CRITICA AO MÉTODO DE ESCAVAÇÃO ARQUEOLÓGICA ARBITRÁRIA

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REVISTA TARAIRIÚ – ISSN 2179-8168

CRITICA AO MÉTODO DE ESCAVAÇÃO ARQUEOLÓGICA ARBITRÁRIA

Valmir Manoel MENDES JUNIOR1 Valdeci dos SANTOS JÚNIOR2

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Rua José Bonifácio, 227, Qd 26, Lt 18, CEP: 74.865-180, Goiânia – Goiás. [email protected] Rua Professor Antônio Campos, 15 – Bairro Costa e Silva – CEP: 59625-620 – Mossoró-RN. [email protected] 2

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CRITICA AO ARBITRÁRIA

MÉTODO

DE

ESCAVAÇÃO

ARQUEOLÓGICA

RESUMO O método de escavação arqueológica, que já faz parte da cultura arqueológica brasileira e, que há vários anos não sofre mudanças metodológicas é o conhecido “método arbitrário por quadriculas”. Este método já é considerado obsoleto e impróprio para escavações arqueológicas, principalmente em sítios visivelmente estratificados. Este artigo mostra as deficiências do método arbitrário e propõe uma reflexão sobre a importância de interpretar o contexto arqueológico por meio de uma escavação estratigráfica. Palavras-Chave: escavação arbitrária, estratigrafia, contexto ABSTRACT The method of archaeological excavation that is already part of the archaeological Brazilian culture and the several years does not suffer methodological changes is the known "arbitrary method by grid." This method has long considered obsolete and inappropriate for archaeological excavations, especially in visibly stratified sites. This paper shows the shortcomings of the arbitrary method and proposes a reflection and the importance of interpreting the archaeological context through of the stratigraphic excavation. Keywords: arbitrary excavation, stratigraphy, context.

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INTRODUÇÃO “...a escavação parcial e a amostragem levam geralmente a decisões erradas” (BANDINI, 2005, p.18).

Se imaginarmos que as metodologias de escavação arqueológica baseadas em princípios da estratigrafia arqueológica já estão em vigor desde o início dos anos de 1960, vêm naturalmente uma série de questionamentos: Por que no Brasil essas metodologias não são aplicadas ou são raramente aplicadas? Por que se usa de forma maciça a escavação por níveis arbitrários? Os arqueólogos brasileiros estão desatualizados ou desinteressados em inovações, que não são mais novidades em várias partes do mundo? Será que se chegou à conclusão de que no Brasil não existem sítios arqueológicos estratificados, de nenhuma natureza, e consequentemente não é necessário a utilização do método estratigráfico? Em vários países europeus, há muito tempo, não se escava mais simplesmente em busca do objeto enterrado. Todas as escavações realizadas nestes países obedecem a métodos que são comprovadamente muito eficazes em relação a qualidade e a quantidade de informação obtida. As primeiras menções de escavação arqueológica, divulgadas no início do século XVIII, tinham como base o princípio da busca incessante ao objeto de valor. Conhecendo a imaturidade metodológica da arqueologia na época, fica evidente “que estas escavações eram realizadas sem qualquer preocupação de contextualização dos objetos e, consequentemente, sem qualquer gênero de metodologia particular aplicada” (MANACORDA, 2002, p.188). Neste período a arqueologia era simplesmente uma atividade que funcionava como “um instrumento de extração em vês de um método de pesquisa” (BINFORD, 1983, p.102). Entre os séculos XVIII e XIX, as escavações do “tipo arqueológica”, estavam muito na moda, principalmente porque os objetos que essas escavações forneciam, eram solicitadas por vários antiquários e colecionistas da época. Estas escavações funcionavam de uma forma muito simples e básica, ou seja: “a escavação de um tesouro, depois de encontrado o lugar, não necessitava de outra coisa a não ser a escavação de um buraco, o mais rápido possível, e suficientemente grande para retirar objeto” (MANACORDA, 2002, p.189).

