Critérios para elaboração de arranjos para aulas coletivas de violino

June 15, 2017 | Autor: Sandra Ferraz | Categoria: Music Education
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Critérios para elaboração de arranjos para aulas coletivas de violino Publicado em Anais do XIII Encontro Nacional da ABEM, Rio de Janeiro-RJ, 2004.CD.

Prof. Dr. Ricardo Dourado Freire Departamento de Música da UnB [email protected] Maria Luiza Volpini de Mendonça Departamento de Música da UnB

Sandra Ferraz Freire Departamento de Ciência da Educação do IESB Sumário: A partir da definição de competências pedagógicas indicadas por Perrenoud (2002) e habilidades técnicas do violino de Suzuki (2000) foi possível estabelecer critérios quanto a técnica de instrumentação e elaboração de arranjos para aulas coletivas de violino que permitam a participação efetiva de alunos iniciantes e alunos mais adiantados. Palavras-Chave: Ensino coletivo, Arranjo musical, Violino, Metodologia Suzuki.

As realidades das aulas de violino em grupo apresentam uma série de desafios para os professores e coordenadores pedagógicos. O planejamento das aulas não pode limitar o desenvolvimento técnico de cada indivíduo, mas como propiciar o desenvolvimento individual permitindo que cada aluno progrida em ritmo e níveis diferentes numa aula coletiva? Já que, inevitavelmente, alguns alunos progredirão mais rápido que outros, de que forma pode ser criado um ambiente musical no qual as músicas possam ser estruturadas de maneira a possibilitar a participação efetiva de todos os alunos? Diante de tais desafios, tornase fundamental uma adequação das composições musicais às características individuais dos alunos sem perder a unidade da performance coletiva. Assim, as músicas devem servir de estímulo técnico e musical para todos, de maneira que os alunos que apresentam maior facilidade de aprendizagem possam sentir-se devidamente estimulados e os que apresentam maiores dificuldades (ou os mais novos) não se sintam excluídos dentro do grupo.

Este artigo foi realizado a partir da experiência na organização de um curso de Violino em grupo para crianças de 4 a 9 anos que se encontravam no segundo semestre de estudo do instrumento. As crianças estavam divididas em dois grupos: (i) grupo 1, seis crianças de 4 a 7 anos, sendo uma criança portadora de necessidades especiais, e (ii) grupo 2, sete crianças de 5 a 9 anos, sendo dois alunos iniciantes. Havia dois encontros semanais: uma aula coletiva de cada grupo e uma aula em duplas (formada de acordo com o nível dos alunos independente do seu grupo). O ensino de instrumento em grupo muitas vezes se depara com a limitação do material disponível e algumas vezes pela inadequação do material frente às dificuldades específicas do grupo a ser trabalhado. Estes problemas são comuns no ensino coletivo. Na sua experiência com a formação de orquestra, Ilza Joly conta: Desde então, começamos a dirigir o foco da nossa pesquisa musical para o repertório de músicas brasileiras, tentando encontrar as peças mais adequadas para a nossa formação instrumental, para o desenvolvimento técnico dos instrumentistas e para a formação do gosto e da crítica musical, tanto daqueles que tocavam, como daqueles que ouviam a orquestra. ...Mas, em termos de arranjos para orquestras infantis não havia nada escrito e constatamos que, nesse caso, o papel de um arranjador era fundamental para a continuidade da orquestra. (JOLY, SANCHEZ, 2001,118)

Num impasse muito semelhante em relação ao trabalho com o grupo de violinos, a questão principal estava em estabelecer fundamentação teórica e técnica para direcionar a elaboração de arranjos musicais que possibilitassem a construção de competências musicais por todos os alunos de acordo com o seu nível de desenvolvimento. A elaboração de material didático específico tornou-se elemento fundamental para reestruturação da dinâmica das aulas em grupo a partir do arranjo de músicas. A seleção do repertório contou com músicas conhecidas escolhidas pelos alunos e músicas brasileiras escolhidas pelos coordenadores. Segundo definição de Celso Bastos (2003), arranjo poder ser considerado uma obra musical onde ocorreram diferentes níveis de reestruturação do original “com inserção de novos elementos obtidos a partir de técnicas musicais específicas” tais como rearmonização, inserção de trechos em contraponto e alterações da estruturação melódica e rítmica. (BASTOS, apud. SILVA, 2003, 18)

