Cruzamentos inusitados: leituras e apropriações de Einstein por Mariátegui e Haya de la Torre

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Cruzamentos inusitados: leituras e apropriações de Einstein por Mariátegui e Haya de la Torre. RICARDO NEVES STREICH1 1. A polarização política da década de 1920 e a América Latina O mundo que emergiu no período pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1919) assistiu à progressiva descrença no liberalismo político causada pela extrema polarização do cenário político. O sucesso da Revolução Russa e a ascensão do Fascismo italiano forneciam alternativas políticas diametralmente opostas à crise do regime liberal. Contudo, não foi apenas o regime político liberal que caiu em descrédito após os horrores da Grande Guerra, mas também todos os valores burgueses (em especial a crença na inevitabilidade do “progresso civilizatório”) que sustentaram a chamada Belle Époque. A América Latina não assistiu a este cenário de maneira passiva e incólume, pois data desta época a fundação dos partidos comunistas e de diversos movimentos de extrema direita nacionalista. Este processo latino-americano de polarização política ocorreu de maneira integrada ao processo europeu, até pela circulação de ideias (livros, revistas e periódicos, por exemplo) e de pessoas (exilados políticos dos regimes oligárquicos). A observação é importante justamente para criticar a concepção de que as ideias e concepções políticas “chegaram” na América Latina, como se nosso continente fosse apenas um repositório de ideias e ideais políticos europeus. Justamente em função do caráter ativo dos sujeitos políticos, os debates na América Latina foram permeados por questões locais. Os modelos políticos europeus forneciam um parâmetro, dentre tantos possíveis, - e para afirmá-lo basta pensar no indigenismo de José Carlos Mariátegui – para atores políticos latino-americanos pensarem e resolverem seus dilemas políticos. É justamente na observação das propostas de resoluções destes que podemos observar como os sujeitos políticos latinoamericanos dialogaram e se apropriaram do instrumental teórico, analítico e político europeu.

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Mestrando em História Social pela FFLCH/USP

2. A esquerda latino-americana na década de 1920 A organização da esquerda latino-americana na década de 1920 – ao menos em âmbito continental - se deu primordialmente em função de dois fatores, a saber: o sucesso da Revolução Mexicana e a disseminação dos movimentos de Reforma Universitária que se iniciaram em Córdoba no ano de 1918. O fim da Guerra Civil no México, em 1919 com o assassinato de Zapata, impôs aos setores vitoriosos a necessidade da consolidação de um regime político pósrevolucionário e, justamente, por isto seus feitos são observados com atenção por todos aqueles que lutavam sob a bandeira de transformações políticas e sociais radicais. A abertura e receptividade ao “espírito novo” (imagem largamente utilizada por Mariátegui e Haya de la Torre para se referir à geração revolucionária do continente de 1920) pode ser notada no acolhimento de exilados políticos oriundos de todo o continente, são famosos os exemplos de Haya de la Torre, Julio Antonio Mella e Tristán Marof. A efervescência política do período também pode ser notada no fato de que diversas organizações se foram fundadas no México por exilados políticos, seja as de solidariedade aos exilados cubanos, como fez Mella, ou até movimentos antiimperialista de caráter e preocupações bem mais amplos como a APRA de Haya de la Torre. Por outro lado, os movimentos de Reforma Universitária possibilitaram a formação de uma concreta rede política entre seus idealizadores por todo continente. A articulação com as demandas e lutas dos trabalhadores – que pode ser notada na disseminação das Universidades Populares – imprimiu ao movimento um caráter mais explicitamente político. De maneira extremamente sintética, podemos dizer que as formulações dos pensadores da esquerda latino-americana da época tinham dois grandes traços comuns. O primeiro era pensar relação da América Latina com o mundo. A consolidação dos Estados Unidos, em detrimento da Inglaterra, como principal agente econômico estrangeiro na região parecia confirmar a situação de “dependência econômica” – Haya de la Torre e Mariátegui falavam em “economia colonial” – que precisava ser superada. O segundo traço dizia ao plano interno das nações, pois esta situação era sustentada pela

