Crítica Literária // In Cold Blood - o actualizar de uma história

July 12, 2017 | Autor: Margarida Queirós | Categoria: American Literature, Literatura, Literary jounalism
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Crítica Literária
In Cold Blood - o actualizar de uma história











Foto de domínio público retirada do site: http://www.fantasticfiction.co.uk/c/truman-capote/in-cold-blood.htm
Foto de domínio público retirada do site: http://www.fantasticfiction.co.uk/c/truman-capote/in-cold-blood.htm


Géneros Jornalísticos
3º Ano; 1º Semestre; Licenciatura em Jornalismo; Ano lectivo 2014/2015
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Aluna: Ana Margarida Galveia Queirós (2012103179)
Docente: Doutor João Figueira

No ano de dois mil e catorze celebra-se o aniversário de cinquenta e cinco anos do sangrento assassinato da família Clutter. A pacífica Holcomb, situada no Kansas rural, nos Estados Unidos da América, nunca tinha visto um crime igual a este. É importante hoje recordar o livro e o homem que deram a conhecer ao mundo a estória que na altura ''prendeu'' tanta gente, e que hoje em dia, se solidifica como um dos grandes contos que mudou como o mundo vê a escrita jornalística.
Truman Capote, escritor e jornalista, decidiu então que era este o acontecimento escolhido. A história que há tanto estava à espera para o seu romance não ficcionado. Trabalhava, na altura, para a revista The New Yorker, que lhe permitia um certo experimentalismo: Capote pôde assim tentar escrever um romance baseado em factos. Dito de outra forma, desafiou a objectividade e juntou-se a uma nova corrente - o New Journalism - baseou o texto nos factos e adicionou depois elementos próprios da literatura.
Partiu, pouco tempo depois de conhecer o caso, para Holcomb, com a sua amiga Harper Lee. Juntos investigaram o assassinato que vitimou Herbert William Clutter, Bonnie Fox Clutter e os seus filhos Kenyon e Nancy Clutter, e que deu origem ao livro mais vendido de Capote. A estória de In Cold Blood é contada com recurso a anacronias e a maior parte dos factos são relatados em diálogos entre duas ou mais personagens. São também complementados por documentos ou excertos de cartas. Tudo isto, supostamente, factual. Tudo isto, ouvido ou presenciado por Capote.
A estória começa com a descrição da cidade, um lugar rural onde a igreja é extremamente valorizada. Um sítio conservador onde os habitantes são apologistas dos bons costumes, da tradição e do trabalho. Um sítio quase aborrecido. Podemos figurar Holcomb como uma vila em que veríamos um carro a cada três horas. Começamos a imaginar como terá acordado aquela cidade, como terá recebido a população a notícia mais horrível de que se podiam lembrar. A família Clutter, tão admirada por todos, tinha desaparecido: Herbert era estimado pela comunidade por ser rígido mas justo, Nancy, aluna distinta, diziam ter herdado a bondade do pai. Neste momento, Capote descreve abundantemente cada personagem, cada cenário e cada pormenor.
Esta excessiva pormenorização é por um lado cansativa, por outro, rica, quase cinematográfica. Utilizando a separação característica do In Cold Blood, vamos ''saltando'' de Holcomb para a Califórnia, ''saltando'' da típica vida americana para a vida do crime. Os vários espaços em branco servem para separar estes dois paradigmas opostos, como se de cenas de um filme se tratasse.
Quase metade da obra é portanto a discrição sob diferentes ângulos de como era esta família. Como amigos, vizinhos, pessoas com quem se cruzavam todos os dias os viam. Nesta parte inicial há também uma extensa narrativa dada pela professora da escola que os encontrou mortos.
Este é sem dúvida um livro que queremos ler até ao fim. ''Prende-nos'' porque queremos saber qual será o desfecho, e se nos ''prende'' a nós, que estamos a ler uma história verídica mas já com cinquenta e cinco anos, é de imaginar o sucesso na altura. Enquanto os factos se iam desenrolando na ''vida real'', iam sendo publicadas quatro partes, quatro volumes que depois se tornariam um livro.
É dito também que o detective do crime, Alvin Dewey facilitou bastante a investigação, permitindo a Capote a consulta de relatórios, fotos e até do diário de Nancy Clutter. Este sucesso de vendas dotado de um mediatismo absolutamente extraordinário para a época, faz desta obra um exemplo de investigação jornalística apurada e incansável, que todos devemos conhecer. Demonstra uma criatividade literária e um envolvimento quase exclusivo com esta pequena cidade, com os seus habitantes e com o crime que assombrou para sempre a quinta de River Valley.
''(...) a cima de tudo, o repórter tem de ser capaz de criar empatia com personalidades fora do seu alcance, mentalidades contrárias à sua, tipos de pessoas sobre as quais nunca teria escrito sem ser pela obrigação jornalística. Esta última foi o que me atraiu primeiro para a razão da reportagem narrativa.''Truman Capote em entrevista ao Jornal The New York Times diz que:
''(...) a cima de tudo, o repórter tem de ser capaz de criar empatia com personalidades fora do seu alcance, mentalidades contrárias à sua, tipos de pessoas sobre as quais nunca teria escrito sem ser pela obrigação jornalística. Esta última foi o que me atraiu primeiro para a razão da reportagem narrativa.''





