Crítica de Pedro Nunes ao método proposto por Orôncio Fineu para a determinação da Longitude Geográfica

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Crítica de Pedro Nunes ao método proposto por Orôncio Fineu para a determinação da Longitude Geográca Teotónio José Pires Barroqueiro Setembro de 2003

Resumo Em 1544 é publicado por Orôncio Fineu, então lente de matemáticas do Colégio Real de Paris o Quadratura circuli tandem inventa, onde anuncia a resolução de alguns dos clássicos problemas matemáticos nomeadamente da quadratura do círculo e, entre outros assuntos, propõe a culminação superior da Lua para a determinação da Longitude geográca. Pedro Nunes, homónimo de Orôncio Fineu na Universidade de Coimbra e Cosmógrafo do Reino publica, em 1546, o De erratis Orontii Finæi, uma crítica precisa e devastadora ao Quadratura circuli do matemático francês. Tem como principal objectivo esta monograa esclarecer a linguagem promíscua, característica de Pedro Nunes, quando crítica a proposta de Orôncio para o uso da Lua na determinação da Longitude, o que constitui a 12a refutação do De erratis e avaliar a utilidade prática do método em toda a sua extensão teórica. Numa abordagem que se pretende integral e esclarecedora, esta memória apresenta as obras e os autores em questão, introduz a problemática do cálculo da Longitude e analisa o método proposto por Orôncio na pena de Pedro Nunes à luz do conhecimento actual, simplicando as mais complexas teorias, contextualizando adequadamente na história os conceitos e as noções a elas inerentes. Conclui nalmente que, mesmo relevadas as imprecisões de Orôncio Fineu criticadas por Pedro Nunes, e considerada a sua coerência teórica, a culminação superior da Lua não revela qualquer interesse prático na determinação da Longitude geográca.

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Conteúdo

1 Introdução

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2 As Obras

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3 Orôncio Fineu

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4 Pedro Nunes

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5 A Deteminação da Posição e o Problema da Longitude

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6 O Método Proposto por Orôncio Fineu

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5.1

A Determinação da Longitude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

7 Os Erros Revelados por Pedro Nunes 7.1 7.2 7.3 7.4 7.5 7.6

O O O O O O

Primeiro Erro  Sobre o Movimento da Lua . . . . . . . Segundo Erro  Sobre a Paralaxe . . . . . . . . . . . . Terceiro Erro  Sobre o Rigor da Instrumentação . . . . Quarto Erro  Sobre a Hora Legal . . . . . . . . . . . . Quinto Erro  Sobre a Determinação do Lugar aparente Sexto Erro  Sobre a Equação dos Dias . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . da Lua . . . .

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16 18 19 21 22 23

8 Sobre a Utilidade do Método Proposto por Orôncio Fineu

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9 Conclusão

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Introdução

Conhecer a sua posição cedo se revelou de primordial interesse para o Homem. As razões são do mais variado âmbito e serão abordadas no Capítulo A determinação da posição e o problema da Longitude desta monograa, no entanto torna-se indispensável referir que esteve esta questão no cerne do desenvolvimento tecnológico do tempo em que se insere. Como adiante se referirá, vários foram os métodos propostos para a determinação da posição, em concreto, da Longitude geográca, fundamentados nas mais pitorescas teorias e por vezes repletos de hediondos argumentos. Quando 1544 o matemático francês Orôncio Fineu publicou a obra Quadratura propôs também ele, entre outras questões matemáticas, um método astronómico para a resolução da problemática da Longitude, nomeadamente, um método baseado na culminação superior da Lua. Esta obra difundiu-se pela Europa e chegou ao conhecimento de Pedro Nunes que prontamente identicou diversos erros e resolveu publicar, atempadamente, a sua obra De erratis Orontii Finæi, onde revelou as imprecisões de Orôncio e as corrigiu no desejo de que os que buscam a verdade não sejam iluminados pela luz das trevas patente na obra de Orôncio. circuli tandem inventa

Característica de Pedro Nunes é a linguagem por vezes complexa acompanhada dos mais confusos raciocínios e explicações, o que impossibilita por vezes o simples leitor, quando não o mais versado, de facilmente compreender a teoria que, intrínseca ao seu conhecimento, Pedro Nunes expõe. Em 1998 a obra De erratis Orontii Finæi foi abordada no âmbito da tese de mestrado da Dra. Anabela Simões Ramos, da Universidade de Coimbra, contudo limitou-se o estudo, de então, às questões matemáticas sendo relevadas as matérias referentes à proposta de Orôncio para o uso da Lua na determinação da distância leste-oeste. Assim, pretende a presente memória, qual complemento a supracitada tese, avaliar da utilidade prática do método porposto por Orôncio Fineu no seu Quadratura circuli e que Pedro Nunes criticou e corrigiu teoricamente no seu De erratis Orontii Finæi. Para tal constitui-se de seis capítulos que procuram introduzir as obras e os respectivos autores em causa, contextualizar a questão da problemática própria da determinação da Longitude, expor o método proposto por Orôncio Fineu e esclarecer simplicando as refutações de Pedro Nunes, enquadradas histórica e teoricamente sempre que necessário à sua compreensão. No nal desta monograa são apresentadas as conclusões consideradas congruentes, resultado da pesquisa e da investigação realizada ao longo da elaboração deste trabalho.

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As Obras

QUADRATURA CIRCULI TANDEM INVENTA de ORÔNCIO FINEU

Em 1544 Orôncio Fineu publica a sua obra Quadratura circuli tandem inventa onde apresenta as suas resoluções para alguns problemas clássicos da matemática, nomeadamente a quadratura do círculo. Esta sua obra foi alvo das mais diversas críticas onde se inclui o De erratis Orontii Finæi de Pedro Nunes, uma crítica precisa e devastadora do matemático português que veio a público em 1546. De facto, Pedro Nunes não foi o único a insurgir-se contra os erros e a arrogância de Orôncio Fineu. Posteriormente, em 1559 Jean Borrel (1492-1572) escreveu, igualmente, uma obra crítica a Orôncio Fineu, contudo, como muitas vezes sucedia nestes casos, apesar de conhecidos em toda a Europa estes textos não foram sucientes para que Orôncio se retractasse. Também actualmente alguns historiadores se juntaram a estes crticos de Quinhentos observando que, apesar de o mérito de Orôncio como editor e como divulgador ser inegável, o seu trabalho é verdadeiramente enciclopédico, elementar e não original. DE ERRATIS ORONTII FINÆI de PEDRO NUNES

É nesta monograa analisada a edição revista e anotada1 por uma comissão de sócios da Academia das Ciências do De erratis Orontii Finæi de Pedro Nunes, publicada em 1960 pela Imprensa Nacional de Lisboa. Nesta sua obra Pedro Nunes apresenta as resoluções elaboradas por Orôncio Fineu de alguns dos problemas que preocupam os matemáticos ao longo dos tempos, as suas refutações e ainda demonstrações de outros matemáticos, nomeadamente, Platão, Arquimedes e João Regiomontano. Segundo a primeira página do De erratis a crítica de Pedro Nunes não foi movida por intenções hostis, mas apenas pelo desejo de explicação da verdade. Destarte, intervindo, tenho em mente obviar aos referidos inconvenientes, desfazendo os erros com o mínimo de palavras, no desejo de que Orôncio me acolha com o mesmo ânimo com que acolherei quem me mostre haver errado. É próprio da debilidade humana cair amiúde no erro, e penso que disto não estou isento; julgo, no entanto, que cumpre ao homem de bem não incobrir desacertos e, mediante a luz da verdade, libertar o seu semelhante, se lhe for possível, das trevas da ignorância.

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1 Concretamente o Capítulo XV - Refutação 12a , 2 Pedro Nunes, De erratis Orontii Finæi, p. 134.

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pp. 203-213.

