Cruzamentos entre o graffiti e as religiões afro-brasileiras: formas de resistir à(na) Cidade de Belém do Pará

May 29, 2017 | Autor: Thayanne Freitas | Categoria: Urban Graffiti, Graffiti, Antropología Visual, Religiões Afro-Brasileiras, freedascrew
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CRUZAMENTOS ENTRE O GRAFFITI E AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: FORMAS DE RESISTIR À(NA) CIDADE DE BELÉM DO PARÁ Thayanne Tavares FREITAS1 Hermes de Sousa VERAS2 Resumo Na Grande Belém, diversas formas de viver e praticar a cidade constituem seu cotidiano. Na presente comunicação, relacionamos o produzir de visualidades por um grupo de meninas iniciantes no graffiti, as Freedas Crew, com a cosmologia das religiões de matriz africana, principalmente a Mina Nagô, espécie de encruzilhada entre o Tambor de Mina, Umbanda, Candomblé e a Pajelança. O Freedas Crew é um coletivo formado por mulheres criado a partir de uma oficina oferecida pela artista plástica e grafiteira Michelle Cunha, realizada no final de 2014, com a intenção de incentivar mulheres a se aventurarem na arte de rua paraense, além do empoderamento e da ocupação do espaço público que é reconhecido como majoritariamente masculino. Aspectos do “grafitar’ e a circulação dessas visualidades no circuito urbano e digital trazem questões a respeito do “pintar” a cidade. Marcadores de identificação, gênero e cosmologia afro-religiosa entram em cena quando as Freedas Crew e outros coletivos de arte urbana transitam pelas ruas. Essa relação entre graffiti e cosmopolítica afrobrasileira se explicita no processo de produção artística de pelo menos duas participantes das Freedas Crew, trazendo em suas visualidades enunciados cruzados com essas religiões. Diante disso, pretendemos refletir sobre de que forma as visualidades produzidas por mulheres se conectam com o viver na cidade, como reivindicam a ocupação do espaço público e produzem ambientes diferenciados na paisagem urbana? E finalmente, indicando outro lado da mesma pergunta, como se conectam o fazer artístico visual e a cosmologia Afro-Brasileira, considerando-se que tanto o graffiti, quanto as religiões de matriz africana são forças criativas de resistência. Para investigar essas questões trabalharemos com o conceito de Cultura Visual e cosmopolítica Afro-Brasileira, os associando aos relatos etnográficos construídos a partir da vivência da primeira autora com a criação e desdobramento das Freedas Crew, trazendo em nossa análise algumas dessas imagens que agregam o universo do graffiti com o das religiões afro-brasileiras. Para a análise, dialogamos com corpo teórico da Antropologia Visual e da Religião, tencionando refletir a relação entre essas duas formas de praticar e resistir à(na) cidade. Mestranda em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da UFPA, Graduada em Serviço Social na mesma instituição, e-mail: [email protected]. 2 Mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da UFPA. Bacharel em Ciências Sociais pela UECE, e-mail: [email protected]. 1

Palavras-chave: Cultura Visual; Graffiti; Resistência; Mina Nagô; Cosmopolítica. Primeiras palavras Essa reflexão nasce de andanças cruzadas. Por intermédio de nossas investigações pela Grande Belém, onde diversas formas de viver e praticar a cidade constituem seu cotidiano, acabamos por cada um(a) interfecundar o campo de pesquisa

do

outro(a),

e

nesse

trânsito

percebemos

que

não

apenas

pesquisadora/pesquisador estavam em movimento, pois graffiti e mina nagô revelaram-se sistemas abertos, ambos produzindo imagens na e da cidade. Os dois podem nos ensinar um pouco sobre vivências e resistências urbanas. Na presente comunicação, relacionamos o produzir de visualidades por um grupo de meninas iniciantes no graffiti, as Freedas Crew, com a cosmologia das religiões de matriz africana, principalmente a Mina Nagô, espécie de encruzilhada entre o Tambor de Mina, Umbanda, Candomblé e a Pajelança (FURUYA, 1996; LUCA, 2010; VERAS, 2015). Freedas Crew3 é um coletivo formado por mulheres criado a partir de uma oficina oferecida pela artista plástica e grafiteira Michelle Cunha, realizada no final de 2014, com a intenção de incentivar mulheres a se aventurarem na arte de rua paraense, além do empoderamento e da ocupação do espaço público que é reconhecido como majoritariamente masculino. Aspectos do “grafitar” e a circulação dessas visualidades no circuito urbano e digital trazem questões a respeito do “pintar” a cidade. Marcadores de identificação, gênero e cosmologia afro-religiosa entram em cena quando as Freedas Crew e outros coletivos de arte urbana transitam pelas ruas.

