Crises de 1929 e 2008 como crises sistêmicas do ciclo estadunidense de acumulação?

May 30, 2017 | Autor: Caio Aloe Matos | Categoria: International Relations, International Political Economy
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UniFMU FACULDADE DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

CAIO VICTOR ALOE DA SILVA MATOS

CRISES DE 1929 E 2008 COMO CRISES SISTÊMICAS DO CICLO ESTADUNIDENSE DE ACUMULAÇÃO?

SÃO PAULO 2016

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CAIO VICTOR ALOE DA SILVA MATOS

CRISES DE 1929 E 2008 COMO CRISES SISTÊMICAS DO CICLO ESTADUNIDENSE DE ACUMULAÇÃO?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Relações Internacionais da UniFMU, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais

Orientador: Prof. Me. Rodrigo Fernando Gallo

SÃO PAULO 2016

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A Globalização do Capital

Imaginar que existe algum mecanismo de ajuste automático e funcionamento perfeito que preserve o equilíbrio, bastando para isso que confiemos nas práticas do “laissez-faire” é uma fantasia doutrinaria que desconsidera as lições da experiência histórica sem apoio em uma teoria sólida.

John Maynard Keynes

1929: The Great Crash

[...] history repeats itself, that human folly and greed are much stronger forces in financial affairs than reason and restraint.

Seth Glickenhaus, Wall Street worker in 1929.

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AGRADECIMENTOS Agradeço aos que contribuíram e me auxiliaram de formas mais distintas para o resultado desse trabalho. Em primeiro lugar, agradeço ao professor Rodrigo Fernando Gallo, orientador, cuja dedicação, paciência, método de trabalho, provocação de perguntas e comentários durante todo o processo de desenvolvimento do trabalho, que me ajudou a aperfeiçoar a pesquisa e o resultado do projeto, e, finalmente, os retornos dos e-mails de forma rápida e com grandes explicações (didáticas), o que ajudou e facilitou o desenvolvimento desse projeto. Agradeço aos professores, José Olavo Leite Ribeiro e Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes, que de certa forma, me influenciaram com suas aulas e pensamentos, para a construção e elaboração desse projeto. Agradeço aos professores Luis Fernando Vitagliano, Luis Fernando de Paiva Baracho Cardoso, Simone Aparecida Jorge, Vinicius Ruiz Albino de Freitas, Bernardo Wahl Gonçalves de Araújo Jorge, Stella Christina Schrijnemaekers, que contribuíram para minha formação e que sempre terei o maior respeito e admiração, e aos professores Paulo Daniel Watanabe e Guilherme Antônio de Almeida Lopes Fernandes, que ministraram aula para minha turma durante mais da metade do curso. Faço um agradecimento para coordenador do curso de Relações Internacionais, Manuel Nabais da Furriela, que sempre se empenhou para melhorar a qualidade do curso, com eventos, parcerias, projetos acadêmicos, etc., e instigar ao aluno a estudar para se qualificar profissionalmente. Agradeço aos amigos que fiz durante todo esse curso - sem citar nomes, pois seria uma injustiça esqueça de citar alguém - que fizeram com que os 4 anos juntos, fossem, 4 anos de alegria, felicidade, risada e desespero mútuo em tempos de prova. Aos meus familiares que são a essência de minha vida. Minha mãe, Andrea, que sempre se dedicou para o meu melhor; minhas irmãs, Catharina e Carina, sempre me ajudaram ou apoiaram, independentemente de como isso foi manifestado; aos meus avôs, Marcia, Irma e José, que sempre me incentivaram ao estudo e aproveitar a vida.

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DEDICATÓRIA Àqueles são parte da minha vida, Minha mãe – Andrea -, pelo apoio, dedicação, preocupação, incentivo e por cuidar de mim, sozinha, durante todos esses anos e por ajudar a me tornar a pessoa que sou hoje; Minhas irmãs – Catharina e Carina -, que apesar de novas brigas, discussões e desentendimentos, no fundo, nos preocupamos uns com os outros; Minha amada cachorra – Calminha -, que nos deixou em 2015, mas que sempre estará em nossos corações. Sentiremos falta de você dormindo em nossas camas, principalmente quando batia sol; quando dominando o sofá e rosnava para qualquer pessoa que se aproximasse; por sentar com a gente no café-da-manhã, almoço e jantar, ou qualquer hora do dia, pois sempre queria comer; por ficar miando exaustivamente para pedir comida; e entre outras tantas memórias que ficarão conosco pelo resto de nossas vidas.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAA

Agricultural Adjustment Administration

AIG

American International Group

AMBAC

Ambac Financial Group

ARRA

American Recovery and Reinvestment Act

BIRD

Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BM

Banco Mundial

BRICS

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CCC

Civilian Conservation Corps

CDO

Collateralized Debt Obligation/ Obrigações de Dívidas Garantidas

CWA

Civil Works Administration

FDIC

Federal Deposit Insurance Corporation

FDR

Franklin Delano Roosevelt

FED

Federal Reserve System

Fitch

Fitch Ratings

FMI

Fundo Monetário Internacional

FSP

Financial Stability Plan

FST

Financial Stability Trent

HASP

Homeowners Affordability and Stability Plan

MBIA

Municipal Bond Insurance Association

Moody's

Moody's Investors Service

NIRA

National Industrial Recovery Act

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NLRB

National Labor Relations Board

NDB

New Development Bank

NR

National Recovery Administration

ONU

Organização das Nações Unidas

OTAN

Organização do Tratado do Atlantico Norte

PWA

Public Works Administration

RFC

Reconstruction Finance Corporation

S&P

Standard & Poor's

SEC

Securities and Exchange Commission

SSB

Social Security Board

WPA

Works Progress Administration

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: Metáfora do navio petroleiro ................................................................................ 36 Figura 1.1: Navio petroleiro em compartimentos ......................................................................... 36 Figura 1.2: Navio petroleiro sem compartimentos ........................................................................ 37

Figura 2: Cadeia de securitização ......................................................................................... 38 Figura 3: Sistema antigo hipotecário .................................................................................... 39 Figura 4: Novo sistema hipotecário ...................................................................................... 39 Figura 5: Combinação hipotecas e empréstimos ................................................................. 39 Figura 6: CDO ........................................................................................................................ 39 Figura 7: Venda de CDO para investidores ......................................................................... 40 Figura 8: Hipoteca de proprietário para investidores ao redor do mundo ....................... 40 Figura 9: Agências de classificação de risco......................................................................... 41 Figura 10: Empréstimos hipotecários ................................................................................... 42 Figura 11: Empréstimos subprime ....................................................................................... 42 Figura 12: CDO ...................................................................................................................... 43 Figura 13: AAA....................................................................................................................... 43

LISTA DE GRÁGICOS Gráfico 1: Número de falências de banco ............................................................................ 26 Gráfico 2: Número de desempregados em % ...................................................................... 28

LISTA DE TABELAS Tabela 1: Oscilação da produção industrial ........................................................................ 27 Tabela 2: Investimento em % ................................................................................................ 27

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Sumário 1.

Aspectos de fundamentação sobre as crises financeiras estadunidenses ................... 13 1.1.

Introdução à questão de pesquisa e objeto ........................................................................ 13

1.2.

O pensamento acerca do sistema e economia política internacional: teorias ................ 14

1.2.1.

O modelo de análise proposto para o ciclo sistêmico: fórmula DMD’ ................... 15

1.3.

A liderança hegemônica liberal .......................................................................................... 17

1.4.

O moderno sistema de estados ........................................................................................... 22

1.5.

Perspectivas finais do capítulo ........................................................................................... 23

2. O método e descrição interpretativa: as crises de 1929 e 2008, e os ciclos sistêmicos de acumulação ......................................................................................................................... 25 2.1.

2.1.1.

Contexto histórico ....................................................................................................... 25

2.1.2.

O Partido Republicano e a elite financeira (1923-1933) .......................................... 27

2.1.3.

Acumulação de capital, DM: dados de 1929 e a expansão material ....................... 31

2.1.4.

Partido Democrata: o intervencionismo estatal para recuperação da economia .. 33

2.2.

Crise de 2008, crise terminal? ............................................................................................ 35

2.2.1.

Contexto Histórico....................................................................................................... 35

2.2.2.

O Partido Republicano e a elite financeira (1981-1989) .......................................... 38

2.2.3.

Acumulação financeira, MD': dados de 2008 e a expansão financeira................... 39

2.2.4.

Partido Democrata: o intervencionismo estatal para recuperação da economia .. 47

2.3.

3.

Crise de 1929, crise sinalizadora? ...................................................................................... 25

Perspectivas finais do capítulo ........................................................................................... 48

A ascensão da China e o fim do ciclo estadunidense? .................................................. 50 3.1.

Estados Unidos .................................................................................................................... 50

3.2.

China .................................................................................................................................... 51

Referências .............................................................................................................................. 55 Referência Bibliográfica ................................................................................................................. 55 Referência Eletrônica...................................................................................................................... 56 Referência em Vídeo ....................................................................................................................... 57

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INTRODUÇÃO O objetivo central desse trabalho é estudar a Grande Recessão estadunidense de 2008 de modo a realizar uma comparação com a Grande Depressão de 1929, com intuito de verificar se há repetições de condições econômicas e políticas, que se caracterizam como uma crise sistêmica do capitalismo, conforme aponta a Teoria dos Ciclos Sistêmicos de Giovanni Arrighi. Em primeiro lugar é sabido que o século XX, correspondente ao ciclo estadunidense, e a um período de “uma crise econômica mundial de profundidade sem precedentes” (HOBSBAWM, 2014, p. 16-17), caracterizado pela Crise de 1929. Após 8 (oito) décadas da crise dos anos 1929/ 1930, ocorre uma nova crise mundial, com as mesmas características e os mesmos processos que levaram à Grande Depressão de 1929. Exemplos dessas características, podemos colocar como: a) o capitalismo liberal democrático dos Estados Unidos; e b) e a falta ou “as políticas frouxas do FED” (TAVARES, 2009, p.1) Arrighi utiliza os ciclos sistêmicos de acumulação para mostrar que “(...) longos períodos de crise, reestruturação e reorganização (...) têm sido muito mais típicos da história da economia capitalista (...)” (ARRIGHI, 2013, p. 1). Com isso, Arrighi (2013) utiliza a essência do capitalismo histórico de longue durée de Fernand Braudel para explicar os momentos de expansão e crise econômica. Sendo assim, é possível afirmar que as crises de 1929 e 2008 podem ser consideradas etapas do processo do caos sistêmico? No decorrer dos séculos, é possível observar períodos de crises financeiras ao redor do globo. O impacto é sentido pelo Estado, Empresas e pessoas da sociedade civil, sendo essa o mais impactado durante esses períodos de crise. Sendo assim, é necessário estudar se há algum agente ou processo que desencadeie tais crises financeiras, sendo que nesse trabalho será analisado às crises de 1929 e 2008, e se há alguma relação entre si. O objetivo geral desse trabalho é estudar a Grande Recessão estadunidense de 2008 de modo a realizar uma comparação com a Grande Depressão de 1929, com intuito de verificar se há repetições de condições econômicas e políticas, que se caracterizam como uma crise sistêmica do capitalismo, conforme aponta a Teoria dos Ciclos Sistêmicos de Giovanni Arrighi. O objetivo específico desse projeto é definir a Teoria dos Ciclos Sistêmicos de Acumulação, pontuando sua origem e seus antecedentes. Será apresentado a crise de 1929 e 2008, com objetivo de apresentar seu contexto histórico e a conjuntura da época; será

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realizado uma comparação entre as crises de 1929 e 2008, com a finalidade de verificar se ambas podem ser consideradas crises sistêmicas, conforme teoria dos ciclos sistêmicos de Arrighi; pretende-se discutir, o motivo pelo qual ainda o ciclo sistêmico estadunidense continua; por fim, iremos a presentar o possível quinto estado a ser o próximo ciclo de acumulação: a China. O

Capítulo

1,

“Aspectos

de

fundamentação

sobre

as

crises

financeiras

estadunidenses”, aborda os aspectos teóricos do ciclo sistêmico de acumulação. Inicialmente, iremos introduzir à questão de pesquisa e objeto, depois o pensamento acerca do sistema e economia política internacional, através de teorias como a Doutrina da Harmonia de Interesses e em seguida o modelo de análise proposto para o ciclo sistêmico, utilizando-se a fórmula DMD’de Karl Marx. Em seguida discutiremos os aspectos da liderança hegemônica liberal e por fim, o moderno sistema de estados. O Capítulo 2, “O método e descrição interpretativa: as crises de 1929 e 2008, e os ciclos sistêmicos de acumulação”, aborda o método utilizado para a descrição e interpretação das crises de 1929 e 2008. Inicialmente iremos verificar a Crise de 1929, com seu contexto histórico, os atores relevantes que levaram à crise, como o Partido Republicano e a elite financeira, depois iremos abordar a fase do capital DM de Karl Marx através de dados da Crise de 1929, em seguida, iremos verificar a atuação do Partido Democrata, através do intervencionismo estatal para recuperação da economia. Por fim, iremos verificar a Crise de 2008, através dos mesmos aspectos da crise de 1929, porém através da análise da fase de expansão financeira MD’ de Karl Marx.