Todavia, Pedro Nunes deverá ter sido impulsionado, não só por necessidades intelectuais de explicação da verdade mas, também, para satisfação do seu legítimo amor-próprio. De facto, fora nomeado em Outubro de 1544, para o cargo de lente da cadeira de matemática na Universidade de Coimbra, e Orôncio Fineu foi o primeiro lente de matemáticas no Colégio Real de Paris. As publicações de Orôncio corriam mundo e será admissível supor que Pedro Nunes teve a necessidade de evidenciar a sua prioridade, reclamando para si maior protagonismo.

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Orôncio Fineu

Orôncio Fineu nasceu na província do Delnado, perto de Briançon em França, no ano de 1494. Os primeiros anos da sua educacção foram, provavelmente, supervisionados por seu pai, François, médico e estudioso de astronomia que publicou em 1494 um tratado intitulado De coelestium motuum indagatione sine calculo. Orôncio perdeu a gura paternal ainda jovem e foi então enviado para Paris a m de prosseguir os seus estudos, desta vez ao cuidado de um professor conterrâneo. Paris assistia na altura ao renascimento do estudo da matemática e Orôncio, que possuía já alguns conhecimentos, recebidos de seu pai, naturalmente se dispôs a colaborar no esforço de rejuvenescer as ciências matemáticas. Inicialmente terá frequentado o Colégio de Montaigu e posteriormente o Colégio de Navarre, que conjuntamente com o Colégio de Sorbonne, constituíam o cerne dos estudos de losoa e teologia, em Paris. E terá sido no Colégio de Navarre, que Orôncio Fineu concluiu com o grau de mestre em 1516, que o seu interesse pelas questões matemáticas cresceu. Contudo o primeiro emprego que Orôncio teve em nada se relacionava com a ciência matemática. Desempenhou as funções de ilustrador de livros e de revisor de textos, sendo pela primeira considerado um dos maiores contribuidores para o desenvolvimento da decoração de livros, especicamente cientícos no séc. XVI. Por essa altura terá sido instrutor privado no Colégio de Navarre e instrutor público no Colégio de Maître Gervaise. Mais tarde, como editor, publicou diversos trabalhos entre os quais alguns de matemática. Sem grandes certezas conjectura-se que tenha estado preso entre os anos de 1524 e 1525. Acontecimento que naturalmente lhe declinou o nome, pelo que quando foi liberto fez grandes esforços para a reabilitação da sua reputação, editando bastantes trabalhos de matemática, e de outras matérias, de outros autores. Consequentemente, em Março de 1531 foi nomeado pelo rei Francisco I para o cargo de professor do Colégio Real de Paris, função que manteve até morrer. De facto o Colégio Real, fundado em Março de 1530 por Francisco I, inicialmente não ministrava qualquer disciplina matemática nos seus cursos, tendo sido sugestão de Orôncio a criação da cadeira de matemática. Em 1532 Orôncio Fineu publicou um trabalho seu, intitulado Prothomathesis, um compêndio que inclui artigos de quatro áreas da matemática, a saber: De arithmetica pratica libri IV, De geometria libri II, De mundi sphæra sive cos-

e De solaribus horologiis et quadrantibus libri IV. No prefácio deste livro, dedicado a Francisco I, Orôncio revela as suas intenções de mostrar ao rei a sua qualidade para exercer o cargo de professor no Colégio Real. mographia libri V

Apesar da sua relação com a ciência matemática, foi efectivamente neste campo que Orôncio revelou menor criatividade e originalidade. A sua matemática era muito elementar, da aritmética nunca avançou para a álgebra e a sua geometria não era mais do que uma introdução ao Elementos de Euclides. Apesar de no 6

contexto europeu do séc. XVI a matemática de Orôncio não ser excepecional, era a única numa França adormecida para esta ciência, e os seus trabalhos mais importantes foram os primeiros a ser usados pelos estudantes universitários de Paris. O primor da obra de Orôncio foi a geograa e o seu primeiro livro editado, em 1516, foi De sphæra mundi de Joannes Sacrobosco, o mesmo que Pedro Nunes traduziria mais tarde e incluiria no seu Tratado da Sphera. O trabalho de Orôncio Fineu era conhecido na Europa ocidental do séc. XVI, todavia o impacto da sua obra variou de país para país e de matemático para matemático. Concretamente a sua reputação entre os matemáticos ibéricos era grande tendo algumas das suas obras sido traduzidas em espanhol. A principal crítica ao seu trabalho surgiu de Pedro Nunes, no livro que fundamenta esta monograa - De erratis Orontii Finæi, e procurava corrigir os erros do matemático francês para que os estudantes não o copiassem. Paralelamente às contribuições como autor, editor e professor do Colégio Real, Orôncio disponibilizava a sua casa, a sua biblioteca e os numerosos instrumentos cientícos para o convívio e para a análise dos estudantes, estrangeiros e, inclusive, do rei. A nível pessoal, Orôncio casou-se em 1535 com Denise Blanchet com quem teve seis lhos, cinco rapazes e uma rapariga. Com as responsabilidades do casamento e da numerosa família agravaram-se as diculdades nanceiras, que o levaram de novo ao seu trabalho como ilustrador e revisor de textos. Dirigiu, também, petições ao rei Henrique II, no sentido de ser recompensado por toda a dedicação à matemática, porém destas tentativas não surtiu qualquer efeito. Orôncio Fineu morreu em 1555 na pobreza.

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Pedro Nunes

Pedro Nunes nasceu na antiga Salácia, actualmente Alcácer do Sal, no ano de 1502, como frequentemente recordava aditando ao nome o toponímico salaciense. Terá aprendido as primeiras letras, o latim e as disciplinas do curso das Artes em Portugal, e em Salamanca feito os estudos universitários. Todavia da estadia em Salamanca, só existe notícia concreta, transmitida por seu neto, Nunes Pereira, no depoimento perante a inquisição, de Pedro Nunes se ter casado em 1523, com D. Guiomar de Árias, com quem teve seis lhos, quatro raparigas e dois rapazes. Da sua passagem pela Universidade não há qualquer notícia particularizada posto que se perderam os livros de matrícula que poderiam provar a verosimilhança do assunto, conjectura-se, no entanto, que Pedro Nunes leccionou em Artes, estudou Matemáticas e frequentou ainda algumas cadeiras de Medicina, alcançando eventualmente o grau de bacharel nesta Faculdade. O pai de Pedro Nunes deve ter sido cristão-novo, todavia a origem judaica nunca prejudicou directamente o matemático, que aliás na sua obra não indica o menor indício de cripto-judaísmo e, pelo contrário, testemunha a formação e a fé cristã, notadamente na dedicatória do De crepusculis. Na presença do vosso muito esclarecido irmão o Infante D. Henrique, príncipe integérrimo, a quem a pureza da vida e o saber das letras exornam sobremaneira, e estrénuo defensor da nossa fé, ocorreu há pouco, Rei invictíssimo, falar-se dos crepúsculos.

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Pedro Nunes assume o seu primeiro cargo público em 1529, quando é nomeado cosmógrafo do reino. Nos dois anos seguintes ensinou, em Lisboa, losoa moral, lógica e metafísica, disciplinas aristotélicas da licenciatura de Salamanca. Em 1523 conclui em Lisboa a licenciatura em Medicina, tendo já anteriormente começado a leccionar ciências matemáticas ao Infante D. Henrique, a convite de D. João III. Ensinou igulamente entre outros nobres e dalgos, D. João de Castro - um dos maiores pilotos portugueses - e os infantes D. Luís, D. Duarte e D. Sebastião. Foi nomeado em 1544 professor de matemática e astronomia na Universidade de Coimbra tendo sido promovido a cosmógrafo-mor três anos mais tarde. Em Outubro de 1557, o rei escreveu uma carta dirigida ao reitor da Universidade de Coimbra, onde informava que Pedro Nunes se iria ausentar, por um período de três a quatro anos, da sua cadeira na Universidade para se dedicar exclusivamente aos seus deveres de cosmógrafo do reino. Esta missiva não agradou quer à Universidade, uma vez que impunha o pagamento de 80% do salário ao professor durante a sua ausência, quer ao próprio Pedro Nunes por implicar complicações à sua jubilação, posto que para atingir esse objectivo era necessário reger vinte anos seguidos, nunca parando por mais de um ano. 3 Pedro

Nunes,

De crepusculis,

p. 149.