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Essas escavações tinham uma prioridade, a preocupação de não destruir os objetos achados, pois é evidente que, tais objetos danificados perderiam a sua “beleza” e de consequência o seu valor comercial. Foi essa preocupação, com a “relíquia”, que levou os primeiros “escavadores” a terem maior atenção com o modo de retirada desses objetos. A realização de buracos desordenados evoluiu rapidamente e se passou a um modo mais amplo e abrangente, as conhecidas “trincheiras”, visto as vantagens da maior retirada de sedimento. Mas mesmo com essa evolução momentânea, a “terra” era considerada ainda um elemento sem interesse e, portanto, deveria ser simplesmente retirada e descartada para se chegar ao tão almejado objeto. Um exemplo clássico desse tipo primitivo de escavação ocorreu com Richard Colt Hoare, histórico e “escavador inglês”. Richard, já no início do século XIX, realizava “buracos nos túmulos a procura de relíquias da forma mais rápida possível”, mostrando que o interesse inicial das escavações de tipo “arqueológica” não estava direcionado aos fragmentos cerâmicos, ao contexto ou aos detalhes estratigráficos, mas sim ao vaso inteiro, aos objetos preciosos e íntegros (GRAY, 1906, p.3). Este tipo de inicial de atividade vem confirmar o posicionamento de LLORET (1997, p.151) quando diz que “a realização do ato de escavar como uma forma de recuperação de objetos do passado parece ser uma atividade inerente ao ser humano”. Gradativamente, se começou a aceitar e a compreender a importância, também do sedimento e, de tudo que estava ao redor dos objetos preciosos, ou seja, do seu contexto. É a partir dessas observações que se começa a valorizar o método de obtenção e de registro das informações presentes e, sucessivamente, a importância da estratigrafia nas escavações arqueológicas. Do ponto de vista estratigráfico, os “escavadores” que começaram a entender melhor o sentido de uma escavação cientifica, estavam interessados inicialmente em muros, paredes e outras grandes estruturas, e somente muito tempo depois nos estratos arqueológicos. Essa breve introdução, é apenas uma amostra de como as intenções, objetivos e métodos mudaram no decorrer do tempo em relação ao que deveria,

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e consecutivamente foi considerado, ser objeto de valor na arqueologia – o contexto. A ESCAVAÇÃO ARQUEOLÓGICA “O uso de níveis arbitrários é a garantia certa de um mau trabalho” (HARRIS, 1991, p.42).

As técnicas de escavações arqueológicas aplicadas no Brasil são derivadas quase que exclusivamente de estudos realizados nos Estados Unidos da América. País que, por sua vez, iniciou a utilizar a escavação arbitrária em meados de 1915 com o arqueólogo Nels Nelson (PRAETZELLIS, 1993, p.73). Esses métodos importados continuam sendo os mesmos aplicados há várias décadas atrás. Pelo que se tem de registro, até hoje houve poucas tentativas de desenvolvê-las ou inová-las. Essa condição de estagnação metodológica, foi observada também na Austrália há alguns anos atrás, onde este pais seguia a mesma problemática encontrada no Brasil. Entretanto, lá essa deficiência foi amplamente sanada e os australianos conseguiram aplicar e adaptar as mudanças necessárias. Edward Higginbotham (1985, p.8) conseguiu expressar bem esta problemática metodológica quando mencionou sobre o motivo da despreparação da Austrália no passado para o entendimento da falta de desenvolvimento das metodologias de escavação “Isto não é surpreendente, uma vez que o oficio da escavação não se aprende em livros, mas a partir de um longo aprendizado conseguido em uma série de escavações ao longo de vários anos”. Uma situação análoga já aconteceu na Itália, especificamente em meados dos anos 70, onde Andrea Carandini, um dos maiores arqueólogos italiano, já polemizava contra o baixo nível das pesquisas arqueológicas que estavam sendo executadas naquele pais. Lá o principal problema era ainda a escavação sem controle estratigráfico. Carandini considerava essencial unificar, a nível europeu, as técnicas de escavação como também indispensável uma cooperação entre os países, visto que a Itália permaneceu por muito tempo atrasada com relação a arqueologia. Hoje, a Itália é considerada um pais na vanguarda em relação a metodologias de escavação arqueológica. A escavação arqueológica no Brasil, como em qualquer outra parte no mundo, pode ser considerada como o momento central de uma pesquisa