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1. Aspectos de fundamentação sobre as crises financeiras estadunidenses 1.1. Introdução à questão de pesquisa e objeto Com a crise financeira de 2008, voltou-se a pensar como a atuação da política pode afetar a economia ou como a atuação da economia pode afetar a política. Para Gilpin (2002), há uma interação recíproca entre a economia e a política, e que a ação de um afeta o outro, e vice-versa. Tais ações – interação recíproca entre o estado e o mercado, e o mercado e o estado acabam por afetar, diretamente, estados, organizações internacionais, organizações não governamentais, empresas globais, internacionais, multinacionais e transnacionais1, além dos indivíduos que formam o tecido da sociedade civil. Um exemplo dessa interação recíproca entre estado e mercado, primeiramente sob a ótica do estado, é como o estado pode influir, sob os processos políticos, de modo a afetar a distribuição de riqueza e a distribuição dos seus custos e seus benefícios. Já um exemplo para o mercado é como os efeitos econômicos podem afetar a distribuição de poder e bem-estar entre os estados. Alguns autores de correntes marxistas e realistas tentam explicar o real motivo de tais crises. São eles: Bernanke (2000), Souza (2009), Arrighi (2013), Gazier (2014), Hobsbawm (2014), entre outros. Esse trabalho terá como base o trabalho acadêmico de Giovanni Arrighi, sobre os ciclos sistêmicos de acumulação, tendo como base os escritos de Karl Marx e, fundamentalmente, de Fernand Braudel, além de autores de influência realista, tais como Robert Gilpin e Edward Carr. A importância de Arrighi para esse trabalho, conforme dito acima, é seu trabalho sobre os ciclos sistêmicos de acumulação, retirado de sua obra O longo século XX. Arrighi demostra em sua obra que períodos de crises são mais comuns do que se aparenta ser. Isso porquê certa potência hegemônica perde poder e em seu lugar surge uma nova hegemonia, e seu ciclo dura, em média, um século e meio, pois “embora adquiram uma duração progressivamente mais curta, todos duram mais de um século [...]” (ARRIGHI, 2013, p. 6). O livro de Arrighi – O longo século XX - é a base de nosso trabalho.

1 Para saber maiores informações sobre a diferença entre Multinacional, Global, Internacional e Transnacional, consultar BARLETT, Christopher. Gerenciando Empresas no Exterior.

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A importância de Gilpin é com seu livro A economia política das relações internacionais. Nessa obra, Gilpin identifica que há uma interação recíproca entre estado e mercado - e isso é confirmado em Arrighi (2009), pois para o autor, o capitalismo (mercado) só prospera quando se identifica com o estado -, já sua teoria da estabilidade hegemônica, Gilpin identifica três características essenciais para que um estado permaneça como hegemonia e liderança no sistema internacional. Essa obra é um complemento para o estudo dos ciclos sistêmicos de Giovanni Arrighi, sob a ótica realista. Esses estudos serão apresentados abaixo. Já para Edward Carr, sua importância é o livro Vinte anos de crise 1919-1939, em seu tópico sobre a doutrina da harmonia de interesses. O ponto de relevância dessa teoria é como a potência hegemonia faz para que os outros estados aceitem e façam algo em benefício dessa própria hegemonia. Essa doutrina é um complemento para uma das três características de Robert Gilpin, que será apresentado abaixo. Nesse primeiro capítulo, iremos revisar a bibliografia acerca da Teoria dos Ciclos Sistêmicos, de modo a explicar o comportamento do sistema internacional e da economia política internacional. 1.2. O pensamento acerca do sistema e economia política internacional: teorias Períodos de crises mundiais e regionais têm sido cada vez mais frequentes na história mundial - como por exemplo o Pânico de 1873, com ponto de início a falência da Jay Cooke and Company nos Estados Unidos, a crise dos trinta anos 1914-1945, em decorrência da Primeira Guerra Mundial, crises do petróleo de 1973-1979, dentre outras-, sendo de maior impacto, as grandes crises de nosso tempo, sendo a do século XX a Grande Depressão de 1929 e a do século XXI a Grande Recessão de 2008, que perdura até os dias atuais. Em primeiro lugar, segundo Hobsbawm (2014, p. 91), a crise de 1929, tendo os Estados Unidos como “epicentro deste que foi o maior terremoto [...]” (HOBSBAWM, 2014, p. 91) econômico jamais visto, sentido por homens e mulheres que realizavam transações impessoais de mercado, sendo a maior questão do momento era como recuperar a economia. Para Souza (2009, p. 33), a quebra da bolsa de Nova Iorque deflagrou a crise. Porém, cabe ressaltar que os Estados Unidos viviam um período de expansão que durava oito anos e que, [...] depois de uma depressão curta de 1920 a 1921 a América iniciou aquele boom de oito anos que iria levar o volume físico de produção em 1929 a 34% acima do nível de 1922 e cerca de 65% acima do nível de 1913.

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Tão grande foi a taxa de construção nova que, entre 1925 e 1929, apenas a procura de máquinas-ferramentas nos Estados Unidos cresceu quase 90% e aquela do equipamento de fundição quase 50%. (SOUZA, 2009, p.33 apud DOBB, 1976, p. 404-5).

Portanto, para Souza (2009, p. 33) a crise de 1929 é resultado de um processo de expansão. “Mais precisamente, suas causas nascem e se desenvolvem precisamente no período de expansão”. (SOUZA, 2009, p. 33) Já a crise de 2008, os Estados Unidos, novamente, foi o epicentro da crise econômica, com certas características da crise de 1929 – que serão abordados no capítulo 2 -, porém, segundo Piketty (2014, p. 460), com menores proporções e, por isso, passou a ser chamada de Grande Recessão. Piketty (2014, p. 460) aponta que a crise de 2008 não chegou a ser uma depressão, devido os governos e bancos centrais “não deixaram o sistema financeiro ruir” (PIKETTY, 2014, p. 460), diferentemente que aconteceu com o governo republicano de Herbert Hoover na década de 1920, que possuía a mentalidade de que “[...] os negócios mal geridos deveriam ser liquidados [...]”. (PIKETTY, 2014, p. 460). Giovanni Arrighi, marxista e doutor em economia pela Universitá Bocconi, possui a tese de que “longos períodos de crise, reestruturação e reorganização [...] têm sido muito mais típicos da história da economia capitalista mundial [...]”. Sendo o objetivo de seu trabalho, “identificar as condições sistêmicas [...] caso ela ocorra, como pode se dar [...]”. (ARRIGHI, 2013, p. 1) Portanto, o ponto de partida da análise de Arrighi (2013, p. 4) é identificar que o capitalismo histórico, ao longo de sua existência, possui características de flexibilidade e capacidade de adaptação. O conceito “ao longo se sua existência”, ou capitalismo de longue durée, foi retirado do historiados francês, Fernand Braudel2. 1.2.1. O modelo de análise proposto para o ciclo sistêmico: fórmula DMD’ O modelo utilizado por Arrighi (2013, p. 5) em seus estudos acerca do processo da flexibilização e adaptação do capital vem da fórmula geral para o capital de Karl Marx: DMD’. Sendo a fórmula melhor compreendida como: 2 Foi um historiador francês, nascido em 24 de agosto de 1902 e falecido em 27 de novembro de 1985. Formado pela Universidade de Sorbonne, foi um dos importantes membros da Escola dos Annales. A Escola dos Annales, assim como Braudel, foram os fundadores da Nova História. Os membros da Escola dos Annales criticavam o modelo metódico de histórica e introduzem um novo modelo de história, que se dá através da introdução das ciências sociais no estudo de história.

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O capital-dinheiro (D), significa liquidez, flexibilidade e liberdade de escolha. O capital-mercadoria (M) é o capital investido numa dada combinação de insumo-produto, visando o lucro; portanto, significa concretude, rigidez, e um estreitamento ou fechamento de opções. D’ representa a ampliação da liquidez, da flexibilidade, e da liberdade de escolha. (ARRIGHI, 2013, p. 5, grifo do autor).

A interpretação que podemos tirar dessa da fórmula geral do capital de Marx é que, o investidor, com objetivo de conseguir sua mais-valia3 (o lucro), tende a “assegurar uma flexibilidade e liberdade de escolha ainda maiores” (ARRIGHI, 2013, p. 5) ao capital. Entretanto, segundo Arrighi (2013, p. 5), quando a expectativa da liberdade de escolha é frustrada, o capital retorna a formas mais flexíveis de investimento, sendo esse um sintoma de maturidade de desenvolvimento capitalista. Sendo assim, o pensamento de Arrighi (2013, p. 6) retrata a fórmula de Marx, como sendo parte de um padrão do capitalismo histórico, presente no sistema mundial, tendo como aspecto fundamental desse padrão a alternância das épocas de expansão material. O trecho a seguir melhor constrói a ideia da fórmula de Marx, como parte do padrão do capitalismo histórico: O aspecto central desse padrão é a alternância de épocas de expansão material (fases DM de acumulação de capital), com fases de renascimento e expansão financeira (fases MD’). Nas fases de expansão material, o capital monetário “coloca em movimento” uma massa crescente de produtos (que inclui a força de trabalho e dádivas da natureza, tudo transformado em mercadoria); nas fases de expansão financeira, uma massa crescente de capital monetário “liberta-se” de sua forma mercadoria, e a acumulação prossegue através de acordos financeiros [...]. Juntas, essas duas épocas, ou fases, constituem um completo ciclo sistêmico de acumulação (DMD’). (ARRIGHI, 2013, p. 6).

Portanto, a ideia dos ciclos sistêmicos de acumulação de Arrighi (2013, p. 8) deriva do pensamento de que o capitalismo possui a flexibilidade para deslocar seus investimentos, que enfrentam redução, para locais onde não existe essa situação.

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Karl Marx define a mais valia como Na produção de mercadorias, nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. Tem dois objetivos. Primeiro, quer produzir um valor-de-uso, que tenha um valor-de-troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. E segundo, quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-la, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado. Além de um valor-de-uso quer produzir mercadoria, além de valor-de-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais valia). (MARX, s.d., p. 5).

Ou seja, a mais valia é a diferença entre a força de trabalho e o valor produzido pelos próprios trabalhadores.

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1.3. A liderança hegemônica liberal Até o presente momento foi apresentado o cerne da teoria de Giovanni Arrighi sobre os ciclos sistêmicos de acumulação, tendo como principal ponto a fórmula da teoria geral do capital – DMD’4 - de Karl Marx. Agora, serão apresentadas as condições para que possa ocorrer o desenvolvimento e expansão de uma economia capitalista mundial. Entretanto, como será abordado a seguir, segundo Arrighi (2013, p. 10) – também por Gilpin (2002) e Kindleberger (1981) -, é necessário que a economia capitalista mundial possua a liderança de um bloco de agentes governamentais e empresariais que possuam a capacidade de promover, organizar, regular e expandir a economia mundial. Sem uma liderança mundial ou hegemônica, o desenvolvimento da economia capitalista torna-se inviável. Para Arrighi, o sistema capitalista mundial, com sua construção e reprodução, só é possível, graças ao processo de formação do moderno sistema de estados e com a formação do mercado. Segundo Arrighi (2010, p. 10), a expansão do capitalismo está dependente do poder estatal, criando-se, assim, a antítese da economia de mercado, pois segundo a ideia de economia de mercado os agentes econômicos gozam de certa autonomia pois há pouca interferência governamental nos assuntos econômicos. O trecho a seguir demostra essa ideia [...] em sua primeira grande fase, a das cidades-estados italianas de Veneza, Gênova e Florença, o poder estava nas mãos da elite endinheirada. Na Holanda do século XVII, a aristocracia dos Regentes governou em benefício dos negociantes, mercadores e emprestadores de dinheiro, e até de acordo com suas diretrizes. Do mesmo modo, na Inglaterra, a Revolução Gloriosa de 1688 marcou uma ascensão dos negócios semelhantes à da Holanda. (ARRIGHI, 2010, p.11-12 apud BRAUDEL, 1977, p. 64-65).