É elementar ter em mente que a elaboração do arranjo não é uma atividade descontextualizada, pois o arranjador necessita imaginar a capacidade técnica do instrumentista que irá executar a música e antever as possibilidades no processo de aprendizagem. Além disso, deve-se levar em consideração o objetivo pedagógico de cada arranjo musical em função da postura do aluno durante o processo de aprendizagem, ou seja, definir qual a competência que os alunos, como um todo, devem desenvolver e as habilidades específicas que cada um, individualmente, deve adquirir. Para esta pesquisa fomos além de meras definições, buscamos utilizar a concepção de competências e traduzir, por meio da prática, o prisma dialógico cunhado numa abordagem que considera a heterogeneidade do contexto e a bagagem cultural dos alunos com o objetivo de favorecer o desenvolvimento musical. Todo o desenvolvimento, por sua vez, está voltado para um ideal. Cada ideal implica no desenvolvimento de competências coletivas e individuais, pois, numa perspectiva dialética, a dimensão coletiva não existe sem a individual: elas são indissociáveis. Ao mesmo tempo, ideais, visão/compreensão e práticas, não são estáticas e estão sempre sendo redefinidas em função uma das outras, e assim o são as competências. Para isso, é importante compreender que competência se constitui de um conjunto de conhecimentos, habilidades e postura (atitudes e valores) que todo indivíduo desenvolve face às necessidades que a experiência sócio-cultural requer. É necessário desmistificar a idéia de que competência se reduz tão somente a um conjunto de habilidades técnicas que o indivíduo adquire descontextualizadamente. Um/a violinista pode ser muito habilidosa/o técnica e musicalmente, mas é a sua postura na veiculação da mensagem musical que ele/a terá maior ou menor impacto no contexto social no qual está inserido. Defendemos aqui, a nossa idéia de violinista competente: aquele que partilha a música e que contagia a audiência porque, ao entender a música como linguagem, ela é eminentemente social e pertence às duas esferas

simultaneamente: a coletiva e a individual. Reconhecemos o conteúdo musical como comunicação, portanto, a troca é inevitável, tanto entre os participantes músicos como entre músicos e audiência. Partindo dessa compreensão de ensino do violino como uma experiência cultural, quais estratégias e quais ferramentas são mais apropriadas para permitir o desenvolvimento de competências musicais no contexto do grupo de violinos com características tão específicas? Como promovê-los? Por meio da promoção de um ambiente interativo para que alunos e professores possam empreender uma relação significativa mediado pela música. Perrenoud (2000) estabelece dez novas competências para ensinar e diretrizes na formação de professores para uma melhor interação na sala de aula. No contexto das aulas de violino, foram selecionadas competências que pudessem direcionar o objetivo pedagógico do arranjo: a) administrar a progressão das aprendizagens dos alunos, b) envolver os alunos na aprendizagem e no seu trabalho e c) trabalhar em equipe. O modelo de ensino de violino em grupo está diretamente associado a metodologia Suzuki, que em seus métodos incentiva a formação de grupos de alunos. Na sua acepção pedagógica, ele reconhece a importância do trabalho em grupo, inclusive com alunos em estágio diferentes. A adoção de um novo tipo de aula em grupo no qual alunos mais avançados trabalham conjuntamente com alunos mais novos tocando juntos é extremamente efetivo. Os alunos progridem muito bem enquanto aproveitam as aulas. Eu recomendo que aulas em grupo sejam realizadas uma vez por semana ou duas vezes por mês. (SUZUKI, 2000,5)

Embora não se refira ao caráter interativo do processo de ensino-aprendizagem, nem ao aspecto sócio-cultural propiciado pela música em grupo, o seu método contribui para o desenvolvimento de algumas habilidades técnicas importantes. A habilidade de tocar violino apresenta elementos técnicos específicos como: segurar o arco; executar arcadas para baixo e para cima; velocidade e impulso no movimento do arco; acomodar o violino no pescoço; relaxar os ombros; centralizar os pés. Desde o início, a

orientação faz-se necessária a partir de modelos significativos, professor-aluno e aluno-aluno. Daí a importância do papel do grupo – o exemplo e o modelo do outro na experiência musical é muito mais efetivo do que a intelectualização e análise das habilidades comumente feita verbalmente e de forma unilateral do professor para o aluno, o que torna-se mais difícil ainda no trabalho com crianças. No trabalho com iniciantes, existem dois conjuntos musculares que exigem coordenação motora específicas: o primeiro é a mão direita (arco) e o segundo a mão esquerda (dedilhados). Pode-se fazer um belo trabalho de arco (postura e extensão) com cordas soltas (Fig. 1) ao usar o arco em toda sua dimensão – talão / ponta – e experimentar as regiões do arco, velocidades, dinâmicas e diferentes timbres. Fig. 1