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arqueológica em toda a sua complexidade. Entre outras definições a escavação arqueológica pode ser definida como “uma prática de pesquisa histórica que produz conhecimento através de um processo de desmontagem da estratificação, causando a sua destruição” (MANACORDA, 2002, p.188). Recentemente, essa mesma definição veio corroborar com outra teoria que especifica as funções básicas da escavação nos estudos de arqueologia, que é o de realizar “uma sequência de operações e procedimentos, metodologicamente controlados, que servem para desmontar as estratigrafias naturais e antrópicas presentes em um sítio arqueológico, cujo objetivo é a coleta da maior quantidade possível informações a respeito do mesmo” (TIAGO, 2002, p.2). Baseado nesses dois conceitos metodológicos fica evidente que a escavação arqueológica é para todos os efeitos uma atividade de caráter inevitavelmente destrutiva, sendo um assunto recorrente nos trabalhos de metodologia de escavação. Philip Barker (1982, p.37), um dos maiores exponentes da escavação arqueológica moderna salienta que “a escavação arqueológica ocupa um lugar particular nas experiências científicas, pois as teorias propostas não podem ser verificadas através da realização de uma segunda experiência nas mesmas condições”. Além do mais, atualmente, a escavação arqueológica não serve mais para responder as perguntas do arqueólogo, mas, é o pesquisador que deve responder as perguntas da escavação, pois a mesma revela o que existe e não o que o arqueólogo pressupõe que exista. Esta condição destrutiva da escavação arqueológica faz com que toda e qualquer escavação realizada com métodos que não possam ser replicados, como no caso da escavação arbitrária, leve a uma perda exponencial de informações que prejudicam irreparavelmente os resultados de uma pesquisa arqueológica e, consequentemente, a perda de informações referentes ao patrimônio arqueológico de uma determinada área. Como muitos têm apontado, “uma escavação mal realizada é pior do que não escavar” (HODDER, 1999, p.31).

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CRÍTICA À ESCAVAÇÃO ARBITRÁRIA POR QUADRICULAS INDIVIDUAIS “A sequência estratigráfica arbitrária nunca deixará de ser um bloco monolítico, cujo uso constitui uma desgraça para qualquer arqueólogo que trabalhe em sítios que tenham uma estratificação visível, ou seja, quase todos os sítios arqueológicos do mundo” (HARRIS, 1991, p.163).

De acordo com Wheeler (1954, p.53), a escavação arbitrária teve sua origem em 1865 com o arqueólogo inglês W. Pengelly (Figura 1) e em 1915, já é mencionada no que pode ser considerado como o primeiro manual de escavação arqueológica moderna “Archaeological Excavation” (DROOP 1915, p.11-12). Mais tarde o método sofreu uma adaptação com o arqueólogo holandês Albert Van Giffen (1884-1973) que, em plena 1º Guerra Mundial, no ano de 1916, desenvolveu um método que “se baseava em dividir a área a ser escavada em quadrados, que posteriormente seriam escavados por cortes geométricos, totalmente independente do andamento da estratigrafia presente, de forma alternada e autônoma”. Essa alternância deixava na área escavada paredes e testemunhos de terra, que não eram escavados (HARRIS, 1991, p.37). (Figura 2) De uma forma mais simplificada a escavação arbitrária é simplesmente a retirada da terra de qualquer jeito de um sítio arqueológico, utilizando níveis de espessura predeterminada (HARRIS, 1991, p.34).