Entretanto, podemos pensar que, na verdade, existe uma interação recíproca entre estado e mercado, como aponta Robert Gilpin, pois “[...] ausente o estado, o mecanismo dos preços e as forças do mercado determinariam o resultado das atividades econômicas [...] Na ausência do mercado, os recursos econômicos seriam distribuídos pelo estado, ou um seu equivalente”. (GILPIN, 2002, p. 25). Como veremos do capítulo 2, a interação entre estado e mercado através de ideologias políticas - como por exemplo, os presidentes estadunidenses Calvin Coolidge e Herbert Hoover, ambos do Partido Republicano, pregavam que não era função do estado interferir nos

4 Segundo Arrighi, a fórmula DMD’, ou ciclo sistêmico de acumulação é junção de duas épocas ou fases, sendo elas: épocas de expansão material (fases DM de acumulação de capital), com fases de renascimento e expansão financeira (fases MD’). (ARRIGHI, 2013, p. 6).

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assuntos econômicos -, e políticas liberais - como falta de regulamentação do FED (banco central estadunidense), existências de pequenos bancos, proibindo a criação de filial bancária em outras regiões -, fizeram com que ocorressem as crises de 1929 e 2008. Não só isso, mas podemos colocar a crise de 1929 como crise sinalizadora da fase DM 5 da fórmula geral do capitalismo histórico; e a crise de 2008 como crise finalizadora da fase MD’6 da fórmula geral do capitalismo histórico respectivamente. Gilpin (2002, p. 26) dá alguns conceitos sobre a interação entre o estado e o mercado. Referente ao estado, como, através de suas políticas internas, pode interferir no processo de distribuição de riqueza, ou como interesses políticos influem sobre atividades econômicas. Na questão do mercado, como pode afetar a distribuição do poder e bem-estar. Em suma, podemos dizer que “[...] o estado influencia profundamente o resultado das atividades do mercado [...], assim como as regras que regulam a conduta econômica”. (GILPIN, 2002, p. 27). Do mesmo modo que “[...] o próprio mercado é uma fonte de poder que influencia os resultados políticos. A dependência econômica cria uma relação de poder que é fundamental na economia mundial contemporânea [...]” (GILPIN, 2002, p. 27). Avançando em seus estudos, Arrighi (2013, p. 27) identifica o motivo pelo qual o declínio de um poderio mundial ocorre, e como ocasiona a ascensão e a queda de uma hegemonia mundial, que segundo o autor se distingue de dominação. Arrighi entende hegemonia mundial, como algo que [...] refere-se especificamente à capacidade de um Estado exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas [...], entretanto, o governo de um sistema de Estados soberanos sempre implicou algum tipo de ação transformadora, que alterou fundamentalmente o modo de funcionamento do sistema. (ARRIGHI, 2013, p. 27)

Já o conceito de dominação, segundo Arrighi, é “[...] o poder associado à dominação, ampliada pelo exercício da ‘liderança intelectual e moral’ [...]” (ARRIGHI, 2013, p. 28). Ou seja, a dominação é exercida através da coerção, enquanto a hegemonia é “ [...] conquistado por um grupo dominante, em virtude de sua capacidade de colocar num plano ‘universal’ todas as questões que geram conflito” (ARRIGHI, 2013, p. 28). 5 Fases DM de acumulação de capital. Nas fases de expansão material, o capital monetário “coloca em movimento” uma massa crescente de produtos (que inclui a força de trabalho e dádivas da natureza, tudo transformado em mercadoria). (ARRIGHI, 2013, p. 6). 6 Fases de renascimento e expansão financeira (fases MD’). Nas fases de expansão financeira, uma massa crescente de capital monetário “liberta-se” de sua forma mercadoria, e a acumulação prossegue através de acordos financeiros [...]. Juntas, essas duas épocas, ou fases, constituem um completo ciclo sistêmico de acumulação (DMD’). (ARRIGHI, 2013, p. 6).

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Agora, para completar a ideia de condição para um estado ser hegemônico, iremos utilizar trechos de Arrighi e Gilpin, pois o estado, ao não possuir tais características, fica cada vez mais evidente que este deixa de ser hegemônico, fazendo com que outro estado surja para preencher o vácuo de poder deixado pela antiga hegemonia. Giovanni Arrighi (2013, p. 29) identifica que há um duplo sentido na palavra liderança, na relação de poder entre os estados. Para Arrighi, o estado exerce a dominação, quando este é o estado hegemônico, liderando esse sistema de estados em prol de seu próprio interesse, mas interpretado como a busca de um interesse geral. Essa ideia de buscar o interesse geral, mas com fundo de busca de seus próprios interesses, será desenvolvido em breve, sob a ótica de Edward Carr, que em seu livro Vinte anos de crise 1919-1939 utiliza o termo harmonia de interesses para criticar o liberalismo utópico, mas para esse caso, será utilizado para entender as ações da potência hegemônica. Arrighi (2013, p. 29) desenvolve que há uma dupla interpretação no sentido da palavra liderança. Pois, Um Estado dominante exerce uma função hegemônica quando lidera o sistema de Estados numa direção desejada e, com isso, é percebido como buscando um interesse geral. [...] Mas um Estado dominante também pode liderar no sentido de atrair os demais para sua própria via de desenvolvimento (ARRIGHI, 2013, p. 29).

Ou seja, para ser hegemônico, o estado não deve ir ao encontro da busca pura pelo poder ou poder econômico. Deve haver a busca por um “interesse geral”, sendo o estado hegemônico o condutor do sistema internacional em busca desse interesse. É possível ser “mundialmente hegemônica por estar apto a alegar, com credibilidade, que é a força motriz de uma expansão geral do poder coletivo dos governantes [...]”. (ARRIGHI, 2013, p. 29-30). Robert Gilpin apresenta a teoria da estabilidade hegemônica - através de uma perspectiva nacionalista/ realista -, que diz que “uma economia mundial liberal exige a presença de uma potência dominante ou hegemônica” (GILPIN, 2002, p. 92). Abaixo, serão apresentadas três características fundamentais para que tal ordem (liberal) mundial exista. Sem essas características, a manutenção de ordem liberal pela potência hegemônica, como a Genovesa, a Holandesa, a Britânica e a Estadunidense, por exemplo, seria difícil de existir. A primeira característica para a existência de uma economia mundial liberal é a existência de uma potência hegemônica. Para Gilpin (2002, p. 92), sem a presença de um poder hegemônico que possua capacidade de elaborar, estabelecer e implementar normas e regras de uma ordem econômico liberal, esse sistema econômico tende a enfraquecer. A

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ordem econômica liberal não consegue florescer e se desenvolver sem a existência de um poder hegemônico. A segunda característica para a existência de uma economia mundial liberal é a necessidade, por parte da potência hegemônica, de compromisso com valores liberais. Para Gilpin (2002, p. 93), não basta a existência de um poder hegemônico. É imprescindível que a potência hegemônica exerça compromissos de cunho liberal. O trecho a seguir melhor demostra essa ideia [...] a potência econômica hegemônica desempenha uma variedade de papéis cruciais para o funcionamento da economia mundial. Usa sua influência para criar regimes internacionais definidos simplesmente como ‘princípios, normas, regras e procedimentos decisórios em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em uma certa temática’ [...] O regime prescreve condutas legítimas e proíbe condutas ilegítimas, com o objetivo de limitar os conflitos, assegurar equidade ou facilitar acordo [...] O poder hegemônico precisa impedir a fraude e a ação dos ‘caronas’, impor as regras de uma economia liberal e estimular os outros a participar no custeio da manutenção do sistema. O padrão-ouro do século XIX e o sistema de Bretton Woods depois da Segunda Guerra Mundial são exemplos notáveis de um regime econômico no qual a potência hegemônica determina e aplica as regras de um regime de mercado liberal [...] (GLIPIN, 2002, p. 95 apud KRASNER, 1982, p. 185).

A terceira característica para a existência de uma economia mundial liberal é a necessidade que haja interesse comum dos outros estados em fazer parte dessa ordem econômica. Para Gilpin (2002, p. 93), é necessário haver apoio das potências menores à causa do sistema liberal. Deve haver o interesse pelas potências menores na ampliação desse sistema. A potência hegemônica não pode obrigar os outros estados a fazer parte desse sistema. Sendo assim, a forma com que os estados menores possam fazer parte desse sistema é através da cooperação, e não coerção por parte da potência hegemônica. Para que essa terceira característica seja exercida e aceita, para Gilpin (2002, p. 93), a potência hegemônica deve utilizar de sua crença em sua legitimidade para manter tal ordem econômica mundial liberal, fazendo com que as potências menores “aceitem a regra proposta pela potência hegemônica” (GILPIN, 2002, p. 93), com argumento que “uma economia de mercado aberto representa um bem coletivo ou público”. (GILPIN, 2002, p. 94). Tal crença de que a economia mundial liberal seja exercida pela potência hegemônica, em prol do “bem coletivo comum ou público” (GILPIN, 2002, p. 94), pode ser entendido e interpretado como harmonia de interesses de Edward Carr, mas com uma ressalva. Carr utilizou o conceito de harmonia de interesses para criticar o pensamento utópico ou liberal. Já o conceito tendo como base a definição de Carr de harmonia de interesses tem como ideia que a potência hegemônica utiliza o discurso do bem comum e livre comércio para permanecer na

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liderança do sistema econômico liberal. O conceito de harmonia de interesses desenvolvido por Edward Carr será desenvolvido mais abaixo. Charles Kindleberger, economista e doutor pela Columbia University, em seu artigo de 1981, denominado Dominance and Leadership in the International Economy, realiza uma breve definição e distinção entre domínio e liderança. Dominação, segundo Kindleberger (1981, p. 243), é quando um país A domina o país B, e esse deve estar ciente do acontecido. Porém, o país A ignora qualquer ação do país B. No original Um país, empresa ou pessoa domina a outra, quando a outra tem conhecimento o que a primeira entidade fez, mas a primeira pode igualmente ignorar a segunda. (KINDLEBERGER, 1981, tradução minha).7

Já liderança, segundo Kindleberger (1981, p. 243), é quando um país realiza persuasão perante outros países, com objetivo de não realizar os interesses dos outros países, mas do país em liderança. Neste caso, os países persuadidos não estão claramente independentes. No original Liderança pode ser pensado, a priori, como persuadir os outros a seguir determinado curso de ação, que não pode ser o caminho de seu próprio interesse, se fosse verdadeiramente independente. Isso tem grandes elementos de pressão política e suborno. Sem isso, no entanto, pode haver uma quantidade inadequada de bens públicos produzidos. 8 (KINDLEBERGER, 1981, tradução minha).

Edward Carr (1981, p. 105) desenvolve a doutrina da harmonia de interesses que, segundo sua lógica, é utilizada por uma classe privilegiada ou grupo privilegiado, que possui voz dominante na comunidade e utiliza desse privilégio para fazer seus interesses como interesses da comunidade. Segundo Carr (1981, p. 100), o liberal ao utilizar a doutrina da harmonia de interesses, inconscientemente, estará vestindo seu próprio interesses como o de interesse universal, com o único objetivo de impor ao mundo. A potência liberal utiliza o discurso que “o que é o melhor para o mundo é melhor para seu país e, então, inverte o argumento para ler que o que é melhor para seu país é melhor

7 one country, firm, or person dominated another when the other had to take account of what the first entity did, but the first could equally ignore the second. (KINDLEBERGER, 1981, p. 243). 8 Leadership may be thought of at first blush as persuading others to follow a given course of action which might not be in the follwer’s short-run interest if it were truly independente. [...] it has Strong elements of both arm-twisting and bribery. Without it, however, there may be na inadequate amount of public goods produced. (KINDLEBERGER, 1981, p. 243).