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Pedro Nunes, que viveu em pleno Renascimento, foi fortemente inuenciado pela leitura de algumas das obras de grandes geómetras e cosmógrafos gregos como Apolónio, Arquimedes, Teodoro (390 a. C.), Menelau (100 d. C.) e Ptolemeu. Da sua bibliograa destacam-se o Tratado da Sphera, constiuído pelas traduções de Da Sphera, de João de Sacrobosco; Theorica do Sol e da Lua, de Purbáquio e o Livro Primeiro de Geographia, de Ptolemeu; e as notas críticas originais o Tratado de algumas dúvidas da navegação e o Tratado em defensam da carta de marear ; e o De crepusculis, considerado o mais belo e nais perfeito de Pedro Nunes, cujo elevado valor cientíco já na época tinha sido reconhecido, como o demonstram as suas três edições e o aplauso entusiasta de Tycho Brahe (15461601). O interesse de Pedro Nunes pelos assuntos náuticos e consequentemente pela matemática, que tão bem soube aplicar à cosmograa e à navegação, resultou concerteza do fulgor glorioso que se vivia em Portugal na sua época. Contudo, embora seja justamente considerado o maior matemático peninsular do séc. XVI, Pedro Nunes foi alvo das críticas dos práticos - marinheiros - que acusavam a desarticulação entre a sua sabedoria livresca e a chamada cultura prática , e também das críticas dos teóricos principalmente no que respeitava à losoa matemática de Pedro Nunes. Apesar das críticas dos práticos e de outros, que o acusavam de prolixo, talvez pela falta de notação simbólica, o que de facto tornava as suas exposições mais longas e demoradas, Pedro Nunes, nos seus textos náuticos, revela o seu lado pedagogo, com explicações cuidadas e cheias de recomendações aos pilotos, ilustradas com exemplos numéricos oportunos, simples e claros, bem como a preocupação em estruturar dienticamente os problemas da navegação. Pedro Nunes morreu a 11 de Agosto de 1578 em Coimbra, uma semana após o desastre de Alcácer-Quibir.

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A Deteminação da Posição e o Problema da Longitude Tôda a diculdade que há e a causa de não sabermos o compimento de Leste Oeste, nos vem de não termos no céu algum ponto xo, do qual possamos medir a distância que temos dêle; (. . . ) Assim como hoje fazemos para saber a altura de Norte a Sul, governando-nos por um ponto xo do Norte ou do Sul, ou também da linha equinocial.

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Desde cedo o Homem sentiu necessidade de conhecer com algum rigor a posição onde se encontrava. No entanto, foi talvez com o desenvolvimento da navegação oceânica que o problema da determinação da posição à superfície da Terra encontrou a sua solução. Conhecer a posição de um ponto na superfície terrestre implica determinar duas coordenadas - as coordenadas geográcas, latitude e longitude. Quanto à latitude o seu cálculo depressa foi conseguido, não envolvendo grandes diculdades. No entanto a determinação da longitude era substancialmente mais difícil, não por questões teóricas mas sim práticas, embora tenham existido algumas diculdades teóricas nomeadamente na previsão dos movimentos dos astros e nos procedimentos de cálculo. Assim, o problema da longitude estava no cerne dos problemas da navegação no alto-mar e, consequentemente, era um problema cuja solução seria decisiva para o desenvolvimento do comércio internacional. A essência de qualquer economia que não seja recolectora está na especialização da produção de bens e na troca destes. O comércio torna-se então a actividade primordial. Esta actividade necessita verdadeiramente de comunicações rápidas e seguras quer para as mercadorias quer para a informação. Desde a Idade Média até aos dias que correm foi o comércio ultramarino a base do crescimento económico da Europa, sendo todavia extraordinariamente dicultado pela inexistência de um método para a determinação da longitude, não garantindo a segurança necessária às transacções. Sem a riqueza acumulada na Europa, graças à navegação e ao comércio, não teria havido a base material que permitiu não somente libertar a Humanidade da pobreza e da doença, mas também da ignorância. Neste sentido, o problema das longitudes terá sido o problema tecnológico mais importante de todos os tempos, não somente pelo seu impacto económico como, também, pelo tempo que resistiu à solução. É importante recordar que naquela época a perda de um navio ou mesmo somente o desvio da sua rota representava uma enorme quebra económica na sua nação. O valor dessas cargas podia ser imenso, por exemplo, estima-se em nada menos de 300 milhões de euros o valor da carga de especiarias que, em 1592, bucaneiros ingleses roubaram do navio português Madre de Deus. Não eram, 4 Cristóvão

Bruno,

Arte de Navegar (1628),

p. 52.

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contudo, menores os prejuízos com vidas humanas. Em 1707 fruto da colisão da armada inglesa com as Ilhas Scilly, perderam-se os quatro navios que a compunham para além das vidas dos seus dois mil marinheiros. Qualquer que seja a perspectiva histórica que se adopte, é indubitável que os Portugueses estiveram entre os primeiros navegadores no alto mar. As primeiras expedições seguiram o curso da costa africana mas as correntes e os ventos cedo impuseram a navegação para Oeste, longe da costa e das referências seguras. Ora, a navegação oceânica, como já referi, ao contrário da navegação mediterrânea praticada pelos Fenícios, Gregos, Romanos, Árabes, entre outros, necessitava de meios de localização geográca. A navegação oceânica baseava-se no conhecimento da latitude, em cartas geográcas muito pormenorizadas e na experiência profunda dos pilotos. Tal método limitava bastante o número de rotas possíveis, existindo um conjunto de ilhas que eram escala obrigatória dos navios mercantes. Escala obrigatória e caminhos constantes e conhecidos de todos representavam uma importante oportunidade para a pirataria bastando aos navios pirata esperar, emboscados, em ilhas certas a passagem dos navios mercantes. Com a expansão global do comércio ultramarino, em breve, o método de navegação atlântica revelou-se inoperante no Pacíco, um oceano mais vasto, menos balizado por ilhas do que o Atlântico e menos conhecido. Tornava-se assim cada vez mais evidente a necessidade de um método para determinar a longitude no mar, permitindo aos pilotos conhecer a sua posição exacta e planear a rota a seguir. Em reconhecimento deste facto os reis da maior potência marítima da época, a Espanha, criaram prémios avultados para estimular a descoberta de um método de determinação da longitude: Filipe II em 1567, Filipe III em 1598. O mesmo fez outra potência marítima, a Holanda, que criou um prémio em 1600. Foi todavia a Inglaterra com a criação do Longitude Act a nação que determinou a solução deste antigo problema. Estes anúncios suscitaram toda uma corrente de tentativas, algumas fundamentadas, outras fantasistas, de criação de um método para o cálculo das longitudes. Geometricamente falando existe uma diferença fundamental entre a latitude e a longitude. O eixo de rotação da Terra é, em primeira aproximação, xo a respeito da crosta terrestre, o que permite denir sem ambiguidade dois pontos privilegiados (os pólos) e um círculo máximo, o Equador, a partir do qual se mede a latitude. Com a longitude é diferente, é a distância angular entre dois meridianos. Fixado um meridiano de referência, a partir daí nada existe que se assemelhe à determinação da latitude.

