Cruzando as incertezas: celulares e políticas de exibição e ocultação em Inhambane, Moçambique

June 2, 2017 | Autor: J. Archambault | Categoria: Secrecy, Mozambique, Mobile Communication, Intimacy, Youth
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Cruzando as incertezas: celulares e políticas de exibição e ocultação em Inhambane, Moçambique* Julie Archambault Tradução: Inácio Dias de Andrade

RESUMO: Os telefones celulares desempenham um papel fundamental na maneira pela qual os jovens em Inhambane, Moçambique, conciliam a visibilidade e a invisibilidade de suas práticas cotidianas. Ao abrir novos espaços sociais que permitem aos indivíduos envolver-se em diferentes atividades com algum grau de descrição, o uso do celular ajuda a remediar desigualdades socioeconômicas enquanto preserva um desagradável segredo público sobre o funcionamento da economia moçambicana no pós-guerra: o de que jovens mulheres são incentivadas a trocar favores sexuais por bens materiais. Com base na literatura sobre o segredo e através da noção local de “Visão”, proponho um uso alargado da ideia de “Navegação social” capaz de revelar preocupações acerca das aparências e da reprodução e ampliação de epistemologias da ignorância. [telefones celulares, Moçambique, juventude, segredo, navegação social, economia da intimidade, respeito, aparências]

Em menos de uma década, os telefones celulares tornaram-se parte integrante do dia a dia de grande parte de África subsaariana. O desejo de manter as aparências entre os mais jovens, por meio de dinâmicas de visibilidade e invisibilidade, foi decisivo para a intensa adesão aos celulares. Um comentário feito por Inocêncio, um jovem moçambicano, dá uma ideia das tensões existentes entre a práticas de exibição e a dissimulação que a recente propagação de telefones celulares proporciona: “Você sabe,” ele disse, “muitas pessoas que têm telemóveis caros dormem no chão, mas se as casas fossem feitas de vidro, teriam comprado camas há muito tempo.” A observação de Inocêncio também revela questões mais amplas que são recorrentes em contextos de incerteza e disparidade crescente, nos quais o cotidiano assenta-se na busca de um equilíbrio entre exibir o suficiente, sem revelar demais, * Publicado originalmente como “Cruising through uncertainty: Cell phone and the politics of display and disguise inn Inhambane, Mozambique”, American Ethnologist 40 (1): 88-101, 2013.

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entre ascender socialmente e evitar a inveja e entre divertir-se e preservar o respeito, ao mesmo tempo em que se enfeita a realidade, muitas vezes através de ocultações. Tais preocupações aparecem em diferentes lugares (Bellman 1984; Comaroff e Comaroff 1999; Davidson 2010; Ferme de 2001; Gable 1997; Gilsenan 1976; Gregor 1977; Murphy, 1980; Piot 1993) e conectam-se com reflexões mais gerais sobre a política do segredo (Barnes, 1994; Simmel 1950; Taussig, 1999). Neste artigo, analiso a forma como os jovens na Liberdade, um bairro periférico de Inhambane, Moçambique, navegam por meio da incerteza cotidiana conciliando o visível e o invisível e examino o papel que os telefones celulares desempenham nestas dinâmicas. Como alguns autores têm argumentado (de Bruijn et al 2009;. Horst e Miller 2006;McIntosh 2010; Smith 2006), possuir um telefone celular é uma prova da adesão a um mundo que continua a ser indescritível para a maioria. No entanto, como mostro a seguir, o uso do telefone para dissimulação é tão ou mais importante quanto sua utilização para a ostentação. Embora a tecnologia da informação e comunicação (TIC) tenha contribuído para a erosão da privacidade em algumas situações (Katz e Aakhus 2002), o seu impacto em outros contextos é muito mais ambíguo (Horst e Miller 2006; Ito et al. 2005; Maroon 2006; Mazzarella 2010). Em um lugar como Liberdade, onde a privacidade é escassa e onde a maioria das pessoas passaram a ter telefone celular sem antes possuir uma linha fixa (cf. Ou Amor 2005: 699), as telecomunicações abrem novos espaços de sociabilidade. Na verdade, o telefone transforma experiências com o espaço não só através da compressão do espaço-tempo, mas também por fornecer aos indivíduos uma maior margem de ação. Ao resumir essas experiências a partir de uma perspectiva masculina, um jovem descreveu-as de uma maneira muito simples: “Antes, quando queria falar com uma moça, corria o risco de levar porradas dos seus irmãos ou do seu namorado. Agora, é só ligar.” Após contextualizar os usos do telefone em sua relação com a política local de exibição e ocultação, eu demonstro como a comunicação através do celular, ao permitir que as pessoas engajem-se em diferentes atividades com algum grau de discrição, ajuda a resolver algumas das contradições sociais agravadas pela economia moçambicana póssocialista erguida ao fim da guerra. Logicamente que ninguém é totalmente alheio ao conteúdo das mensagens trocadas – a esposa sabe que seu marido a trai, o pai percebe que sua filha está envolvida com homens mais velhos e a irmã está ciente de que seu irmão se envolve em atividades ilícitas de vez em quando –, mas o meu argumento é que a discrição, mesmo que parcial, conferida pelo celular tem profundas implicações em um contexto onde o crescimento da desigualdade socioeconômica conjuga-se com a disparidade crescente entre noções sobre de respeito e as suas práticas cotidianas, uma vez que ajuda a preservar e reproduzir epistemologias da ignorância (Cf.Mair et al. 2012) ou regimes de conhecimento que privilegiam suposições à verdade e à transparência. É por meio da noção local de “visão” que pretendo lançar luz sobre as formas que os jovens jogam com as aparências – quer mediada pelo telefone, quer não – em suas tentativas de atravessarem, sem maiores problemas, as incertezas de seu dia a dia (cf. Vigh 2006). Como a discrição é especialmente valorizada em atividades íntimas, o texto foca na inserção dos telefones celulares dentro da economia da intimidade, uma esfera que tem atraído muita atenção em Moçambique (Arnfred 2004; Bagnol e Chamo de 2003; Groes 2

verde-2010; Hawkins et al. 2005; Manuel de 2008; Pfeiffer 2004) e na região (Cole 2004; Hunter 2002; Silberschmidt 2004; Thomas e Cole 2009; Thornton 2008). Os jovens “visionários” da Liberdade

Este artigo é baseado no trabalho de campo que realizei entre 2006 e 2009 na cidade de Inhambane, mais especificamente, no bairro periférico de Liberdade. Liberdade situa-se adiante da ferrovia abandonada, onde as antigas ruas pavimentadas terminam e a estrada de areia rodeada por palmeiras conhecida como Rua Branca começa. Saindo da Rua Branca entra-se em um labirinto de caminhos estreitos formado por cercas altas que dividem as casas. A maioria das residências é construída a partir de materiais disponíveis no local e a grande parte das famílias depende do pequeno comércio, da agricultura e de suas redes sociais para ganhar a vida. Em meio às contingências diárias, um grande número de famílias agora tem eletricidade, água corrente e casas de alvenaria que vêm sendo erguidas pontualmente. Passei a maior que em Liberdade com jovens de vinte e poucos anos, embora nossos encontros muitas vezes envolviam seus parentes e indivíduos próximos. Estes jovens nasceram em tempos difíceis marcados por uma prolongada guerra civil (1977-1992) e um fracassado projeto de modernização socialista. Quando eu os conheci pela primeira vez, em meados de 2006, eles ainda esperavam pelos benefícios da economia do pós-guerra, queriam “sentir a globalização” , como alguns deles afirmavam. A maioria vivia com parentes, muitas vezes em famílias chefiadas por mulheres. Os homens, em geral, aguardavam ansiosamente o dia em que poderiam se mudar e começar uma família independente e por causa disso, muitos adiavam os planos de ter filhos. Por outro lado, poucas mulheres conseguiram completar 20 anos sem engravidar e muitas delas faziam parte de uma segunda geração de mães solteiras. Independentemente do gênero, a maioria dos jovens em Liberdade levava a educação cada vez mais à sério, e a maioria de meus informantes estavam completando o ensino secundário ou eram recém-formados. Todavia, se antigamente um diploma secundário era garantia de um emprego no funcionalismo público, atualmente, a maioria dos egressos que conheci não possuíam capital suficiente para conseguir um emprego formal ou iniciar seus próprios negócios. Muitos afirmavam que “não estavam a fazer nada” (Archambault 2012b). Como outros jovens da África subsaariana (Cole 2004; GroesGreen 2010; Hansen 2005; Mains 2007; Vigh 2006; Weiss 2005) e alhures (Dewey e Brison 2012; Jeffrey 2010), eles não estavam apenas lutando contra a crescente