Para desenvolver tais habilidades técnicas do violinista iniciante foi utilizado o próprio método Suzuki Violin School- Volume 1(2000) como referência. O livro não explicita uma divisão formal sobre as habilidades técnicas a serem desenvolvidas por cada composição, no entanto, a partir da análise dos exercícios, é possível dividi-lo em três partes: 1) Twinkle, Twinkle Variations (ritmos do arco X mão esquerda); 2) músicas 2 a 12 (melodias com dedilhados simples e arco simétrico); e 3) Minuetos de Bach (que apresentam diferentes combinações rítmicas para o arco e saltos melódicos para a mão esquerda). Na primeira parte, Twinkle, Twinkle Variations, o aluno está iniciando seu contato com o instrumento e experimentando os elementos técnicos fundamentais para tocar. O trabalho envolve coordenação motora das mãos direita e esquerda. Cuidando da precisão rítmica, o aluno experimenta nas três regiões básicas do arco: meio, ponta e talão. As variações (Fig. 2) permitem desenvolver o controle do arco a partir das soltas e

gradativamente adicionar o dedilhado de novas notas, mas sempre tendo a preocupação com a firmeza do arco,a qualidade sonora e a firmeza rítmica.

Fig. 2

A grande questão que entra em cena nestas primeiras lições do método é não cair na mera repetição a partir da posição que a “professora mostrou”. É importante permitir que, a medida que cada um internalize as posições apresentadas, vá se apropriando das novas. Com muito entusiasmo e cuidados com cada novidade apresentada, eles passam a se soltar e assim, fazendo cada ritmo da variação, tanto individualmente, como em conjunto. Entretanto, é importante não se limitar ao aspecto técnico da execução do violino. Trabalhar um clima favorável ao aprendizado é importante e se pauta na manutenção desse entusiasmo e vibração a partir de cada conquista do aluno. Uma vez que se valoriza essa diversidade, os alunos passam a ver a variação que o outro está tocando como algo natural se habituam à polifonia e às diferentes harmonias. Por isso, com esses primeiros ritmos podemos realizar vários tipos de aquecimentos nas aulas, mas é preciso enriquece-las com outros exercícios que venham estimular e estruturar a intimidade com o instrumento, tornando assim as variações mais fáceis. Quando se coloca a mão esquerda, a primeira habilidade é coordenar o posicionamento do 1o dedo (dedo indicador) na corda MI (fig. 2), logo em seguida o 1o dedo poderá ser usado

nas outras cordas. Em seguida trabalha-se a colocação do 2o(médio), 3o(anular), e 4o(mínimo) dedos formando tetracordes ascendentes (fig.3) e descendentes (fig. 4) na corda LÁ. A partir da assimilação das habilidades técnicas para a mão esquerda é possível construir a primeira música do Suzuki - Twinkle, Twinkle Little Star que se firma cada vez mais com as variações rítmicas do arco. Fig. 3

Fig. 4

Fig. 5

Ao conquistar a primeira música com as variações (seqüência melódica, postura do violino junto com o arco e mão esquerda, resistência física e de concentração) o aluno está pronto para executar uma série de dedilhados serão refinados na segunda parte do livro a partir de uma seqüência de músicas específicas. Contudo, é importante compreender que o aspecto seqüencial do método não é determinante para o desenvolvimento musical dos alunos, pois a é necessário considerar os aspectos multidimensionais e cíclicos da aprendizagem. A elaboração de um arranjo musical a partir das habilidades técnicas do violino permite que o arranjador considere a fase e as possibilidades de cada aluno para poder desenvolver as competências musicais necessárias. Os arranjos foram realizados a partir da adição de várias vozes à melodia principal. Cada voz deveria ser baseada em uma habilidade específica, desta maneira foram compostas melodias usando cordas soltas, apenas o primeiro