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Para uma breve descrição do grupo, consultar Freitas (2015).

A primeira autora pesquisa e experimenta4 o graffiti, tendo participado da oficina ministrada por Michelle Cunha; já o segundo, as religiões de matriz africana no Pará. Em alguns momentos participamos um do campo de pesquisa do outro, embora por motivos diferentes. A autora frequenta um terreiro no município de Ananindeua, porventura o local pesquisado pelo outro autor, e este, por se interessar pela arte de rua e diversos contextos de pesquisa etnográfica, aceitou participar e observar alguns momentos da autora em campo. Nesse transitar, percebemos que algo estava em comunicação além de nós mesmos e vimos aspectos da cosmologia afro-brasileira se manifestar e se atualizar no graffiti. Encruzilhadas, pichações e personagens que mencionam aspectos dessa cosmologia serão aqui investigados e experimentados. Essa relação entre graffiti e cosmopolítica afro-brasileira (ANJOS, 2006, 2008) se explicita no processo de produção artística de pelo menos duas participantes das Freedas Crew, trazendo em suas visualidades enunciados cruzados com essas religiões. Diante disso, pretendemos refletir sobre de que forma as visualidades produzidas por essas mulheres se conectam com o viver na cidade, como reivindicam a ocupação do espaço público e produzem ambientes diferenciados na paisagem urbana? E finalmente, indicando outro lado da mesma pergunta, como se conectam o fazer artístico visual e a cosmologia afro-brasileira, considerando-se que tanto o graffiti, quanto as religiões de matriz africana são forças criativas de resistência. Para investigar essas questões trabalharemos com os conceitos de cultura visual e cosmopolítica afro-brasileira, os associando aos relatos etnográficos construídos a partir da vivência da primeira autora com a criação e desdobramento das Freedas Crew, trazendo em nossa análise algumas dessas imagens que agregam o universo do graffiti com o das religiões afro-brasileiras. Para a análise, dialogamos com o corpo teórico da

Por ser mulher e desejar desenhar, pintar e grafitar, participei da oficina ministrada por Michelle Cunha. Alguns dos pressupostos que guiam a experimentação é a sociologia a partir do corpo, de Wacquant (2002); e as sugestões da cultura como algo experimentável em trabalho de campo, de Wagner (2012). 4

Antropologia Visual (PEIXOTO, 1995; MARTINS, 2011; CAMPOS, 2012) e das religiões de matriz africana, tencionando refletir as possíveis relações constituídas entre essas duas formas de praticar e resistir à(na) cidade. Os graffitis, além das muitas possibilidades, pode ser pensado como um discurso urbano (ARAÚJO, 2011) e visual. Exploraremos como esse discurso é praticado, isto é, grafitado nos muros, tanto de concreto quanto de madeira, das palafitas espalhadas pelas periferias da Grande Belém. Por desobediência epistémica (MIGNOLO, 2010) o próximo tópico está em primeira pessoa, em razão das vicissitudes da pesquisa de campo sobre o graffiti que nutre esta reflexão. O segundo autor pede permissão para ficar ao entorno do escrito, enquanto ao centro da encruzilhada ficam as meninas que pintam a cidade. Passemos agora para um relato de todo corpo, pois acreditamos funcionar no graffiti a sugestão de que “[a] a apreensão indígena é, aqui, indispensável de conhecimento adequado do objeto” (WACQUANT, 2002, p. 78)5. As cores como armadilha Em determinado dia, possivelmente do ano de 2013, fazia minha passagem cotidiana pela cidade de Belém. Dentro d’um coletivo, observava pela janela o movimento e a vida, ora apreensiva, pelo medo rotineiro que mulheres, negras principalmente, como eu, estão passíveis a sofrer, ora aproveitando os encantos que a cidade também pode propiciar. Contudo, nesse dia, deixei-me capturar por uma arte colorida jogada no muro. Não sei dizer exatamente qual, muito menos a(o) artista responsável. O que sei é que essa captura costurou em meu transitar urbano o hábito de caçar graffitis.