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para o mundo”. (CARR, 1981, p. 100). Essa é a proposta lógica da potência hegemônica, que Carr definiu como cinismo inconsciente. Esse cinismo inconsciente é uma arma para a potência hegemônica exercer sua influência perante os outros estados e possui ligação direta com o terceiro ponto da teoria da estabilidade hegemônica de Robert Gilpin. 1.4. O moderno sistema de estados Como mencionado acima, através dos estudos de Arrighi, a formação do moderno sistema de estados foi um dos pontos essenciais para a formação e consolidação de uma economia capitalista. Agora, iremos apresentar alguns pontos que o autor destaca como essenciais para um sistema de estados, dentro da lógica capitalista. Primeiramente, é preciso relembrar que, para Arrighi (2013, p. 11), o mais importante é a interação entre o estado e o capital como fontes essenciais para o moderno sistema de estados, não a transição do feudalismo para o capitalismo. Arrighi (2013, p. 37-38) identifica alguns aspectos fundamentais para o sistema de estados, que serão apresentados abaixo, mas não em sua totalidade. 1) Primeiro aspecto: subsistema de estados, ou as cidades-estados, criou um sistema capitalista de gestão do estado e da guerra. Para Arrighi (2013, p. 37), Veneza foi um exemplo claro, pois detinha de oligarquias mercantis capitalistas. Ou seja, detinha, firmemente o poder do estado, e o poder executivo em prol do estado capitalista. 2) Segundo aspecto: equilíbrio de poder. Para Arrighi (2013, p. 37-38), o equilíbrio de poder é responsável por promover o governo capitalista, pois a) organiza a geopolítica para estabelecer o sistema capitalista, que segundo a visão de Arrighi (2013, p. 37), o equilíbrio de poder durante o período medieval “as autoridades centrais do sistema medieval (o papa e o imperador) ajudou que um enclave capitalista organizado se estabelecesse no norte da Itália” (ARRIGHI, 2013, p. 37); b) garante a ascensão de uma lógica capitalista, que segundo a visão de Arrighi (2013, p. 37-38), o equilíbrio de poder “entre os Estados dinásticos emergentes da Europa Ocidental ajudou a impedir que a lógica do território cortasse pela raiz a ascensão de uma lógica capitalista no interior do sistema europeu de governo” (ARRIGHI, 2013, p. 37-38 apud METTINGLY, 1988; MCNEILL, 1984, cap. 3)

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Portanto, o estado deve manipular o equilíbrio de poder sempre em benefício próprio. Tanto para fins militares, como econômicos. 1.5. Perspectivas finais do capítulo A importância desse capítulo foi apresentar a base teórica de sustentação do trabalho, apresentando conceitos chaves para desenvolvimento do ciclo estadunidense de acumulação e que serão base para o ciclo estadunidense, que será desenvolvido do próximo capítulo. A importância de demonstrar e explicar a fórmula marxista do capital é entender o conceito por trás da fórmula e em qual momento do ciclo as crises de 1929 e 2008 se encontram. No capítulo 2 iremos mostrar que a crise de 1929 se encontra na fase DM de expansão do capital, enquanto a crise de 2008 se encontra na fase MD’ de expansão financeira. Outro ponto de relação entre a base teórica de sustentação e os acontecimentos das crises de 1929 e 2009 é que a expansão econômica capitalista ocorre devido ao surgimento do moderno sistema de estado - sustentando tal sistema - com a interação recíproca do mercado, sendo como ponto essencial para a consolidação do capitalismo, é o poder econômico nas mãos das elites financeiras. Nas crises de 1929 e 2008, como será apresentado no próximo capítulo, as elites financeiras detinham de acesso privilegiado aos governos dos presidentes estadunidenses, influenciando em suas decisões sobre política econômica. Outro aspecto importante que deve ser mencionado é que na base de sustentação teórica foi dito da necessidade da hegemonia. Mas a hegemonia de ter capacidade de liderança e governo, mas também com capacidade de dominação, ou seja, liderança de coerção. Podemos adiantar, conforme será apresentado no capítulo 2, os Estados Unidos, como hegemonia, lideraram o sistema financeiro internacional no pós-Segunda Guerra Mundial, através do sistema de Bretton Woods, utilizando o dólar como moeda a ser conversível em ouro. Na mesma linha de raciocínio, conforme apresentado na base teórica de sustentação, foi apresentado a Teoria da Estabilidade Hegemônica, na qual para a existência de uma economia liberal, é necessário de uma hegemonia, sendo que essa hegemonia tenha compromissos liberais. Porém, é necessário, também, que os outros estados partes deste sistema, tenham interesse nessa ordem econômica liberal. Os Estados Unidos, conforme será apresentado no capítulo 2, utilizaram de seus preceitos liberais para exercer a hegemonia no sistema internacional. A própria criação do sistema de Bretton Woods é um exemplo, pois

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houve a “preocupação” (harmonia de interesses) por parte dos Estados Unidos em reerguer a Europa no pós-Segunda Guerra Mundial. Conforme apresentado no capítulo 1 e de importância para o desenvolvimento do capítulo dois é que, a potência hegemônica deve utilizar de sua crença em sua legitimidade para manter a ordem econômica liberal, utilizando o argumento que uma econômica liberal é um bem coletivo ou público. Os anos que antecederam as crises de 1929 e 2008 são um exemplo dessa argumentação, pois, como será apresentado no capítulo dois, os Estados Unidos expressaram o liberalismo econômico com forma ideal para o interesse geral, pois o liberalismo tem com alicerces a prosperidade do indivíduo. É dessa forma que a potência hegemônica consegue administra a economia liberal mundial, na crença de suas ações e que a economia liberal é um bem coletivo. Mas como será apresentado no capítulo dois, as políticas adotadas, principalmente, pelo Partido Republicano, e identificado, apenas, no governo do Partido Democrata de Clinton, causaram ou deram início ao processo que levaram as crises econômicas e que tiveram como alcance o nível mundial, e somente com a intervenção estatal foi possível retirar os Estados Unidos da crise econômica.

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2. O método e descrição interpretativa: as crises de 1929 e 2008, e os ciclos sistêmicos de acumulação O objetivo desse capítulo é apresentar a análise de conjuntura e sua estrutura, bem como identificar os principais atores, principais acontecimentos e cenários das crises de 1929 e 2008, tendo como ponto de partida o ângulo do governo e o ângulo da sociedade, além de apresentar os pontos paradigmáticos e de importância dos ciclos genovês, holandês, inglês, para comparar com o ciclo estadunidense. 2.1. Crise de 1929, crise sinalizadora? 2.1.1. Contexto histórico Em 1919, os Estados Unidos saem da Primeira Guerra Mundial como maior potência econômica do mundo, e países aliados, como a Inglaterra - de maior credor mundial, entre o período do Padrão Ouro (1870-1913), passou a ser devedor dos Estados Unidos -, estavam financeiramente arrasados devido a Grande Guerra. Era um momento de prosperidade estadunidense. Segundo o documentário 1929: The Great Crash, dirigido por Joanna Bartholomew (2009), “[...] nos anos vinte, a vida cotidiana estava mudando. A eletrificação transformou a América. As cidades tornavam-se interconectadas. Tecnologias novas emergiram - aviões, rádios. Bens domésticos que tinham começado como luxos, agora eram necessidades. A indústria automobilística também crescia [...]” (BARTHOLOMEW, 2009).

Como pode se observar no trecho acima, na década de 1920 é perceptível identificar um processo de cultura de consumo em massa. Tudo isso foi possível graças à compra a prazo ou compra em parcela (instalment buying), que fez com que as pessoas comprassem itens caros e supérfluos, adquirindo-os via crédito (credit) em bancos. A compra em parcela, através do crédito disponibilizado pelos bancos, foi uma das maiores inovações na década de 1920, pois propagou-se e tornou-se dominante a ideia de "compre agora, pague depois". Conforme aponta Causes (2003, p. 3-4) um dos fatores que levaram à Grande Depressão, foi a mentalidade de “ficar rico rápido”, que foi desenvolvida durante a década de 1920 e ficar rico estava próximo. Essa crença foi seguida pelo consumo de produção em

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massa, propaganda em massa através de revistas, jornais, filmes que contavam histórias de ricos e sucesso. Com isso, os estadunidenses começaram a gastar o pouco dinheiro que tinham, com esperança de aparentar como nos filmes glamorosos. O governo dos Estados Unidos, durante a Primeira Guerra Mundial, desenvolveu um programa da venda do Bônus da Liberdade9. A consequência fundamental dessa política foi que, “[...] os Bônus da Liberdade tornaram muitas pessoas em investidores certificados de garantia pela primeira vez [...]”, sendo o legado, que “[...] os Bônus da Liberdade criaram uma cultura de investimento” (BARTHOLOMEW, 2009). Conforme aponta Bartholomew (2009), Charles Mitchell, presidente do National City Bank - localizado em Wall Street -, percebeu uma lacuna lucrativa no mercado, que poderia levar vantagem desta nova cultura de investimento. Mitchell percebeu que a população estadunidense comprou muitos bônus do governo dos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial. Se a população estava disposta a comprar bônus para criar investimento para o governo, logo, também, poderiam comprar ação de empresas listadas na Bolsa de Nova Iorque e obter lucro no processo, pois eram “investimentos respeitáveis”. Segundo Bartholomew (2009), havia especulações em todos os tipos de papéis na Bolsa de Nova Iorque, como por exemplo, ações de empresas de cinema, ações de aeronáutica, ações de todas as companhias de automóveis, etc. Esse frenesi das especulações na bolsa de Nova Iorque fez com que revistas, jornais, estações de rádios divulgassem diariamente o que acontecia na bolsa de Nova Iorque. Como é relatado no documentário 1929: The Great Crash, dirigido por Bartholomew (2009), as pessoas na década de 1920, geralmente, tinham ambições. Era vendido a ideia que o bull market10 era seguro e por sua vez, as pessoas “obtinham empréstimos cada vez maiores para especular com os preços em ascensão” (BARTHOLOMEW, 2009). Geralmente, as comprar dos investimentos eram conhecidas como "comprar à margem.", que segundo Bartholomew (2009), o investidor tinha que apresentar apenas uma parte do dinheiro da compra, com o corretor bancando o restante. Ou seja, comprar a margem é comprar utilizando empréstimo.

9 O Bônus da Liberdade nada mais era do que um investimento da população estadunidense para financiar a guerra, que, em troca, receberia juros sobre o valor do bônus. 10

Bull Market acontece quando você está otimista sobre o mercado financeiro. Bull Market ocorre quando a população ou o mercado acreditam que os preços vão subir. (tradução minha). What is a Bull Market. Disponível em: http://www.investopedia.com/terms/b/bullmarket.asp Acesso em: 09 mar. 2016.

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Como aponta Bartholomew (2009), na década de 1920, 90% dos preços das ações era feito via dinheiro emprestado. Não havia regulamentação e regras sobre como e quanto poderia sem emprestado, e as pessoas pediam enormes quantidades de empréstimos aos bancos, que naquela época, não era permitido a filial de um banco na mesma cidade, portanto, existia a possibilidade de empréstimo de dinheiro em centenas de bancos. A lógica apresentada de Bartholomew (2009) é que o fluxo de dinheiro emprestado para o mercado de valores fez com que aumentasse a demanda por ações – ou seja, há uma superprodução por ações e bens -, alavancando, ainda mais, os preços. Cada vez que os títulos subiam, mais investidores pediam dinheiro emprestado para investir ainda mais no mercado de valor. 2.1.2. O Partido Republicano e a elite financeira (1923-1933) Durante o crescimento do mercado estadunidense nos anos 1920, o Partido Republicano estava no poder, com a presença dos presidentes Calvin Coolidge e Herbert Hoover. O Partido Republicano tem como uma de suas diretrizes a prosperidade, caracterizado por, principalmente, baixas taxas e restrição do papel do estado na regulamentação da economia. Além disso, acredita que é o setor privado, e não o público, o motor de crescimento econômico11. 2.1.2.1.

Calvin Coolidge (1923-1929)

Conforme apontado por Bartholomew (2009), Calvin Coolidge, ao tornar-se presidente em 1923, já era um investidor do Mercado de Valores e segundo Greenberg (2006, p. 1), Coolidge possui a característica de ser silencioso e ser um presidente passivo, o que pode ter influenciado sobre a forma como seu governo agia sobre a especulação que ocorria em Wall Street, além de ser um entusiasta pelo laissez-faire. Segundo Greenberg (2006, p. 12)12 [...] A filosofia econômica de Coolidge se assemelhe a velha doutrina do laissez-faire: ele era a favor de regulamentação dos negócios a

11

Para maiores informações sobre história do Partido Republicano. Disponível em: https://gop.com/history/ Acesso em: 14 mar. 2016. 12 “[...] Coolidge's economic philosophy did resemble the old laissez-faire doctrine: he favored regulating business lightly, cutting taxas, containing federal expenditures [...]” (GRENNBERG, 2006, p. 12).

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nível mínimo, cortando taxas, contendo gostos federais [...] (GRENNBERG, 2006, p. 12, tradução minha).

