CRÔNICAS DA GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES INSTITUTO DE PSICOLOGIA

MARCELO TAVARES DA COSTA

“OLHANDO O TEMPO PASSAR” OU

CRÔNICAS DA GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA OU

EXPERIÊNCIAS E DILEMAS NAS RELAÇÕES DE FORÇA ALUNO/PROFESSOR.

RIO DE JANEIRO 2009

MARCELO TAVARES DA COSTA

“OLHANDO O TEMPO PASSAR” OU

CRÔNICAS DA GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA OU

EXPERIÊNCIAS E DILEMAS NAS RELAÇÕES DE FORÇA ALUNO/PROFESSOR.

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia.

Orientadora:

Profª. Drª. Heliana de

Barros Conde Rodrigues.

AO DEVIR-MESTRE NO ENCONTRO COM DOCENTES, DISCENTES, CLIENTES E FAMILIARES DURANTE A FORMAÇÃO E VIDA.

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso pretende analisar as relações de poder-saber entre professores e alunos nos estabelecimentos de ensino, refazendo os caminhos da filosofia da diferença. Para isso toma como campo de estudo e intervenção os relatos de singularidades vividas no período de 2003 a 2009 na formação em Psicologia da UERJ. Partindo do conceito de experiência presente em M. Foucault e J. Larrosa, busca estabelecer o percurso de pesquisa e aquisição de conhecimento sobre os eventuais lugares cristalizados de poder e as relações de força presentes no cotidiano acadêmico. Trabalha com o conceito de produção (e reprodução) para deflagrar os momentos onde se produz diferença nos modos de fazer da formação. Nesse intuito foram usados diários de campo e anotações bibliográficas que facilitaram o entendimento da questão em sua dimensão política. Ao final o trabalho pretende abrir-se à possibilidade de entender o cotidiano da formação mais por suas aberturas e seus novos possíveis do que por suas reproduções de fracasso e lamento. Busca então demonstrar que espaços de socialização dos discursos são capazes de produzir uma formação mais consoante com os desafios das práticas da psicologia no espaço social.

SUMÁRIO

EU SEI QUE A GENTE SE ACOSTUMA, MAS NÃO DEVIA: A INTRODUÇÃO..........................7 O CALOURO HUMANO........................................................................................................9 ENTRE BARATAS E OS BARATOS DAS ESQUINAS E BOTEQUINS - ESPAÇOS DE ASSEMBLÉIA E SOCIALIZAÇÃO........................................................................................11

ESTÁGIO E REFORMA CURRICULAR — EXERCÍCIOS EM PODER....................................12 OS ORNITORRINCOS? OS CÍNICOS? O ESQUIZO? MEMÓRIAS DE UM GRUPO DE ESTUDOS SEM

“O” PROFESSOR....................................................................................16

UMA EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA............................................................................21 DE COMO OLHAVA O TEMPO PASSAR.............................................................................28 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................33 DIALÓGICAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................35

“EU SEI QUE A GENTE SE ACOSTUMA. MAS NÃO DEVIA. A GENTE SE ACOSTUMA A MORAR EM APARTAMENTOS DE FUNDOS E A NÃO TER OUTRA VISTA QUE NÃO AS JANELAS AO REDOR. E PORQUE NÃO TEM VISTA, LOGO SE ACOSTUMA A NÃO OLHAR PARA FORA. E PORQUE NÃO OLHA PARA FORA, LOGO SE ACOSTUMA A NÃO ABRIR DE TODO AS CORTINAS.

E PORQUE NÃO ABRE AS CORTINAS LOGO SE ACOSTUMA A ACENDER CEDO A LUZ. E À MEDIDA QUE SE ACOSTUMA, ESQUECE O SOL, ESQUECE O AR, ESQUECE A AMPLIDÃO”. — CLARICE LISPECTOR.

EU SEI QUE A GENTE SE ACOSTUMA, MAS NÃO DEVIA: A INTRODUÇÃO Durante todo o percurso de escolarização até o fim da graduação universitária (e isso pode significar no mínimo 18 anos!) poderíamos nos acostumar a diferentes práticas e modos de fazer da educação... Todavia não foi possível acostumar-se. E resgatando um certo olhar infante e turista que, em seu percurso, aponta para a produção de situações novas, estranhamos aquilo que poderia, sob outras influências, ser naturalizado no percurso escolar/acadêmico. Durante a graduação foi possível vivenciar e produzir análises de experiências. Interessa-nos menos aqui a experiência como ensaio de hipóteses científicas a serem negadas ou confirmadas, ou um patamar de aquisição de saber pela repetição de determinada técnica, do que, consoante Larrosa, como “aquilo que nos passa, que nos toca, acontece” (LARROSA, 2002, P.21). Segundo ele, a despeito do acúmulo impensado de informações, de um imperativo à formação de opinião e/ou julgamento, do excesso de trabalho e da produção contemporânea de urgências, podemos entender a experiência como aquilo que nos faz novo, como uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode prever ou predizer. Sigo assim experimentando dizer em primeira pessoa para, canibalizando o autor, salientar que “o saber da experiência é um saber que não se pode separar do indivíduo concreto em que encarna” (LARROSA, 2002, P. 27). Ainda que numa abordagem existencial do conceito, é perfeitamente compreensível que haja uma experiência/ sentido, que nos transforme e que nos faça outros (RODRIGUES, 2009), sempre circunstancial e passível de desdobramentos. Portanto, se intento discorrer sobre algumas experiências na formação, devem elas ser entendidas enquanto modo como fui me tornando outro que já não sou mais — salvaguardando-se um devido recorte teóricometodológico que foi produzido na análise de meus vínculos com a academia, com a produção textual e meus interlocutores. Muitas vezes passei por situações onde foi possível enxergar e transpor alguns limites da sala de aula, das hierarquias, das certezas teóricas com tantas verticalizações, em prol de uma transversalidade e de novas conexões. Às vezes lamentando e reproduzindo discursos de fracasso acadêmico, em outras criando e abrindo-me às transformações. Pretendo, via relatos e análises de algumas experiências em minha graduação, trazer à reflexão modos possíveis da relação professor-aluno em tantos 7

processos de formação escolar. Minha intenção é favorecer espaços de problematização das práticas na Educação e na Psicologia, entendidas aqui como territórios analíticos de partida que devem se estender às tantas práticas de formação.

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O CALOURO HUMANO

Comecei a graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) no primeiro semestre de 2003. Naquela época, participei de vários debates sobre políticas públicas, reforma curricular, regime de cotas e ações afirmativas para alunos oriundos de escolas públicas e alunos pardos e negros. No Instituto de Psicologia (IP-UERJ), formaram-se turmas mistas de alunos cotistas e não cotistas: não houve nenhuma identificação por parte da gestão, decerto, contribuindo para evitar dramas de segregação. Também é importante situar este trabalho de conclusão de curso como uma parte do amplo debate sobre currículo e formação acadêmica, que vem mobilizando o IP-UERJ nos últimos anos. A princípio, fazíamos parte de uma turma instituída de alunos que entravam para o universo da psicologia trazendo todo um imaginário de saberes e práticas, cindidos entre o rigor científico positivista e a amplitude das ciências humanas. No vestibular da UERJ, a psicologia era e permanece como o único curso que traz biologia e história como disciplinas específicas, o que aponta para seu situado lugar hibrido e, talvez por isso, bastante propenso a articulações de saberes e práticas variadas. Em nossa aula inaugural, a diretora em exercício falava do percurso da graduação e justificava a alguns alunos mais ansiosos por atuar nos estágios, que seria necessário um tempo para que nos preparássemos para atender, sendo os estágios na clínica somente possíveis nos últimos períodos do curso. Foi então, já nessa época, que surgiam questionamentos que mais tarde foram sendo adensados. Se as havia, quais as interseções entre teoria e prática? O que seria formação? Seria um mero acúmulo de saberes técnicos aplicáveis ao campo de atuação? A Psicologia, já nos primeiros períodos, foi assim apresentada como um campo de interseção entre um saber, uma prática e uma ciência.