colaboração e complacência das classes oligárquicas dominantes com os agentes do Imperialismo. Neste sentido, os processos de independência haviam sido incompletos, pois a autonomia política não foi acompanhada de autonomia econômica e cultural. Por isto, ganharam força as ideias de projetos nacionais que buscavam a autonomia cultural e econômica. No plano estético as várias correntes da vanguarda buscaram a incorporação do elemento popular (Cf. GELADO: 2006) para estabelecer um projeto moderno de nação. E isto não ocorreu sem paradoxos como aponta Leyla Perrone-Moisés (2007). Por outro lado, no plano político e econômico, esta inquietação foi traduzida nos termos da luta anti-imperialista. Contudo, houve neste debate distintas formulações sobre as relações entre o elemento nacional e as estruturas sociais que geravam o Imperialismo – o capitalismo. Neste sentido, são representativas as perspectivas de dois dos personagens políticos mais importantes do período. Victor Raúl Haya de la Torre e José Carlos Mariátegui. Enquanto o primeiro defendia como necessidade primeira o estabelecimento de um Estado forte (“Estado Anti-imperialista”, em sua clássica terminologia) que buscasse minimizar e eliminar os efeitos danosos do imperialismo, sem se preocupar de maneira imediata com o fim do capitalismo, Mariátegui defendia que a luta pela soberania econômica e cultural do Peru deveria ocorrer de maneira integrada às lutas pela derrubada do capitalismo, para ele a Revolução no Peru deveria ser concebida como um capítulo da Revolução Mundial. 3. Haya de la Torre e José Carlos Mariátegui: breves biografias Victor Raul Haya de la Torre (1895-1979) foi um importante líder político no Peru do século XX, fundador da APRA, partido que chegou à presidência da República nos anos de 1980. Também foi figura importante nos movimentos da Reforma Universitária que sacudiram as Universidades Peruanas no início da década de 1920. Como líder dos estudantes, fundou as Universidades Populares González Prada, iniciativa que buscava sintetizar a aproximação do setor estudantil. Em função da sua destacada oposição ao governo Leguía foi exilado em outubro de 1923.

No exílio Haya de la Torre passou por diversos países como Cuba, México, Panamá, Inglaterra, França, Estados Unidos e URSS. O exílio proporcionou uma diversidade de experiências políticas que marcaram seus posicionamentos políticos posteriores. Destas experiências destacam-se a atuação como secretário do então Ministro mexicano de Instrução Pública José Vasconcelos, a participação como observador do V Congresso da Internacional Comunista, além da presença em diversos Congressos Anti-imperialistas organizados por diversos setores da intelectualidade europeia e por exilados das mais variadas partes do mundo. Em 1926, no México, fundou a Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA), uma frente única que buscou abarcar os diversos setores da sociedade peruana – campesinato indígena, operariado urbano, classes médias radicalizadas - que lutavam contra o imperialismo. Dentro da APRA também atuaram os comunistas liderados por Mariátegui. Contudo, já em 1927, durante o Congresso Anti-imperialista Mundial ocorrido em Bruxelas, Haya de la Torre começou a se distanciar do movimento comunista soviético. No plano político peruano este distanciamento se consolidou no processo de transformação da APRA em partido nacionalista no ano de 1928. Como veremos à frente, este fato foi muito criticado pelos comunistas peruanos. Haya regressou ao Peru em 1931 para disputar o pleito eleitoral. A derrota na disputa e as suspeitas de fraude conduziram uma tentativa frustrada de golpe de estado por parte dos apristas. A vida política do APRA se alternou, a partir de então, entre períodos de legalidade e clandestinidade, sempre como força política considerável no Peru, como prova o fato de Haya quase ter vencido as eleições presidenciais de 1962. Sua popularidade o levou à condição de presidente da Assembleia Constituinte em 1978. O líder aprista morreu, vítima de um câncer, aos 84 anos de idade em agosto de 1979, pouco depois de firmar a nova Constituição Peruana. José Carlos Mariátegui (1894-1930) foi um importante intelectual militante da causa socialista no Peru. Figura excepcional na história do marxismo latino-americano, em função da originalidade com que se utilizou do marxismo em seus estudos, sua Magnum opus (Sete ensaios de interpretação da realidade peruana) é obra que ainda hoje se configura como referência nos campos da história e das ciências sociais. O autor exerceu grande influência na vida política e cultural do Peru dos anos de 1920, pois foi