Segundo Bartholomew (2009), durante o governo Coolidge, a administração dele tinha relações íntimas com a elite banqueira de Wall Street - como por exemplo, a JP Morgan que teria papel fundamental nos eventos que levaram à Crise de 1929 -, e o controle governamental sobre a economia só diminuirá e por consequência o poder de Wall Street só crescia. Sua relação para com a elite financeira deu grande influência para os banqueiros sobre a política financeira do governo. Bartholomew (2009) identifica que Thomas Lamont, sócio da JP Morgan, era o homem mais poderoso de Wall Street e tinha acesso, regularmente, a sucessivos presidentes dos Estados Unidos. Sob a liderança de Lamont, como sendo uma elite financeira e com fácil acesso ao governo – a relação íntima entre banqueiros e políticos do Estados Unidos ajudou a manter mínimo o nível de controle do governo sobre as relações do mercado de Wall Street, fazendo com que o mercado se torne uma lei em si, facilitando a manipulação de ações no mercado -, a JP Morgan mantinha-se longe das piores ações do mercado de valores. Em suma, o mercado de Wall Street não era transparente, devido a tecnologia e índole da elite financeira, e não era democrático. Segundo Bartholomew (2009), o que ocorria era que Um grupo de hábeis especuladores juntavam-se, e de maneira coordenada, começavam a comprar um certo lote de ações, lentamente, mas sem piedade. O que faziam era superestimar um lote em particular, comprando entre eles, depois arremessando no mercado de forma que ELES levassem os lucros, enquanto o investidor comum nesses lotes de ações, ficavam com os prejuízos. (BARTHOLOMEW, 2009).

Portanto, o que realmente ocorria na década de 1920 era a manipulação do mercado de investimento e ações, realizado pela elite financeira de Wall Street. 2.1.2.2.

Herbert Hoover (1929-1932)

Em 1929, um novo Presidente Republicano toma posse. Herbert Hoover em seu discurso de posse, tranquilizou os estadunidenses dizendo que “eu não temo o futuro de nosso país” e “o futuro é brilhante”. Herbert Hoover herdou as políticas econômicas de seu antecessor, Coolidge, que levaram à crise, mas ficou com grande parte da culpa durante a Grande Depressão. Hoover falhou em reconhecer a severidade da situação e por não elevar o poder federal para equalizar a conjuntura da época. De acordo com Leuchtenburg (2009),

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As políticas de Hoover iam em direção a angústia – nos municípios atingidos pela seca e de todo o país – refletiu uma aversão ao estado onipotente e a uma crença em “responsabilidade do governo local”. Ainda mais importante foi a tradição de doações privadas. Os subsídios provindos de Washington, ele sustentou, poderiam prejudicar o caráter de destinatário e negaria benfeitores a oportunidade de se sacrificar. Os pobres, Hoover sustentou, sempre sustentou que poderiam contar com seus vizinhos. Curiosamente, ele estava convencido de que o alívio federal iria corromper os pobres, mas folhetos de agências privadas ou de política local não iria. A hostilidade de Hoover à intervenção federal [...], deriva de sua “paixão, quase fanática, a crença na América” (LEUCHTENBURG, 2009, p. 108109, tradução minha)13.

Hoover não possuía “coragem política de suas convicções, e [...] não faz nada para controlar” a especulação. “Ele não faz nada para encorajar o Banco Central ou o Tesouro para deter a especulação de margem no Mercado de Valores”. (BARTHOLOMEW, 2009). Conforme apresenta Bartholomew (2009), a partir de setembro, o mercado começou a ficar cada vez mais volátil, e a inquietação do presidente Hoover estava crescendo. Lamont encaminhou um memorando para o presidente dizendo que não havia necessidade para preocupação, e que "o futuro mostra-se brilhante”. Após cinco dias, o mercado de valores quebrou subitamente e perde-se sua confiança. Como apresenta Bartholomew (2009), após setembro de 1929 ocorreu uma série de eventos que sacramentaram a Grande Depressão, são eles: quarta-feira, 23 de outubro: milhões de ações foram vendidas repentinamente; quinta-feira negra, 24 de outubro: o grande crash começou, e com isso os grandes e os pequenos caem juntos. Thomas Lamont convocou uma reunião de emergência com os principais banqueiros da cidade, com objetivo de salvar o mercado de valor. A ação foi de “formar um fundo de 250 milhões de dólares. E esses recursos seriam usados para apoiar uma lista fundamental de ações” (BARTHOLOMEW, 2009). Como podemos observar, muitos especuladores, experientes ou não, viveram o lado ruim de se obter crédito à margem. O nível de ganho era extremamente alto e rápido no mercado de valores na década de 1920, mas quando a crise começou, observaram que é extremamente mais forte e brusca as perdas. As pessoas que solicitaram crédito para comprar 13

“Hoover's polices toward distress - in the drought-stricken counties and across the nation - reflected an aversion to the omnipotent state and a belief in "local government responsabilities". Even more important was the tradition of private giving. Grants from Washington, he contended, would impair the caracter of recipients and would deny benefactors the opportunity to sacrifice. The poor, Hoover contended, could always count on their neighbors. Curiously, he was convinced that federal relief would debauch the poor, but handouts from private agencies or from local politician would not. Hoover's hostility to federal intervention, William Allen White concluded, derives from "his passionate, almost bigoted, belief in America" (LEUCHTENBURG, 2009, p. 108-109).

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ações, agora tinham que apresentar ainda mais garantias. Com isso, aconteceu eventos em cascatas, como [...] a corretagem que fazia os empréstimos temia que não seriam pagos. Então as pessoas eram chamadas para trazer mais dinheiro, ou suas ações seriam vendidas. [...] algumas pessoas não tinham dinheiro disponível ou talvez demorassem muito para conseguir, mas os corretores não queriam esperar. (BARTHOLOMEW, 2009).

A crise de 1929 abalou a crença no sistema bancário, constituído de pequenos bancos sem a possibilidade de filiais -, que não possuíam garantias do dinheiro depositado nas constas dos clientes, sem tecnologia para interligar informações e verificar o real andamento das operações. A consequência disso, foi a falência de mais de 4.000 bancos, conforme Walter (2005) e apresentado no Gráfico 1, o número de falências após 1921 foi entre 500 a 1.000 por ano, e entre 1930 e 1933, as falências atingiram a casa dos milhares. Gráfico 1: Número de falências de banco

Fonte: WALTER, 2005, p. 44 Conforme relato do documentário 1929: The Great Crash Os bancos emprestavam dinheiro para o mercado de ações, as empresas emprestavam dinheiro, as corretagens emprestavam dinheiro e quando os preços caíram, todo aquele dinheiro simplesmente sumiu. Quase imediatamente as empresas começaram a sentir o incômodo de não terem o capital e de terem perdido dinheiro, e começaram a demitir as pessoas, para fechar produção. (BATHOLOMEW, 2009)

Portanto, conforme as empresas começavam a falir, demitiam cada vez mais pessoas, reforçando a crise.

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2.1.3. Acumulação de capital, DM: dados de 1929 e a expansão material Recapitulando que já foi dito no capítulo 1, nas fases de expansão material – MD de acumulação de capital -, o capital monetário “coloca em movimento” uma massa crescente de produtos (que inclui a força de trabalho e dádivas da natureza, tudo transformado em mercadoria). (ARRIGHI, 2013, p. 6). Com isso, podemos identificar que, conforme visto no capítulo 2, sobre o contexto histórico da crise de 1929, os Estados Unidos estavam vivendo uma euforia de crescimento econômico, devido, entre outras coisas, ao Pós Primeira Guerra Mundial, na qual os Estados Unidos saíram vitoriosos e como maior credor do sistema financeiro internacional. Com novas tecnologias passaram a ser desenvolvidas e construídas nos Estados Unidos, criou-se a cultura do consumo em massa, e como consequência a superprodução desses produtos. Agora, iremos apresentar alguns dados para demonstrar os números da crise de 1929. Teremos como base de nossos números, os indicadores de atividades econômicas, como índices de produção e taxas de desemprego, tendo como referência a obra A crise de 1929 de Bernard Gazier. Conforme apresentado no tópico anterior, com os altos índices de produção vividos nos anos 1920, mas com a crise de 1929 o quadro mudou, pois com os endividamentos e desemprego, as pessoas deixaram de consumir, e “[...] a Bolsa de Nova York se limitava a refletir a queda dos negócios e da produção, como em quase todos os demais mercados financeiros” (GRAZIER, 2014, p. 11). Nos Estados Unidos, a atividade industrial em 1932 foi reduzida à metade em relação ao número de 1929, conforme aponta tabela de Grazier (2014). Tabela 1: Oscilação da produção industrial Ano Estados Unidos

1929

1930

1931

1932

1933

1934

1935

1936

1937

1938

100

81

68

54

64

66

76

88

92

72

Fonte: GRAZIER, 2014, p. 11-12 Como pode ser observado, também, a recuperação se dá de maneira contínua, porém, desacelerada. “A melhora não está livre de recaídas: a crise de 1937-1938, [...] enfatiza a fragilidade da situação econômica capitalista no fim dos anos 1930”. (GRAZIER, 2014, p. 13). Outro indicador que podemos analisar é o de investimentos em % do PIB.

32

Tabela 2: Investimento em % Ano

Estados Unidos %

1925

19,3

1926

19,2

1927

18.8

1928

18,4

1929

17,6

1930

15,9

1931

13,0

1932

9,3

1933

8,8

1934

10,5

1935

11,3

1936

14,5

1937

14,8

1938

14,0

Fonte: GRAZIER, 2014, p. 15 Como podemos observar, há um alto investimento entre 1925 e 1927, mas conforme o tempo passava, e a especulação aumentava, o nível de investimento diminuía, tendo como ponto de impacto o ano de 1929, pois comparada com 1925, há uma diminuição de quase 10% do PIB daquele ano. O próximo indicador é o desemprego. Segundo Grazier (2014), o número absoluto de desempregados nos Estados Unidos gerava em torno de 11/ 12 milhões em 1933, com uma população de 126 milhões, mas com taxas mínimas, pois [...] as bases foram feitas sobre uma base incompleta: a tendência natural da época era definir o desemprego como a pessoa que perdera seu emprego [...], o que levava uma visão restritiva que excluía da contagem do desemprego os jovens candidatos a primeiro emprego, sem falar nas mulheres. Portanto, foram excluídos da população ativa, e consequentemente da contagem de desempregados, os trabalhadores potenciais que enfrentavam dificuldades de emprego. (GRAZIER, 2014, p. 23)

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Na tabela a seguir, Grazier (GRAZIER, 2014 apud MADDISON, 1981) demostra os números de desempregados dos Estados Unidos em relação ao resto do mundo. Gráfico 2: Número de desempregados em %

Fonte: GRAZIER, 2014, p. 24 2.1.4. Partido Democrata: o intervencionismo estatal para recuperação da economia Após de 12 anos do governo do Partido Republicano, o Partido Democrata vence com facilidade. Franklin Delano Roosevelt se torna Presidente. A história do Partido Democrata, diferente do Partido Republicano, tem como pontos paradigmáticos a maior presença do estado na vida das pessoas, através de implantação de direitos civis, planos de saúde, previdência social, direitos dos trabalhadores e direitos das mulheres, dentre outros14. O estado do Partido Democrata é o estado do bem-estar social, e a presidência de Roosevelt, com seu New Deal, influenciou as políticas econômicas dos países da Europa Ocidental.

14 DEMOCRATIC NATIONAL COMMITTEE. About: https://www.democrats.org/about/our-history Acesso em: 18 mar. 2016

Our

History.

Disponível

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Franklin Delano Roosevelt (FDR), ao se tornar presidente, apresentou um plano para colocar pessoas para trabalhar (“Putting people back to work”) e regular o sistema financeiro – através de supervisão rígida de bancos, créditos e investimentos -, através do plano New Deal, que foi inspirado nas ideias do econômicas John Keynes. FRD criou dezenas de agências regulatórias, como: CCC (Civilian Conservation Corps)15, CWA (Civil Works Administration)16, FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation)17, NLRB (National Labor Relations Board)18, NRA (National Recovery Administration)19, AAA (Agricultural Adjustment Administration)20, NIRA (National Industrial Recovery Act)21, PWA (Public Works Administration)22, RFC (Reconstruction Finance Corporation)23, SEC (Securities and Exchange Commission)24, SSB (Social Security Board)25, WPA (Works Progress Administration)26. Como podemos observar, o governo do Partido Democrata possui uma maior ênfase na atuação do estado na vida das pessoas. Tais políticas intervencionistas do estado e do Partido Democrata fizeram com que os Estados Unidos saíssem da crise dos anos 1920/1930. É verdade, porém, que os Estados Unidos só saíram da crise, após a implantação da política de economia de guerra, mas não podemos deixar de mencionar que tais políticas, como o New Deal, juntamente com a intervenção do estado, tiveram papel fundamental na recuperação da economia estadunidense.