Aqui Capote fala, provavelmente, não só da comunidade de Holcomb mas, também dos assassinos.
Vamos conhecendo a história dos culpados do crime: Richard Hickock e Perry Smith. Conheceram-se na prisão onde ouviram falar da quinta dos Clutter's, onde achavam que existiam dez mil dólares num cofre. E é neste momento que é relatado o crime, cujos motivos são somente expostos pelo autor - preocupa-se em apresentar os factos. Hickock e Smith assaltam a casa, amarram os Clutter's, e procuram pelo dinheiro. Não encontram mais que quarenta dólares, e eles vinham em busca de dez mil - embora Hickock já tivesse avisado Smith que não queria deixar testemunhas e posteriormente tivesse confessado ter desejos doentios por Nancy. Mais para o fim do livro Hickock é apresentado como um homem com uma atracção sexual por crianças.
Já Smith, não achava necessário assassiná-los e não permitiu que Hickock violasse Nancy. Mas num momento em que fica sozinho com Herbert Clutter algo muda. Algo que Smith não compreende apodera-se dele. Corta-lhe a garganta, e dá-lhe um tiro na cabeça. Segue depois para junto do resto da família, e dá um tiro em cada um. Sobre isto, Capote deixa-nos a questionar: porquê tanto sangue com Mr. Clutter?
Os dois limpam todos os vestígios e fogem. Um relatório psiquiátrico presente no livro sugere que Smith tinha esquizofrenia paranoide - nome dado a uma doença mental que lhe causaria surtos psicóticos, alucinações e episódios dissociados da realidade.
''Não há duvida que três dos crimes cometidos por Smith possuíam um motivo lógico: Nancy, Kenyon e a mãe tinham de ser mortos pelo facto de Mr Clutter ter sido morto já. Mas é da opinião do Dr.Satten que só o primeiro crime conta psicologicamente (...)'' (CAPOTE 2008:209)
''Não há duvida que três dos crimes cometidos por Smith possuíam um motivo lógico: Nancy, Kenyon e a mãe tinham de ser mortos pelo facto de Mr Clutter ter sido morto já. Mas é da opinião do Dr.Satten que só o primeiro crime conta psicologicamente (...)'' (CAPOTE 2008:209)



Mas se o psiquiatra no relatório admite que assim se justificaria a morte de Herbert Clutter, as outras três mortes, também levadas a cabo por Perry Smith, ficam por explicar. E só as opiniões de cada leitor conseguem encontrar o motivo que explica que Perry Smith tenha feito o que fez.
Os dois suspeitos são referenciados através de uma informação dada por um antigo recluso, o mesmo que tinha contado a Hickock a existência da casa dos Clutter e, dia trinta de Dezembro de mil novecentos e cinquenta e nove Hickock e Smith são capturados. A partir daí seguem-se seis anos até os assassinos serem executados por enforcamento. Capote privou durante todos os anos da investigação - com períodos de interrupção - com os criminosos enquanto estes esperavam no ''corredor da morte''; e até aos enforcamentos ele assistiu. Em mil novecentos e sessenta e seis é publicada a primeira edição do In Cold Blood.
Hoje em dia, esta obra continua a ser uma referência para o Jornalismo, mas não considero que tenha sido o maior contributo para o New Journalism. Com o passar do tempo novos factos têm surgido e Truman Capote e a sua obra têm agora uma credibilidade um pouco abalada. Se muitas coisas que se lêem são puras suposições que nunca se conseguirão confirmar, outras estão já confirmadas.
Em Dezembo deste ano, o Jornal The Telegraph publicou um artigo em que se dá conta de novas provas que vêm confirmar uma das especulações: Alvin Dewey receou a veracidade da denúncia e não os procurou e deteve no próprio dia; mas sim cinco dias depois. Esta pode ser vista como uma falha mínima, é verdade; mas deixa qualquer leitor que preze o lado factual da obra abalado. Tendo em conta que esta estória é sobre um crime que realmente ocorreu, quema lê espera um fundo verdadeiro e factual.
Truman Capote chegou a admitir que a maior dificuldade que teve foi escrever sem nunca se incluir e ao mesmo tempo criar credibilidade. Não tenho duvidas que o In Cold Blood é uma obra importante para o New Journalism - meio que se tornou popular entre os anos sessenta e setenta. O contexto da história do crime é transmitido na perfeição. Os detalhes relevantes são todos contados, nada do que é importante parece ser deixado de fora. Conseguimos conhecer as mentes criminosas dos assassinos - mas se muitas vezes me enojaram, noutros momentos é inevitável não nos questionarmos sobre os problemas deles. Da família ainda menos impossível. Temos pena da família que tinha um futuro e que, tragicamente, se cruza com a dupla cujo passado pode justificar o crime.
Número de caracteres: 7957

Bibliografia

CAPOTE, Truman. A Sangue Froi, 2008, Biblioteca Sábado

Webgrafia

http://www.nytimes.com/books/97/12/28/home/capote-interview.html

http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/northamerica/usa/11267065/Court-allows-publishing-of-unseen-In-Cold-Blood-files-which-contradict-Truman-Capotes-account.html

http://www.theguardian.com/world/2012/dec/04/in-cold-blood-florida-crime

http://www.theguardian.com/us-news/2014/dec/02/in-cold-blood-kansas-detective-notes-truman-capote

http://www.theguardian.com/film/2014/feb/07/capote-philip-seymour-hoffman-in-cold-blood

http://www.theguardian.com/books/2009/nov/16/truman-capote-in-cold-blood

http://www.theguardian.com/books/2011/aug/05/truman-capote-rupert-thomson-rereading

http://www.crimelibrary.com/notorious_murders/family/clutter/7.html

http://observador.pt/especiais/55-anos-crime-que-imortalizou-truman-capote/

http://observador.pt/2014/11/15/reportagem-sangue-frio-ou-um-romance-viral-hoje-faz-55-anos-sobre-obra-maior-de-truman-capote/

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