dedo, e tetracordes ascendentes/descendentes. O exemplo da música Frére Jaques (Fig. 6), de domínio público, apresenta a versão a 6 vozes. A música foi escolhida por ser parte do repertório musical brasileiro, mesmo sendo de origem francesa, e pela estrutura musical do cânone, que permite várias combinações polifônicas a partir da melodia principal. O arranjo pode ser executado a partir da combinação da melodia e qualquer das outras vozes, individualmente ou em conjunto. A melodia principal, em Lá Maior, permite que sejam usadas combinações dos tetracordes ascendentes/descendentes nas cordas Lá e Mi do violino. A 2a voz apresenta o ritmo da Var. 1 de Suzuki apenas na corda Lá. A 3a voz foi elaborada a partir da alternância de cordas soltas. A 4a voz utiliza o 1o dedo na corda MI alternando com corda solta enquanto a 6a voz utiliza o 1o dedo na corda SOL de maneira fixa. A 5a voz elabora um contraponto tonal por inversão da melodia principal a partir dos tetracordes ascendentes/descendentes.

Fig 6

O conceito de arranjo baseado nas competências passa a ser transformado em uma obra aberta na qual existe uma melodia principal e várias outras vozes destinadas aos vários tipos de habilidades técnicas (corda solta, primeiro dedo, tetracordes, melodias elaboradas). O professor utiliza o arranjo de maneira a incentivar a formação das habilidades dos alunos buscando sempre um resultado musical satisfatório, mesmo no trabalho com iniciantes. A competência musical é desenvolvida por meio do processo aquisição de várias habilidades no qual o professor interage com os alunos utilizando-se das várias fases de aprendizagem: da imitação à inferência, primeiro em grupos e depois individualmente. Primeiro, cada aluno deve tocar uma das vozes solo e, aos poucos, cada um no seu ritmo, aprendem a tocar as outras vozes trabalhando em duplas até que todos os alunos conheçam várias vozes. A experiência de aprender a tocar todas as vozes a partir da imitação (sem perder a perspectiva da interação, tanto na relação professor-aluno quanto na relação aluno-aluno), permite que o aluno fique envolvido ativamente no processo como um todo conhecendo as várias vozes do arranjo. O trabalho coletivo, aqui, adquire nova dimensão por incentivar a interação pessoal e auditiva dos alunos, cada aluno precisa conhecer a voz que está tocando e as outras, adquirindo assim consciência do arranjo musical. O arranjo aberto funciona como um caleidoscópio musical no qual existem inúmeras possibilidades de combinação das vozes que deverão ser escolhidas de acordo com as possibilidades técnicas dos alunos que irão tocá-las. O professor atua coordenando as aprendizagens dos alunos ao indicar quais vozes deverão ser tocadas e incentivando as trocas entre vários alunos, permitindo a interação produtiva entre alunos de vários níveis. Compor arranjos com intenção pedagógica torna-se efetivo quando existe a interação entre professor-instrumentista-arranjador-aluno na qual o resultado musical reflita o conhecimento técnico aplicado e o exercício de competências pedagógicas para todos os envolvidos na experiência musical.

Referências Bibliográficas JOLY, Ilza Z. L., SANTIAGO, Gláuber. Orquestra infantil e orquestra experimental da UFSCAR : Uma solução para continuidade do processo de musicalização. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 9, 2001, Uberlândia. Anais do X Encontro Anual da ABEM. Uberlândia: ABEM, 2001, p.115-120. SILVA, Caetana J. R. Duetos para Oboés como material pedagógico: Arranjos e transcrições de obras de compositores brasileiros. Goiânia, Dissertação de Mestrado, Escola de Música e Artes Cênicas, Universidade Federal de Goiás, 2003. SUZUKI, S. . Suzuki Violin School, Vol. 1. Tóquio: Zen-on Gafuku Shuppan-sha, 2000. BASTOS, Celso. Aspectos dos Processos de Criação e Elaboração de Arranhos no trabalho do grupo Alma Brasileira. Goiânia, Dissertação de Mestrado, Escola de Música e Artes Cênicas, Universidade Federal de Goiás, 2003. PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Critérios para elaboração de arranjos para aulas coletivas de violino Pesquisa concluída Prof. Dr. Ricardo Dourado Freire Departamento de Música da UnB

Maria Luiza Volpini de Mendonça Departamento de Música da UnB

Sandra Ferraz Freire Departamento de Ciência da Educação do IESB

Ricardo Dourado Freire SQS 402 Bl. H Apt. 304 70,236-080 Brasília- DF email: [email protected] Maria Luiza Volpini de Mendonça SQS 412 Bl. L Apt. 305 70.278-120 Brasília-DF email: [email protected] Sandra Ferraz Freire SQS 402 Bl. H Apt. 304 70,236-080 Brasília- DF email: [email protected]

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