Por diferentes formas,

procuraria entender e lidar com um “material humano” que, segundo algumas perspectivas teóricas, também nos formava — o que logo me inseria no desafio da relação entre o pesquisador e seu objeto de estudo. Refazendo pesquisas e percursos conceituais, também nos refazíamos. Neste sentido, a partir de Felix Guattari e Suely Rolnik, eu atentava à graduação do psicólogo como um dos espaços de produção de subjetividade. Segundo Rolnik, o vislumbre da subjetividade “é o perfil de um modo de 9

ser — de pensar, de agir, de sonhar, de amar, etc. — que recorta o espaço, formando um interior e um exterior”. E se num primeiro momento o enxergamos como estático ou “imutável, assim como o interior e o exterior que ele separa”; logo é possível perceber que fluxos, linhas de força compõem a subjetividade como uma dobra que caracteriza um dado território de existência sempre em transformação. (ROLNIK, 1997, P.13-15). Desse modo, a singularidades em cada formação se dá como efeito possível dos agenciamentos de forças que se fizeram em cada processo de subjetivação. A formação poderia, para além de uma certificação de especialismos, de um consumo e acúmulo de informações, produzir e reproduzir os sentidos de nossas existências. Cada aula, se vivida enquanto espaço-tempo para a experiência, despertava uma enorme quantidade de inquietações e perguntas que tendem a extrapolar os limites da sala, corredores e demais espaços da universidade.

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ENTRE BARATAS E OS BARATOS DAS ESQUINAS E BOTEQUINS — ESPAÇOS DE ASSEMBLEIA E SOCIALIZAÇÃO. Durante a graduação foram muitos os espaços-tempos agenciados para reunião e assembléia de alunos. Os bares próximos à universidade eram um desses espaços. Eram chamados de “SR4” por alguns gentis anfitriões, de períodos seguintes: uma brincadeira com o que transbordava aos espaços instituídos de formação (SR1), pesquisa (SR2) e extensão (SR3) na universidade. Era nos “botecos”, entre gargalhadas e anedotas, que nos era possível desconfiar de tanta solenidade ao “nobre” saber acadêmico, um modo como muitas vezes funcionávamos em sala de aula. O bar facultava um espaço onde digeríamos os conteúdos, discutíamos as incertezas e brindávamos as descobertas. E era ali que “os inconscientes” da psicologia podiam, a “céu aberto”, falar, cantar, fazer poesias etc.1 Onde, guardada devida importância aos teóricos, nos apropriávamos de seus discursos. Um apossado território onde alunos, misturados nos diversos períodos, e às vezes cursos, construíam redes solidárias dividindo suas luzes, seus saberes. Não só os das disciplinas formais, mas também de outros tantos não-ditos, processos, corredores e saídas de incêndio na universidade. Assim, o bar facultava um espaço informal de elaboração e desdobramentos das experiências vividas em sala de aula. Muitas vezes nos percebíamos mais à vontade para falar de alguns temas naquele ambiente do que em sala. Como poderíamos funcionar mais à vontade ali e menos em sala de aula? Não demorou muito para que percebesse “na pele” o que me era dado como pergunta. Alguns poucos professores, sociólogos, filósofos, psicólogos, nossos tão admirados da academia participavam também de nossas mesas. E estavam ali junto conosco nos “botequins pé-sujo” partilhando pedaços de pizza entre baratas e os “baratos” mais curiosos da psicologia. Lembro-me do quanto me impressionava (e a alguns de nós) a presença destes mestres. Não eram quaisquer professores, eram nossos mestres mais amigos e, ainda assim, a princípio algo me inquietava. Talvez porque nos sentíssemos ali todos pensadores que agora estávamos em situação de deriva de nossos lugares estabelecidos na academia, para ocuparmos, juntos, outros espaços. Quase 1

Havia também bons encontros na sala do Centro Acadêmico (C.A.). Entretanto, por questões de pertencimento à academia, momentos de euforia e indulgência esbarravam com os cuidados de agentes da segurança e percebiam-se mais controles do que seria conveniente ao espaço acadêmico.

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sempre estas presenças tornavam-se acontecimentos (rupturas, predomínio de linhas de atualização e criatividade) que me possibilitava a análise de um lugar verticalrepresentativo que nos constituía na academia, para afirmar outro modo de relação mais transversal-conector (RODRIGUES, 1997). Isso me fazia pensar que a relação entre mestres e alunos poderia trazer consigo alguma tensão que me sugeria um questionamento das relações presentes em sala de aula. A partir daquela intervenção dos professores e das análises proporcionadas, algo dos modos de funcionamentos sociais e acadêmicos produzia efeitos em mim e isto agora me causava algum estranhamento. Neste sentido, parecia haver em nós um registro da relação hierárquica de poder/saber e podíamos ali vê-la vibrar e tensionar nossos corpos físicos.

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ESTÁGIO E REFORMA CURRICULAR: EXERCÍCIOS EM PODER. Percebo que dois ou três anos mais tarde eu me detive sob a mesma pergunta. Parecia haver um “lugar de poder” preenchido por professores e supervisores de estágio. Questionava como este “lugar” era diferentemente ocupado nas aulas e nos espaços de supervisão de estágio. Como se estabeleciam em mim e em meus companheiros as relações com este lugar? Enquanto nos estágios, produziam-se algumas discussões sobre os recintos, práticas e sentidos de nossas atuações e da supervisão. A partir do termo “supervisão” de estágio, apontávamos para alguns modos de organização do grupo nas reuniões. Nestas, por vezes, agíamos como se o professor tivesse um “superpoder” de nos controlar e/ou vigiar. Noutras vezes, buscávamos achar respostas mágicas para nossas dificuldades práticas. Precisou um tempo para perceber que a supervisão pode não se tratar de uma prática de subserviência, mas de cooperação. Quando nos percebemos implicados com os desdobramentos do trabalho em equipe, prestamos atenção as reuniões. O trabalho tende a tornar-se mais leve e participativo. Quando não banalizávamos nossas experiências nos encargos sociais de psicólogos, nos percebíamos também encarnando, às vezes, uma posição de controle e vigilância sobre nossos clientes. Era preciso, sustentar este lugar, porém ocupá-lo de forma a não produzir silenciamentos. E Baptista (2001) nos deu pistas de que não é a possibilidade só de fala ou de escuta especialista que reduz o silêncio. Os corpos, que nos chegavam para treinamento e capacitação, definitivamente não eram os mesmos corpos fúnebres e mantidos a formol. Não eram os da formação positivista das aulas de neuro-anatomia. Entretanto, estes corpos tornavam-se tão opacos e sem vida e “sumiam” quanto mais sobrecodificados pelas interpretações e teorias. Suas falas e suas expressões, de luta histórica, sucumbiam a “luzes de néon” da academia. As lanternas do iluminismo, dos humanismos, da razão científica que também nos construíra (antes mesmo que ocupássemos o lugar de especialistas!) agora estavam em nossas mãos. Poderíamos nos acostumar, poderíamos ter naturalizado... Mas raramente foi possível. E assim percebíamos, na companhia de vários amigos autores-mestresestudantes, que não havia neutralidade política em nossas práticas e discursos. Nossos corpos, mesmo que em silêncio, portavam significações históricas do que faz um 13