disparidade entre o esperado e o possível (cf. Vigh 2006: 41), mas estavam confrontando-se com as contradições existentes entre a expansão de seus potenciais – possibilitada pela ampliação do acesso à educação secundária – e o declínio das oportunidades no setor formal (cf. Weiss 2005: 107; ver também Mains, 2007). Essas contradições foram constituídas em um contexto social não só abalado pela transição abrupta entre uma economia de extrema escassez dos tempos de guerra para o súbito afluxo de bens de consumo modernos (Sumich 2008), como também foram estabelecidas em um local onde, apesar do insidioso legado colonial, ou mesmo por causa dele, a realização pessoal tinha se tornado intimamente 3

entrelaçada com consumo (cf. Comaroff e Comaroff 1999; Nyamnjoh 2005; Stambach 2000) e a ostentação. Nesse sentido, examino como os habitantes de Liberdade respondem ao sentimento de privação que emerge desta dissonância entre as suas realizações e seus potenciais ou, como alguns autores chamaram, “violência estrutural” (Lubkemann 2008: 111-112). Mais especificamente, eu examino como as práticas de sigilo, incluindo atos de ocultação e de suposta ignorância, podem ser entendidas como práticas reflexivas e constitutivas de tais contradições sociais (cf. Gilsenan 1976: 191). O estudo baseia-se na noção de local de “visão”, que, como mostro a seguir, pode ser transformada em um conceito analítico útil para dar sentido a vida cotidiana em contextos de incerteza e desigualdade socioeconômica. Nas conversas que tive com jovens de Liberdade, a vida era descrita como uma batalha que exigia habilidades, experiências e visões específicas. No entanto, enquanto lutavam para sobreviver, também deixavam claro que procuravam “curtir a vida”. Quando perguntei sobre uma definição mais precisa dessa expressão amplamente utilizada, disseram-me que “curtir é viver”. Nesse sentido, o telefone também era visto como um elemento de distinção entre “os que vivem” e “os que só sobrevivem” (Archambault 2012b: 402). De modo mais sucinto, alguns jovens afirmavam que o sucesso na vida dependia da visão. Visão é uma qualidade que os indivíduos possuem em diferentes graus, embora alguns possam ser totalmente desprovidos dela. A visão é aprimorada através de experiências de vida, por exemplo, durante o período colonial, quando a região serviu como uma reserva de trabalho para a indústria de mineração sul-africana, a migração tornou-se um rito de passagem para a idade adulta (Sheldon 2002: 3) e aqueles que não tomaram parte nesse movimento eram geralmente vistos como “provincianos inexperientes e ignorantes” (Harries 1994: 157) incapazes de adquirir visão. Desta forma, o desenvolvimento da visão está ligado tanto à ascensão econômica quanto à aquisição de conhecimento e de novas experiências. Atualmente o trabalho migrante perdeu seu apelo, especialmente entre os residentes urbanos, e modos alternativos para o desenvolvimento da visão incluem o acesso à educação, contato com os estrangeiros (expatriados e turistas), além do consumo de álcool, maconha (Archambault 2012b; ver também Groes verde-2010) e produtos culturais. Essas novas modalidades têm, em certa medida, democratizado a visão, isto é, têm oferecido oportunidades às mulheres para desenvolvê-la. A visão, no entanto, continua a ser uma qualidade ambivalente que pode ser utilizada tanto para fins construtivos quanto destrutivos. Ainda que a visão seja frequentemente associada a regimes de verdade, ver, como Constance Classen (1997) nos lembra, também é algo culturalmente construído. Neste caso, embora a visão privilegie semanticamente o ato de ver sobre os outros sentidos, ela diz respeito a uma consciência sensorial muito mais ampla. Tal qual os caçadores e guerreiros que Mariane Ferme descreve, a “sobrevivência” dos jovens adultos em Liberdade “depende de sua próprios poderes de ocultação, bem como da sua capacidade de identificar os traços deixados por uma presa ou inimigo e reconhecer os disfarces por meio das quais podem se esconder” (2001: 26). Como outros autores têm demonstrado, as habilidades do caçador também se revelam úteis em ambientes urbanos (Hansen e Verkaaik 2009: 5). Em Liberdade, um bom exemplo disso é a maneira como os jovens leem pegadas deixadas na areia. A maioria deles consegue identificar as pegadas de familiares, vizinhos e outros 4