Figura 1 - Modelo de escavação de Pengelly Fonte: Junior Mendes, 2016

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Figura 2 - Modelo de escavação de Giffen Fonte: Junior Mendes, 2016

A concepção desta tipologia de escavação foi idealizada a partir de um princípio elaborado e relacionado exclusivamente com a estratigrafia geológica. Este princípio conhecido como “princípio da superposição dos estratos” (Conceito de que os estratos mais antigos de rocha estão no fundo de uma sequência de estratos de rocha mais jovens depositado sobre eles) (KURNIAWAN, PUTRI & MC. KENZIE, 2009, p.48), foi o precursor de vários métodos de escavação arqueológica, que são aplicados, lamentavelmente, até os dias atuais, e que certamente não ajudou no desenvolvimento de métodos mais eficazes (MANACORDA, 2002, p.188). Essa concepção, formadora dos primeiros princípios arqueológicos, já evoluiu para compreensões mais complexas e hoje chegou ao nível de estratigrafia não mais geológica, mas arqueológica. O sistema de escavação arbitrária, o qual viria a evoluir e a se transformar no mais conhecido “Método de Wheeler-Kenyon” é considerado, na atualidade, por muitos arqueólogos como ultrapassado, por ser evidentemente um método “antiestratigráfico”.

Este

método

desconsidera

a

estratigrafia

e,

consequentemente, o contexto arqueológico no qual está relacionado e também

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traz consigo uma série de implicações de caráter interpretativo. Isto porque, mesmo que o arqueólogo que o utilize, realize uma documentação gráfica particularmente precisa à nível de plantas e perfis, terá necessariamente como resultado a mistura inevitável de estratos diferentes que estão presentes. Essa mistura se dá devido à própria natureza do método que, em vez de realizar a retirada dos estratos seguindo a sua ordem de deposição estratigráfica, corta um ou vários estratos ao mesmo tempo e indiscriminadamente além de deixar testemunhos em locais aleatórios (LEONARDI, 1982, p.115; DEETZ, 1967). Além do mais, como adverte (HIGGINBOTHAM, 1985, p.12) mesmo que todos os testemunhos deixados sejam removidos no final da escavação, será bem provável que os vestígios arqueológicos neles presentes, não serão individuados ou interpretados. Se os testemunhos forem removidos numa fase tardia, a sua interpretação também estará totalmente fora de fase com o restante da escavação visto que muitas vezes são retirados de forma fragmentada e precipitada. Newlands & Breede (1976, p.41) confirmam que essa condição, de que a quadricula individual e os testemunhos remanescentes, levam a uma perca exponencial de informação, já que a mesma se dá basicamente pela tipologia de conceito da sua utilização. O fato de cortar os estratos de forma predeterminada e com profundidades preestabelecidas sem considerar a estratigrafia, faz com que os mesmos (estratos), incluindo os artefatos neles contidos, saiam do seu contexto natural e se misturem com os objetos de outras camadas, já que por meio desse método não será possível respeitar as diferenças nas sequências estratigráficas existentes na área de intervenção. Esse mesmo fato, o de cortar mais de um estrato contemporaneamente, leva a uma reflexão já colocada em 1986, por Edward Harris, um dos grandes revolucionários do método de registro da escavação arqueológica. O posicionamento de Harris vem corroborar a análise de vários outros arqueólogos (HAAG, THIAGO, MANACORDA, LEONARDI), onde especifica que “a escavação arbitrária tem como principal objetivo recuperar artefatos da posição em que eles se encontram” desconsiderando as informações contidas nos estratos (HARRIS, 1991, p.37). Esta mistura na sequência estratigráfica, causada pelas características do método, torna a escavação arbitrária um sistema onde é “impossível determinar