psicólogo. Atraíam (e produziam!) determinadas queixas e demandas. De cura? Análise? Escuta? Interpretação? O que faz um psicólogo? O que têm feito? Nossas (das psicologias) práticas e discursos produziam o cliente, o paciente, o usuário, o sujeito (e a nós também!), como lembrou Baremblitt (1996). O que antes era vida, complexidade, muitas vezes era reduzido a estudo de casos para fazer falar especialismos — individualizações dos modos de existência política dos corpos em forma de sintomas, transtornos, deficiências, sem colocar em xeque seus contextos históricos de produção. Manejados pelos ancestrais da Psicologia, os saberes psi eram atualizados ali entre nós por honrosos representantes e seus aspirantes freudianos, lacanianos, piagetianos etc. (ou seja, eu também?!) gerando controvérsias e disputas. Desta vez era Nietzsche (2001) quem me dava uma pista para analogamente construir um caminho. Ele não maldissera o Cristo, mas os dogmatismos de cristãos e suas conseqüências. Ou seja, na academia, a forma como me relacionava com os teóricos, com seus saberes e os professores fazia diferença! Foi só por ocasião desta escrita que fui entendendo que autores podem ser apenas ferramentas, interlocutores para o diálogo na construção de conhecimento. Entretanto, percebiamos que no IP-UERJ as hierarquias instituídas, as vagas para o professorado, eram disputadas palmo a palmo e nem sempre o diálogo entre a equipe de professores era fácil. Presenciávamos disputas, muitas vezes, amenas e silenciosas, mas em outras, nem tanto. Foi necessário sustentar a questão da corrida aos lugares de poder por algum tempo para que deslocasse suas raízes de questões pessoais e, encontrando com Coimbra e Nascimento (2007, p.28), pudesse ouvi-las dizer que: “Com o avanço do neoliberalismo, em especial na universidade pública brasileira, vive-se uma realidade onde os vários centros, institutos e departamentos se degladiam ferozmente pelas verbas repassadas às migalhas e vindas como esmolas. As equipes, os professores e alunos competem uns com os outros pelos, cada vez mais, escassos financiamentos”. Era preciso assim escapar de mera individualização e de psicologismos para encontrar os vetores que agiam sobre o coletivo. Postos em xeque, estes apontariam para discussões e mudanças necessárias no contexto político e econômico da educação e

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da psicologia no Brasil. E nesta, tanto professores quanto alunos estavam igualmente envolvidos. Lembro-me assim do calor das discussões por ocasião da reforma curricular proposta pelo Estado. Nessa ocasião, a direção do Instituto combinara informalmente com uma professora de Psicanálise por na pauta da reunião de Departamento de Clínica a proposta da criação de um novo departamento que pudesse agrupar as práticas e os saberes psicanalíticos. A proposta agenciou rapidamente uma grande mobilização no instituto. Para alguns parecia ser um tanto ameaçadora à pluralidade da Psicologia a criação de um Departamento de Psicanálise. Uma grande discussão em assembléias públicas no hall do andar da psicologia se fez, na época, sobre o tema do lugar da Psicanálise na Psicologia. Neste caso, o que estava fora das salas de aula inversamente transbordou para dentro delas e o tema foi discutido em diversas ocasiões. Fazia-me assim perguntar de alguma “permeabilidade” das paredes das salas de aula a discussões no Instituto e na Universidade — algo que até então não percebera, de tão envolvido com o “dar conta de passar” nas disciplinas. Teoria e prática, saberes e políticas estavam sendo movimentados. Ali onde parecia não haver qualquer movimento por parte dos alunos, a participação de um grande quantitativo destes o desmentia. Muitos destes alunos estavam retornando; outros, participando pela primeira vez de lugares legitimados nas reuniões de departamento para decisões que envolveriam também o futuro da psicologia no Brasil e, por que não, no mundo. Isso foi dito por uma professora, a mesma que afirmara, em uma reunião do Departamento de Psicologia Clínica que seríamos a segunda universidade do mundo a ter um Departamento de Psicanálise. Após uma série de debates acalorados no hall do andar da Psicologia, a proposta sequer foi posta em votação por parte dos professores no Departamento de Clínica: o Departamento de Psicanálise não foi criado. E agora eu sabia do que a discussão e a ação coletiva eram capazes. Que Psicólogo formamos? Quem forma? Onde se atualizam os lugares de poder? Aliás, o poder teria mesmo um lugar fixo? Sinto-me aqui demasiado “caçador de relações de poder” (RODRIGUES, 1987, P. 29) e não tardo em contar como fui torcendo e contorcendo esta questão.

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OS ORNITORRINCOS? OS CÍNICOS? O ESQUIZO?2 — MEMÓRIAS DE UM GRUPO DE ESTUDOS SEM “O” PROFESSOR. A partir daquela movimentação no IP, outras ações tomaram visibilidade. Um grupo de estudantes do Instituto se engajou na parceria e na troca de informações entre faculdades de Psicologia do Rio de Janeiro e do Brasil. Fizeram-se reuniões, agenciaram-se congressos de estudantes de psicologia no Rio de Janeiro e fora dele (EREP, ENEP3). Muitos alunos estiveram na época envolvidos nestes agenciamentos de discurso estudantil. Entrementes, no IP-UERJ, alunos organizavam também o que ficou conhecido como Grupo de Estudos em Esquizoanálise4 . Desta experiência participei e trago algumas das práticas e indagações que surgiram a partir dali. O grupo de estudos começou com uma reunião semanal de alguns alunos oriundos de diversos períodos, com horário e lugar marcado e duração de aproximadamente duas horas. Fizemos um abaixo-assinado endereçado à direção do IP que logo nos cedeu uma sala de aula para os encontros. Começávamos a formar um grupo que se propunha a pensar e repensar nossas mais diversas práticas com as ferramentas de autores como Nietzsche, Espinosa, Deleuze, Guattari e Foucault. Durante os primeiros encontros surgiram algumas indagações. Que textos leríamos? Qual a direção das investigações? Centralizaríamos as responsabilidades sobre um representante? E assim fomos decidindo, com algum debate, que não teríamos nenhuma diretriz pré-estabelecida às investigações senão a que julgássemos necessária durante os encontros. A partir daí, toda sugestão de leitura seria bem-vinda e considerada. Era interessante notar como nos relacionávamos com tal liberdade. Lugares de culpabilização pelo fracasso acadêmico5, antes atribuído aos professores e a ementas 2

Referências aos vários nomes para este grupo que, postos em longa discussão, acabaram não sendo adotados. Porém indicam sua disposição de mesclar discursos e intervir na realidade acadêmica e social. 3 EREP (Encontro Regional de Estudantes de Psicologia) e ENEP (Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia) 4 Segundo Baremblitt, a Esquizoanálise é uma modalidade de Análise Institucional criada por Deleuze e Guattari que poderíamos entender de forma parcial como “uma nova forma de pensar, um modo de ser, ou uma maneira de viver que propõe algo de um processo de análise permanente, generalizado e ubíquo, presente por toda a parte, em qualquer momento, e protagonizado por qualquer pessoa que tenha, naturalmente, interiorizado os princípios teóricos desta concepção (...) tem um aspecto analítico, ou seja, a compreensão de como as determinações alienantes do sistema, responsáveis pela dominação, pela exploração e pela mistificação, estão presentes em cada uma de nossas atividades vitais, as afetivas, as econômicas, as políticas, as artísticas, as relações com os outros e conosco mesmos” (Baremblitt, 1996, p.94) 5 Analogia ao conceito-ferramenta de fracasso escolar desenvolvido por Maria Helena Souza Patto.