conhecidos. De fato, na tentativa de se destacar os jovens fazem de tudo para conseguir um par de sapatos, geralmente comprado em mercados de peças usadas. Assim, os sapatos tornam-se, literalmente, parte da identidade de seus proprietários, já que as marcas que deixam na areia podem ser usadas por outras pessoas para manter o controle de suas idas e vindas. Percebidas como fonte de um precioso repositório de informações, as pegadas são objetos de extrema preocupação. Vítimas de um roubo, por exemplo, podem coletar pegadas suspeitas encontradas na cena do crime colocando a areia em um recipiente, que é, então, levado ao curandeiro para investigação. Diariamente, as pegadas deixadas na areia pelas atividades da noite anterior são lidas antes de serem varridas ao nascer do sol, momento em que a vizinhança acorda ao ritmo sibilante das rijas vassouras na areia. Durante o dia inteiro, à medida em que as pessoas vêm e vão, a leitura e a limpeza do quintal se repetem. Em alguns casos, é necessário especial cautela para não deixar para trás quaisquer pegadas incriminatórias. Para dar sentido a essas experiências e ampliar seu alcance para além do contexto de Liberdade, utilizo-me do conceito de "navegação social" (Lubkemann 2008; Munro et al. 1999; Utas 2005; Vigh 2009). A ideia de navegação tem sido usada como metáfora para as maneiras com as quais os atores interagem com as paisagens (Vigh 2009: 420). Alfred Gell (1985), por exemplo, propôs uma compreensão dinâmica do vagar 1 que privilegia a natureza processual da navegação. Um elemento importante do modelo de Gell, e partir do qual outros autores trabalharam, é a ideia que os distintos modos de navegação – a criança voltando a pé para casa da escola ou um soldado na batalha – diferem em grau e mas não em espécie. Em outras palavras, Gell afirma que os processos que estão em jogo durante a navegação dos atores são os mesmo, seja em um terreno familiar ou em um mais traiçoeiro. Mais recentemente, em sua pesquisa entre soldados desmobilizados na Guiné-Bissau, Henrik Vigh (2006) desenvolveu uma teoria da navegação social baseada no dinamismo inerente ao modelo de Gell, ao mesmo tempo em que lhe imprimiu uma sensibilidade fenomenológica à la Michel Certeau. Para Vigh, ainda que a navegação seja feita em ambientes concreto – como no ato da leitura e limpeza da areia – os atores também navegam “redes e eventos” (2006: 13). Em Liberdade, a visão é parte integrante da navegação social, constitui o equilíbrio e destreza necessários para uma vida bem-sucedida. Na verdade, a visão permite aos indivíduos ler não só as pegadas, mas também o ambiente social mais amplo, possibilitando que o explorem ao máximo. Alguém que possui visão pode ver através das dissimulações e jogar com a visão dos outros. Entretanto, como mostro na segunda metade deste artigo, quem possui visão também sabe o que não ver. A articulação desse duplo e simultâneo movimento individual, dentro de um ambiente igualmente dinâmico (Vigh 2009: 420), é bem expressa por esta alegoria marítima. Em suma, o conceito de “navegação social” oferece, para os interessados nas experiências cotidianas e trajetórias de vida, uma ferramenta heurística que pode ser utilizada para descrever o dia a dia em ambientes menos instáveis do que o de Liberdade, onde, como a descrição abaixo ilustra, a manutenção das aparências é essencial. A navegação cotidiana da vida e as políticas do respeito

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A família Cabral vive em um dos pequenos morros de Liberdade, não muito longe da estrada de ferro. O quintal da família, como todos os quintais do bairro, é mantido impecavelmente arrumado e é varrido todos os dias ao amanhecer. Canteiros exuberantes, mantidos perfeitamente alinhados com garrafas vazias, contrastam com os quartos feitos em palha e folhas de palmeiras trançadas que apodrecem lentamente. A família é chefiada por Júlia, uma mulher serena, na casa dos cinquenta, trabalha como funcionária pública e suplementa sua renda vendendo vegetais que cultiva em um local próximo. Dos seus sete filhos, apenas os três mais jovens continuam a viver com ela. Embora possuam diploma do ensino secundário, os dois homens, que estão na casa dos vinte anos, lutam para conseguir emprego. Manuel trabalha ocasionalmente como pintor, enquanto Samo vende bens roubados