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O sociólogo está falando do boxe, mas é possível estender a assertiva ao graffiti.

Neste período, Belém mostrou em seus muros certa receptividade ao graffiti por meio do viaduto do Entroncamento, o qual virou verdadeira galeria ao ar livre6, diversos grafiteiras(os) mostraram seus trabalhos e por se tratar de um lugar de ligação entre o Centro de Belém, Icoaraci e Ananindeua os graffitis ganharam a visibilidade da população que ali circulam. Além da Av. Castelo Branco (esquina com Av. José Malcher) com o muro da Celpa em que outros grafiteiras(os) realizaram intervenções. Estes foram os lugares que inicialmente me capturaram. Em um segundo momento, utilizei o espaço virtual para buscá-los e entender um pouco mais de sua dinâmica. Existiam inúmeros vídeos sobre a atuação de algumas crews e o que chamou a atenção foi a presença minoritária de mulheres no graffiti. Não que elas fossem inexistentes na “cena” local, mas não eram visibilizadas como os grafiteiros e somente uma surgiu nos vídeos e em um deles a fala da mesma apresentava algumas dificuldades nessa relação de gênero, tais como o não reconhecimento de uma autonomia possível no aprendizado do graffiti. Além do que as integrantes das Freedas já relataram, tal acontecimento é referenciado pela grafiteira Celly Feliz, tanto em entrevista (FERREIRA, 2013), quanto em seu próprio trabalho de conclusão de curso em Artes Visuais (FELIZ, 2014). Nesta primeira etapa de familiarização com a temática o recorte de gênero surgiu como enfoque de investigação, por meio da atuação de poucas meninas que resistiam diante ao contexto caracterizado em sua maioria pela presença masculina. Portanto, o graffiti opera-se como resistência e instrumento para que mulheres artistas

“E o que seria uma galeria de arte senão um lugar de captura, armado com o que Boyer chamou de ‘armadilhas do pensamento’ que mantêm vítimas, por algum tempo, em suspensão?” (Gell, 2001, p. 190). Destaco que por mais que passasse de ônibus diante os graffitis, às vezes em velocidades que dificultavam a apreciação, outras vezes mais lentamente, podendo assim observar as imagens de forma mais atenta, destaco que o próprio passar cotidiano por entre essas visualidades permitiram que fossem se construindo imagens de temporalidades distintas em minha cabeça. Como que “suspensa” por essa armadilha mesmo em movimento parecia parar, forçosamente, diante de tais imagens. 6

ocupem e conquistem o espaço público, enfrentando as dificuldades inerentes ao meio urbano. A arte de rua revela um potencial transformador em abordar temáticas que envolvem as minorias, mesmo que sejam praticadas por diversos artistas que transcendem essas realidades. Nesse contexto o graffiti não se torna somente instrumento de resistência feminina, mas traz todo o tipo de diversidade étnica, religiosa, de gênero, posicionamentos políticos e etc. Coruja na encruzilhada O graffiti, por si só, é uma arte que “não tem nenhuma essência, só uma gama ilimitada de potencialidades” (GELL, 2001, p. 190). Quando essa arte se cruza com trajetórias de mulheres e entidades de religiões afro-brasileiras, acreditamos que uma potencialidade subterrânea ainda não investigada se revela. Para a investigação desse desvelar, traremos alguns exemplos etnográficos. Estávamos mais uma vez reunidas para grafitar. Caminhávamos pelo bairro do Reduto. Michelle desconfiava de uma pessoa que talvez liberasse o muro frontal de seu estabelecimento e resolvemos investigar. O dono era um homem de aproximadamente cinquenta anos, e o local era em verdade, o seu ateliê: pintava quadros. Liberou o muro para a atividade, dizendo-se defensor da arte. Depois de alguns diálogos, nos deixou livre para o ato, mas saiu de casa, não voltando antes que acabássemos. A parede era boa para o nosso “trampo”. Toda branca, embora apresentasse rugosidades e desníveis, problema resolvido para determinados desenhos por termos feito a “base”7 com a tinta PVA. Não detalharemos esse muro, pois para nós, o mais interessante veio depois, quando demos um “rolê” em busca de lugares possíveis para nossas intervenções. Ressaltamos apenas que logo após, menos de uma semana, do Passar tinta, geralmente PVA, com rolinho, no local onde será grafitado, assim reduzindo os gatos de spray, que para a maioria das(os) grafiteiras(os), custa caro. 7