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rígidas e pouco interessantes, agora estavam podendo ser revistos sob a análise de nossas implicações. Segundo Lourau, a análise da implicação é um conceito-ferramenta que foi introduzido pela corrente francesa da Análise Institucional e, para entendê-la, é preciso travar certa luta dentro dos usos da palavra implicação, que adquiriu inúmeras significações na história dos saberes. Lourau (2004), em seu texto Implicação e Sobreimplicação sinaliza que este conceito, usado na sócio-análise, não deve ser confundido com engajamento ou com investimento. Esses apontam para a gênese da sobrecarga de trabalho e para o imperativo reflexivo que, em tempos recentes, forjou a regra do implique-se, engaje-se na produção e não analise os diferentes modos possíveis de inserção. Mas Lourau vai além com o conceito dizendo que implicação é assim, um feixe de relações (libidinais, políticas, profissionais e institucionais) que nos vinculam a determinados conceitos, saberes ou práticas. Estas relações devem ser analisadas coletivamente, o que supõe intensa e, não raro, penosa atividade. Visa à produção de sentidos múltiplos aos nossos pertencimentos e relações com campo de análise ou de intervenção. À medida que praticávamos os debates e análises no grupo, íamos lidando com certa flexibilidade que assustava a muitos de nós. O que fazer se me percebo menos submetido a uma ementa definida? Era aquele um espaço de aula? Estudo? Leitura? Espaço de disputa de saberes? Ou de poder? Na construção daquele espaço todos podiam perceber que exerciam alguma força, alguma possibilidade de participação, e que era importante que instaurássemos o desafio de tender à auto-gestão do grupo. Foi de tal modo que, logo nas primeiras reuniões do grupo, um amigo recémformado no IP com fama entre nós de estudioso de Gestalt-terapia e de Psicanálise começou a participar dos encontros. Sua entrada gerou polêmica a partir da reação de outros integrantes. Seríamos um grupo purista de “Esquizoanalistas”? Esta foi uma questão de discussão por ocasião de sua entrada. Para muitos, era paradoxal com a filosofia deleuziana que instaurássemos qualquer especialismo no grupo. A relação possessiva, centralizadora ou controladora dos saberes produzidos no grupo era dispensável. Neste sentido, facultou-se a análise coletiva onde comparecia a aversão a algumas abordagens e perspectivas de maciça presença nas disciplinas e supervisão de estágios do IP. Um integrante do grupo chegou a deixar as nossas reuniões, entre outros

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motivos, por não querer mais diálogos com a psicanálise. Entretanto a maioria seguiu disposta a mesclar discursos alegremente, no estudo das matrizes psicológicas. Logo descobrimos os limites destes quando da presença de alunos e pesquisadores de fora do Instituto de Psicologia. Eram vários estudantes de Arte, Filosofia, que se aproximavam pelos saberes deleuzianos. Eu prestava atenção aos limites como uma espécie de limiar ou fronteiras a explorar na prática de formação acadêmica. Algo a respeito de minha questão sobre os lugares de poder na escola/academia, através de nossos encontros, pôde ser deslocado. Seguindo uma precaução metodológica de Foucault, poderíamos agora desconfiar do que víamos como “o” poder dos professores e entender que este se construía em rede. Ele adverte a: “[...] não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras; mas ter bem presente que o poder − desde que não seja considerado de muito longe − não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede”. (FOUCAULT, 1979)

Desta forma eu torcia a questão dos visíveis “lugares” de poder para as relações de poder. E foi assim, refletindo sobre estes funcionamentos de uma rede de poder, que a presença de um professor neste grupo se tornou para alguns de nós, uma questão. Certa vez reparei, durante a visita de Cid Cortez, professor aposentado recentemente do Instituto, e que ministrara uma disciplina eletiva de Esquizoanálise, que o funcionamento do grupo se modificara. As falas, que antes circulavam no grupo, agora pareciam retidas ao professor. Alguns justificavam que era pelo fato de este ocupar o lugar de mestre, outros por ser muito querido e pela falta que causara no instituto, e ainda outros por quererem apenas ouvir do seu conhecimento em esquizoanálise. Ainda assim, como se dariam, em sala de aula, as práticas de fala e silenciamento entre alunos e professores? O que favoreceria a fala do aluno como investigador e produtor de conhecimento, já que muitas vezes, em sala, apenas se comporta como consumidor e reprodutor do discurso acadêmico? Mas era claro que nós tínhamos produzido ali um ambiente onde o exercício dos discursos poderia ser feito, principalmente por nos sentirmos em alguma relação menos verticalizada. Sentíamo-nos mais empoderados por 18

nossas falas e reconhecimentos mútuos. A este respeito, Gore nos trazia algumas pistas de que “o poder é exercido ou praticado em vez de possuído e, assim, circula, passando através de toda força a ele relacionada. Na educação é claro que o poder não está apenas nas mãos das professoras”. (GORE, 1994, P.12). Chauí (1992) acrescenta algo a esta idéia, dizendo que: A relação pedagógica revela que o lugar do saber se encontra sempre vazio e que por este motivo todos podem igualmente aspirar por ele, porque não pertence a ninguém. O trabalho pedagógico seria, então, trabalho no sentido pleno de conceito: movimento para suprimir o aluno como aluno a fim de que em seu lugar surja aquele que é o igual do professor, isto é, um outro professor. Por isso o diálogo não é o ponto de partida, mas de chegada, quando a assimetria foi superada e a igualdade foi instalada graças à própria assimetria. Seria preciso admitir que o lugar do professor é simbólico - e por isso sempre vazio - tanto quanto imaginário – e por isso sempre pronto a ter proprietários. (p. 69)

Desta forma, comparando o funcionamento do grupo na ausência e na presença de professores ou de alunos que se acreditava detentores de maior conhecimento do assunto em pauta é que percebi, semelhantemente, o que Bedran aposta. Que “aluno e professor são apenas estrategicamente, territórios demarcados, pois não há como evitar a confusão entre quem aprende e quem ensina em situações nas quais ocorre a produção” (BEDRAN, 2003, P. 50). E era exatamente esta a sensação quando no grupo de estudos, os discursos fluíam com participação de todos: no final não sabia se o conhecimento que tínhamos construído ali saíra de mim ou de qualquer companheiro. Mesmo quando me lembrava das aulas e seminários, percebia que em alguns momentos professores e alunos se confundiam na relação ensino-aprendizagem e geralmente estes eram alegres encontros no sentido espinozista da palavra. Sentíamo-nos produtivos, potentes, fortalecidos, vivazes. Foi assim que, partindo de uma experiência vivida no grupo de estudos, parti para assistir aulas na graduação da Psicologia da UERJ, algumas na condição de ouvinte, e se produziu a demanda de por em análise a relação entre professores e alunos em sala de aula e articulá-la com alguns conceitos-ferramentas da Análise Institucional. Uma destas experiências e algumas análises relato em seguida, mais coberto de polêmicas do que de certezas. Narro no tempo presente, em fonte de estilo itálico, posto que estas anotações fizeram-se através de diário de campo. Entretanto é só uma 19

tentativa (malograda, talvez digam) de marcar a diferença das anotações feitas à época de outras feitas agora, meses depois.