um nome central na fundação no Partido Socialista do Peru (PSP) e da Confederación General de los Trabajadores del Peru (CGTP). Além disto, foi responsável pela produção de Amauta uma das revistas vanguardistas mais importantes da história latinoamericana. Ainda na década de 1910, Mariátegui trabalhou na imprensa limenha. Ao longo da década foi dedicando mais interesse à política. Posicionou-se ao lado do movimento da Reforma Universitária que chegava aos Andes e também escreveu artigos favoráveis à greve geral dos trabalhadores limenhos daquele agitado ano de 1919. No fim deste mesmo ano partiu rumo à Europa, exílio decorrente de sua intensa atividade política. No velho mundo, conheceu a França e Alemanha, mas foi na Itália que passou a maior parte dos seus dias europeus. A Itália de início da década de 1920 se encontrava numa efervescência política. A crise econômica do pós-guerra alimentava as críticas ao liberalismo em uma sociedade extremamente polarizada. Foi o tempo das ocupações em Turim (Biênio Vermelho) e da ascensão do fascismo. Nesta sociedade polarizada, o sucesso da Revolução Russa encontrou muitos adeptos. Foi a partir das críticas bolcheviques à Segunda Internacional que Mariátegui travou contato e aderiu ao marxismo. Voltou ao Peru em 1923, com a ideia de criar um partido revolucionário. Por isto, logo se incorporou às lutas dos trabalhadores, tanto nos cursos ministrados nas Universidades Populares, quanto na APRA. Seu sofisticado projeto político de organização da classe trabalhadora possuía também uma importante vertente teórica. Por isto, fundou a Revista Amauta, que buscava criar um espaço de discussão sobre os problemas peruanos e latino-americanos para embasar a prática política. Desta maneira, como resposta política à transformação da APRA em partido, fundou em fins de 1928 o Partido Socialista do Peru (PSP) que se filiou à Internacional Comunista. As relações com o movimento comunistas, contudo, não foram tranquilas. Na Primeira Conferência Comunista Latino-americana – realizada em Montevidéu no ano de 1929 – as posições da delegação peruana foram sistematicamente criticadas pelas lideranças comunistas alinhadas aos interesses de Moscou. Mariátegui faleceu alguns meses depois, no começo de 1930. Um mês após a sua morte, a direção do PSP cedeu às pressões da Internacional e se transformou no Partido Comunista do Peru.

3.1 – As concepções políticas de Haya de la Torre e Mariátegui Um possível ponto de partida para compararmos as concepções de política de Haya de la Torre e José Carlos Mariátegui é o marxismo. Como apontamos cima, Mariátegui voltou do exílio europeu com a perspectiva de fundar um partido de viés marxista. Contudo, a relação de Haya de Torre com o movimento comunista e o aparato teórico marxista é complexa e dinâmica. Embora ele tenha manifestado admiração pelos revolucionários russos e pela tradição marxista, ele nunca se colocou como herdeiro de Marx, embora nunca recusasse o diálogo com os discípulos de Marx. Desta forma, os dois autores concordam que primeiro obstáculo que aparece para a realização da autonomia econômica e cultural na América Latina é o imperialismo. Contudo, o imperialismo foi analisado a partir da sua faceta econômica2, como nos diz Haya de la Torre (PLANAS, P; RIVAROLA, M: 33): La nueva generación revolucionaria de América Latina ha abandonado para siempre los caminos románticos en la lucha contra nuestro enemigo común. (…). De otro lado, ‘el peligro yanqui’ se ha visto como un conflicto de razas y hasta como un conflicto de culturas. Nuestra generación antiimperialista y revolucionaria lo ha precisado como un conflicto económico, simple y llanamente económico.

Reconhecer o aspecto econômico da dominação imperialista significa entendê-lo como fenômeno de classe. Neste sentido, Haya de la Torre procurou apontar (ainda que não os tenha desenvolvido de maneira sistemática, tal qual Mariátegui) os mecanismos desta dominação. Além da intervenção militar direta (como aconteceu recorrentemente na América Central), o imperialismo ianque, para Haya de la Torre, tinha como aliadas as classes exploradoras latino-americanas – vale dizer, os setores oligárquicos. Estes setores, a cada concessão, a cada empréstimo, a cada venda de petróleo compactuavam com o imperialismo ianque ao mesmo tempo em que, no plano interno, se perpetuavam no poder (Cf. PLANAS, P; RIVAROLA, M: 33). Este mecanismo de dominação se espalhou por todo o continente latinoamericano. Seria preciso, pois, superar a perspectiva do nacionalismo das classes dominantes – que se limita a ensinar o ódio entre as nações -, afinal dividir para dominar é um dos preceitos básicos do imperialismo. 2

Teixeira (2002: 72-3) alerta que, embora Haya faça uso da ideia de que a sua geração é que superou o “olhar sentimental” sobre o imperialismo ianque e que, por isto, teria descoberto a dimensão econômica da dominação, Manuel Ugarte já em 1901 esboçava esta faceta da dominação.

Por ser um problema comum a todos os países da América Latina, a solução do problema só poderia ser continental. Haya de la Torre insistiu muito neste ponto, tanto no campo da teoria, quanto no da prática política. Esforçou-se, portanto, para afirmar a necessidade da união (ou a integração) política e econômica dos países latinoamericanos. Politicamente, o plano se traduziu numa perspectiva continental da luta, pois o político peruano se empenhou na fundação de células da APRA no Peru, no México, na Argentina e até em Paris (exilados políticos). Sobre Haya de la Torre (PLANAS, P; RIVAROLA, M: 35-6) escreveu 1925: El único camino de los pueblos latino-americanos que luchan por su libertad es unirse contra esas clases, derribarlas del poder, castigar su traición. Esa es la gran misión de la nueva generación revolucionaria antiimperialista de América Latina. Acusar y castigar los mercaderes de la patria chica y formar la patria grande. Pero formarla sin los traidores que hoy nos gobiernan para vendernos. Por eso es que el Frente Único de Trabajadores Manuales e Intelectuales se está organizando. Nos preparamos para la lucha; nos preparamos para la obra de unir a los pueblos de América Latina bajo la égida de los trabajadores. Nos preparamos para defenderla del traidor.