nosso trabalho na parede do artista, o nosso trabalho foi coberto de branco, pelo dono, provavelmente, tendo ele preferido uma paisagem sem ruídos8... Depois desse trabalho que nem desconfiávamos de sua quase total efemeridade (DIÓGENES, 2015), pois como de costume, documentamos fotograficamente todo o processo, tracejamos caminhos em busca de novas intervenções. Em meio a caminhada, Michelle parou de repente em uma encruzilhada, entre as ruas 28 de setembro e Piedade. Observou um poste com a sua habitual pintura branca, convidando novas expressões. Rapidamente tirou duas latas de spray, de cores laranja e preto, de seu carrinho, e “jogou” um “bomb”, a coruja, umas de suas principais personagens, já espalhadas por Belém, Mosqueiro, Brasília, São Paulo, para mencionar apenas algumas das cidades. O “bomb”, por ser uma intervenção não autorizada, exige agilidade e habilidade. No caso de Michelle, ele é uma simplificação de sua coruja, feitas em traços rápidos, firmes e utilizando poucas cores. Após poucos segundos, com a coruja pronta, finalizou escrevendo “EXU” em spray preto. Nesse momento, Exu, a encruzilhada e a coruja de Michelle se cruzam.

Imagem 1: Coruja na encruzilhada. Foto: Hermes Veras

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O muro logo foi pixado, pois como se sabe um muro branco é um convite para artista urbanos intervirem.

A encruzilhada se faz presente também na localização do ateliê-casa da artista e por isto fez parte do cenário de alguns relatos feitos por Michelle em conversas descontraídas em sua casa. Para a artista existe uma ligação entre o graffiti, o exu e a encruzilhada que é a rua. Esses três elementos fazem parte da rua: o orixá, o encontro de ruas e a arte urbana. Neste cenário, o graffiti como arte inerente a rua forma um tripé em que a rua é o componente que une os outros elementos: RUA Graffiti

Encruzilhada EXU

Nessa perspectiva tanto o graffiti, quanto a encruzilhada e por fim, o Exu são elementos que se relacionam dialogicamente em que a rua forma e é formada por tais elementos. Michelle não só escreve a palavra “EXU”, mas em outras ocasiões em que o escrito pode não ter espaço, a artista procura pintar próximo a encruzilhada, como foi no dia em que grafitou o muro da Casa dos Palhaços Trovadores localizada na esquina de um dos cruzamentos da Rua Piedade, que ao delimitar os espaços para cada convidado (foi uma ação em conjunto com os proprietários e a Michelle que mobilizou amigos que praticam arte urbana), demonstrou a preferência em pintar na “quina” da casa. A atuação da artista ainda traz uma leitura e prática de cidade diferenciada. Ao utilizar a encruzilhada como território de manifestação artística, traz a entidade para o seu lugar – pois se sabe que virtualmente, Exu já estava ali, apenas esperando ser atualizado. Nesses graffitis, Michelle reveste no concreto uma camada simbólica e acaba por territorializar uma entidade, constituindo em seu ato uma comunicação com

a cosmopolítica afro-brasileira (ANJOS, 2006), explorando um campo de possibilidades infinitas. A rua é free: a personagem de Karina Karina participou da oficina de graffiti e hoje é mais uma integrante das Freedas Crew. Assina seus “trampos” como Ka e desenvolveu no decorrer desse ano duas artes que atualmente são imagens que a representam em qualquer local de intervenção. O primeiro é o “bomb” em que ela fez a junção das formas de uma borboleta com a letra “K”, conforme imagem abaixo:

Figura 2: "Bomb" da Ka. Foto: Thayanne Freitas.