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UMA EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA. A entrada do professor em sala (re)produz alguns modos de funcionamento das classes em aula. Sua presença se faz notar pela chamada. Produz-se

aqui

uma

certa

análise

de

práticas

disciplinarizadoras

e

individualizantes que se atualizam nos agentes da educação. Os alunos aprendem desde tenra idade a responder o clássico “presente” ao ouvirem seu nome. Segundo o estatuto da universidade, o aluno não pode ter mais que 25 % de faltas (o que pode significar apenas chamadas não respondidas) para aprovação na disciplina.

Agenciado por

leituras de Foucault e Deleuze, me questionava sobre algumas práticas de controle e vigilância que predispõem professores e alunos a tácitos lugares antagônicos na instituição acadêmica. Atualizam-se assim práticas que pretendem corpos mansos, coagidos? Controles dos índices de assiduidade que tanto interessam ao poder público? (Reconheço certa solidão produzida no ato da escrita, alavancando-me a discussões que este recorte monográfico não pretende esgotar). Notável é que outros professores e alunos consigam se relacionar com o artifício da lista de chamada não como forma de controle e vigilância, e ainda assim mantêm-se grande freqüência e participação nessas aulas. Em outros casos, em que respondê-la ou assinar uma lista de presença faz-se uma obrigação sem muito sentido, várias estratégias de resistência são adotadas. Quando não realizamos, coletivamente, uma análise de implicação com a ementa das disciplinas, o coletivo tende a se enfraquecer e o que se mostra são subterfúgios, soluções individuais para os desafios que afetam a todos durante o curso. É também interessante perceber, que a mesma “lista de presença” que se coloca aos cuidados do professor possa catalisar algum sentido para produção de queixas e culpabilizações sobre sua presença/ausência em sala de aula sem pôr em análise as condições e vínculos coletivos com a construção do conhecimento. Fragilizado, uma turma de alunos muitas vezes pode desconsiderar estratégias, nem sempre beligerantes, para sustentar a produção de conhecimento, mesmo que, na ausência eventual do professor.

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Creio que estabelecer um tempo-espaço para estas análises não é apenas responsabilidade de professores, mas igualmente de alunos e tantos outros agentes da educação. Em meio à agitação e falatório, alguns tentam responder à chamada. A professora reclama: “Por que vocês não respondem direito à chamada?”. A pergunta recebe algum silêncio como resposta. (Talvez a intenção da pergunta seja mesmo esta e não outra). Em meio à agitação da turma, a chamada prossegue quando uma aluna justifica a ausência de um colega dizendo “Ele foi ao banheiro, professora”. Outra aluna, quem sabe respondendo à pergunta anterior, brada um estridente “Presente!”, outros riem. A professora termina a chamada e, como se ameaçasse, dirige-se a um aluno que entra: “Você foi o primeiro a não responder a chamada”, ironiza. Minhas implicações de amador do teatro me dizem que o riso sugere algo de quebra de ritmo na cena. O riso pode mesmo, por vezes, responder a constrangimentos e incômodos. Talvez a aluna atualizasse um modo “direito” de revidar a chamada. Ou talvez ao menos de fazer-se notar e não “perder a presença”. Para isso forças são agenciadas, corporativismos, pequenas retaliações que, se não postas em xeque, mantém os drama da opressão. Para mim foi a possibilidade de visibilizar certos modos de fazer quando não estava colado às implicações de aluno daquela turma. Mas ainda estava colado à posição vitimista de aluno passivo, da qual procuro me deslocar ao passo que escrevo sobre a experiência. A aula começa (quando?) e a porta lateral range renitente à entrada dos “atrasados”. Penso: quantas vezes aquele ruído tivera e ainda teria atuação? Certamente ainda não o suficiente para que algumas gotículas de óleo azeitassem os modos de produção de individualidade. O discurso da professora mobiliza escritas frenéticas. E eu, entre a demanda de fazer um relato de minhas análises de vínculos com aquele espaço de aula e as implicações com as (in) formações que me são familiares, me coloco também a escrever e estranho a cena. Fico sabendo que é véspera de provas, indagando se talvez por isso cada palavra da professora precisasse ser cuidadosamente registrada pela turma. Em mim, instaurava-se o desafio de entre, e a partir das reproduções vividas na aula, dar visibilidade a imanentes produções. No entanto, não raro, como Bedran (2003, p. 51) alerta, “a produção e a sua avaliação, entendidas como exigências burocráticas, 22

retiram da universidade a construção infinita do pensar.” E aqui me incluo, não ignorando que este texto monográfico é parte de exame, avaliação e da aprovação ao diploma que almejo. E que decerto isso influencia na direção e no sentido da escrita, mas, ao que indica a autora, não pode ser a única razão para a produção acadêmica. Penso que me interessa mais a construção conjunta de conhecimento que faço durante a confecção desta, junto a meus companheiros, professores e autores em interlocução e, depois de concluída, junto ao leitor, como um trabalho em permanente rede de vetores de construção e que não presume nenhuma relação de posse com o saber. Enfim, voltemos à aula... A professora segue mencionando alguns textos de Freud. Mui provavelmente, a maioria não pôde se apropriar dos livros a que ela se refere. O discurso acadêmico mantém-se centralizado na professora, é ela quem “dita” os textos. Ou deria “sugerir”? Há mesmo um ser falante e outros falados? Mas o ser que parece interessar é o “Severino”, uma alusão generalista da professora a um sujeito psicanalítico fundado na tenra infância e que serve de modelo a todos os outros6. Tal perspectiva, segundo Lima (1999) tende a manter a Psicanálise amarrada a um incurável e impenitente idealismo familialista (P.79). A professora prossegue falando sobre as “descobertas” de Freud. Na lousa, a inscrição: Angústia e Recalque - O recalque provoca angústia. Algo disso começa a ser gerado por ali e eu, lembrando-me de Rodrigues (1997), me apropriando de outros “semi-inúteis óculos de lentes vencidas”, diferentes dos que me seriam exigidos à aula, percebo e brinco em sigilo com os significados de “sublimes” conceitos. Ali “O Princípio do Prazer” é apresentado como uma relação tendente a um ponto ótimo de excitação. Mas em mim comparecem outros princípios de prazer: a tensão, os atritos, as disputas, as relações de poder. A excitação era contingencial ao contato, aos afectos no sentido espinozista da palavra. A aula prossegue entre o ranger de mais alguns poucos “atrasados”. A professora segue (re)produzindo o discurso, ao que entra um aluno cadeirante. Ela 6

Aqui me lembro do fragmento de “O Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro (heteronômio de Fernando Pessoa) “Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na cruz que há no céu E serve de modelo às outras”.