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com um mínimo de validez estratigráfica quais os estratos e objetos são originais, residuais ou infiltrados” (HARRIS 1991, p.171), já que, devido à mistura de camadas, o resultado produzido pelo arqueólogo, naquela intervenção, será que todos os estratos e objetos retirados serão convertidos em vestígios residuais (Figura 3). Essa constatação vem do fato que o arqueólogo, que provar a elaborar uma sequência estratigráfica com este método, elaborará inevitavelmente uma "sequência estratigráfica" de caráter arbitrário, ou seja uma “sequência métrica” (HARRIS, 1991, p.41).

Figura 3 - Modelo de escavação arbitrária por níveis artificiais com relativa Matriz de Harris Arbitrária Fonte: Junior Mendes, 2016

Esta condição da desconsideração da estratigrafia presente no método arbitrário não é nova, pois desde que foi iniciada, em 1916, continua com poucas diferenças até os dias atuais. Um outro problema, que pode ser considerado ainda mais grave, do método arbitrário, é o referente a relação “profundidade/cronologia” do método. Segundo Hole & Heizer (1969, p.103), essa relação também conhecida como “estratigrafia métrica” faz com que todos os arqueólogos que a utilizem assumam "a dimensão temporal dos objetos enterrados, ou seja, que todos os Campina Grande - PB, Ano VI – Vol.1 - Número 12 – Agosto de 2016

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objetos encontrados no mesmo nível sejam tratados como contemporâneos”. Desta

forma,

esse

método

de

escavação

quando

utilizado,

mistura

inevitavelmente a estratigrafia presente, complicando imensamente toda a cronologia do sítio. Além do mais, este termo “estratigrafia métrica” é inexato, uma vez que a ideia não é baseada na estratificação, mas no método de escavação. Na figura 4 e 5 abaixo, fica evidente como a escavação arbitrária, comparada a uma escavação estratigráfica, misture objetos de diferentes camadas

e,

inevitavelmente,

perturbe

irreversivelmente

as

relações

estratigráficas e cronológicas (HARRIS, 1991, p.170).

Figura 4 - Modelo de escavação arbitrária com relativa Matriz de Harris Arbitrária Fonte: Junior Mendes, 2016

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Figura 5 - Modelo de escavação estratigráfica e relativa Matriz de Harris Estratigráfica Fonte: Junior Mendes, 2016

Os exemplos ilustrados acima mostram a mesma situação vista por duas metodologias de escavações diferentes, primeiramente um modelo de escavação arbitrária de 1m x 1m x 50cm de profundidade (Figura 4) e posteriormente um modelo de escavação estratigráfica, que neste caso terá um recorte também de 1m x 1m x 50cm para ser melhor compreendido (Figura 5). Em ambos os exemplos foi inserido um vestígio arqueológico, que neste exemplo, criado artificialmente, terá 1.000 anos e está localizado a uma profundidade de 20 cm. Quando o vestígio for localizado pelo método arbitrário, se terá uma referência cronológica, ou seja, será o vestígio que datará o nível, a camada, a espessura e todo o limite da quadricula, fazendo com que tudo naquele nível tenha consequentemente 1.000 anos de idade. Essa condição mostra uma das principais vulnerabilidades do método, pois nesse caso não é considerada a possibilidade que o vestígio tenha sido infiltrado por meio de bioturbação ou por meio de uma intervenção antrópica. Deste mesmo ponto de vista, toda a cronologia da área arqueológica será comprometida. O fato do vestígio arqueológico que apresenta uma datação de 1.000 anos, estar abaixo de outra camada, fará automaticamente com que a camada

superior

tenha

consequentemente

menos

de

1.000

anos

invariavelmente.