5.1

A Determinação da Longitude

Longitude Geográca, (Lat. Longitudine ), s.f. arco do equador compreendido entre o meridiano de um dado lugar e o meridiano principal. Na Conferência Internacional Meridiana, realizada em Washington em Outubro de 1884, foi denida como variando de 0 ◦ a 180 ◦ (Leste/Oeste de Greenwich). 11

Consequência de diversos factores, tais como, a oscilação do navio e a impossibilidade de fundear para fazer observações astronómicas rigorosas, a determinação da longitude resistiu temporalmente à sua solução prática. A leitura do edital do já referido Longitude Act, formulado em 1714 pelo governo inglês, dá uma boa ideia da problemática:

• prémio equivalente a doze milhões de euros por um método capaz de determinar a longitude com um erro até meio grau; • prémio de nove milhões de euros para um método com um erro até grau;

2 3

do

• prémio de seis milhões de euros para um método com um erro até um grau. (Rera-se que um grau de longitude, no equador, equivale a cerca de 110 Km.) A luta pela obtenção desses prémios ocupou boa parte daquele século. Três eram os métodos concorrentes merecedores de destaque:

• o método de Galileu que explorava o o relógio celeste constituído pelas luas de Júpiter; • o método que dependia da construção de um relógio capaz de manter a hora mesmo com as oscilações e intempéries de uma viagem oceânica, de John Harrison; • e o método das distâncias lunares, inicialmente proposto por John Werner. Dados o dinheiro e a fama envolvidos, os acontecimentos foram extremamente controversos e demorados. Pode-se porém dizer que o método vencedor foi o do relógio mecânico de John Harrison. Um aspecto histórico relevante nesta matéria é que Portugal também teve, desde o Tratado de Tordesilhas, um problema de longitude. De facto, a fronteira oeste do Brasil era determinada pela linha do meridiano situado a 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Deverá ter sido a primeira vez que uma fronteira foi denida sobre a carta geográca e não no terreno. No Brasil, com o avanço da colonização portuguesa para oeste e o avanço da colonização espanhola para leste, somente a barreira dos Andes impediu que o problema das longitudes em terra se tornasse também aí uma questão crucial. Do ponto de vista cientíco, é sabido que a diferença de longitude entre dois lugares será conhecida, todas as vezes que neles se observar qualquer fenómeno instantâneo, e se marcarem exactamente os tempos respectivos das duas observações, porque a diferença deles será a dos meridianos. Se os lugares não forem muito distantes, e de cada um deles se avistasse um ponto intermédio, nele se poderiam mandar fazer sinais instantâneos, quantas vezes se quisesse, e pela observação deles se acertaria a diferença de longitude dos ditos lugares. Mas em lugares distantes, é necessário esperar, que no céu sucedam tais sinais: e

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tais são os eclipses, como já zemos menção. Como porém uns são pouco frequentes, e outros não podem observar-se no mar, em vez deles servem as distâncias da Lua e do Sol, ou às estrelas, porque uma dada distância verdadeira é um fenómeno, que se sucede no mesmo instante físico para todos os lugares da Terra.

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5 J. Monteiro da Rocha, in Ephemerides Astronomicas, Vol. I para o anno de 1804, Coimbra, na Real Imprensa da Universidade, 1803.

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6

O Método Proposto por Orôncio Fineu Quando a Lua estiver no meridiano de um lugar de longitude desconhecida, coloque-se no meridiano do globo o grau da eclíptica que passa no meridiano ao mesmo tempo que a Lua, [determinado] pelo tempo decorrido desde o meio-dia e que o relógio indicará.

Neste

momento, deve tomar-se, segundo as regras de Ptolemeu, a altura da Lua sobre o horizonte, calculada no meridiano do globo, e por m tirar-se dos pólos da eclíptica o semicírculo que mostrará a posição da Lua na eclíptica.

6

O método, teórico, que Orôncio Fineu propõe no Quadratura Circuli fundamentase na passagem meridiana superior da Lua, no lugar de longitude geográca desconhecida, para a determinação da distância de Leste-Oeste. Inicialmente remete a sua explicação para a consulta de uma tábua

pela qual se

saiba facilmente em cada dia a que horas e minutos a Lua passa pelo meridiano

7

Ora o matemático francês refere-se aqui à consulta de um almanaque - tabelas onde eram expressas informações astronómicas várias para alguns astros, nomeadamente para o Sol e para a Lua.

do lugar inicial.

Ensina posteriormente a construir as réguas de Ptolemeu e indica a necessidade da utilização conjunta destas com o relógio de rodas móveis e com um globo (ou esfera armilar). Resultado de todo este processo eram a determinação da hora local da culminação superior do satélite terrestre bem como da sua posição na eclíptica, que quando comparadas com a hora e com a posição - da Lua na eclíptica - do mesmo acontecimento no meridiano inicial, ou de referência, permitia facilmente  determinar a longitude geográca, por uma soma algbrica simples. Com efeito, subtrair-se-á o tempo de chegada da Lua ao meridiano do lugar dado, ao tempo em que ela chegou ao meridiano inicial; e subtrair-se-á o movimento verdadeiro da Lua ao tocar o meridiano inicial ao movimento que se vericar no momento da chegada da Lua ao meridiano do lugar dado. Mediante estas diferenças obter-se-á a diferença das longitudes.

8

Como adiante será abordado mais em pormenor, na Utilidade do método pro9 , este processo era deveras teórico. À semelhança de Pedro Nunes também Fineu era um teórico de gabinete para quem era relativamente fácil coordenar esferas armilares e as réguas e obter as mais herméticas explicações para as questões matemáticas - ou cosmológicas. posto por Orôncio Fineu

De facto este método baseia-se numa falsa realidade - a passagem meridiana de um astro - que na prática não existe num instante muitíssimo bem denido, como o pretende Fineu, mas sim num momento ou intervalo de tempo que na 6 Pedro Nunes, De erratis Orontii Finæi, 7 Idem, ibidem, passim. 8 Idem, ibidem, passim. 9 Capítulo desta monograa, p. 25.

p. 204.

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Lua é relevante para o rigor do cálculo da coordenada em questão, fruto da considerável proximidade da Terra ao seu satélite.

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Os Erros Revelados por Pedro Nunes

Base crítica desta monograa, ao método proposto por Orôncio Fineu para a determinação da Longitude geográca pela culminação superior da Lua foram apontados diversos erros pelo mestre matemático português Pedro Nunes no seu De erratis Orontii Finæi. Os sub-capítulos que se seguem procuram demonstrar numa linguagem menos hermética as refutações de Pedro Nunes ao método de Orôncio Fineu visando no nal a compreensão integral das mesmas questões. As explicações da crítica de Pedro Nunes que aqui são apresentadas não se resumem à mera tradução do português ou do conhecimento peculiar, mas almejam o total esclarecimento, mesmo quando para tal se torna imperiosa a contextualização histórica dos conceitos inerentes às críticas.

7.1

O Primeiro Erro  Sobre o Movimento da Lua Orôncio erra, ou melhor, desvaira, ao julgar que a Lua chega ao meridiano de um lugar oriental com maior número de horas e minutos do que ao de um lugar ocidental.

10

Apelando apenas aos sentidos tem-se a noção de que quando observados, os astros se encontram xos sobre uma grande esfera. Mesmo que a razaão, apoiada no conhecimento, expliquem que o que a visão indica está errado, é contudo cómodo, visando a simplicação do estudo da astronomia, admitir a existência dessa grande esfera - a esfera celeste. A esfera celeste é uma concepção teórica de uma esfera imaginária, de raio arbitrário e concêntrica com a Terra, onde são projectados os astros alvo da análise da astronomia, qual tela divina vitrina do passeio das estrelas. Logo, se é da esfera celeste que provém a percepção do movimento dos astros e se aquela é puramente imaginária, entende-se que este movimento seja também ele imaginário, aparente, diferente do verdadeiro. Repetindo-se sistematicamente a observação da orbe celeste notar-se-á que a maioria dos astros mantém a sua posição relativa, parecendo realmente xos na esfera celeste, enquanto outros, errantes, se deslocam entre aqueles, ocupando sucessivamente posições relativas diferentes. Concretamente, a Lua é um astro errante cujo movimento aparente resulta da complexa articulação dos seus diversos movimentos verdadeiros. A Lua é de facto o astro que apresenta o movimento aparente mais complexo, porque é também aquele que possui maior número de movimentos verdadeiros. Assim, hierarquizando a complexidade dos movimentos aparentes, e indicando os responsáveis verdadeiros, pode-se armar o seguinte: 10 Pedro

Nunes,

De erratis Orontii Finæi,

p. 206.