Na Indo-América (a terminologia é sugestão do próprio Haya de la Torre) o trabalhador é fundamentalmente o indígena. O elemento indígena, explorado do México (antes da Revolução de 1910) ao Chile, é o que possibilita, segundo Haya de la Torre, pensar a unidade latino-americana. Pensar os problemas do índio é, portanto, pensar os problemas da América Latina. Neste sentido, Mariátegui e Haya de la Torre uma vez mais se aproximam ao retomar e desenvolver as posições do literato anarquista peruano González Prada. Prada defendia que os problemas do indígena não deveriam ser compreendidos como problemas de uma “raça” inapta ao progresso. O problema indígena seria um problema econômico e social cuja solução política passava pelo enfrentamento com as classes que o exploram: La causa del indígena peruano, - como la del ecuatoriano, boliviano, argentino, como la del indígena todo de América, que constituye el 75% de nuestra población - es causa sagrada, no porque el indio sea indio, vale decir que no sea blanco, sino porque el indio en su gran mayoría es explotado. Nuestro indigenismo no es el simplista sentimental concepto racial que ante la estúpida afirmación burguesa de la inferioridad de razas, opone en un amargo grito de revancha la afirmación contraria de que toda raza de color es superior a la blanca. Para quienes tenemos una concepción marxista o aun para los

estudiantes de antropología moderna, resulta tan ridículo proclamar la superioridad de los blancos sobre os de color, como éstos sobre aquéllos. Nosotros concebimos el problema económicamente, clasísticamente. Nosostros sabemos que las superioridades raciales son en realidad superioridades de orden económico (PLANAS, P; RIVAROLA, M: 48).

As classes que exploram o indígena são as mesmas que vendem a América Latina ao imperialismo. Por isto, a luta contra o imperialismo possui um caráter de luta anti-feudal, pois é a luta contra os setores mais retrógrados e conservadores da sociedade. Ao mesmo tempo, se trata da luta pela segunda independência. Se a primeira independência se limitou à esfera do político, no século XX a tarefa seria a de conquistar soberania econômica, o que só seria possível modernizando as relações do campo e derrotando as oligarquias latifundiárias. Se o diagnóstico dos dois autores é bastante parecido, o mesmo não se pode dizer dos encaminhamentos políticos derivados destas análises. Haya de la Torre transformou a APRA em partido policlassista, com hegemonia dos setores intelectuais e de classe média, enquanto Mariátegui organizou um partido socialista que buscou aglutinar proletários e camponeses. A fórmula de Mariátegui foi taxada de “europeizada”. Com o argumento de observar as particularidades3 da América Latina, Haya de la Torre acabou por deslocar o parâmetro da análise ao relativizar bastante a questão das classes no seu discurso – embora ela não nunca desapareça completamente. Se inicialmente o protagonismo da Revolução era dos trabalhadores, agora é a nação que se configura como parâmetro: El imperialismo subyuga y explota económicamente a nuestras clases trabajadoras; pero subyuga y explota también, a nuestros pueblos como naciones. El sistema de grandes empréstitos y concesiones fiscales que contratan nuestros gobiernos, financia el imperialismo y pagan os ciudadanos todos de nuestras repúblicas en Indoamérica.( PLANAS, P; RIVAROLA, M : 67)

A forma nacional da Revolução, a independência (a soberania) econômica dos países latino-americanos, dentro do capitalismo, passa a ser a industrialização. Tratava3

A classe operária é explorada pelos baixos salários comparados aos do centro do capitalismo. Mas é preciso lembrar que, para o autor peruano há outras formas de exploração, por exemplo, as contas do Estado (para pagar um empréstimo) recaem sobre todos, pois são bancadas com o dinheiro dos impostos (dinheiro e esforço de todas as classes nacionais). Por isto, para Haya de la Torre o protagonismo da pequena burguesia e das classes médias na luta anti-imperialista é de vital importância.

