamente dogmático, e dessa forma, puramente irracional, pois não consegue ingressar em um debate onde precisa trazer argumentos que convençam o interlocutor, sequer consegue dar condições ao diálogo – e tais condições para a dialética são fundamentais, uma vez que os interlocutores é que devem estabelecê-las. Vale a pena lembrar que já em 1981 Orlando Gomes (GOMES, 1981, p. 7) critiocu severamente o ensino jurídico “ministrado por meio do árido e fatigante método formalístico e dogmático dos monólogos catedráticos de docentes imobilizados Duma posição didática que os petrifica em desoladora estagnação cultural”. Há muito tempo Lyra Filho (1985) já destacara o papel do estudante como protagonista, da sua formação, reforçando que é necessário discutir o que é o direito, antes de tudo. E dividia os docentes em três grupos de professores: os cegos, que são aqueles que reproduzem um determinado livro que deve ser decorado pelos alunos; os catedr’áulicos, que não vêem nada além da lei e a confundem com o direito; e os nefelibatas, aqueles que conhecem várias leis, doutrinas e teorias, porém desconhecem suas origens sociais (Lyra Filho, 1993). Como nos mostram os textos de Cícero, que sem dúvida, alunos produzidos pelo sistema nunca chegariam a ler, mas não porque os livros teriam sido proibidos, como na obra 1984, de Geroge Orwell, por exemplo, ou na obra de Aldous Huxley, mas simplesmente porque os alunos sequer vêem sentido em sua leitura. 24 E onde está a falha nessa ausência de sentido? No sistema? Nas instituições? Nos professores? No contexto histórico digital no qual o aluno se insere? As perguntas não param 24

Na busca por soluções rápidas, “o jovem, com honrosas exceções, não se dedica a questionar o porquê da existência das coisas. Simplesmente aceita o que a sua “tribo” fixa como sendo o comportamento e/ou a atitude desejada. Este comportamento, conforme os ditames “de sua gente de referência”, em algusn casos coloca o jovem de hoje atrelado a uma forma de falar e ao uso de uam linguagem que às vezes é incompreensível. Parece que esse indivíduo está imerso em uma “tribo”que, a sua vez, tem uma nova língua. No meio desse perfil de aluno encontram-se outros que conhecem o “dialeto” mas igualmente conhecem a língua bem falada e escrita. (…) O pluralismo decorrente de variados grupos étnicos gera uma diversidade no tocante à formação cultural do aluno. Enquanto alguns alunos foram educados para o debate de conceitos, outros, simplesmente, resignam-se a copiar o que acham que é o certo, sem qualquer senso crítico (PUGLIESE, 2005, p. 2). F A C U L D A D E

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 aqui, e, certamente, pretende-se encerrar apenas com a necessária reflexão sobre o papel de cada um nesse desafio, ou seja, encerrar com a pergunta, pois ela sempre vem antes da resposta (Gadamer, 1996): qual o papel de cada um na construção do conhecimento? Qual o papel de cada um na aplicação de um Direito que seja conciliador e responda às necessidades da realidade na qual se insere? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Ética a Nicómaco. Constitucionales, 1999. I, 1103, b, 5-25

Madrid:

Cetnro

de

Estudios

Poolíticos

y

FAGUNDES, Gustavo. Educação Superior Comentada – Análise da proposta da SERES/MEC para as novas DCN do curso de Direito. Em 30/06/2014, ABMES, Ano 2, Nº 13, de 24 a 30 de junho de 2014 disponível em http://www.abmes.org.br/abmes/noticias/detalhe/id/1092, acesso em 30/06/2014. CHUEIRI, Vera Karam de. Filosofia do Direito e modernidade: Dworkin e a possibilidade de um discurso instituinte de direitos. Curitiba: JM Editora, 1995. DEMO, Pedro. Ser professor é cuidar que o aluno aprenda. 7a. ed.. Porto Alegre: Mediação, 2010. DWORKIN, Ronald. Law’s empire. Londres: Fontana Press, 1986. __________. Los derechos en serio. Traduzido por Marta Guastavino. Barcelona: Ariel Derecho, 1995. GOMES, Orlando. Escritos Menores. São Paulo: Saraiva, 1981. HOLANDA, Ana Paula Araújo de. A Escola do Recife e seu papel na construção do ensino jurídico brasileiro: uma ruptura de paradigmas.IN CERQUEIRA, Daniel Torres; CARLINI, Angélica; FILHO, José Carlos de Araújo Almeida, org. 180 anos do ensino jurídico no Brasil. Campinas: SP, Milllenium Editora, 2007. P. XXXI e XXXII. HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Trad. Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2009. KRETSCHMANN, Ângela; OHLWEILER, Leonel Pires. Desencantamento do ensino jurídico: um paralelo com “O Admirável Mundo Novo”, de Huxley. Revista Jurídica do Cesuca. v.4, n. 6, jul/2014, p. 110-131, disponível em: http://ojs.cesuca.edu.br/index.php/dialogosdodireito/issue/view/34#.VFT4aodIgmU LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: Nova Cultural; Brasiliense, 1985.

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ANAIS DA VIII MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2014 ISSN – 2317-5915 _______. Por que estudar direito, hoje? Em: SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (org.). Introdução crítica ao direito. 4 ed. Brasília: UnB, vol. 1, 1993, p. 22-26. NEVES, A. Castanheira. Metodologia Jurídica - problemas fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 1993. 306p. NEVES, Antônio Castanheira. O Actual Problema Metodológico da Interpretação Jurídica – I. Coimbra: Coimbra, 2003. NOVAES, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional – Em Estado de Direito Democrático. Coimbra: Coimbra Editora, 2012.

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