15 Civilian Conservation Corps foi um programa de alívio para desempregados e homens não-casado, entre a faixa etária de 18 e 23 anos. 16 Civil Works Administration foi um curto programa para criação de emprego temporário. 17 Federal Deposit Insurance Corporation é uma agência governamental para garantia de depósito bancário. 18 National Labor Relations Board é uma agência autônoma para condução do trabalho nos Estados Unidos, através de representação, investigação e remediação de trabalho desumano. 19 National Recovery Administration foi uma agência responsável pela condução da política econômica. Foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados Unidos. 20 Agricultural Adjustment Administration foi uma lei federal, ligada ao National Recovery Administration, que tinha como objetivo a redução de área produtiva da agricultura, pagando subsídios aos fazendeiros. Foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados Unidos. 21 National Industrial Recovery Act foi uma lei federal, ligada ao National Recovery Administration, que tinha como objetivo regular a produção industrial, através dos setores chaves, para elevar preços em tempos de deflação e estimular a recuperação econômica. Foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados Unidos. 22 Public Works Administration foi uma agência de contrução para bens públicos em larga escala, como pontes, escolas, hospitais, dentre outros. 23 Reconstruction Finance Corporation foi uma empresa pública, que tinha como objetivo dar apoio financeiro aos governos locais e governo federal e fazer empréstimos a bancos. 24 Securities and Exchange Commission é uma agência que tem como objetivo promover a segurança dos Estados Unidos, através de leis e regulamentos. 25 Social Security Board é uma agencia autônoma que tem por objetivo administrar a segurança social, aposentadoria, dentre outros. 26 Works Progress Administration foi o maior e mais ambicioso programa de geração de emprego do New Deal.

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2.2. Crise de 2008, crise terminal? 2.2.1. Contexto Histórico Em 1944, foram assinados os acordos de Bretton Woods, com objetivo de discutir o que fazer com a Europa no Pós-Segunda Guerra Mundial. A base econômica de Bretton Woods veio do economista inglês John Keynes. As principais regras de Bretton Woods eram: a) câmbio fixo, porém ajustável, referenciado ao dólar. O dólar fica conversível em ouro, limitando aos bancos centrais dos outros países; b) proibição de circulação de capitais pelos governos nacionais, com objetivo de evitar a fuga de capital de um país para outro; c) é admitido o protecionismo, como algo necessário para recuperação da Europa e acelerar o crescimento. O objetivo de tais regras era permitir uma autonomia política econômica para cada país. Isso só é possível porque os Estados Unidos aceitam que a Europa pratique o protecionismo contra seus produtos, ao mesmo tempo, abre seu mercado para os produtos europeus. Em troca, a Europa abre sua economia ao investimento direto estrangeiro estadunidense, o que ocasionou a migração de multinacionais estadunidenses para a Europa. Segundo Ferraz (2004, p. 191), o avanço do americanismo no sistema internacional, através de um modelo econômico e político a ser seguido – que podemos chamar de dominação liberal-democrática -, se deu através de quatro organizações internacionais, as quais podemos citar o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Grupo Banco Mundial, com maior relevância para o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Organização do Tratado do Atlantico Norte (OTAN) e a Organização das Nações Unidas (ONU), que atuaram sob a influência da política externa estadunidense, direcionando suas ações aos países que estavam no círculo de influência dos Estados Unidos (FERRARZ, 2004, p. 191) e àqueles que poderiam sofrer com a influência do comunismo vindo da União Soviética. Que, resumidamente, segundo Ribeiro (2009, p.6), [...] Um fator marcante deste período foi o Acordo de Bretton Woods, pelo qual são criados a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD). A criação do FMI significou a passagem das finanças do setor privado (Wall Street) para o público, através dos Bancos Centrais de cada país (RIBEIRO, 2009, p. 6, apud FERRAZ, 2004, p. 191).

Em meados dos anos 1960 é visível o desgaste do acordo de Bretton Woods. A medida que a Europa se recuperava da destruição da guerra e sua economia apresenta taxas elevadas

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de crescimento vão surgindo as divergências e os problemas entre o continente Europeu e os Estados Unidos. Os problemas são vários, mas um dos principais fatores de desequilíbrio é o excesso de dólares na Europa que entram durante os anos 1950 e 1960, e a situação de urgência, da criação de Bretton Woods, não existe mais. Podemos concluir que a crise de Bretton Woods está em seu próprio nascimento. Os motivos pelo qual a Europa acumula grande quantidade de dólares são: a) o Plano Marshal, que para Pecequilo (2011), [...] o Plano Marshall deve ser visto como uma das mais profundas e importantes iniciativas da política externa, pois supunha uma ajuda incondicional e ampla dos Estados Unidos à Europa, incluindo-se todos os que quisessem participar, objetivando a superação de suas dificuldades econômicas. Politicamente, o Plano Marshall visava garantir a estabilidade europeia [...]. (PECEQUILO, 2011, p. 154).

b) o déficit da balança comercial estadunidense com a Europa, pois os Estados Unidos assumiram o compromisso do acordo de Bretton Woods, que abriria seu mercado aos produtos europeus, e aceitaria que a Europa protegesse o seu mercado interno dos produtos estadunidenses. O aumento da crise de Bretton Woods ocorre com a morte do Presidente John Kennedy. Lyndon Johnson, vice-Presidente dos Estados Unidos assume a presidência. Com menos de um ano para as eleições de 1964 e com a intenção de se candidatar, Johnson aumenta o gasto social, crescendo o déficit público. Com o aumento do gasto social, com a Guerra do Vietnã que estava ocorrendo, e a necessidade por parte dos Estados Unidos de sustentar o valor do dólar e o acordo de Bretton Woods, foi possível perceber que durante o governo Johnson, havia um descontrole dos gastos públicos. Era perceptível que os Estados Unidos não possuíam mais condições de sustentar a conversibilidade do dólar. Em 16 de agosto de 1971, já com o Partido Republicano na presidência dos Estados Unidos, Richard Nixon convoca uma rede nacional, declarando a inconversibilidade do dólar, rompendo o acordo de Bretton Woods, e subindo a taxa de 10% sobre os produtos europeus importados. O Acordo Smithsoniano é uma tentativa de reaver o acordo de Bretton Woods. Nela, Nixon aceitou a desvalorização do dólar em 8%, mas com a exigência que algumas moedas europeias se desvalorizem em relação ao dólar, com objetivo de neutralizar a sobretaxa.

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No acordo de Bretton Woods, as moedas tinham um intervalor de 2% que podiam variar, sem a necessidade de autorização dos países. Já no Acordo Smithsoniano, a banda é ampliada para 4,5 %. Plihon (1996), relata que O regime de crescimento rápido começou a se desestruturar no início dos anos 1970 com o desmoronamento do sistema monetário internacional de Bretton Woods, com o aquecimento inflacionário nos Estados Unidos em 1972 e com o choque do petróleo de 1973. O crescimento declinou enquanto que a inflação se acelerou: isso foi a emergência de um processo de “estagflacionário”. (PLIHON, 1996, p. 86)

A inflação é decorrente – como havíamos adiantado antes, os motivos da inflação estão presentes nos objetivos de Bretton Woods -, do excesso de dólares no mercado, através de gasto social, da Guerra do Vietnã, e do Choque do Petróleo. Já os motivos para a estagnação, não exististe uma única explicação. A corrente liberal e keynesiana/ marxista tentam explicar. A abordagem liberal culpa o modelo keynesiano, pois os empresários pararam de investir, porque suas empresas estão sufocadas pelo modelo keynesiano – as quais podemos citar, conforme Hugon (1980, p. 410-411), a) intervenção do estado como algo necessária e mais ou menos permanente; b) políticas tributárias, através do imposto e seguro social; c) estado controlando e estimulando investimentos; d) controle da moeda e do crédito - do pósSegunda Guerra Mundial. A teoria utilizada para explicar é a Tese do Esmagamento dos Lucros (Profits Squeeze). A tese diz que o lucro empresarial está sendo esmagado por duas forças: a carga tributária elevada, típico do modelo keynesiano, e a folha salarial e encargos trabalhistas. Devido à diminuição das taxas de lucro, os empresários ficaram desestimulados a investir na ampliação de seus negócios, e por isso a economia passou a crescer menos. Já a abordagem keynesiana afirma que há um superinvestimento, pois os empresários investiram além do que era necessário. O excesso de investimento privado gerou uma capacidade de produção maior do que a capacidade de consumo da população. Por isso, os empresários reduziram drasticamente os investimentos nos anos 1970, e as economias pararam de crescer. Segundo Plihon (1996, p. 87), há uma radical virada de direção nas políticas econômicas. As principais potências elegem como prioridade número um, a luta contra a inflação. A luta contra a inflação traduz no abandono das práticas de origem keynesiana do bem-estar social, dentre elas “o pleno emprego e estabilidade dos preços” (PLIHON, 1996, p. 87).

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Segundo Tavares (1985, p. 6), Paul Volcker, presidente do Federal Reserve, retira-se da reunião do FMI, demonstrando que os Estados Unidos não estavam de acordo com as propostas do FMI e, principalmente, os Estados Unidos não mais iam desvalorizar sua moeda e não estavam de acordo pela implementação de um novo acordo monetário internacional. Agora, para os Estados Unidos, e retificado por Volcker, “o dólar se manteria como padrão internacional e que a hegemonia de sua moeda ia ser restaurada” (TAVARES, 1985, p. 6). Sendo assim, Paul Volcker “promove uma virada de orientação nas políticas econômicas” (PLIHON, 1996, p. 85). Passa a taxa de juros de 8% ao ano para 18% ao ano. Começa o 2º Choque do Petróleo e vai haver um novo impulso inflacionário no mundo inteiro. O objetivo de Volcker era fortalecer o dólar (diplomacia do dólar forte) e atrais os dólares estadunidenses para os Estados Unidos – a taxa de juros da Europa era maior do que dos Estados Unidos -, fortalecendo as finanças dos Estados Unidos. Com isso, Volcker promove uma liberalização do mercado financeiro, iniciando-se a globalização financeira e prevalecendo a tese do esmagamento dos lucros. 2.2.2. O Partido Republicano e a elite financeira (1981-1989) Após o fim da Grande Depressão, os Estados Unidos tiveram quatro décadas de crescimento, sem crise econômica. Mas tudo isso mudou com a administração Reagan e o Partido Republicano. Em 1982, a administração Reagan – apoiada por lobistas e economistas -, iniciou um período de desregulamentação financeira. Permitindo que “empresas de poupança e empréstimo” realizassem “investimentos de risco com o dinheiro dos seus depositantes”. (FERGUSON, 2010). O principal causador da crise, foi a assinatura, por Reagan 27, do Garn-St.Germain Depository Institutions Act, lei que regulamentou as instituições de poupança e depósito. Segundo Ferguson (2010), foi uma nas maiores fraudes bancárias de nosso tempo. Milhares de executivos do setor financeiro foram para a cadeia por fraudar empresas. Conforme aponta Ferguson (2010) Um dos casos mais extremos foi Charles Keating. Em 1985, quando as agências federais começaram a investigá-lo, Keating contratou um economista chamado Alan Greenspan. Nesta carta à agência reguladora, Greenspan elogiou Keating por ter sólidos planos de negócios e 27 KRUGMAN, Paul. Reagan Did It. 2009. Disponível http://www.nytimes.com/2009/06/01/opinion/01krugman.html?_r=0 Acesso em: 22 mar. 2016

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conhecimento, e disse que não via risco em permitir a Keating investir o dinheiro de seus clientes. (FERGUSON, 2010)

Reagan nomeou Alan Greespan para presidir o Banco Central dos Estados Unidos (Federal Reserve), além de ser mantido no cargo pelos presidentes Clinton e George W. Bush. 2.2.3. Acumulação financeira, MD': dados de 2008 e a expansão financeira Recapitulando que já foi dito no capítulo 1, nas fases de expansão financeira – DM' de acumulação financeira - uma massa crescente de capital monetário “liberta-se” de sua forma mercadoria, e a acumulação prossegue através de acordos financeiros. (ARRIGHI, 2013, p. 6). Segundo Ferguson (2010), durante a administração Clinton, a desregulamentação continuou sob a direção de Greenspan e por influência de lobistas do setor bancário – repassando dinheiro para tanto o Partido Democrata, quanto o Partido Republicano. Em 1999, a fusão entre o Citicorp e o Travelers, acabou culminando na criação do Citigroup, maior empresa de serviços financeiros do mundo. Mas essa fusão acabou por violar a Glass–Steagall Act, “leia provada após a Grande Depressão que impedia os bancos com depósitos de clientes de participar de atividades bancárias de risco”. (FERSUGON, 2010). Houve a omissão do Banco Central estadunidense e do próprio presidente da instituição, Greespan, ligado aos interesses da elite financeira. Em 1999, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Gramm–Leach–Bliley Act, a pedido de urgência. A Gramm–Leach–Bliley Act foi o golpe de misericórdia da Glass– Steagall Act, o que fez com que se abrisse caminho para futuras fusões do setor bancário. Conforme Ferguson (2009), os mercados são instáveis, ou potencialmente instáveis, e a metáfora mais adequada para demostrar as mudanças do setor financeiro, com a Gramm– Leach–Bliley Act, é a metáfora dos navios petroleiros, conforme Figura 2. Figura 1: Metáfora do navio petroleiro

