Crítica à Execução Antecipada da Pena

June 8, 2017 | Autor: Salo Carvalho | Categoria: Penology, Processo Penal
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Crítica à execução antecipada da pena (a revisão da súmula 267 pelo STJ) | IBCCRIM - INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 149 - Abril / 2005 Sumário

Crítica à execução antecipada da pena (a revisão da súmula 267 pelo STJ)

Editorial

Autor: Alexandre Wunderlich e Salo de Carvalho

Artigos Jurisprudência

Advogado, professor de Direito Penal e coordenador do Curso de Pós-graduação em Direito Penal Empresarial da PUC/RS Advogado, professor de Direito Penal no Programa de Pós-graduação em Ciências

GESTÃO DO BOLETIM BIÊNIO 2005/2006 Coordenador chefe: Mariângela Gama de Magalhães Gomes

Coordenadores adjuntos: Andréa Cristina D’Angelo, Leopoldo Stefanno Leone Louveira, Mariângela Lopes Neistein, Paulo

Conselho Editorial

Criminais da PUC/RS Foi publicado, em 2 de fevereiro de 2005, acórdão da 6ª Turma do STJ, no Habeas Corpus n° 25.310, com relatoria do ministro Paulo Medina. O julgado é originário da ação constitucional de liberdade impetrada contra a vice-presidência do TRF da 4ª Região, que determinava cumprimento de pena sem o trânsito em julgado de sentença penal condenatória — execução penal antecipada. A opção do TRF da 4ª Região em executar provisoriamente seus julgados, situação universalizada em outros tribunais do País, está escorada no entendimento de que os Recursos Federais (Especial e Extraordinário), interpostos contra acórdão condenatório, não têm efeito suspensivo, conforme disciplina o art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90. Segundo este entendimento, “pacificado” no ementário sumular nº 267 do STJ(1), o recorrente condenado em segundo grau de jurisdição, ainda que inexistente o trânsito em julgado da decisão por força da interposição de Recursos por violação à Constituição, à lei federal ou por divergência jurisprudencial, diante da ausência de efeito suspensivo ao meio de impugnação, iniciaria (antecipadamente) o cumprimento da sanção (privativa de liberdade, restritiva de direito ou pecuniária). Importante referir que tal fundamentação vinha sendo severamente criticada pela Academia e pelos Movimentos Políticos compromissados com a visão constitucional do processo penal, pois engajados na teoria crítica com base no garantismo penal(2). No entanto, a recente decisão do STJ parece recepcionar o discurso crítico, reafirmando que o horizonte de projeção do Direito Penal deve restar limitado à racionalização dos poderes punitivos, a fim de evitar o abuso(3). Com a publicação do acórdão do Habeas Corpus nº 25.310, a 6ª Turma do STJ rediscute o entendimento que tanto tem produzido efeitos deletérios no sistema criminal brasileiro que se pretende constitucionalizado. A Corte projeta o fim da teratológica criação jurisprudencial, questionando a legitimidade da sua própria súmula. Demonstra, no nosso entender, a necessária maturidade de rever posições, sem tradicional temor da incoerência, sobretudo quando está a se tratar de direitos fundamentais. A decisão encontra-se assim ementada: “Penal e processual penal. Habeas corpus. Condenação. Recurso especial e extraordinário. Efeito suspensivo. Inexistência. Cumprimento provisório de pena restritiva de direitos. Ilegalidade. Inconstitucionalidade. Ordem concedida 1. Não subsiste o art. 637, do Código de Processo Penal, diante dos princípios constitucionais do estado de inocência e devido processo legal, pois não recepcionado pela Constituição da República; 2. O art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90 estabelece regras gerais sobre os recursos especial e extraordinário, e, frente aos princípios constitucionais do estado de inocência e devido processo legal e à Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), não abarca esses recursos quando encerrarem matéria penal cujo conteúdo tenda a afastar a pena imposta; 3. Inteligência dos princípios da máxima efetividade e da interpretação conforme a constituição, cânones da hermenêutica constitucional;