se de liquidar a etapa feudal e tecnicizar a produção econômica dos países latinoamericanos para aumentar o nível de vida dos trabalhadores (melhorando suas condições de trabalho). Desta forma, por entender que a destruição do capitalismo deveria ocorrer nos países centrais (sempre pensando a questão da particularidade da América Latina) – Haya defendia que a forma nacional na Indo-américa só poderia ser a do Estado Antiimperialista que se traduz, grosso modo, numa tentativa de imprimir um conteúdo social à democracia liberal – a inspiração claramente é o México pós-guerra civil. Portanto, podemos afirmar que para Haya de la Torre a Revolução é a contenção do imperialismo e não a superação do capitalismo. A sua preocupação com um antiimperialismo “construtivo” e a proposição do Estado Anti-imperialista nos remete à imagem de Haya como um Revolucionário da Ordem, tal qual proposto por Ferreira (1971). Numa direção bastante distinta caminhou Mariátegui que tratou da questão nacional,

sempre

enfrentada

pelos

marxistas

com

grande

dificuldade

(Cf.

HOBSBAWM, 1980), nos seguintes termos: El nacionalismo de las naciones europeas – donde nacionalismo y conservatismo se identifican y consustanciase propone fines imperialistas. Es reaccionario y anti-socialista. Pero el nacionalismo de los pueblos coloniales – sí, coloniales económicamente, aunque se vanaglorien de su autonomía política – tiene un origen y un impulso totalmente diversos. En estos pueblos, el nacionalismo es revolucionario y, por ende, concluye con el socialismo. En estos pueblos la idea de nación no ha cumplido aún su trayectoria ni ha agotado su misión histórica (MARIÁTEGUI, 1986: 221)

Desta maneira, o conceito de nação só pode ser revolucionário, portanto, nos países que no contexto da realidade econômica do capitalismo monopolista, que como o Peru cumprem um papel estruturalmente colonial.4 Nestes países, subordinado aos 4

“A economia do Peru é uma economia colonial. Seu movimento e seu desenvolvimento estão subordinados aos interesses e às necessidades do s mercados de Londres e Nova Iorque. Esses mercados veem no Peru um depósito de matérias-primas e um mercado para suas manufaturas. A agricultura peruana consegue, por isso, créditos e transporte apenas para os produtos que possam proporcionar uma vantagem nos grandes mercados. A banca estrangeira se interessa m dia pela borracha, outro dia pelo algodão, outro dia pelo açúcar. O dia em que Londres pode receber um produto por melhor preço e em quantidade suficiente da Índia ou do Egito, abandona instantaneamente à sua própria sorte seus provedores do Peru. Nossos latifundiários, nossos fazendeiros, quaisquer que sejam as ilusões que tenham

interesses imperialistas de Londres e Nova Iorque, lutar pela nação, “esgotar o seu sentido histórico”, como nos diz a passagem anterior, significava lutar contra o imperialismo. Contudo, note-se que, para o autor, o nacionalismo só pode verdadeiramente revolucionário, quando ele acaba no socialismo. Desta forma, a nação é um meio e nunca a finalidade da agitação política. Esta sutil diferenciação é importante, pois é ela que se encontrava na base das divergências de José Carlos Mariátegui com a APRA de Victor Haya de la Torre. Os que colocavam a nacionalidade em primeiro plano como a APRA, segundo Mariátegui, assim explicava sua posição: “somos de esquerda (ou socialistas), porque somos antiimperialistas”. De tal forma que: El anti-imperialismo resulta así elevado a la categoría de un programa, de una actitud política, de un movimiento que se basta a sí mismo y que conduce, espontáneamente, no sabemos en virtud de que proceso, al socialismo, a la revolución social. Este concepto lleva a una desorbitada superestimación del movimiento anti-imperialista, a la exageración del mito de la lucha por la ‘segunda independencia’, al romantismo de que estamos viviendo ya las jornadas de una nueva emancipación. De aquí la tendencia a reemplazar las ligas antiimperialistas con un organismo político. Del APRA definida como el Kuo Min Tang latinoamericano. (MARIÁTEGUI, 1986: 90)

Ainda assim, Mariátegui afirmava sua divergência à concepção nacionalista democrático-burguesa, quando dizia: El antiimperialismo, para nosotros, no constituye ni puede constituir, por sí solo, un programa político, un movimiento de masas apto para la conquista del poder. El anti-imperialismo, admitido que pudiese movilizar al lado de las masas obreras y campesinas, a la burguesía y pequeña burguesía nacionalistas (ya hemos negado terminantemente esta posibilidad) no anula el antagonismo entre las clases, no suprime su diferencia de intereses (MARIÁTEGUI, 1986: 90).

O alerta de que antagonismo das classes persistia, mesmo quando articuladas em torno de um projeto nacional, era importante, pois, ao contrário do que supunham os nacionalistas, os interesses econômicos das classes latifundiárias e do capital imperialista não eram necessariamente os mesmos: sobre sua independência, atuam na verdade como intermediários ou agentes do capitalismo estrangeiro.” (MARIÁTEGUI, 2008: 108-9).