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Imaginemos um vestígio que tenha sido trazido de outra localidade por bioturbação ou por intervenção antrópica, (que realmente tenha 1.000 anos), e tenha sido novamente enterrado na área a ser escavada, que por exemplo tenha só 200 anos. Esta situação fará com que a profundidade e toda a camada onde está localizado o vestígio tenham arbitrariamente a idade de 1.000 anos. Assim todos os objetos encontrados no mesmo nível serão considerados da mesma época ou depositados no mesmo tempo. Essa compreensão fica mais evidente no exemplo da escavação estratigráfica (Figura 5). Nesse exemplo, o mesmo vestígio localizado de 1.000 anos, será relacionado cronologicamente à sua unidade estratigráfica 3, e somente a ele. Pois, tendo sido individuado em uma unidade estratigráfica específica, poderá ter somente uma correlação do tipo estratigráfica com as outras unidades da escavação. Esta concentração de complicações, tanto a nível estratigráfico quanto cronológico, sofre uma amplificação ainda mais consistente quando o método é aplicado, não só mais em uma área de 1 metro quadrado, como padrão das escavações realizadas no Brasil, mas em uma área de maior dimensão, como exemplificado na Figura 6. O aumento da área a ser escavada utilizando o método arbitrário pode cancelar, não somente um contexto arqueológico, mas inúmeros. Imaginemos que seja realizada uma escavação arbitrária em uma área dividida em 16 quadriculas de 1 metro quadrado cada uma (16 m 2), e que cada quadricula seja escavada em níveis arbitrários de 10cm independentes, dando a cada nível um número próprio. Se a escavação chegar a uma profundidade de 50 cm, a sequência estratigráfica resultante será como mostrada na Figura 6, ou seja, uma sequência estratigráfica, também arbitrária. Além do mais, o arqueólogo que realizar essas intervenções, seguindo esse sistema, irá criar novos resultados, e esses resultados serão de consequência, também arbitrários, ou seja, escavando através de níveis arbitrários será produzida uma sequência estratigráfica idêntica à de qualquer outra escavação. Por Unidade Estratigráfica, se intende um sinal tangível e reconhecível no terreno de uma única ação do homem ou da natureza. A terminologia expressa qualquer formação caracterizada por uma continuidade no espaço e por uma homogeneidade no tempo. Norme per la Redazione Della Scheda del Saggio Stratigrafico, Ministero per i Beni Culturali e Ambientali. Istituto Centrale per il Catalogo e la Documentazione Soprintendenza Archeologica di Roma, Multigrafica Editrice - Roma - 1984. Pg. 17. 3

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Figura 6 - Exemplo de escavação arbitrária com várias quadriculas e com relativa Matrix de Harris Arbitrária Fonte: Junior Mendes, 2016

Essa sequência, que a escavação arbitrária impõe a um sítio arqueológico, destrói para sempre a sua verdadeira sequência estratigráfica e as suas correlações contextuais. As "sequências estratigráficas arbitrárias" são as mesmas em todo o sítio que não pode ser dividido em fases e períodos. Nem tão pouco tem o valor analítico que as sequências estratigráficas normais possuem (HIGGINBOTHAM, 1985, p.16).

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Figura 7 - Exemplo de escavação por superfície ampla e relativa Matriz de Harris Estratigráfica Fonte: Junior Mendes, 2016

Na Figura 7 é mostrado o mesmo sitio (dividido em 16 quadriculas) escavado pelo método estratigráfico, juntamente com sua relativa Matriz de Harris, onde se tenta demonstrar as diferenças na qualidade, quantidade e economia de tempo do método, além de poder contar a possibilidade de reconstrução do sítio. De certa forma, como especifica Harris (1991, p.51), “A natureza estratificada de um sítio pode ser sumariamente destruída pelo uso injustificado do método de escavação baseado em níveis arbitrários”. No entanto, de longe, a crítica mais importante a ser imposta a escavação por quadriculas é a dificuldade que esta tem em reconhecer recursos arqueológicos. As pequenas diferenças presentes na composição do solo são muito difíceis de serem reconhecidas, principalmente quando estiver obscurecida pelos testemunhos deixados, o que agrava as severas limitações de tal método (HIGGINBOTHAM, 1985, p.11), e desta forma como salienta Praetzellis (1993, p.83) “A chave da questão é que escavar de acordo com camadas físicas não compromete encontrar formas alternativas para se compreender um sítio; por outro lado, a utilização do método arbitrário invalida a reconstituição total de qualquer sítio”. Se não bastasse, existe uma situação ainda mais prejudicial da utilização do método arbitrário por quadriculas individuais. Uma grande área, quando