16

• Estrelas xas, mais simples  deriva da rotação da Terra; • Sol  da rotação e da translação da Terra; • Planetas  da rotação da Terra, da translação da Terra e do movimento próprio de cada planeta em torno do Sol; • Lua, mais complexo  da rotação da Terra, da translação da Terra e do movimento próprio (revolução da Lua) em torno da Terra. Tudo isto agravado pela proximidade da Lua relativamente á Terra, o que garante uma velocidade relativamente grande, quando comparada com os outros astros. Todavia, a um observador situado sobre a superfície terrestre, a Lua parece descrever dois movimentos totalmente distintos e em sentidos contrários. O primeiro, deveras evidente, é o que representa o movimento de rotação da Terra e o segundo, mais subtil, deriva da translação da Lua em torno do planeta terrestre. Analisem-se então, em pormenor, os supracitados movimentos. Reexo do movimento de rotação da Terra, de oeste para leste, os astros, considerados xos face ao seu considerável afastamento, descrevem na orbe celeste um aparente movimento no sentido contrário, ou seja, de leste para oeste. A Lua estando substancialmente mais próxima da Terra não deixa contudo de passear de nascente para poente. O segundo movimento, representativo da translação da Lua em torno da Terra, consiste num atraso diário da posição do satélite face ao Sol e aos restantes astros. Assim, ambos os movimentos lunares, distintos e contrários, quando combinados resultam, em longitude, num movimento de oeste para leste. Assim,

Orôncio erra ao julgar que a Lua chega ao meridiano de um lugar ori-

ental com maior número de horas e minutos do que ao de um lugar ocidental

e Pedro Nunes corrige-o exemplicando.

Suponha-se, (. . . ), que o Sol ocupa o princípio de Capricórnio e está no meridiano de um lugar abaixo do horizonte à meia-noite, isto é, doze horas depois do meio-dia, e que a Lua está no ponto oposto, no princípio de Câncer, e no meridiano acima do horizonte. Compreende-se então que a Lua se mova para o Ocidente no movimento diurno juntamente com outras esferas, e porque se move ao mesmo tempo para a parte contrária segundo a ordem dos signos para oriente, ocupará, por isso, mais tarde do que o princípio de Câncer o meridiano de outro lugar mais ocidental.

11 Idem, ibidem, passim.

17

11 ,

Haverá, porém, deste modo, uma demora, a saber, a porção de tempo ou do arco equinocial, com que sobe no horizonte recto a parte do Zodíaco que a Lua atravessou, como é de uso entender-se relativamente à desigualdade dos dias naturais. Por conseguinte, quando o princípio de Câncer ocupar o meridiano do segundo lugar, estará sem dúvida alguma no segundo lugar, que é mais ocidental que o primeiro, à meia-noite, isto é, 12 horas depois do meio-dia; e sempre que o Sol estiver no ponto oposto do mesmo meridiano, abaixo do horizonte, e a Lua chegar ao meridiano do segundo lugar, deve acrescentar-se a referida porção de tempo.

[Assim], é,

pois, evidente (. . . ) que a Lua chega ao meridiano do lu-

gar ocidental não com número menor mas maior de horas e minutos do que ao meridiano do lugar oriental; mas, pelo contrário, chega ao meridiano do lugar oriental com menor medida de tempo.

7.2

12

O Segundo Erro  Sobre a Paralaxe Caiu ainda noutro grande erro, visto julgar que o lugar verdadeiro da Lua no Zodíaco não difere do lugar aparente, sempre que ela estiver no meridiano, e não tem paralaxe em toda a eclíptica. Mais uma vez mostra ignorância de Astronomia.

13

Pedro Nunes e os homens do seu tempo tinham uma concepção do Universo distinta da actual. Viviam-se as crenças do geocentrismo de Ptolomeu, sonhava-se com o heliocentrismo de Copérnico. A aplicação da noção de paralaxe para Pedro Nunes, e centre-se somente na implícita nesta refutação  a paralaxe na eclíptica  é distinta da dominada nas questões astronómicas dos dias que correm. Tinha Pedro Nunes por paralaxe, á semelhança dos matemáticos e astrónomos actuais, a diferença quantitativa entre dois lugares. Divergia então e somente na origem do referencial considerado. Actualmente na Astronomia Náutica admite-se como referência para as coordenadas o Horizonte. Para Pedro Nunes o plano referencial era o da eclíptica, o que permitia que a paralaxe se anulasse duas vezes por mês  ideia inconcebível para a referência actual. E aqui reside a essência fulcral da compreensão desta refutação do matemático português. Abstraindo o plano de referência, quer para Pedro Nunes quer para os estudiosos actuais, a paralaxe consiste no ângulo formado no astro e que tem como lados as direcções observador/astro e centro da Terra/astro. Com a noção de paralaxe supracitada e com a referência do Horizonte, este ângulo apenas varia com a altura do astro e somente toma o valor nulo quando 12 Idem, ibidem, 13 Idem, ibidem,

pp. 206-207. p. 207.

18

esta altura igualar os 90◦ . Mas o que Pedro Nunes refuta é precisamente a inexistência de paralaxe ao longo de toda a eclíptica e explica no seu texto que para que o lugar aparente da Lua coincida com o seu verdadeiro lugar sobre o Zodíaco  a faixa da esfera celeste limitada por dois círculos menores paralelos à eclíptica e, onde no seu interior, permanecem o Sol, a Lua e os planetas que interessam à navegação  torna-se necessário que esteja [a Lua] colocada no círculo máximo que passa pelos pólos da eclíptica e do horizonte.

14

Ora o meridiano nunca passa pelos pólos da eclíptica salvo quando [contém os pontos representativos da declinação máxima do sol] o princípio de Câncer e o de Capricórnio; por consequência para que não apresente paralaxe em todo o Zodíaco é necessário [que a Lua se encontre neste meridiano, o que ocorre apenas] duas vezes por mês.

15

Por isso, sempre que a Lua estiver no meridiano com outros pontos da eclíptica, diferentes dos princípios de Câncer e de Capricórnio, o seu lugar verdadeiro no Zodíaco será diferente do aparente.

7.3

16

O Terceiro Erro  Sobre o Rigor da Instrumentação Acresce ainda que o lugar aparente da Lua na eclíptica não pode ser determinado com exactidão pelo processo que indicou.

17

Está nesta refutação de Pedro Nunes presente a crítica ao desajustamento dos instrumentos de medição propostos por Orôncio Fineu. Que sentido faz calcular a

distância da Lua do vértice do horizonte pelas réguas

de Ptolomeu com minutos e segundos

18

e posteriormente colocar esse valor no

globo sesquipedal [de um pé e meio], cujas partes não poderão ser graduadas em tão pequenas divisões

19 ?