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pára: aparente desconcentração. Olha para a cena. Com auxílio, o aluno põe na tomada da sala um fio que, de onde estou, parecia ser o da bateria do equipamento de rodas. Outro, atrás de mim, resmunga: Ih! Hoje o “sistema” está lento! A professora está fazendo o “download”. Mas “outra cena” parece ser a que demanda mais atenção. Afinal, o assunto da prova era o Recalque e a Angústia em Freud. A angústia envolvida na produção de conhecimento em uma aula não ganhou voz. Sobreimplicados entre as urgências e exigências burocráticas, alunos e professores podem não estabelecer um tempo de colocar em análise o quanto cada atitude ou ação em sala de aula influencia na dinâmica do encontro. Os atrasos, as interrupções, piadas, silêncios são destituídos de seu caráter ético e político, e a prática da educação/formação deixa de ser pensada em outros possíveis. Outro aluno questiona a professora sobre o que ela diz. Ela pede que ele recupere, no caderno, o que teria dito na aula passada. O aluno diz não ter caderno. A professora responde com sarcasmo que este era um “desejo” dela. Outros, num aparente revide à ironia, dizem que ela poderia pôr suas aulas no You Tube7. Havia ali uma cena que apontava questões importantes sobre o uso moderno da rede de comunicação e suas reverberações no campo da educação. Pode um vídeo substituir um professor? De que forma o uso da rede pode facilitar os processo de ensino/aprendizagem? Mas a “outra cena” parece ser mais interessante e a aula continua. O percurso de “descobertas” de Freud é mais uma vez refeito, atualizado. Naquele momento ele estava às voltas com sua construção do aparelho psíquico. “Naqueles dias ele formulava que as mulheres teriam um Super-Eu fraco”, segue dizendo a professora. “As feministas caem de pau em cima dele e ele resolve pensar mais um bocadinho e resolve este problema de outra forma”. A polifonia presente na narrativa bem-humorada da mestra cria-me uma indagação do percurso de adaptações políticas por que a teoria passa até nos chegar pronta. Quantas tensões e disputas de poder estariam envolvidas no passado e, agora, naquilo que comparecia chapado naquela aula em que todos nós parecíamos estar grudados em nossos lugares? Entre

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Site que permite que seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital. É muito popular no Brasil.

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falos, poderes e pau na boca do Jacaré8, as feministas compareciam, mas a cena era outra. Entre “amarrados” que cicatrizam, “umbigos” que centralizam, “ocultos” e “descobertas”, a aula continuava. E agora eu entendia também que não fora só no passado que as teorias sofreram influências para serem repensadas. E que meu lugar acadêmico exercia alguma função sobre esta influência ainda hoje. Mais ou menos conscientemente organizadas coletivamente, sempre existirão formas de resistir e participar da construção dos saberes. O

recorte

produzido

pelo

dispositivo-aula

promovia

campos

de

visibilidade/invisibilidade e dizibilidade (RODRIGUES, 1997). Comparecem as dicotomias sobre os gêneros. A professora relembra que todo sujeito, enquanto sujeito, é feminino e masculino. Uma aluna ao meu lado sussurra “Pepeu Gomes!”. Talvez por questões de pertencimentos à academia, pelo mesmo regime de dizibilidade, ela fala baixo, mas diz: “Certo estava o Pepeu quando dizia: Sou masculino e feminino9!”. Mas Pepeu não pôde entrar, a cena era outra. E a aula prosseguiu até os últimos minutos, onde brevemente o Recalque e a Angústia foram apresentados em dois tempos fundadores, originários de “o sujeito” em tempos distantes e inacessíveis. Afinal, a cena... , bem, a cena estava sempre por-vir. Os alunos não leram Freud; a professora leu, mas não pôde escutar as feministas e o movimento gay, o de portadores de necessidades especiais, e os ruídos da aluna com o Pepeu Gomes e toda a complexidade de práticas discursivas e não discursivas que tanto me inquietavam, embora não o suficiente para ganhar voz ou forma visível. Tanto material rico, tantas forças discursivas e não discursivas silenciadas frente à produção de urgência em torno da avaliação. Ela termina a aula e repete o ritual de chamada. Novamente pede silêncio: “Gente se vocês não responderem a chamada em alto e bom som eu não vou dar presença. Eu estou aqui na UERJ desde a manhã e eu estou muito cansada!” Quantas angústias teriam sido silenciadas naquela aula? O que e como é possível dizer num intervalo-de-tempo-aula na formação? Como temos ocupado os lugares visíveis de alunos e professores, instituído entre a relação hierárquica de saber/poder a que a Educação acostumou-nos durante tantas décadas? 8 9

Expressão de J. Lacan, segundo a professora. Referência a composição Masculino e Feminino de Baby Consuelo, Didi Gomes e Pepeu Gomes

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Como produzir e dar visibilidade às rupturas, ao que escapa em direção ao novo? De que formas tem sido possível escapar desta relação dicotomizada e muitas vezes de rivalidade entre professores e alunos? Certamente não há uma fórmula, um topos confortável. Algo de produção desejante precisa encontrar saída de máquinas de produção binária, onde a questão se debate em adoecimento do corpo da educação. A partir da leitura de Veiga Neto, em suas articulações com conceitosferramentas de Foucault, foi possível assumir uma diferença entre poder e dominação. Por mais que dominação apresente-se como sendo estágios

“bloqueados”,

“cristalizados” das relações de poder, o autor salienta o caráter “agonístico” destas e por isso sua instabilidade. Para ele, não há uma essência, um bem ou mal, em si, na dominação. Mas ela pode ser entendida apenas como estratégia circunstancial à transmissão do saber. “[...] o caráter de dominação dos processos educacionais nada tem, em si, de lamentável. Mais do que isso, não há nem mesmo como imaginar uma cultura, qualquer cultura, sem ações continuadas e minuciosas “daqueles que já estavam aí” sobre “aqueles que não estavam aí”, de modo a incorporá-los aos códigos, saberes, crenças, práticas, representações, valores e tudo o mais que compõe uma cultura e que “já estava aí”” (Veiga-Neto, 2006, p. 30).

Tal qual o poder, o saber existe entre professores, mas também está em diversos âmbitos, entre alunos, se entendermos que a cultura é construída coletivamente. Desta forma, o que se estabelece são estratégias para domínio de setores de saber-poder que estarão sempre disponíveis a novas apropriações. Imaginar as relações professor-aluno como relações cristalizadas de total dominação de uns sobre os outros seria como reconstruir um mundo a partir de fragmentos e fotografias sem reconhecer o que há de movimento e transformação no contexto destas. Ou seja, impossível! Nesta batalha, já pouco me importa quem é professor quem é aluno. Se ser psicólogo é aprender respostas aos dilemas que se nos impõem, então minha certeza é o cinismo. Mas mesmo assim só me resta um fio ao desespero. Depois de tantas questões e de tantos porquês só mesmo desesperando, acabar acreditando que nada ou tudo é possível para então, a partir daí, construir-se algo de realista, algo de provisoriamente palpável. Mesmo que seja entendendo que tudo é provisório e que a durabilidade existe a data de vencimento ou validade de tudo. Que como a areia e o vento e as águas no planeta, tudo corrói, corrompe, transforma, devém outro. Entretanto, acreditar que 26

absolutamente nada pode ser feito para alterar os lugares é tão insano quanto acreditar que definitivamente tudo é possível. O problema é perceber que os lugares são também passageiros, construídos, não por mim, já que o “mim” e o “eu”, que tanto experimentei neste texto, também é histórico. Portanto, tudo é transitório na busca infinita ao conhecimento. Nesta construção, cada uma das práticas e discursos envolvidos na formação afeta ao corpo do aluno produzindo efeitos. Plagiando Baptista (2000), por vezes também percebia a formação como uma “aula de escultura”, porém onde escultor e escultura se confundem. Como um laboratório de teatro, onde o ator precisa aprender um personagem, um determinado papel para incorporá-lo. E a partir do referencial institucionalista fui percebendo que ao entrar em contato com a escultura, artista e matéria prima interagem e há algo do encontro entre eles que faz com que ambos sejam modelados. O escultor sabe que se faz necessário um embate com a sua obra. A criação respeita a estética que lhe impõe adequações a formas possíveis e assim ambos são modelados. No caso em questão, transformam-se alunos e professores. Não se entra em contato com o momento de criação artística e se sai ileso. Algo da obra se confunde com o artista. Em contato com cada uma das vertentes filosóficas e psicológicas o estudante vai, ele mesmo, se modelando num processo singular que envolve, obviamente, todo um conjunto de experiências e conteúdos adquiridos antes e durante o curso. De modo que é certamente impossível falarmos de uma formação acadêmica que se dê de forma homogênea. E, para além desta, podemos dizer que é constante para professores ou alunos, posto que se dê na experiência transformadora do cotidiano.