Fonte: FERGUSON, 2009

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Conforme descreve Ferguson (2009), “eles são muito grandes e, portanto, você tem que separar em compartimentos para impedir que as sacudidas do óleo virem o navio. O projetista do navio tem que levar isso em conta” (FERGUSON, 2009). Figura 1.1: Navio petroleiro em compartimentos

Fonte: FERGUSON, 2009 Ferguson (2009), continua a descrever, e aponta que “depois da Depressão, a regulamentação

introduziu

muito

bem-estes

compartimentos

estanques,

e

a

desregulamentação levou ao fim da compartimentalização” (FERGUSON, 2009). Figura 1.2: Navio petroleiro sem compartimentos

Fonte: FERGUSON, 2009 No fim dos anos 1990, conforme aponta Ferguson (2009), veio a crise da bolha da internet (dot-com bubble), na qual os bancos de investimentos promoveram bolhas de ações de internet que gerou uma quebra em 2001, causando prejuízo de mais de US$ 5 trilhões de dólares de perdas de investimento. Ferguson (2009) aponta que nos anos 1990, com as desregulamentações e avanços tecnológicos, houve a explosão de novos produtos financeiros. Um deles é o instrumento

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financeiro chamado derivativo28 de crédito, em que “as instituições financeiras, os investidores e as empresas assumem em suas operações o risco de crédito, definido como o risco de perda financeira que decorre da incapacidade da contraparte em honrar suas obrigações em uma operação” (POMPAL, 2010, p. 33 apud BADER, 2002). 2.2.3.1.

O Partido Republicano e a elite financeira (2001-2009)

Em 2001, o Partido Republicano volta ao poder e G.W. Bush vira presidente. A conjuntura econômica no momento da posse de Bush, segundo Ferguson (2009), era um setor financeiro vastamente rentável, concentrado e poderoso. Esse setor financeiro era dominando, segundo Ferguson (2009), por cinco bancos de investimento (Goldman Sachs, Morgan Stanley, Leham Brothers, Merril Lynch, Bear Stearns), dois conglomerados financeiros (Citigroup, JP Morgan), três companhias de seguros (AIG, MBIA, AMBAC) e três agências de classificação (Moody's, S&P, Fitch). Ferguson (2009) detalha que interligando todas essas empresas com relação direta do setor financeiro, era perceptível uma cadeia alimentar de securitização, que era um novo sistema que movia trilhões de dólares em hipotecas e outros investimentos, com investidores ao redor do mundo. Figura 2: Cadeia de securitização

Fonte: FERGUSON, 2009 Ferguson (2009) detalha que trinta anos atrás, caso necessitasse obter empréstimo para a compra de uma casa, o credor que emprestava dinheiro para a compra da casa, esperava o 28

Para maiores informações: FOLGER, Jean. What is a derivative? http://www.investopedia.com/ask/answers/12/derivative.asp Acesso em: 22 mar. 2016

Disponível

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retorno do valor emprestado. Ferguson (2009), continua, e relata que “[...] desde que a securitização foi desenvolvida, pessoas que fazem o empréstimo não estão mais em risco de não-reembolso” (FERGUSON, 2009). Ferguson (2009) relata que no sistema antigo – sob influência keynesiana -, quando o dono de uma casa pagava sua hipoteca a cada mês, o dinheiro da hipoteca ia diretamente para o credor local. Já que as hipotecas levavam décadas para serem pagas, os credores eram cuidadosos. Figura 3: Sistema antigo hipotecário

Fonte: FERGUSON, 2009 Segundo a nova lógica, do novo sistema, Ferguson (2009), relata que os credores vendem as hipotecas aos bancos de investimento. Figura 4: Novo sistema hipotecário

Fonte: FERGUSON, 2009 E os “[...] combinam milhares de hipotecas e outros empréstimos, incluindo financiamentos de carros, créditos educativos, e dívidas de cartões de crédito para criar derivativos complexos, chamados ‘Obrigações de Dívidas Garantidas’, ou ‘CDO’ (FERGUSON, 2009).

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Figura 5: Combinação hipotecas e

Figura 6: CDO

empréstimos

Fonte: FERGUSON, 2009

Fonte: FERGUSON, 2009

Os bancos de investimento, então, vendem os CDOs para investidores. Agora, quando proprietários de casas pagam suas hipotecas, o dinheiro vai para os investidores em todo o mundo. Figura 7: Venda de CDO para investidores

Fonte: FERGUSON, 2009 Figura 8: Hipoteca de proprietário para investidores ao redor do mundo

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Fonte: FERGUSON, 2009 E então, segundo Ferguson (2009), “[...] os bancos de investimento pagam Agências de Classificação para avaliar os CDOs, e muitos deles recebem nota "AAA", que é mais alta classificação de investimento possível” (FERGUSON, 2009). Figura 9: Agências de classificação de risco

Fonte: FERGUSON, 2009 A conclusão de Ferguson (2009) é que esse sistema fez com que os CDOs ficassem populares entre os fundos de aposentadoria, e com isso, Credores não se importavam mais se o mutuário podia pagar. Então eles começaram a fazer empréstimos de maior risco. Os bancos também não se importavam. Quanto mais CDOs eles vendiam, maiores eram seus lucros. E as agências de classificação, que eram pagas pelos bancos, não tinham nenhuma responsabilidade se suas notas para os CDOs estivessem erradas. (FERGUSON, 2009).

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Ou seja, mesmo que você ficasse com dificuldades financeiras, “não havia restrições regulatórias, então havia luz verde para fazerem mais e mais empréstimos” (FERGUSON, 2009). Entre 2000 e 2003, o número de empréstimos hipotecários feitos a cada ano quase quadruplicou. Figura 10: Empréstimos hipotecários

Fonte: FERGUSON, 2009 Segundo Ferguson (2009), todos (credores, investidores e bancos de investimento) não se preocupavam, no processo de securitização, com a qualidade das hipotecas, pois se preocupavam em maximizar seu volume e lucro, Ferguson (2009) demostra que no início de 2000, “houve um grande aumento nos empréstimos mais arriscados, chamados ‘subprime’”. (FERGUSON, 2009). Figura 11: Empréstimos subprime

Fonte: FERGUSON, 2009

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Porém, segundo Ferguson (2009), o problema ocorreu quando “ [...] milhares de empréstimos subprime foram combinados para criar CDOs, muitos deles ainda receberam classificação ‘AAA’” (FERGUSON, 2009). Figura 12: CDO

Fonte: FERGUSON, 2009

Figura 13: AAA

Fonte: FERGUSON, 2009

Ferguson (2009), conclui, então, que [...] os bancos de investimento na realidade preferiam empréstimos "subprime", pois eles cobravam mais juros. Isso levou a um maciço aumento nos empréstimos predatórios. Clientes eram empurrados para caríssimos financiamentos, e muitos empréstimos eram dados a pessoas que não poderiam pagá-los. Todos os incentivos que as instituições financeiras ofereciam aos corretores de hipotecas eram baseados em oferecer os mais rentáveis produtos, que eram os empréstimos predatórios. Os banqueiros ganham mais dinheiro lhe fazendo um empréstimo subprime. (FERGUSON, 2009).

Tavares (2009) resume o processo da crise sub-prime devido à multiplicação de derivativos e a criação dos fundos de securitização. E as instituições que operavam nesse sistema, trabalhavam com uma alavancagem muito alta, sem possuírem seguro para seus investidores. Tavares (2009) informa que “as elevadas ofertas de financiamento, a taxas de juros baixas, não impulsionaram apenas o endividamento geral do setor privado (empresas, bancos e famílias) [...]” (TAVARES, 2009, p. 3), mas também, segundo Tavares (2009), os Estados da União. Tavares (2009), conclui o raciocínio afirmando que, após a quebra da Lehman

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Brothers29, em setembro de 2008, que ficou evidente a violência com que a crise financeira ocorria, e “[...] várias instituições financeiras internacionais ficaram à beira da falência e a crise financeira tornou-se global [...]” (TAVARES, 2009, p. 4). 2.2.4. Partido Democrata: o intervencionismo estatal para recuperação da economia Em 2009 toma posse o Presidente Democrata, Barack Obama. Segundo Tavares (2009), o sistema [...] financeiro está falido; os três entes federativos enfrentavam uma crise fiscal sem precedentes; parte de sua infraestrutura encontra-se sucateada e a outra obsoleta [...], o seu sistema de seguro de saúde não dá cobertura suficiente e adequada à população. [...] o desemprego é elevado e crescente e a recessão é aberta e tende a aprofundar-se. (TAVARES, 2009, p. 6).

Conforme aponta Tavares (2009), a equipe econômica de Obama propôs um ataque de múltiplas frentes contra a crise financeira. São a frente “financeira, fiscal, investimento público em infraestrutura e política sociais ativas”. Ainda nos primeiros dias de seu mandato, Obama sancionou a American Recovery and Reinvestment Act (ARRA)30, sendo aprovado em tem recorde e apoiada por três senadores republicados. Tavares (2009), informa que o pacote fiscal inicial do governo Obama foi de ordem de U$787 bilhões de dólares. Sendo os componentes da ARRA: “ [...] U$288 bilhões em renúncia fiscal, U$144 bilhões para estados e municípios, U$111 bilhões para infraestrutura e ciência, U$81 bilhões para proteção para a educação e treinamento de mão de obra e apenas U$43 bilhões para energia [...] (TAVARES, 2009, p. 6). Segundo analisa Tavares (2009), apesar do aumento do déficit fiscal estadunidense na ordem de U$1 trilhão em 2008, U$1,7 trilhão em 2009, “o governo americano continua tratando do núcleo central da crise – o setor financeiro – e anunciou um Plano de Estabilidade Financeira (FSP)31 que prevê a criação de três instrumentos novos” (TAVARES, 2009, p. 7).

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Para saber maiores informações sobre a crise de 2008, com eventos, dados e relatos, assistir o documentário Inside Job. 30 American Recovery and Reinvestment Act foi um pacote de estímulo à economia. O primeiro objetivo era resguardar e criar empregos; e tinha por objetivo, também, aliviar programas que estavam sendo afetados durante a recessão, como: saúde, educação, infraestrutura e energia renováveis. 31 Financial Stability Plan (FSP), teve um custo de U$ 1 trilhão. A promessa do FSP foi realizar uma parceria público-privado, com objetivo de absorver os ODC’s tóxicos, alavancando o capital provado e estimulando o sistema financeiro. (INVESTOPEDIA, tradução minha). INVESTOPEDIA. Financial Stability Plan (FSP). Disponível em: http://www.investopedia.com/terms/f/financial-stability-plan-fsp.asp Acesso em: 25 mar. 2016

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Segundo Tavares (2009), o Plano de Estabilidade Financeira consiste, basicamente, em três pilares: 1) criação de um fundo fiduciário (Financial Stability Trent - FST), na qual o governo estadunidense pretende reforçar o capital dos bancos; 2) criação de um fundo de participação público-privado, com objetivo de remover os ativos tóxicos; e 3) criação de linha de crédito (facility) para comprar a dívida securitizada. Obama, também em seus primeiros dias de mandato, anunciou o programa Homeowners Affordability and Stability Plan (HASP), para apoiar o setor imobiliário, o setor chave da crise. Assim como o FSP, o HASP tinha, basicamente, três pilares: 1) Flexibilização de regras para financiamento de contratos imobiliários; 2) Incentivo aos credores para aliviar mais de quatro milhões de devedores em inadimplência; e 3) injeção de U$ 100 bilhões na Fannie Mae e U$ 100 bilhões na Fred Mac, permitindo a ampliação de suas carteiras hipotecárias. 2.3. Perspectivas finais do capítulo A importância deste capítulo foi aplicar os conceitos mencionados, durante o ciclo estadunidense, com objetivo de verificar em qual momento cada crise se encontrava dentro das fases sistêmicas DMD’. Com isso, podemos introduzir a crise de 1929 dentro da fase DM, enquanto a crise de 2008 se encontra na fase MD’. Porém, a crise de 2008 teve um menor impacto do que em relação a crise de 1929, pelo motivo de: a) o mundo da década de 1920 era um mundo econômico do laissez-faire; b) por ser um mundo econômico do laissez-feira, não havia intervenção estatal na vida e na economia, pois a visão da época era que o mercado se auto ajustaria; c) somente após a crise de 1929, e com as políticas intervencionistas do Presidente Democrata, Franklin Delano Roosevelt, sob influência do pensamento de Keynes, é que se percebeu que era necessário a intervenção estatal para a proteção da economia, e regulação do mercado; Portanto, a partir de da crise de 1929, diferentemente dos outros ciclos econômicos, o estado passou a ter um papel mais importante dentro da economia, garantindo a assegurando o funcionamento do sistema financeiro. A crise de 2008 ocorreu, devido a liberalização da economia iniciada por Paul Volcker, e o ressurgimento de uma nova onda de globalização. Sendo assim, houve uma diminuição do papel do estado na economia, mas não se extinguindo. E a recuperação