O rigor cientíco característico de Pedro Nunes manifesta-se. Devem os instrumentos de medição ser compatíveis quanto à medida e à escala evitando-se assim maiores e adicionais erros provenientes da conversão e do arredondamento dos valores medidos. Na época de Pedro Nunes para as observações astronómicas, usavam-se o astrolábio, essencialmente, o quadrante e a balestilha (essencialmente no mar). Para os cálculos necessários utilizavam-se esferas armilares, de complexa utilização para os prácticos 20 . O astrolábio astronómico, com origem na mais remota Antiguidade, inicialmente esférico-armilar, difícil de transportar, transformou-se em plano, segundo 14 Idem, ibidem, 15 Idem, ibidem, 16 Idem, ibidem, 17 Idem, ibidem, 18 Idem, ibidem, 19 Idem, ibidem, 20 Pilotos.

pp. 207-208. p. 208. passim. passim. passim. passim.

19

a projecção estereográca polar. Depois de sucessivos melhoramentos e simplicações cou o instrumento reduzido a um círculo externo graduado  a rodela  e a sua alidade  a medicina  munida de duas pínulas com os respectivos orifícios. O seu uso simples, bastava alinhar o astro observado com as pínulas e ler o ângulo na rodela, não garantia grande rigor na medição das alturas. O quadrante tinha a forma de um quarto de círculo, graduado de 0◦ a 90◦ . Na extremidade dos 90◦ possuía duas pínulas com um orício por onde se alinhava o astro. No centro tinha um o de prumo, que intersectava a graduacção e permitia ler o valor do ângulo, representativo da altura do astro observado. A balestilha, inventada pelos portugueses e o primeiro instrumento a utilizar o horizonte do mar, era constituída por uma régua de madeira  o virote  de secção quadrada e com três ou quatro palmos de comprimento, na qual se enava a soalha que corria perpendicularmente ao virote. A leitura da altura do astro era feita no ponto da escala gravada no virote onde a soalha correspondente tinha cado quando as extremidades da soalha estavam alinhadas com o horizonte e com o astro. Como se pode aferir nenhum destes medidores garantiam grande rigor na medição das alturas, pois a leitura das frações da mais pequena divisão da escala gravada nos instrumentos, certamente, se fazia por estima, dependendo da avaliação pessoal do observador, conduzindo consequentemente a erros que se para a determinação da latitude eram aceitáveis para a longitude eram inadmissíveis. Também Pedro Nunes se preocupou com este problema da instrumentação na medição das alturas dos astros, aliás como expressa na Proposição III da Segunda parte da sua obra De crepusculis. Construir um instrumento que seja muito apropriado às observações dos astros, e com o qual se possam determinar rigorasamente as respectivas alturas.

21

O instrumento a que se refere á actualmente conhecido por Nónio e basicamente consiste num astrolábio graduado de 0 a 90 graus onde se devem gravar mais 44 escalas concêntricas, sucessivamente divididas em 89, 88, 87 até chegar a 46 partes. Assim, ao medir-se um determinado ângulo, quando não corresponda a um número exacto de graus, é muito provável que o seu valor caia rigorasamente, ou muito próximo, numa divisão das referidas escalas. É evidente a utilidade prática deste instrumento contudo questões técnicas intrínsecas à sua construção limitavam a sua efectiva aplicabilidade, como refere o Comandante Estácio dos Reis. Sem dúvida que o nónio seria de enorme utilidade (desconhecia-se então a irregular distribuição das suas posições) quando integrado num astrolábio, pois foi este o instumento escolhido por Nunes para a aplicação do seu invento. Todavia, a gravação das 45 escalas (es◦ tamos a incluir a escala principal, de zero a 90 ) era, para a época,

21 Pedro

Nunes,

De crepusculis,

p. 191.

20

um trabalho extremamente difícil pela circunstância de não existirem processos geométricos para efectuar a sua correcta divisão.

Além

disso havia a questão do espaçø. De facto, se um astrolábio planisférico ou náutico de disco, com 20 ou 25 centímetros de diâmetro, a gravação já tinha as suas limitações, esta tornava-se impossível quando se tratasse de um astrolábio náutico de roda.

7.4

22

O Quarto Erro  Sobre a Hora Legal Relativamente ao relógio de rodas móveis não faltam as desconanças, e com razão.

23

Pedro Nunes critica o uso do relógio pela sua falta de rigor e pela sua dispensabilidade quando comparado com o método teórico que propõe e que mais adiante analisaremos. Relativamente à conança do relógio de rodas móveis a opinião de Pedro Nunes é indubitavelmente coerente, dada a situação tecnológica que então se vivia. De facto o tempo foi objecto de preocupação desde os primórdios da Humanidade, e se inicialmente se regulava pela sua sombra projectada no solo, o Homem com o desenvolvimento das suas organizações sociais logo se apercebeu que a medição do tempo deveria ser mais rigorosa. Dos relógios de água (clepsidras) ou de areia (ampulhetas), da Antiguidade, em que, num e noutro caso, um uido se escoa e um volume se mede ou que se esgota passando pelos relógios solares, mais característicos da Idade Média embora os obeliscos egípcios devam ter tido semelhante utilidade, e os relógios de combustão (velas e candeias), chega-se ao relógio mecânico renascentista. O relógio mecânico surge realmente na Renascença, inicialmente com a função de indicador ou preditor de efemérides astronómicas (século XV) e converteuse depois, gradualmente, em relógio com a função de marcar o compasso da hora, tornando-se por essa via instrumental na regulação da vida comunitária, primeiro na torre do convento e da igreja ou na sede municipal (séculos XVI a XVII), mais tarde nas escolas e nas estações de comboios, do telégrafo e dos correios (séculos XIX e XX). Com a natural evolução tecnológica o relógio mecânico progrediu para o cronómetro ou relógio de precisão , na Segunda metade do séc. XVIII, que desempenhou um papel fulcral no domínio do conhecimento da Longitude geográca no mar. Dois séculos passados, na segunda metade do século XX, o relógio de quartzo permitiu a democratização do tempo certo, instrumental na imposição ou adesão a ritmos de vida e de trabalho mais apressados. E o relógio atómico nalmente permite atingir ritmos com estabilidade superior à dos próprios astros; hoje, mede-se com rigor o ritmo de rotação da Terra bem como o de pulsação de 22 Texto 23 Pedro

pulicado on-line em www.cienciaviva.pt. Nunes, De erratis Orontii Finæi, p. 208.

21

estrelas e os respectivos retardamentos. Contudo também a parte teórica da determinação do tempo sofreu as suas revoluções. Já no início do século XVII, Galileu Galilei, utilizando a luneta astronómica, descobre os satélites de Júpiter, acontecimento excepcional, por revelar que há mais mundos para além da Terra. Com efeito, para além dos movimentos do sol, da lua e dos restantes astros ser já utilizado para medir o tempo, o movimento dos satélites de Júpiter (como um relógio xo no céu) poderia agora também ser utilizado para medir o tempo, e com vantagem, a de ser um tempo igualmente observável de qualquer ponto da Terra. Na época de Pedro Nunes, séc. XVI, prevalecia a ampulheta no cálculo do tempo e assistiam-se ao primeiros alvores do relógio mecânico na sua utilização quotidiana, como acima se referiu, somente os edifícios públicos apresentavam este instrumento. Apesar do rigor destes medidores  mesmo usados apenas para determinar a diferença horária entre a hora local e a hora da passagem meridiana e não para conservar a hora do meridiano de referência a bordo como mais tarde o cronómetro, na certeza de que Pedro Nunes do rigor estava consciente  o matemático português de ideologias clássicas e de delicado rigor cientíco, preferirira sempre recorrer, para a determinação da hora, a um processo teórico, puramente astronómico, do que às inovações tecnológicas. Seria melhor determinar a hora pela altura de uma estrela de posição conhecida, como dissemos no nosso livro pelo que o relógio se torna desnecessário.