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escavada, que tenha em campo vários arqueólogos, e que os mesmos trabalhem alternadamente em quadriculas diferentes, elevará ao máximo a dificuldade de observar, individuar e compreender a estratigrafia do sítio que está sendo escavado. A alternância de arqueólogos em escavações arbitrárias realizadas anualmente, faz com que todos os princípios aplicados por um arqueólogo na área, seja substituído por outro, que por motivos óbvios de estratigrafia não poderá compreender e recuperar as informações obtidas. Fato mencionado por Schulz (1981) que no seu livro “Salvando o resgate” comenta que “para dar um sentido a estratigrafia de um sítio fisicamente estratificado, mas escavados arbitrariamente por outros, no final a reconstrução simplesmente não é possível” (PRAETZELLIS, 1993, p.84). CONCLUSÃO: É RECOMENDÁVEL UTILIZAR O MÉTODO ARBITRÁRIO? “Em um famoso debate, Wheeler condena esta prática considerando-a contra os princípios da estratigrafia arqueológica” (HARRIS, 1991, p.170).

Fundamentado nas referências bibliográficas e nas informações obtidas até o momento, fica claro que a utilização do método de escavação arbitrária por quadriculas

é

altamente

prejudicial

à

uma

escavação

arqueológica,

principalmente se for realizada em sítios claramente estratificados. Desta forma recomenda-se que a utilização do método arbitrário por quadriculas seja direcionada, excepcionalmente, para a compreensão da estratigrafia de um sítio arqueológico. O método arbitrário poderá ser utilizado em situações onde seja necessária a verificação da tipologia, quantidade e direcionamento da estratigrafia de uma área de pesquisa. Neste caso, deverá ser utilizada apenas uma quadricula e seu posicionamento não deve estar em uma área que possa ser considerada o centro do sítio e sim a sua margem. Como salienta Harris (1991, p.29), usando-o de forma indiscriminada pode provocar a destruição da estratificação arqueológica de um sítio. Em alguns outros raros casos, em que as unidades de estratificação são irreconhecíveis, e onde se pode presumir uma grande espessura de um estrato, pode ser utilizado o método arbitrário. Mas a utilização deste método, nesta ocasião, estará relacionada diretamente “a tentativa de se ter uma menor perda

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de informação, quando o arqueólogo, não tendo maiores ferramentas para discriminar com maior definição um processo que se acredita ser mais complexo de quanto seja interpretável em campo” (LEONARDI, 1982, p.120). Porém, já adverte Harris (1991, p.42) referente aos resultados da aplicação do método nesta ocasião “as interpretações derivadas a partir dos resultados de uma escavação, em que algumas das áreas foram escavadas por níveis arbitrários,