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DE COMO OLHAVA O TEMPO PASSAR Este trabalho foi gestado em longo e intenso processo de amadurecimento intelectual e afetivo que poderíamos chamar de formação quando circunscrito aos limites escolares e acadêmicos. Levei alguns anos observando, registrando, juntando textos, pistas sobre os modos de ensino/ aprendizagem e sobre o funcionamento escolar. Interessavam-me mais as dinâmicas das relações interpessoais, as produções de subjetividade na academia do que os meandros institucionais como limites estabelecidos. Embora nem sempre fosse possível deixar de sentir os efeitos destes sobre aqueles. O título se formou ao final da jornada de escrita. É a sedimentação temporal do que estudei. Acúmulo de discursos, a própria polifonia em tantos atores e autores que repeti e de que me apropriei: Jacira (minha professora primária), Heliana (a professora na graduação), Michel Foucault (um mestre com seus vultos em tantas outras literaturas). Com alguns convivi pessoalmente, com outros, apenas com seus discursos, mas todos muito me ensinaram e certamente produziram em mim novos modos-de-ser. Desta feita, conto aqui um tanto de como percebi o tempo passar de forma a questionar os detalhes, os dispositivos da formação A informalidade buscada no texto foi uma intenção de trazer-lhes os elementos que fizeram parte da trajetória e que poderiam ter sido descartados se acreditasse ser possível uma neutralidade absoluta do pesquisador. Antes disso, acredito ser mais útil por em análise a complexidade de fatores que direcionam meu olhar, minha escuta, minha escolha de questões. Junto a isso há uma adesão à crítica ao psicologismo e individualismo com que a psicologia se acostumou durante as épocas, sobretudo em tempos atuais. Evitando intelectualizações e idealismos, busco trazer a discussão para o chão da escola, ou ainda da academia, e falar partindo do vivido, da experiência. . É também uma tentativa de narração de acontecimentos disparadores de dúvidas e incertezas motivadoras de futuras pesquisas e troca de saberes com colegas e autores na jornada da educação formal. E como aprendesse a prestar atenção às dinâmicas no aprender/ensinar e às relações íntimas entre saber e poder, logo percebia estas relações de força entre professores e alunos.

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Buscando registros antigos nos meus boletins escolares no ensino básico, encontrei avaliações e anotações feitas pela professora10 e que eram motivos de comentários e queixas nas reuniões de pais. Naqueles anos, eu reclamava da professora: bruxa, megera, jararaca e tantos outros xingamentos. Do outro lado, ela me dizia preguiçoso, desatento, que ficava olhando o tempo passar e não completava corretamente os exercícios. Quando revisitei na memória algumas imagens da época, encontrei momentos onde, depois de copiar rapidamente os exercícios no quadro negro, a professora muitas vezes se dirigia à porta à frente, na lateral da sala, e dali comunicava-se com as outras professoras. Talvez, por momentos, este fosse um respiradouro às tensões da sua prática. Um momento onde elas podiam falar sobre o cotidiano e banalidades, enquanto os alunos deveriam copiar silenciosos os exercícios — o que obviamente nem sempre faziam sem alguma coerção pela professora. Noutras vezes, me recordo da professora lendo alguns romances de banca de jornal: Sabrina, Júlia e outros folhetins dos anos 80, com histórias de romance sentimental e “acalorado”, enquanto fazíamos as provas. Estas remotas lembranças me trazem aos tempos recentes, onde percebo produção de lamentos por todos os lados e, tal qual naquela época, um desperdício de tempo e isolamentos com trivialidades improdutivas para resoluções de dilemas que se apresentam na educação. É muito comum ouvir críticas de colegas na graduação aos professores e destes aos alunos. E tal qual naquela época, pouco percebo a criação de espaços que de fato estabeleçam troca de experiências e de angústias, que apontem para soluções e saídas para os desafios do ensino e da formação. Contudo, procurando não repetir o erro das lamentações, posso narrar uma experiência recente numa série de quatro encontros, durante o ano de 2009, que começou intitulado “UERJ 45 anos – Que psicólogos queremos formar”. Neste, professores e alunos discutiam em assembléia, num amplo auditório, os dilemas da formação. Uma equipe discente agenciadas pela professora Ana Jacó, professora do instituto de psicologia UERJ, dirigiu cada encontro feito em três momentos que, ao final, gerou um documento encaminhado à direção do IP com avaliações, críticas e propostas para a formação do psicólogo. No primeiro momento todo o grupo levantava problemas e juntos assistiam a apresentação de relatos de

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Vide anexos.

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professores e alunos de vários momentos históricos do Instituto. Depois disso, professores e alunos reuniam-se em sala de aula com pequenos grupos de trabalho (GT’s) para, num ambiente menor, propiciar a fala de um maior número de pessoas. Em seguida esses grupos retornavam ao auditório e, através de um relator, contavam de suas discussões e propostas. Era de certo um momento raro no Instituto, quiçá na universidade. Tanto que gerou um livro11 que foi abarcado pela Eduerj, editora da universidade, como uma produção institucional de tiragem limitada e distribuição gratuita. Os desdobramentos deste acontecimento por certo ainda podem se fazer durante os próximos anos. Porém já sabíamos que era possível reunir os atores de tantas épocas na formação psi da UERJ. E, por trocar experiências, ter uma outra visão ampliada aos limites utilitaristas da sala de aula. É claro que não se tratou de um exemplo de perfeição enquanto ideal, mas de perfeição em seu percurso: encontros, debates, entrevistas, artigos e publicação. Tratou-se de uma iniciativa com participação coletiva na discussão do presente da formação, que decerto, mostrou o quanto ainda há para polemizar e buscar alternativas. A dinâmica desse encontro não se confundiu com um congresso acadêmico, onde, na maioria dos casos, alguns poucos apresentam seus trabalhos e pesquisas, com pouquíssima ampliação da troca de experiências e dos encontros entre os integrantes das mesas e a assistência. Algo ali me chamava a atenção para algum deslocamento do lugar passivo, docilizado, no qual não nos percebemos acomodados. Novamente me lembrava da troca de farpas e acusações entre professores e alunos quando, entre estes, ouvia alguma reclamação de aulas repetitivas e monótonas e, entre aqueles, de alunos desinteressados e que não têm o hábito de leitura. Juntei a isso o discurso de Bedran (2003) quando diz que o resultado da produção do aluno universitário não está desvinculado do processo que o engendrou. Ela salienta que o modo como tratamos o tema é, não raro, pelo resultado e não pelo processo, o que muito justifica os rótulos que tanto observamos no cotidiano acadêmico. O professor que não ensina, o aluno que não lê/escreve/aprende.