La creación de la pequeña propiedad, la expropiación de los latifundios, la liquidación de los privilegios feudales, no son contrarios a los intereses del imperialismo, de un modo inmediato. Por el contrario, en la medida en que los rezagos de feudalidad entraban el desenvolvimiento de una economía capitalista, ese movimiento de liquidación de la feudalidad, coincide con las exigencias del crecimiento capitalista, promovido por las inversiones y los técnicos del imperialismo; que desaparezcan los grandes latifundios, que en su lugar se constituya una economía agraria basada en lo que la demagogia burguesa llama la "democratización" de la propiedad del suelo, que las viejas aristocracias se vean desplazadas por una burguesía y una pequeña burguesía más poderosa e influyente -y por lo mismo más apta para garantizar la paz social-, nada de esto es contrario a los intereses del imperialismo(MARIÁTEGUI, 1986: 93).

Por isto, Mariátegui conclui, na direção oposta da corrente aprista e nacionalista: somos anti-imperialistas porque somos marxistas, porque somos revolucionarios, porque oponemos al capitalismo el socialismo como sistema antagónico, llamado a sucederlo, porque en la lucha contra los imperialismos extranjeros cumplimos nuestros deberes de solidaridad con las masas revolucionarias de Europa (MARIÁTEGUI, 1986: 95).

Este rico debate teórico e político entre os peruanos Victor Raul Haya de la Torre e José Carlos Mariátegui é um marco político importantíssimo da história contemporânea da América Latina. Os termos do debate, contudo, ultrapassaram, e muito, o marxismo, em função de toda efervescência intelectual que tomou o mundo naqueles anos. Por isto, julgamos pertinente observar a apropriação que estes autores fizeram do físico alemão Albert Einstein. 4. O relativismo einsteiniano e a crítica à noção de progresso O notório físico Albert Einstein – famoso tanto por revolucionar a física, quanto por seu ativismo pacifista – foi importante referência para os nossos autores. A teoria da relatividade revolucionou a compreensão do universo ao reformular o conceito newtoniano de gravidade, questionando as concepções de espaço, tempo e matéria com que a mecânica clássica trabalhava. Para além de toda a discussão dos aspectos técnicos, objetivo que escapa ao âmbito deste trabalho e à capacidade do autor, importa assinalar que as discussões sobre a teoria da relatividade também alcançaram os pensadores que se ocupavam do social. Pois bem, a chave de leitura relativista, proposta por Einstein, pressupõe assumir que o

ponto de vista do observador altera a sua percepção ou apreensão da realidade. É neste sentido estrito que abordaremos a teoria einsteiniana. Os nossos dois autores sempre se referenciaram ao físico alemão expressando admiração. Mariátegui, por exemplo, ao discutir o imobilismo da universidade se utilizou de Einstein como exemplo daqueles que pensam a “ciência do porvir” e acabam por fecundar a vida universitária. Já para Haya de la Torre em texto sobre a morte do pensador alemão, declarou que, em sua concepção, Einstein era o homem mais admirável de seu tempo. À parte a admiração que os dois autores nutriam pela figura de Einstein, é interessante observar que a sua teoria da relatividade carregava questões de cunho epistemológico que tanto Haya de la Torre, quanto Mariátegui, se utilizaram, de maneira surpreendente, para pensar o marxismo. Mariátegui (1970: 30) , ácido crítico do niilismo “barato e vulgar” que abundava a produção filosófica ocidental no período após a Primeira Guerra, enxergava este pessimismo como um sinal da decadência do mundo burguês e de seus valores. Contudo, o pensador peruano admirava muito dos autores que questionavam as certezas que sustentavam o racionalismo da chamada Belle Époque, como Freud e o próprio Einstein. O problema, então, não estava na crítica aos preceitos racionalistas, na desmitificação da razão, mas sim quando esta crítica impedia a ação revolucionária e a luta pela construção do mundo novo. A proposição pode parecer estranha vinda de um marxista, contudo, as concepções marxistas de Mariátegui são consideradas “heterodoxas”, justamente por abarcar afirmações do tipo: Si Marx no pudo basar su plan político ni su concepción histórica en la biología de De Vries, ni en la psicología de Freud, ni en la física de Einstein, ni más ni menos que Kant en su elaboración filosófica tuvo que contentarse con la física newtoniana y la ciencia de su tiempo: el marxismo -o sus intelectuales- en su curso superior, no ha cesado de asimilar lo más sustancial y activo de la especulación filosófica e histórica post-hegeliana o postracionalista. (MARIÁTEGUI, 1976:43)