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economia se deu através do Presidente Democrata, Barack Obama. Podemos, então, dizer que o ciclo estadunidense se manteve, devido ao advento do intervencionismo estatal. A hegemonia estadunidense, por fim, foi estabelecida, graças a sua vitória na Segunda Guerra Mundial e intrinsicamente relacionada a destruição das economias europeias, e a partir desse momento, os Estados Unidos assumiram o sistema internacional e o sistema financeira internacional, através da implementação de instituições liberais-democráticas, como ONU, FMI e Banco Mundial, através dos acordos de Bretton Woods, que legitimaram os Estados Unidos como hegemonia mundial. Mas, a partir do momento dos indícios e recuperação europeia, os Estados Unidos diminuíram sua influência no mundo, abrindo espaço para o surgimento de novos atores que possam fazer frente aos Estados Unidos, como Organizações Internacionais, como o sistema onusiano e a ascensão dos países asiáticos, como a China.

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3. A ascensão da China e o fim do ciclo estadunidense? O objetivo desse capítulo é apresentar que, os motivos pelos quais os Estados Unidos continuam como líderes do sistema internacional, mesmo após as crises sistêmicas de 1929 e 2008, e se é possível identificar alguma ameaça ao ciclo estadunidense de acumulação, através da China. 3.1. Estados Unidos Como observado no capítulo 2, os Estados Unidos saíram da crise de 1929 através da forte política intervencionista estatal do Partido Democrata, de Franklin Delano Roosevelt - o que era incomum na época, pois a economia mundial estava sob influência do laissez-faire, e havia a concepção de que o estado não deveria intervir no mercado e na vida das pessoas - e consolidando, gradualmente, a sua hegemonia em âmbito mundial, o que acabou se concretizando no início de sua participação na Segunda Guerra Mundial, e estabelecido após o término do conflito. Os Estados Unidos, “preocupados” com a recuperação europeia do pós-Segunda Guerra, investiram maciçamente no continente para recuperar as economias dos países que sofrem na guerra. Para que isso fosse possível, foi estabelecido a Doutrina Truman, e que teve alto impacto nas economias europeias (investimento direto estrangeiro, por exemplo), quanto para os Estados Unidos (aumento da inflação, devido emissão de dólares para investir na Europa). Nos anos que se seguiram, a recuperação europeia foi perceptível, mas os Estados Unidos mantiveram o nível de investimento no continente europeu. Até que em determinado momento, os Estados Unidos não conseguiram mais manter tal assistência, e declararam a inconversibilidade do dólar, durante a presidência de Nixon. A partir desse momento, iniciouse o processo de liberalização econômica e o ressurgimento de uma nova onda de globalização, que segundo definição de Sarfati (2005, p. 318), globalização é “o processo no qual as tradicionais barreiras entre os Estados caem, fruto do avanço tecnológico, que possibilita intensa troca de informações entre as pessoas no mundo” (SARFATI, 2005, p. 318), que se seguiu durante as presidências de Reagan, Clinton, Bush e que se mantém até os dias atuais. Com a crise de 2008, novamente, os Estados Unidos eram o centro da crise financeira, mas reverteram o quadro quando o Democrata, Barack Obama, assumiu a presidência e

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utilizou de seu poder executivo para implementar programas, conforme vimos no capítulo 2, para reestabelecer a economia e apresentando um maior papel do estado para gerenciar a crise e diminuir seus danos. É perceptível, então, que o modelo econômico estabelecido pelos Estados Unidos, pósSegunda Guerra Mundial, através do sistema de Bretton Woods, que tinha como característica a implementação de instituições liberais-democráticas como FMI, BIRD e ONU, legitimaram – e foi aceita pelos outros estados do sistema internacional, como o modelo a ser seguido, o que pode ser observado quando analisamos a quantidade de estados que fazem parte de organizações internacionais, como a ONU, por exemplo – a presença e hegemonia estadunidense como liderança do sistema internacional. Resumindo, a crise financeira mundial atual não se configura como uma crise sistêmica, pois não há uma perda de legitimidade dos Estados Unidos, como líder do sistema internacional, e não há uma ruptura do padrão de autoridade, estabelecido pela hegemonia americana, que no capítulo 2 chamamos de dominação liberal-democrática. Portanto, segundo a ótica de Arrighi, o sistema ainda está em equilíbrio, e os Estados Unidos ainda continuam como hegemonia, – mas com menos predominância, pois após a recuperação europeia do pós-Segunda Guerra Mundial os estados afetados pelo conflito indicaram forte crescimento - que, dentro outros motivos, foi assegurado graças ao intervencionismo do estado para recuperação econômica. Entretanto é possível especular eventuais ameaças que a China possa representar a essa hegemonia estadunidense. Podemos, então, dizer que os Estados Unidos ainda continuam como hegemonia do sistema internacional, mas não com o mesmo peso que existia no pós-Segunda Guerra, devido ao surgimento de novos atores, como ascensão de países asiáticos, como a China, a formação de blocos econômicos como a União Europeia, e o próprio banco dos BRICS, o New Development Bank (NRD), que “foi concebida como uma alternativa desses países – Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul - ao Banco Mundial (BM) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ‘dominados pelos Estados Unidos’” (G1, 2015). Agora, iremos apresentar alguns aspectos que possam colocar a China como possível ameaça a hegemonia dos Estados Unidos. 3.2. China Em 2007, Arrighi lança o livro Adam Smith in Beijing descrevendo a ascensão pacífica do ciclo asiático, mais precisamente do ciclo chinês. Segundo Robinson (2010, p. 11), a

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ascensão dos neoconservadores nos Estados Unidos, após os ataques de 11 de setembro de 2001, e a invasão dos Estados Unidos ao Iraque e Afeganistão – através da Doutrina Bush, ou Guerra ao Terror -, com objetivo de evitar o declínio da hegemonia estadunidense, acabou que, na verdade, provocou o início da crise terminal dos Estados Unidos. As invasões, segundo Robinson (2010, p. 11), “[...] distraíram os Estados Unidos e favoreceram a ascensão da China”.32 (ROBINSON, 2010, p. 11, tradução minha). Segundo Robinson (2010, p.11) [...] é necessário observar que Arrighi está lendo Adam Smith – através do livro Adam Smith in Beijing -, de tal forma para argumentar que ‘há uma diferença histórica mundial fundamental entre processos de formação de mercado e processos de desenvolvimento capitalista’. China [...] está se tornando uma ‘economia de mercado’, [...] em vez de sofrer ‘desenvolvimento capitalista propriamente dita’. A ascensão e potencial hegemonia da China tem uma base muito diferente de seus antecessores ocidentais. (ROBINSON, 2010, p. 11 apud ARRIGHI, 2007, p. 24, tradução minha)33

Segundo Robinson (2010, p. 11), a China foi a líder da economia mundial até o século XVIII e comandou o sistema de estados do Leste Asiático, diferente das bases dos países do sistema europeu. Robinson (2010, p. 11) argumenta que o Leste Asiático se desenvolveu de forma diferente do que ocorreu no Ocidente, pois o modelo asiático era baseado em intensiva mão-de-obra de produção e administração dos recursos naturais. Na visa de Robinson (2010, p. 11) [...] A economia da China era admirada por Adam Smith como o "caminho natural" para o desenvolvimento, com base na melhora da agricultura que permitiu que a população rural pudesse gerar demanda doméstica para indústria, em contraste com o caminho percorrido pelo ocidente, que contou com o comércio internacional. O Estado chinês na esteira da revolução comunista reviveu esse foco da agricultura e criou uma força de trabalho de maior qualidade do que em outros países com baixos salários, que agora torna possível para a China para desenvolver um sistema de mercado baseado em mão de obra qualificada em vez de máquinas de capital. (ROBINSON, 2010, p. 11, tradução minha)34

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No original: “The invasion of Iraq destracted the United States and favoured the rise of China” (ROBINSON, 2010, p. 11) 33 No original: Here it is necessary to observe that Arrighi is reading Adam Smith in such a way as to argue that ‘there is a fundamental world-historic difference between processes of market formation and processes of capitalist development’. China, he says, is becoming a ‘market economy’ as analysed and envisioned by Smith rather than undergoing ‘capitalist development proper’ (Arrighi 2007: 24). China’s rise and potential hegemony has a very different basis from that of its Western predecessors. (ROBINSON, 2010, p. 11 apud ARRIGHI, 2007, p. 24) 34 No original: China’s economy was admired by Adam Smith as the ‘natural path’ to development, based on agricultural improvement that allowed the rural population to generate domestic demand for manufacture, in distinction to the Western path that relied on international trade. The Chinese state in the wake of the Communist revolution revived this focus on agriculture and created a workforce of higher quality than in other low-wage

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A ascensão da China, também segundo Robinson (2010, p. 11), se dá através da revitalização das redes de comércio, que foram mais desenvolvidas do que da Europa até o século XVIII e na fusão que reviveu com a Revolução Industrial. Este cruzamento levou a um novo modelo para o Leste Asiático -levando acumulação flexível e de rede, que representa a mudança no poder econômico para a região. Outro ponto que podemos observar sobre a China é que “a China não é capitalista, apesar do surgimento de uma classe capitalista e empresas capitalistas” (ROBINSON, 2010, p. 12, tradução minha). “O caráter capitalista de desenvolvimento baseado em mercados não é determinado pela presença de instituições capitalistas [...], mas pela relação do poder do Estado ao capital” (ROBINSON, 2010, p. 12 apud ARRIGHI, 2007, p. 331-332, tradução minha). Portanto, segundo a lógica de Arrighi, indicada em Robinson (2010, p. 12), “a menos que o Estado fosse subordinado ao seu interesse de classe, a economia de mercado continua a ser não capitalista” (Robinson, 2010, p. 12 apud Arrighi, 2007, p. 331-332, tradução minha). Segundo Robinson (2007, p. 12), na visão de Arrighi, o estado chinês ainda mantém um alto grau de autonomia em relação à classe capitalista, agindo em interesse nacional em detrimento do interesse da classe econômica. Outro ponto que Robinson (2007, p. 12) destaca é que, na avaliação de Arrighi, o surgimento da Era Asiática é controvérsa, pois há o aumento das desigualdades na China, o conflito de trabalho e os incontáveis casos de super exploração. E a expansão econômica chinesa vai ao encontro da degradação ecológica, como faixas da zonal rural e cidades, como umas das mais poluídas do mundo Para Robinson (2007, p. 13), a China é uma sociedade de classes cada vez mais polarizada, liderada por elites políticas e econômicas, cujo próprio desenvolvimento tornou-se amarrado à reprodução capitalista global Segundo relata Robinson (2007, p. 13), Arrighi, pouco antes de sua morte publicou sua avaliação sobre o futuro da China, e diz que as classes da china estão em equilíbrio de forças, estão ainda em disputa. Além disso, segundo Robinson (2007, p. 13), Arrighi observa que a China tem prosperado mais do que a África austral, pois esta desapropria quase totalmente o campesinato, dificultando o “desenvolvimento do crescimento capitalista, eliminando a capacidade da força de trabalho rural para subsidiar sua própria reprodução e de acumulação de capital” (ROBINSON, 2010, p. 13). Já em relação a china, esta “prosseguiu

countries that now makes it possible for China to develop a market system based on skilled labour rather than capital machinery (ROBINSON, 2010, p. 11)

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rapidamente através de ‘acumulação sem desapossamento’; apesar do forte aumento da desigualdade, os camponeses chineses não perderam o acesso à terra” (ROBINSON, 2010, p. 13).

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