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JACÓ-VILELA, A. M. (Org.); UZIEL, A. P. (Org.) ; PRESTRELO, E. T. (Org.); NOVAES, M. C. M. (Org.); CARVALHO, R. V. C. (Org.); ROCHA, V. M. F. M. (Org.). Psicologia na UERJ : 45 anos de histórias. 1. ed. Rio de Janeiro: EdUerj, 2009. 266 p.

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Foi assim que me debruçando sobre a questão, vivi uma experiência que me deslocou. Certa vez, precisava ler um dado capítulo de um livro para a reunião do grupo de estudos do estágio em psicologia nas instituições de educação. A professora, por ter um grupo reduzido, pôde disponibilizar o livro do qual indicara o texto, para que eu lesse e preparasse o tema “indisciplina na escola”. Levando o livro para casa pude folheá-lo, ler outros capítulos tão ou mais interessantes do que o indicado. Na semana seguinte retornei com o capítulo lido e, entusiasmado, trazia contribuições de outros autores no mesmo livro. A partir dali instaurava-se a possibilidade de observar que a direção de minha investigação se ampliara. Perguntei à professora por que os professores geralmente indicavam textos ao invés de livros. Ela respondeu que era o mínimo que esperava que servisse de pauta para as discussões no grupo e em sala de aula. Aquilo, agora, me fazia analisar outros pontos da formação. Na UERJ (e creio que em boa parte das universidades!), é perfeitamente possível passar por toda a graduação sem entrar na biblioteca. Ali, sequer temos um acervo atualizado com tantas novas publicações a cada ano. Mas não se consegue imaginar a formação sem o banco de xérox. Tal como no filme do diretor Jorge Furtado, “O Homem que Copiava”, atentava para a a leitura de uma sucessão de recortes bibliográficos que, na formação em geral, pouco ou nenhum sentido produz, senão como forma de aprovação nas avaliações, provas e seminários de disciplinas. Ainda assim, alguns professores levavam seu acervo pessoal para a sala de aula. Davam-se o trabalho de carregar algum peso só para apresentar o livro na íntegra. Este tem mesmo uma materialidade que a fotocópia ou o arquivo eletrônico não tem. E assim eu passava a valorizar a possibilidade de, menos sobreimplicado na leitura para avaliação, encontrar sentido para a investigação dos temas propostos. Deixava de ser “o aluno que não lê” para tornar-me um pesquisador na literatura sugerida pelo professor, tornando-o um parceiro de investigação. Ainda a partir desta busca junto aos professores, eu podia discutir o assunto embasado nos moldes acadêmicos e sem a produção de culpa ou lamento e, sim, com apropriação e responsabilidade. Mas nem tudo foram lamentos. Paralelamente, acompanhei de perto o esforço de alguns professores em negociar as ementas e a gestão das aulas com a turma ou com seus grupos de estudo. Também vi o quanto era para eles um esforço, no preparo de aulas das disciplinas ministradas, derivarem dos lugares estabelecidos e buscar afetar 31

aos alunos. Nem sempre conseguiram, mas diziam-se atentos e dispostos para este objetivo; e eu aprendia um pouco mais sobre isso. Nessas ocasiões era como se saísse do lugar de quem fica “olhando o tempo passar” para ocupar um lugar mais positivo e crítico sobre o meu processo de formação. E por várias vezes foi discutindo nos grupos de alunos que eu percebia haver outras possibilidades de me portar frente à academia. Era desta maneira que devolvia ao coletivo aquilo que se cristalizava em individualizações no corpo de “o aluno” ou “o professor” em forma de rótulos, transtornos ou sintomas. Percebia que, a despeito destes, havia constantes forças movimentadas através do coletivo. As generalizações e culpabilizações eram substituídas por análise coletiva dos processos discretos, silenciosos e invisíveis que nos levam a determinados lugares e formas de agir na educação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS “A SÓS NINGUÉM ESTÁ SOZINHO É CAMINHANDO QUE SE FAZ O CAMINHO” TITÃS12

É importante encontrar o tempo-espaço onde se produz o novo. A experiência pode ser entendida como transformadora e não como repetição do mesmo. É preciso reconhecer que a produção de lamento e queixa escolar/acadêmica pode ser uma produção que se esgota em si. Em nosso percurso, algumas forças podem tomar maior visibilidade e dificultar o surgimento de outros vetores na análise de implicações com a construção do saber. Entretanto, foi possível entender que “os lugares de poder” são como recipientes que podem ser preenchidos de diversas formas. E são! É preciso resgatar o caráter das ações na educação, que, sendo sempre polêmicas, estão em constante transformação. É perfeitamente possível pensar na hierarquia como relações provisórias no trajeto da construção do conhecimento, sempre estabelecidas em meio a redes de práticas e discursos. Todos estão implicados com o processo de construção do conhecimento, reconheçam ou não. Na experiência relatada, mais do que o consenso (resumo da complexidade ao “um”), buscou-se indicar os espaços de diálogo e solidariedade nos embates do saber, a fim de restituir o caráter político do conhecimento. Somos como grãos de areia prepotentes? Células cheias de vontade, átomos que acham saber por onde andam? Talvez nos tenhamos formado assim. Mas não deixa de ser possível nos entendermos praias, tecidos. Entendo-me matéria natural, social, cultural, saio da certeza solitária sem precisar cair na segurança da manada em fuga e desespero. Mesmo sem entender tudo. Podemos nos abrir ao que vibra, ao que inquieta, ao que se transmuta. Quem sabe em que direção? Algo de novo se faz, mesmo que seja repetindo. Como fiz até agora. Como fiz ainda. Como? ? 12

Enquanto Houver Sol. Composição de Sérgio Britto

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E resta a dúvida para alavancar a novos modos, novas certezas. Sempre provisórias! Certamente nos movemos dentro da EDUCAÇÃO e ela se move em nós. Com ela, professores e alunos e psicólogos e tantos outros “agentes de fazer gente” se movem também. O resto depois daqui? O resto é repetição de novo e do novo. Mas na escrita, termino um tempo. Para já-já começar outro na eterna formação, como disse Baptista (2000), deste fabricante-de-interiores-em-revolta.

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DIALÓGICAS BIBLIOGRÁFICAS:

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35

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ANEXOS 1

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ANEXO 2

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A

MONOGRAFIA

“OLHANDO O TEMPO PASSAR” OU CRÔNICAS DA

GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA OU EXPERIÊNCIAS E DILEMAS NAS RELAÇÕES DE FORÇA ALUNO/PROFESSOR DO ALUNO MARCELO TAVARES DA COSTA (MATR. 2003.1.01488) FOI CONSIDERADA __________________________ _______________________________________________________________

RIO DE JANEIRO, ____MARÇO DE 2010.

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________ HELIANA DE BARROS CONDE RODRIGUES - ORIENTADORA DRª. EM PSICOLOGIA ESCOLAR E DO DESENVOLVIMENTO HUMANO PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROFª.ADJUNTA DO DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA SOCIAL E INSTITUCIONAL DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA E DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL /UERJ

___________________________________________ CHRISTINA PINTO DA SILVA BASTOS DRª EM PSICOLOGIA SOCIAL PELA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROFª. ADJUNTA DO DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA SOCIAL E INSTITUCIONAL DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA/ UERJ

___________________________________________ CID VIEIRA CORTEZ PROFESSOR ASSISTENTE (APOSENTADO) DO DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CLÍNICA DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA UERJ

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