Trata-se, portanto, de se utilizar as reflexões críticas ao racionalismo para pensar e repensar o marxismo. Neste sentido, não apenas pela sua teoria da relatividade, Einstein é uma referência importante, pois apesar de realizar a crítica do racionalismo, o

pensador alemão mantinha não se limitava ao “pessimismo da razão”, pois possuía também o “otimismo do ideal”. Como nos sintetiza Mariátegui (1970:30): Esta filosofía [relativista], pues, no invita a renunciar a la acción. Pretende únicamente negar lo Absoluto. Pero reconoce, en la historia humana, a la verdad relativa,al mito temporal de cada época, el mismo valor y la misma eficacia que a una verdad absoluta y eterna. Esta filosofía proclama y confirma la necesidad del mito y la utilidad de la fe. Aunque luego se entretenga en pensar que todas las verdades y todas las ficciones, en último análisis, son equivalentes. Einstein, relativista, se comporta en la vida como un optimista del ideal.

O papel do intelectual, pois, não é o de formular políticas, mas sim (é interessante observar que o próprio Einstein aparece como exemplo): (...)al sabio Einstein que si, consagrado a otras disciplinas intelectuales, no milita en los rangos del marxismo, colabora en cambio abiertamente con los revolucionarios en la lucha contra el imperialismo. La línea doctrinal es función de partido. Los intelectuales, en cuanto intelectuales, no pueden asociarse para establecerla. Su misión, a este respecto, debe contentarse con la aportación de elementos de crítica, investigación y debate. (MARIÁTEGUI, 1986:176)

Posições como esta mostram, ainda que de maneira breve, a perspicácia das concepções teóricas de Mariátegui. Além de se apropriar de pensadores afastados (e até mal quistos) da tradição marxista como Freud e Einstein para pensar o próprio marxismo, ele reconhecia autonomia relativa da discussão intelectual que não deveria ser instrumentalizada pela política. Estas posições lhe renderam muitas críticas dentro do movimento comunista, como as acusações de “populista”, “romântico” e “pequenoburguês”. As mesmas acusações foram sofridas por Haya de la Torre, cuja relação com o aparato teórico einsteiniano era totalmente diferente da de Mariátegui, pois ultrapassou, e muito, questões de cunho epistemológico. Em seu primeiro exílio europeu no final da década de 1920, Haya chegou a assistir com entusiasmo a uma palestra sobre a teoria da relatividade, além de comparecer, com igual entusiasmo, a um concerto filantrópico no qual Einstein tocou violino. A admiração apareceu nos artigos em que ele narra seu encontro com Einstein, durante a estada inglesa do exílio do pensador alemão. Na ocasião, Haya teve a chance de expressar sua gratidão ao telegrama que recebeu quando de sua ameaça pelo governo Sanches Cerro. Também debateram as preocupações políticas de Haya sobre as particularidades históricas da América Latina. Contudo, o orgulho pode ser observado

quando Haya se gaba do pensador alemão lembrar que os dois haviam sido coautores de uma coletânea de artigos sobre o pacifista francês Romain Rolland, muito admirado pelos dois. Para além do tom pessoal, e epistemológico como no caso de Mariátegui, a formulação da categoria de “Espaço-tempo-histórico”, fundamental para a preocupação de Haya de la Torre em atentar para as particularidades históricas da América Latina, tem inspiração direta na reflexão einsteiniana, como demonstra a citação a seguir: Y así aparecen, esclarecedoramente delimitadas, las diferencias conceptuales entre el tiempo cronológico, que abarca por igual a las dos Américas, en lo mismos calendarios anuales y seculares de su discurso; y el tiempo histórico que en disparejos plazos o períodos evalúa el distinto ritmo o grado de sus sendos ciclos de evolución, crecimiento y desarrollo en cada uno de los continentes del bien llamado Nievo Mundo. El hecho incontestable de que en voeva medida de años y siglos hayan evolucionado con semejantes logros epocas de cambio y progreso científico y técnicos en sus respectivos aconteceres, demarca la diferencia entre el tiempo cronológico proveniente del determinismo newtoniano y el tiempo histórico, relativista de inspiración einsteiniana, física y cualitativamente indesligable del espacio o lugar que el hombre domina y trabaja e donde el acontecer social transcurre.” (HAYA DE LA TORRE, 1985: XXVII)