por conhecidos que não são tão bem relacionados como ele. Pessoas no bairro dizer que ele tem maningue visão (uma visão excepcional). Ambos irmãos dizem que “não estão a fazer nada” e passam a maior parte do tempo em casa ou no Milas, o bar local que atrai jovens cujas atuais circunstâncias socioeconômicas são variações da mesma história (Archambault 2012b). Ambos também gastam energia e dinheiro consideráveis flertando com meninas do bairro. Como outras jovens de sua idade, Sandra, a caçula da família, acorda ao raiar do dia para varrer o quintal antes ir para a escola. As tarefas domésticas mantém-na ocupada na parte da tarde, já que é responsável por buscar água na bica pública da estrada, cozinhar, e, quando lembra, regar as plantas. Pouco antes de eu conhecê-la, Sandra começou a frequentar um bar nas proximidades para assistir as novelas brasileiras que passam à noite. Em pouco tempo, adquiriu o hábito de dormir fora e voltar para casa apenas no dia seguinte. Inicialmente, os irmãos ficaram furiosos e advertiram-na que, se continuasse se comportando desta maneira, jamais se casaria. Manuel bateu nela em várias ocasiões, mas não conseguiu demovê-la. Um dia, Samo mencionou que sua irmã mais velha costumava fazer a mesma coisa quando morava com eles a alguns anos atrás, mas que “pelo menos ela tinha a decência de voltar a tempo de varrer o quintal [antes que alguém pudesse notar sua ausência] e sempre preparava um bom mata-bixo para todo mundo”. Segundo ele, Sandra, ao contrário da irmã, não tinha visão nem respeito (“não tem respeito... não tem visão”). Em outras palavras, embora os irmãos reprovassem abertamente os maus hábitos de sua irmã, foi sua falta de discrição, junto com seu egoísmo, que realmente os irritou. Não era tanto o que ela fazia, mas sim a forma como ela fazia que era considerada inaceitável. Como esta história sugere, ter visão implica em ver ao mesmo tempo em que se interpreta as visões dos outros. No que concerne às relações íntimas, a visão auxilia a seduzir e ao mesmo tempo em que oferece a astúcia necessária para garantir que estas relações passem despercebidas. Um olhar mais atento à política local sobre o respeito esclarece essa preocupação com a dissimulação. Na Liberdade, o reconhecimento social dos indivíduos depende de o quão respeitoso eles são. Não foi por acaso que Samo falou que o respeito e a visão andam de mãos dadas. Na verdade, a discrição e o respeito são usados como sinônimos ou como constantemente me chamavam à atenção: “esconder é respeito”. A relação entre ocultação e respeito é particularmente nítida no que diz respeito às relações íntimas. “Quem esconde é por que gosta”, as mulheres comentam quase que cinicamente. Na verdade, um 6

bom parceiro não é necessariamente fiel, mas, sim, discreto. Os homens comprometidos são incentivados a encontrar amantes “longe de casa” e fazer todo o possível para não ser descoberto. Ao queixar-se sobre o seu marido mulherengo, Benedita afirma: “Nossos pais também costumavam namorar, mas pelo menos eles procuravam longe de casa. Hoje, os nossos maridos andam com a vizinha”. O respeito baseia-se na capacidade de manter as aparências, de dissimular, de enganar e de embelezar. Em suma, o respeito implica em uma visão, que cultiva e reproduz epistemologias da ignorância. Nos últimos anos, o telefone transformou-se em uma engrenagem essencial para navegação da vida diária. Como em outros lugares onde as pessoas utilizam-se de redes sociais para fazer face às dificuldades cotidiana, as telecomunicações lubrificam redes de redistribuição preexistentes e permitem àqueles indivíduos localizados no fim dessa cadeia desempenhem um papel mais ativo no seu funcionamento (Archambault 2010; Horst e Miller 2006; Skuse e Cousins 2007; Smith 2006). A chegada de telefones celulares pode não ter transformado radicalmente a vida dos Residentes de Liberdade, embora muitas coisas mudaram desde que captei este breve retrato da família Cabral. As pessoas continuam a enfrentar as dificuldades cotidianas na medida em que se deparam com elas, praticam pequenos furtos ocasionalmente ou trocam favores sexuais por algum ganho material e normalmente dependem da interação face à face para ativar suas redes sociais. Os telefones celulares são colocados ao serviço daquilo que Heather A. Horst e Daniel Miller chamaram de "realização ampla" (2006: 6). Desenvolvido por Miller e Don Slater (2000: 11-13) em sua pesquisa com a Internet em Trinidad, o conceito refere-se às maneiras pelas quais os indivíduos utilizam as novas tecnologias para lidar com algumas das contradições que enfrentam para chegar mais perto de versões idealizadas de si (ver também Mazzarella 2010: 784). Meu argumento é que esse ideias se desenvolvem por meio da criação de espaços virtuais de sociabilidade e da consequente expansão da privacidade. Da mesma forma, as práticas de telefone celular que discuto abaixo também devem ser vistas como parte de um arsenal mais amplo de dissimulação. Antes de mostrar como isso ocorre, apresento, na seção seguinte, um pano de fundo histórico através do qual as tensões contemporâneas entre visibilidade e invisibilidade devem ser compreendidas. Uma breve história da exibição e dissimulação em Inhambane As tensões entre a exibição e a dissimulação que os usos do telefones celulares revelam e reforçam devem ser contextualizados historicamente a partir de memórias contrastantes entre o consumo desenfreado dos colonos portugueses e os tempos do socialismo e da guerra civil marcados pela escassez e crescente desigualdade. Como sugerido pelo comentário de Inocêncio sobre telefones caros e casas de vidro, a introdução de telefones celulares tem suscitado um intenso debate. Alguns de meus interlocutores ressaltam a historicidade das preocupações locais com as aparências e as relacionam à necessidade de “ser visto” com a influência portuguesa. Tais narrativas referem-se, em parte, à moral cristã e seus ideais de gênero e respeito (Sheldon 1998). No entanto, são também uma crítica mais explícita aos portugueses, vistos como colonizadores menores, movidos mais pelo hedonismo do que pelo imperialismo (veja também Hanlon 1996: 10). Como um jovem disse-me: “O portu7

gueses e os britânicos eram colonizadores muito diferentes. Ao contrário dos britânicos, para quem a principal preocupação era investir, os portugueses eram mais preocupados em manter uma boa aparência e se divertir... e é daí que o nosso materialismo vem!”. Durante o período colonial, os Bitonga, os habitantes autóctones de Inhambane, viveram em uma estreita, embora relativa, proximidade com colonos portugueses e atualmente alguns jovens adultos de Liberdade são filhos de assimilados, indivíduos que receberam o status de assimilação.1 Os direitos adquiridos por estes indivíduos foram anulados com a independência em 1975, transformando-os naqueles que haviam colaborado com os portugueses e em fontes de desconfiança (O'Laughlin 2000: 28). O consumo abusivo foi uma das primeiras coisas a que a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) opôs-se depois de assumir o país recém independente em 1975 (Vail e Branco, 1991: 45-46; ver também Penvenne 1995). Após a adoção do marxismoleninismo dois anos mais tarde, o consumo irresponsável passou a ser visto como antipatriota e, em seu lugar, o partido incentivava a contenção e o sacrifício pelo bem da nação (Pitcher e Askew 2006). Além do apelo à retórica nacionalista e à criação de um “Novo Homem”, o controle populacional tornou-se uma característica fundamental do projeto socialista centralizador da Frelimo (Alexander 1997: 2). Sob o pretexto de facilitar a expansão dos serviços públicos nas zonas rurais, a Frelimo buscou reunir em aldeias comunais aqueles que viviam em assentamentos dispersos. A Frelimo também adotou uma série de políticas específicas para os jovens. No início de 1980, na tentativa de expurgar os centros urbanos de jovens desempregados, aqueles acusados de vadiagem foram enviados para campos de reeducação como parte da Produção Operação (Geffray 1990). Por outro lado, mobilizando-os através da Organização da Juventude Moçambicana (OJM) e incentivando-os a espionar seus pais e relatar qualquer atividade anti-Frelimo, o estado deu aos jovens um papel central na política partidária (Kyed 2008: 407). Embora tenha tido uma curta duração – até o final de 1980, quando as reformas liberais foram adotadas –, o período socialista em Moçambique moldou os imaginários locais de tal forma que sua influência é até hoje perceptível (ver também Sumich 2008). O problema para identificar o legado do socialismo é ainda agravado pelo fato de que o período coincidiu com a guerra civil (1977-92; ver