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4. Tanto o art 669 do Código de Processo Penal, quanto a Lei nº 7.210/84 exigem o trânsito em julgado de decisão que aplica pena restritiva de direitos para a execução da reprimenda; 5. Ordem concedida.” Cumpre, então, publicizar o recente precedente, destacando a leitura garantista realizada nos votos dos ministros Paulo Medina, Nilson Naves e Paulo Gallotti. Percebe-se nitidamente no julgado a efetivação do processo de hermenêutica constitucional, com a filtragem da legislação inferior, diferentemente dos tradicionais entraves que a jurisprudência das Cortes Criminais coloca na efetivação dos direitos de liberdade. O acórdão produz o (pretendido) encurtamento do espaço entre as decisões do Foro e o discurso acadêmico. Neste sentido, importante perceber as sutilezas do voto do ministro relator Paulo Medina: “De acordo com a Carta Política, a liberdade é a regra, só excepcionada quando, em processo regular, sob o exercício da ampla defesa e contraditório, frutos do devido processo legal, advém juízo condenatório definitivo, transitado em julgado. Admitir a execução da pena apenas como efeito de decisão condenatória recorrível ofende o princípio do favor libertatis e atenta contra a dignidade da pessoa humana — pilar sobre o qual assenta a República Federativa do Brasil — ao desconsiderar os princípios constitucionais que a concretizam”. (...) “Não é outro o entendimento de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, que afirmam: 'Não parece razoável, à luz da disposição constitucional, que se possa falar em execução, definitiva ou provisória, do julgado penal ainda não definitivo, no tocante à aplicação da pena, especialmente em face das intromissões que o denominado tratamento penitenciário estabelece nas esferas mais íntimas da personalidade do sujeito. Aliás, a própria Lei de Execução Penal (nº 7.210/84) só prevê a expedição da guia de recolhimento para a execução transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade (art. 105). E também o art. 160, do mesmo diploma, estabelece que a audiência admonitória do sursis só se realiza depois de transitada em julgado a sentença condenatória. Desta feita, em se considerando esses textos, principalmente os de patamar constitucional, é vedada a expedição de mandado de prisão exclusivamente em virtude de condenação ou confirmação de sentença condenatória em segundo grau, antes de seu trânsito em julgado, tanto para acusados que prestaram fiança ou se livraram soltos — e ainda com maior razão — para aqueles outros que sequer foram presos em flagrante, temporária ou preventivamente, ou que tenham obtido liberdade provisória sem fiança, não se podendo falar em execução penal antecipada', o que é inadmissível em nosso ordenamento' (apud Roberto Delmanto Júnior et al, opus cit., p. 227). Luiz Vicente Cernicchiaro também entende que: '... a situação de condenado ter o termo a quo após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória é conseqüência lógica dos princípios que, com vigorosa cautela, resguardam o réu durante a apuração do fato-infração penal. Se o status de condenado começasse antes do término do processo, o contraditório e a defesa plena seriam postergados, cedendo espaço a presunções que não encontram guarida na Constituição'. O art. 5º, LVII, é simplesmente declaratório. Não perde, porém, a sua importância. Em conseqüência, a pena e a medida de segurança somente podem ser impostas depois da definição, insista-se com o trânsito em julgado da sentença, da infração penal ou da inimputabilidade. (...) Enquanto inexistente o status de condenado, registrou-se, não se aplicam penas nem medida de segurança. Logicamente, não há que se falar na suspensão condicional da pena (rectius — suspensão condicional da execução da pena) nem nos efeitos da sentença condenatória. A decisão condenatória sujeita a recurso, uma vez interposto e enquanto não confirmada definitivamente, tem efeito suspensivo (...)”. Na mesma linha de interpretação constitucional o ministro Nilson Naves exige, que exige, corajosamente, o “ajustamento” da Súmula 267 pela Corte: “De outra banda, presume-se que a pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico. Em qualquer lugar, a qualquer momento, aqui, ali e acolá, esse princípio é convocado em nome da dignidade da pessoa humana. Diante dessas aligeiradas linhas, ando perguntando a mim se se justifica a expedição de mandado de prisão, puramente, antes que a sentença penal condenatória transite em julgado. Há, da Terceira Seção do Superior Tribunal, a Súmula 267. 'A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/2965-Critica-a-execucao-antecipada-da-pena-a-revisao-da-sumula-267-pelo-STJ