24

"Dos crepúsculos",

Pedro Nunes remete então a questão para um outro livro seu, nomeadamente para a Proposição XIX, Da altura do Sol, ou de uma estrêla conhecida, acima do horizonte, deduzir a hora do dia, do De crepusculis, onde explica como apenas com declinação e a altura do astro observado e a latitude se calcula a diferença horária entre a observação e a meridiana, ou culminação superior do Sol. Então, da latitude tirava a distância polar à qual somava a declinação e obtinha o valor da altura verdadeira na passagem meridiana. Seguidamente da fórmula que apresentava na Proposição XII da mesma obra determinava o seno verso do arco da distância do Sol ao meridiano, ao qual corresponde um ângulo. Finalmente convertia em horas e minutos o ângulo calculado, contando 15 graus por cada hora  valor que reecte a velocidade uniforme de um sol imaginário quando percorre o equador no mesmo tempo que um sol ctício percorre a eclíptica  também a velocidade uniforme e instantaneamente coincidente com o Sol verdadeiro no perigeu.25

7.5

O Quinto Erro  Sobre a Determinação do Lugar aparente da Lua Que necessidade havia do globo sesquipedal para achar o lugar aparente da Lua no Zodíaco, que Orôncio julga não ser diferente do verdadeiro?

24 Idem, ibidem, passim. 25 Cf. Pedro Nunes, De crepusculis,

pp. 233-238.

22

Na verdade, determinada a altura do pólo e a distância da Lua ao zénite quando está no meridiano, conhecida também a ascensão recta do grau da eclíptica que está juntamente com a Lua no meridiano, o lugar da Lua no Zodíaco poderá ser conhecido pelo problema 55 da Tábua do Primeiro Móvel ou por fácil geometria de triângulos esféricos.

26

Pedro Nunes defende o cálculo geométrico, fundamentado em formulários, em vez do cálculo mecânico, recorrente a instrumentos. Uma consequência da sua formação clássica e da experiência prática dos conceitos e noções que teoricamente expõe.

7.6

O Sexto Erro  Sobre a Equação dos Dias Orôncio calculou ainda com pouco saber a hora a que a Lua haveria de chegar ao meridiano do lugar radical, desprezando a equação dos dias que na própria Lua tem um grande momento.

27

Provavelmente Pedro Nunes critica que Orôncio Fineu quando ensina a construir a tábua pela qual se saiba facilmente em cada dia a que horas e minutos 28 terá negligenciado a equação dos a Lua passa pelo meridiano do lugar inicial dias. A escassez de elementos disponíveis relativamente a esta equação dos dias, no texto de Pedro Nunes não permite esclarecer esta refutação  uma vez que a denição da equação não é conhecida  para além de que o matemático português novamente realça a inadvertência dos elementos de astronomia na proposta de Orôncio Fineu. Não parecendo coerente, por mais elementares que sejam os conhecimentos de astronomia de Orôncio, considerar que tenha descuidado o retardo da Lua  pois a base para utilização deste satélite na determinação da longitude é o conhecimento de que o seu movimento é retardado, noção contudo inerente à primeira refutação de Pedro Nunes, analise-se qual o erro em longitude resultante do atraso lunar. Como na explicação do primeiro erro se mostrou, na verdade, o movimento que a Lua realiza em torno da Terra ocorre de oeste para leste e só pode ser percebido mediante a adopção de um referencial. Por exemplo, numa determinada tarde  estando a Lua na fase de cheia  enquanto os últimos raios do Sol poente estiverem desaparecendo a oeste, ela estará surgindo a leste. Mas, a cada instante, a Lua desloca-se um pouco mais para leste; por isso, no dia seguinte, após o ocaso do Sol, ela apresentará um retardo de alguns minutos no seu nascimento. 26 Pedro Nunes, De erratis Orontii Finæi, 27 Idem, ibidem, p. 209. 28 Idem, ibidem, p. 204.

p. 208.

23

Em valores demasiadamente médios e que apenas pretendem mostrar a consequência desta incúria, o dia lunar tem 24 horas e 48 minutos, o que mostra que o atraso da Lua corresponde a 48 minutos (para leste). O período sideral da Lua, o tempo necessário para que a Lua complete uma volta em torno da Terra, em relação a uma estrela, tem a duração de 27 dias, 7 horas, 43 minutos e 11 segundos, ou seja, a Lua desloca-se em 360◦ relativa360◦ ] mente às estrelas para leste a cada 27,32166 dias, de onde se deduz 13◦ [ 27,32166d por dia para leste  devido ao movimento de revolução da Lua. Considerando-se que a Terra 360◦ em 24 horas, que o Sol se desloca 1◦ para leste por dia, reexo da translação da Terra em torno do astro-rei, e que a Lua se move, 13◦ por dia para leste, portanto, cerca de 12◦ por dia em relação ao 24h 12◦ Sol, deduzimos que a Lua se atrasa 48 minutos por dia [( 360 ◦ )( 60m )], i.e., a Lua nasce cerca de 48 minutos mais tarde a cada dia. Negligenciar, assim, o retardo da Lua na determinação da hora local da passagem meridiana superior da Lua no lugar que servirá posteriormente de referência 15◦ para o cálculo da longitude, implica um erro no mínimo de 12◦ [48m( 60m )] na distância de leste-oeste.

24

8

Sobre a Utilidade do Método Proposto por Orôncio Fineu

No Quadratura Circuli Orôncio Fineu propõe para a determinação da Longitude geográca a utilização da Lua, nomeadamente da sua passagem superior pelo meridiano do lugar de coordenada desconhecida. Pedro Nunes no De erratis Orontii Finæi critica coerentemente alguns dos aspectos da proposta do matemático francês, refutações essas abordadas nos Erros Revelados por Pe29 dro Nunes. Todavia, Pedro Nunes analisa o texto de Orôncio Fineu somente no âmbito da congruência teórica, da aplicação correcta dos conceitos e conhecimentos doutrinários, abstraindo-se na íntegra da apresentação da utilidade prática que o método poderia apresentar. De facto, quer Pedro Nunes quer Orôncio Fineu eram teóricos de gabinete, versados, cada qual na sua medida, na doutrina clássica, desarticulada da erudição empírica e do conhecimento de experiências feito, para quem era demasiadamente fácil construir argumentos de perfeição utópica na vida prática dos que eventualmente se serviriam dos seus ensinamentos. Prova do que acima se refere é o preceito fundamental no qual se sustenta toda a coerência do método proposto por Orôncio  a passagem meridiana de um astro. Orôncio assume que a passagem meridiana da Lua existe num instante preciso no tempo, demarcado e nito, reexo de uma concepção puramente teórica dos fenómenos astronómicos. Ora as observações dos astros que permitem determinar a sua passagem meridiana, e aparte as questões instrumentais e o rigor a elas inerente, baseiam-se na paragem momentânea, em altura, desse astro na orbe, o que se fundamenta teoricamente no momento em que o astro inverte a sua altura. Ora, mostra-se por simples trigonometria esférica, que a variação da altura em minutos por cada minuto de tempo é, muito aproximadamente expressa por,

∆altura = 15 cos(Latitude) sin(Azimute)

(1)

De onde se conclui que para um determinado lugar, xo em Latitude, cujo astro observado apresenta declinação constante  o que na Lua não se verica, variando esta consideravelmente com o tempo  a Variação da Altura desse mesmo astro será nula quando o Azimute for Norte ou Sul  ou seja de valor absoluto zero. Considere-se então um lugar de latitude 38◦ N, cujo astro observado se encontra praticamente com azimute Norte (001), ou seja na sua passagem meridiana. Nestas condições e segundo a lei supracitada a altura do astro em causa varia em 5 minutos (4 minutos e 50 segundos) apenas 1◦ , o que para a sensibilidade de um astrolábio já é consideravelmente bom. 29 Capítulo

desta monograa, p. 16.