Karina simpatiza por borboletas, pois para ela, simboliza e significa a transformação, na qual com frequência atrela a algumas frases escritas também com spray. A segunda característica forte da artista é sua personagem feminina. A artista assim apresenta esse seu trabalho, em uma pequena biografia escrita para uma página em uma rede social digital:

[S]ua personagem retrata alguns povos e culturas na qual acredito (indígenas, entidades, etc), com bracelete que carrega a riqueza que pode ser representado também através de símbolos (na maioria das

vezes marajoara), a nudez representando a liberdade e o cabelo sempre mudando de cor e chamando atenção. (Página das Freedas Crew no Facebook)

A partir dessa breve apresentação do personagem principal da artista é possível identificar dois elementos bem significativos na composição da imagem: a inexistência do rosto associado às entidades e os elementos marajoaras que compõem o bracelete. De modo geral, o personagem dialoga com universos atravessados por estéticas e modos de ser africanos e indígenas. Karina atribui a seu personagem uma estética indígena. Entretanto, pelo caráter público do “grafite como discurso urbano” (ARAÚJO, 2011), algumas pessoas interpretam a imagem como se fosse uma sereia, que como se sabe, além das muitas representações possíveis, pode ser associada a orixás das águas, como Oxum e Iemanjá. Embora a artista tenha realmente feito uma vez a personagem como sereia, nas demais obras, mesmo a personagem não sendo uma sereia, as pessoas no geral atribuem esse significado ao seu trabalho, conforme podemos acompanhar na circulação dessas imagens em redes sociais digitais (DIÓGENES, 2015), assim como nos momentos em que estamos pintando juntas, ouvindo grafiteiros, grafiteiras e curiosos ao redor. Essa ambiguidade entre uma identificação e outra realça um aspecto cruzado, que é característico tanto do graffiti e suas potencialidades, quanto das coisas que acontecem no espaço público. Ao observarmos essas personagens da artista (imagem 3), podemos dizer que ela é atravessada por uma estética afroindígena (SARRAFPACHECO, 2012), a cor da pele, o bracelete marajoara, o rosto que não está ali, mas parece habitar outro mundo...

Imagem 3: A sereia no muro em Mosqueiro. E a “indígena” em um mutirão de graffiti no bairro da Marambaia. Foto: Thayanne Freitas.

A maior parte da influência marajoara encontrada em alguns graffitis advém das cerâmicas que contem grafismos marajoaras bastante comuns no comércio artesanal no Distrito de Icoaraci, além disso, artistas realizam pesquisas com o intuito de se apropriar de algumas ilustrações e assim agregar a seus personagens uma “identidade paraense”, muitas vezes estudando em livros de etnologia e de arqueologia (SCHAAN, 2012), construindo uma releitura desses materiais. Karina faz parte desse processo e continua a construir novas visualidades: africanas, indígenas e afroindígenas. Como essas imagens serão apropriadas e reinterpretas já é outra questão. Últimas palavras Conforme expomos nesse artigo, o cruzamento entre uma arte como o graffiti, feito por mulheres, com as religiões afro-brasileiras, revela muitas potencialidades. Aqui, exploramos apenas algumas delas. O fato de uma das autoras ser também mulher e experimentar essa arte juntamente com essas mulheres nos trouxe implicações que devem ser exploradas, pois o material aqui abordado foi construído a partir dessa relação-experimento.

O graffiti, esse discurso visual urbano, é público. Mesmo quando praticado em espaços de propriedades privadas, como nas paredes das residências e estabelecimentos, ao estar apontado para a rua, portanto, para o fluxo, é um discurso público e passível de múltiplas interpretações, apropriações e intervenções. Como se sabe, é uma arte efêmera, exposta. As meninas que constroem visualidades cruzando com as cosmologias afro-brasileiras são cientes disso, portanto, buscam revestir na cidade modos de ser ainda subterrâneos, cruzando perspectivas dessas religiões com seus fazeres artísticos.

Referências ANJOS, José. No território da linha cruzada: a cosmopolítica afro-brasileira. Porto Alegre: Editora da UFRGS/Fundação Cultural Palmares, 2006. ______. A filosofia política da religiosidade afro-brasileira como patrimônio cultural africano. Debates do NER, v. 9, n. 13, p. 77-96, 2008. ARAÚJO, Marcelo. Grafite como discurso urbano: fantasia e utopia na composição artística do

quarto

elemento.

Perspectiva

Sociológica,

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