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condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.' Não participei da formação da Súmula, mas lhe devo respeito, como respeito aos precedentes do nosso tribunal, a todos, embora o próprio tribunal, para minha tristeza, profunda tristeza, nem sempre respeite seus próprios precedentes. Devolhes respeito, dou-lhes fé e deixo com eles a minha fé, mas deles, não obstante tanto respeito e tanta fé, posso dissentir, até porque o nosso Regimento nos autoriza a remessa dos feitos à Seção ou à Corte Especial quando propomos a revisão da jurisprudência já assentada. (...) Conquanto não tenha eu, pessoalmente, participado, repito, da formação da Súmula, estou propondo a mudança do seu enunciado. Trago, então, uma sugestão, consubstanciada em que a interposição, digamos, do recurso especial, não obstaria, a teor da leitura da Súmula 267, a expedição de mandado de prisão, desde que, nesse caso, o tribunal ou juiz justificasse a prisão, tal como acontece, por exemplo, com a prisão preventiva, ut art. 315. Isso obviamente implicaria alteração da Súmula 267. Pensei até em sugerir fosse ela cancelada, verificando, depois, que é possível manter o enunciado, desde que alterado. Encaminhei, assim, o meu raciocínio no sentido de sugerir a alteração; com ela, parece-me, salvo melhor entendimento, que é possível o ajustamento da lei ao princípio da presunção de inocência. No caso em comento, foi o juiz da causa quem disse que haveria de se aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, quem apelou foi a defesa, somente ela, e foi o tribunal que determinou se expedisse o mandado de prisão, fêlo sem nenhuma achega, sem nenhum fundamento, daí decorrer, portanto, a apontada coação ilegal (...)”. Após alguns anos produzindo efeitos irreversíveis no sistema de Justiça Penal brasileiro, a Turma do STJ reconhece o descalabro da Súmula 267. O entendimento que funda a execução penal antecipada, advindo da leitura isolada do art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90, densifica o sistema inquisitivo projetado no velho CPP. O acórdão, optando por um modelo processual de cariz acusatória na tutela da presunção de inocência, afirma que somente com o trânsito em julgado da sentença condenatória o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento. Ato contínuo, reproduz os artigos 105, 106, 107, 147, 160, 164, 171, 172 da LEP, e o art. 50 do CP. Todos os dispositivos citados pelo relator instrumentalizam a garantia constitucional, qual seja, de que ninguém poderá ser recolhido para cumprimento de pena sem o transito em julgado da sentença penal condenatória. A experiência forense revelou que a pena antecipada acaba por ser definitiva, pois em muitas oportunidades o recorrente cumpre sua integralidade (provisoriamente), ou até é indultado, sem, contudo, haver o julgamento de seus Recursos aos Tribunais Superiores. Assim, em sendo mantido o entendimento da Súmula 267 do STJ, em inúmeros casos resultará inócua a interposição de recursos que visam o resguardo da constitucionalidade e legalidade do processo penal e a uniformização da jurisprudência. Vê-se, pois, que o sistema de execução penal estabelecido pelo CPP, pela LEP e pelo CP exige, como regra geral, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para que, após, se inicie a execução da sanção. Mas não é só. Impõese, na esteira do precedente do STJ, o cumprimento da norma constitucional da presunção de inocência(4), obstando-se, de uma vez por todas, a execução antecipada. Não há como se pretender, como fez a Lei nº 8.038/90, excluir o efeito suspensivo dos Recursos Extraordinário e Especial, tratando, desde o local de uma superada teoria geral, paritariamente os processos civil e penal, cujo objeto e finalidade são absolutamente distintos. Se se conseguiu estabelecer a possibilidade de execução provisória no juízo cível, assegurando o gozo da propriedade, ferreteou-se, na esfera criminal, o princípio da presunção de inocência. Para finalizar cumpre lembrar que o acesso aos recursos (direito do duplo grau de jurisdição e do devido processo penal), deve ser considerado como garantia processual constitucionalizada(5), como um direito fundamental inegociável. Somente desde esta perspectiva haveria a legitimação de um dos principais postulados do modelo penal de garantias, qual seja, o ônus de eventual impunidade de um culpado amparado pelo bônus de que nenhum inocente cumpra injustamente pena. Notas (1) “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”. (2) Nesse sentido: Rogério Lauria Tucci, “Limitação da extensão de apelação e inexistência de execução penal provisória”, Revista Brasileira de Ciências Criminais (33), pp. 9-62; Maurício Kuehne, “Considerações sobre a execução provisória da http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/2965-Critica-a-execucao-antecipada-da-pena-a-revisao-da-sumula-267-pelo-STJ

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sentença penal”, Revista de Informação Legislativa (127), pp. 97-107; Alexandre Wunderlich, “Por um sistema de impugnações no processo penal brasileiro: fundamentos para a (re)discussão”, Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Prof. Paulo Cláudio Tovo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002; Alexandre WUNDERLICH, “Muito Além do Bem e do Mal: considerações sobre a execução penal antecipada”, Crítica à Execução Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. (3) Daí a relevância da afirmação de movimentos políticos de resistência teórica e prática que visem maximizar garantias e limitar o poder punitivo, a fim de evitar e/ou minimizar violações aos direitos fundamentais. Nesse ponto, importante trabalho vem desenvolvendo o Instituto Carioca de Criminologia (ICC) e o Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC-RS), com a apresentação de Memorial, a propósito do reexame, pelo Plenário do STF, da natureza da prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível na Reclamação nº 2.391. Da mesma forma, fundamental a atividade do Movimento Antiterror, presidido por Luís Guilherme Vieira (com apoio do IBCCRIM, ITEC-RS e ICC), sendo recomendável a leitura de sua Carta de Princípios (“Carta de princípios do Movimento Antiterror”, Revista de Estudos Criminais (10), pp. 07-19. (4) Vide artigos 5º, LV; 102, III e 105, III, da CR e, ainda, art. 8º, 2, 'h', do Pacto de São José da Costa Rica – Decreto nº 678/92. (5) Nesse sentido, conferir Luis Alfredo de Diego Díez, El Derecho de Aceso a los Recursos: Doctrina Constitucional, Madrid: Colex, 1998 e Ricardo YÁÑEZ VELASCO, Derecho al Recurso en el Proceso Penal: Nociones Fundamentales y Teoría Constitucional. Valencia: Tirant lo blanc, 2001. Alexandre Wunderlich

Advogado, professor de Direito Penal e coordenador do Curso de Pós-graduação em Direito Penal Empresarial da PUC/RS Salo de Carvalho

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