25

Assim se demonstra, aluindo a procuidade da proposta de Orôncio, que na prática a passagem meridiana de um astro não é um instante  uma fracção do milionésimo do segundo  mas sim um momento de tempo excepcionalmente longo quando se pretendem rigores concisos na determinação da Longitude geográca. Realmente Pedro Nunes não se refere à pragmática do método de Orôncio, contudo compara-o com um outro método, de um outro autor, John Werner, que igualmente propõe a Lua para a determinação da Longitude porém não na sua passagem meridiana mas sim na sua posição relativa a outros astros, e que, aprefeiçoado, originou o primeiro método amplamente usado no mar para o cálculo desta coordenada com alguma precisão. O douto João Vernero [John Werner], muitos anos antes, também havia tentado resolver este mesmo assunto pelo movimento da Lua, mas diversamente, como mostra nas anotações à Geograa de Ptolemeu. Com efeito, preceitua que num lugar de longitude desconhecida se determine com o báculo astronómico, num momento conhecido, a distância da Lua a um astro xo que pouco ou nada se afaste da eclíptica.

30

John Werner foi, de facto, em 1514, o primeiro a propor o uso da distância lunar para determinar a Longitude geográca e tal como Pedro Nunes também, no séc. XVI, Petrus Apianus, Gemma Frisius consideravam o emprego deste método. No entanto, somente 250 anos depois se tornou praticável prever os movimentos da Lua e observar a sua posição relativamente às estrelas com suciente precisão, tendo sido uma das principais razões para o establecimento do Observatório Real de Greenwich, a realização das observações necessárias para proporcionar previsões mais precisas do movimento da Lua. Mesmo quando, a partir de 1790, o cronómetro se tornou amplamente disponível, o Método das distâncias lunares permaneceu em uso, face ao custo dispendioso do primeiro quando comparado com as despesas do Almanaque Náutico inglês, de 1a edição em 1767, peça fundamental do segundo. Baseia-se o método das distâncias lunares no movimento da Lua em torno da Terra, qual ponteiro de um relógio cujos indicadores da hora são o Sol, os planetas e as demais estrelas. No entanto, na prática o método é de extrema complexidade, pois a posição da Lua entre os restantes astros (e, consequentemente, o tempo por ela indicado) depende da posição do observador  devido à paralaxe horizontal da Lua  além de ser afectada pela refracção atmosférica. Depois de observadas simultaneamente, ou quase,

• a altura da Lua; • a altura do Sol, ou de uma estrela próxima da eclíptica, e; 30 Pedro

Nunes,

De erratis Orontii Finæi,

pp. 209-210.

26

• a distância angular entre a Lua e o outro astro observado, Por meio de cálculos matemáticos, reduz-se a distância angular dos efeitos da refracção e da paralaxe, que assim é usada como argumento de entrada no Almanaque Náutico  que na época tabulava a distância lunar verdadeira ao Sol e a várias estrelas, por intervalos de 3 horas  obtendo-se então a hora no meridiano de referência. A matemática envolvida era formidável e poucos navegantes seriam capazes de resolver o problema, contudo continuava a ser o mais rigoroso processo de cálculo da Longitude geográca. Do exposto se conclui que do método proposto por Orôncio Fineu pouca utilidade se pode auferir, mesmo quando comparado com o método de Werner que, matematicamente mais complexo, se revela menos impreciso uma vez que não considera a Lua na sua passagem meridiana, donde advêm todas as ambiguidades acima referidas, mas sim a distância do satélite a outro astro, sendo este um valor de relativa precisão.

27

9

Conclusão

Com esta monograa pretendeu-se avaliar da utilidade prática do método proposto por Orôncio Fineu, no séc. XVI, para a determinação da Longitude geográca, fundamentado no uso da passagem meridiana da Lua no local de coordenada desconhecida. Para tal foi introduzida a obra de Orôncio Fineu, onde o matemático francês expôs a sua proposta, acompanhada de outras questões de índole matemática, que serviram como argumento para uma tese de mestrado na Universidade de Coimbra, quando analisados à luz da crítica de Pedro Nunes na sua obra De erratis Orontii Finæi. Posteriormente biografou-se ambos os matemáticos visando o enquadramento histórico do seu conhecimento, argumentado pelas respectivas formações académicas, interesses pessoais e desempenho dos diversos cargos públicos. Desta abordagem se pode constatar que Pedro Nunes foi indubitavelmente um geómetra e cientista de enorme qualidade, possuidor de um vasto conhecimento teórico, considerado actualmente como um dos maiores matemáticos do séc. XVI, contrariamente a Orôncio Fineu que da matemática elementar não evoluiu e cujo maior contributo para a sociedade de então foi o seu grande talento para a decoração de livros, alguns de carácter cientíco. Relativamente à crítica de Pedro Nunes, do seu estudo se pode auferir que os seus argumentos são de total congruência teórica e que não analisando quanto à utilidade prática do método proposto por Orôncio, o classicou de falso, sem medida e sem arte, visto que o matemático francês negligenciou e descurou os mais básicos princípios da astronomia, tais como a paralaxe da Lua e o movimento da Lua na orbe celeste. Especicamente à paralaxe, Pedro Nunes utiliza um referencial distinto do actual, a saber, a eclíptica como referência para as coordenadas dos astros diferentes do horizonte considerado actualmente, o que lhe permite armar correctamente que a Lua não apresenta paralaxe duas vezes por mês, quando no meridiano que passa pelos pólos da eclíptica e do horizonte. Do movimento da Lua, Orôncio julgou erradamente, pois considerou erroneamente o seu trajecto na esfera celeste, armando que o astro chegaria a um ponto oriental mais tarde do que a um ponto ocidental, o que se mostrou incorrecto pela explicação dos movimentos dos astros, nomeadamente da Lua no orbe. Vericou-se ainda que Pedro Nunes defendeu a proposta teórica  astronómica  para a determinação da hora, face à utilização de instrumentação mecânica susceptível de maiores imprecisões no cálculo, tal como para o conhecimento do lugar aparente da Lua no Zodíaco ao preferir recorrer à geometria, opondo-se ao uso do globo para a resolução deste problema. Finalmente, por tudo o que acima se expôs e visto que a passagem meridiana de um astro não acontece num instante mas sim num intervalo de tempo considerável, quando se pretendem valores exactos que aumentem o rigor de um método capaz de determinar a Longitude, pode-se concluir que a proposta de Orôncio 28

Fineu não apresenta qualquer utilidade prática para o conhecimento desta coordenada geográca, problema que durante anos comandou o desenvolvimento económico e tecnológico da sociedade humana.

29

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A Ciência Náutica e a Ciência em Portugal,

Lda, 1989.

[2] IDEM

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Lisboa, Gradiva  Publicações

Lisboa, Editorial Presença, 1987.

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Prefácio de Abel Fountoura da Costa, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1940.

[5] CANAS, António Costa Naufrágios e Longitude, Lisboa, Edições Culturais de Marinha, 2003. [6] COSTA, Abel Fountoura da

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[7] GAMEIRO, E. da Silva Astronomia Náutica, Lisboa, Edição do autor, 1964. [8] MARINHA, Gabinete de Formação Técnico-Naval de Astronomia Náutica, Escola Naval, Serviço de Publicações Escolares, 2001. [9] NUNES, Pedro

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Nova edição revista e anotada por uma comissão de sócios da Academia das Ciências, Vol. II, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1943.

[10] IDEM

Obras. De erratis Orontii Finæi regii mathematicarvm ivtetiæprofessoris,

Nova edição revista e anotada por uma comissão de sócios da Academia das Ciências, Vol. III, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1940. [11] RAMOS, Anabela Simões

O De erratis Orontii Finæi de Pedro Nunes,

Coimbra, Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra - Centro de Matemática da Universidade de Coimbra, 1998.

[12] ROCHA, J. Monteiro da

Ephemerides Astronomicas, Vol. I para o anno de 1804,

Imprensa da Universidade, 1803.

Coimbra, Real

[13] SOBEL, Dava Longitude, Lisboa, Temas e Debates - Actividades Editoriais, 2000. [14] WWW.CIENCIAVIVA.PT

30

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