Esta preocupação com o “espaço-tempo-histórico” indoamericano, para utilizar a terminologia do autor, é a sua principal fonte de críticas ao “universalismo” comunista que, segundo o autor, se limitava a transpor de maneira mecânica as categorias do desenvolvimento histórico europeu para a América Latina. Ou seja, tal qual Mariátegui, Haya de la Torre também se utilizou do arsenal da teoria da relatividade para criticar os pressupostos marxistas. Entretanto, as reflexões einsteinianas sobre o potencial da energia atômica em termos de uso pacífico e tragédia atômica de Hiroshima e Nagasaki impuseram a Haya de la Torre novas questões e críticas ao comunismo, em especial no tocante ao pressuposto de que, para os marxistas, a violência é a “parteira da história”. Neste sentido, a experiência

atômica e as reflexões pacifistas de Einstein demonstraram que na era atômica das armas termo-nucleares a violência só poderia ser a “sepultura” da história. (HAYA DE LA TORRE, 1985: 325) Por isto, após a vitória contra o fascismo, Haya de la Torre se tornou um adepto incondicional da democracia liberal. Esta inflexão político-ideológica é fundamental na obra do autor, se temos em conta que ainda em princípios da década de 1930, ele liderou uma tentativa armada de assalto ao poder no Peru. Sua adesão aos

princípios democráticos ocorreu com tal força – ainda que sempre acompanhada da pauta da “democracia social” – que no fim da vida, o político peruano chegou a presidir a Assembleia Constitucional peruana no ano de 1979. 5. Considerações Finais A fim de construírem, e legitimarem, suas posições políticas e teóricas, eles se apoiaram e se apropriaram de pensadores dos mais variados matizes ideológicos, políticos e filosóficos. Ainda que o referencial einsteiniano seja apropriado majoritariamente em sua discussão epistemológico, isto não significa dizer que ele foi instrumentalizado. Pelo contrário, pois ele teve duas funções na produção teóricopolítica de nossos autores. Em primeiro lugar, o instrumental teórico einsteiniano foi importante alicerce na crítica que os autores estabeleceram a uma concepção unilinear, universalista e “civilizatória” do progresso (típico da Belle Époque). Já em um segundo plano, o desdobramento desta crítica às concepções universais do progresso fundamentou a observação da particularidade do desenvolvimento histórico latino-americano, ante o europeu. Neste sentido, os dois autores se aproximam ao criticar (ao menos teoricamente, já que Haya vai desenvolvendo a tese do “Estado Anti-imperialista” e do “Capitalismo de Estado”) a Internacional Comunista e suas concepções “etapistas” – que consistiu na transposição mecânica das categorias do desenvolvimento histórico europeu para a análise da realidade latino-americana. Esta consciência da particularidade histórica latino-americana levou os nossos intelectuais a criarem soluções que dialogavam com os conceitos europeus. Trata-se, portanto, de ressaltar que não havia uma mera “reprodução” dos conceitos e hipóteses europeias. Por fim, uma provocação. Da riqueza destes debates, ou seja, a apropriação do pensamento de um renomado nome das ciências exatas por intérpretes da realidade social (algo impensável nos dias que correm) podemos perceber o quanto as fronteiras do conhecimento humano são fluidas. Observar este dado, para além da fortuna da obra dos dois pensadores peruanos, é excelente ponto de partida para pensarmos as (poucas) relações que as diferentes áreas do conhecimento travam hoje em dia.

6. Bibliografia ARICÓ, J. “O marxismo latino-americano nos anos da Terceira Internacional”. In: HOBSBAWM, E. (org.) História do Marxismo v8. São Paulo, Paz e Terra, 1987. FERREIRA, O.S. Nossa América: Indoamérica. São Paulo, Edusp, 1971. FLORES GALINDO, Alberto. La agonia de Mariátegui. Lima, DESCO, 1982 GELADO, Viviana. Vanguarda e Cultura Popular nos anos 20 na América Latina. São Carlos, EdUfscar, 2006 HAYA DE LA TORRE, Victor Raúl. Obras Completas, Lima. Editorial Juan Mejía Baca, 1985. HOBSBAWM, Eric. “Nacionalismo e Marxismo”. In: Jaime Pinsky(org.). Questão Nacional e Marxismo. São Paulo, Editora Brasiliense, 1980. MACHADO, Leila Escorsim. J.C. Mariátegui: marxismo, cultura e revolução. Tese de Doutorado em Serviço Social da UFRJ, 2004. MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete ensaios de interpretação da realidade peruana. São Paulo, Editora Expressão Popular, 2008. MARIÁTEGUI, José Carlos. Alma matinal y otras estaciones del hombre de hoy. Lima, Editora Amauta, 1970. MARIÁTEGUI, José Carlos. Ideología y Política. Lima, Editora Amauta, 1986. MARIÁTEGUI, José Carlos. Defensa del Marxismo. Lima, Editora Amauta, 1976. MELIS, Antonio. Leyendo Mariátegui. Lima, Editora Amauta, 1999. PLANAS, P; RIVAROLA, M. (org). Haya de la torre. Madrid, Ediciones de Cultura Hispánica, 1988 PERRONE-MOYSÉS, Leyla. Vira e mexe, nacionalismo. São Paulo, Cia das Letras, 2007.

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