deve

ser

tratada

com

cepticismo

em qualquer

análise

estratigráfica”. Alguns arqueólogos acreditam que através dos resultados obtidos com o método arbitrário, em escavações realizadas ulteriormente, é possível reconstruir a topografia e caracterizar a estratificação arqueológica de um sítio. Mas como afirma Schulz, (1981, p.41), “é impossível, pelo menos em um sítio, apesar da tentativa heroica de trabalhar com os dados registrados”. Já que segundo Harris (1991, p.42), “A impossibilidade de tais reconstruções é provavelmente a regra e não a exceção”. E ainda mais se considerarmos as palavras de Atkinson (1946, p.165), “Uma vez que o que os arqueólogos fazem é destrutivo, seu primeiro dever é documentar os registros do próprio solo, de tal modo a permitir uma variedade de abordagens para a interpretação do sítio”. Todas as informações apresentadas neste artigo, mostram como a arqueologia ainda se encontra em um nível de aprendizado e amadurecimento no Brasil. O que ainda é incompreensível é o motivo pelo qual a metodologia da escavação estratigráfica, desenvolvida há vários anos e muito mais completa, ainda não seja aplicada e, principalmente, ainda não seja ensinada nas universidades brasileiras. Essa falta de atualização e adaptação metodológica faz com que diariamente sejam realizadas escavações arqueológicas que ainda utilizem o método de escavação arbitrário por quadriculas. Desta forma, fica evidente que cada dia é mais um dia de perda de informação sobre o nosso passado, não por falta da existência de um método de escavação válido, mas pelo simples fato de ainda se utilizar um método obsoleto. Harris, há mais de três décadas (1979, p.202), na primeira edição dos princípios de estratigrafia arqueológica, citava “ainda há relutância para a aplicação das ideias estratigráficas na América, onde a maioria dos arqueólogos praticam o sistema de escavação arbitrária”, e complementa com “É lamentável que

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muitos arqueólogos norte americanos ainda usem o método de escavação arbitrário em situações injustificadas” (HARRIS, 1991, p.40), e é claro que esta afirmação se aplica diretamente a arqueologia brasileira. Essa referência demonstra que a relutância na utilização de métodos mais completos, como o método estratigráfico, já perdura por mais de três décadas, tanto nos EUA como no Brasil. Por fim, resumindo de uma forma praticamente básica, temos a citação de (HIGGINBOTHAM, 1985, p.13) onde demonstra que sem influência da estratigrafia ou das problemáticas cronológicas existentes, a invalidade do método de escavação arbitrária é que: “Escavar um sítio parcialmente, esperando assim economizar uma parte do recurso arqueológico, tentando obter um resultado capaz de interpretá-lo totalmente, não é ético”. Além disso, completando a linha de raciocínio, e inserindo o método em um contexto mais específico Praetzellis, (1993, p.84) cita a problemática da abordagem: Existem três principais dificuldades com a abordagem: Em primeiro lugar, é muito ineficiente e desnecessariamente desperdiça dados, visto que o material coletado de proveniência arbitrária, apresentará a inclusão de outras camadas no estudo, e desta forma não poderá ser usado em interpretações que se baseiem em camada, e consequentemente os artefatos provenientes destas camadas arbitrárias serão rejeitados. Além disso, mesmo em teoria, o método só poderia trabalhar em sítios onde as unidades de deposição sejam perfeitamente horizontais; embora esta não seja uma ocorrência incomum em sedimentos geológicos, nos sítios arqueológicos é a exceção e não a regra. Por fim, deixando que as medidas decidam onde se localiza o fundo das unidades de escavação, as superfícies de vida do sítio - o que Harris (1989) chama de “interfaces” serão perdidas. Uma vez que essas são as superfícies nas quais as pessoas na verdade viveram, e deixando de registrá-las será um desastre para a possibilidade de reconstruir a história do sítio.

Obviamente o tema discutido é muito vasto e não se há pretensão em esgotá-lo neste trabalho, pois o que se procura é traçar um bom painel da situação das metodologias de escavação arqueológica no Brasil a fim de propor mais reflexões sobre o tema. Bibliografia ATKINSON, R. J. C. Field Archaeology. Methuen & Co., London. 1946. BANDINI, F. Breve Guida all'Archeologia. Dispense sulla metodologia e le tecniche dello scavo. Corso di Archeologia Bíblica. Alinea Editrice s. r. 1. – Firenze. 2005.

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