Jarro e Askew 2006). Travada pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), um movimento guerrilheiro apoiado do estrangeiro cujo objetivo inicial era desestabilizar o novo regime (Vines 1991), o conflito, eventualmente, se transformou em uma guerra civil prolongada que só foi solucionada em 1992. Entretanto, ainda que as zonas rurais tenham sido palco de confrontos violentos, a cidade de Inhambane continuou a ser um reduto frelimista durante todo conflito armado. Com a escalada da guerra no final dos anos 80, a insegurança no campo interrompeu a produção agrícola e ampliou a já existente escassez de mercadorias. Os ajustes estruturais implementados na segunda metade da década de 1980 trouxeram um forte aumento dos preços (Hanlon 1996: 93) que sufocou ainda mais o consumo (Alexander 1997). Na realidade, a maioria dos moradores de Inhambane lembram da período mais por seu impacto sobre o 1 No entanto, o status de assimilado era muito difícil de alcançar. Por 1960, o assimilados representavam pouco mais do que 1 por cento do população (Wuyts 1989: 21)

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acesso a bens de consumo, simbolizado pelas memórias de filas intermináveis, do que por problemas de segurança (Archambault 2010). As filas em época de racionamento também fez do consumo uma atividade extremamente visível, debilitando o discurso da Frelimo sobre igualdade e alimentando suspeitas sobre as desigualdades. Como um homem de meiaidade explicou: “Podia-se ficar na fila durante todo o dia na padaria sem conseguir nem um pão, enquanto outros nunca apareciam na fila, mas sempre tinham pão”. Recentemente, a reconstrução do pós-guerra, o neoliberalismo e a chegada da ajuda externa injetaram novos recursos e trouxeram novas expectativas que são moldadas pelas telenovelas brasileiras, pelos sermões pentecostais e pela indústria do turismo, para citar apenas algumas das mais influentes fontes de inspiração em Inhambane atualmente. Esses processos históricos informam o cenário em que as tensões entre visibilidade e invisibilidade se desenvolvem hoje em dia. Exibir, mas com muito para esconder Tal como os seus pais, que aspiravam à condição de assimilados, os jovens de Inhambane aspiram a um status mais elevado. No entanto, os critérios atuais são mais vagamente definidos e o título não é definitivo. As implicações políticas também são bastante diferentes. No contexto atual, a posse de um telefone é um requisito básico para participar do “mundo globalizado”, como os jovens gostam de dizer. Embora os telefones sejam por vezes escondido em um bolso ou nas dobras de uma capulana 2, eles também podem ser amarrados nos sutiãs e exibidos por fora das roupas ou pendurados por um fio e usados como um colar. Os proprietários de aparelhos luxuosos são geralmente considerados malandros. Enquanto os homens usam telefones chamativos para atrair mulheres, as mulheres com aparelhos caros são suspeitas de terem amantes ricos. O uso do telefone também oferece ao indivíduo a oportunidade de mostrar sua competência social e performatizar ideais locais de mobilidade (cf. McIntosh 2010). Se o modelo do telefone permitir, os toques são cuidadosamente escolhidos e atualizados para impressionar. Alguns, no entanto, preferem manter seus telefones ligados no modo silencioso para fugir ao escrutínio de outros, especialmente dos namorados ou namoradas que podem perguntar sobre as chamadas e mensagens de texto, um dilema que examinarei com mais detalhes abaixo. De qualquer forma, o telefone é usado não apenas para ostentar, mas também para ajudar a esconder. Dada a precária situação financeira nos quais muitos se encontram, os jovens de Liberdade têm mais a esconder do que a mostrar (cf. Gable 1997): quer durmam no chão e não tenham comida, quer usem calças sem botões e zíper quebrado. Atualmente, “ser visto” é mais uma preocupação do que um objetivo. Como os moradores meditativos dizem: “Um Bitonga prefere ficar em casa sem dinheiro do que ser visto na rua a fazer um biscate” De fato, o “orgulho Bitonga” é comumente identificado como a razão dos baixos níveis de empreendedorismo que seria encontrado em Inhambane, se comparada com outras cidades da região. Entretanto, um olhar cuidadoso revela que, embora instáveis, as complexas redes de sexo e criminalidade podem, sem dúvida nenhuma, serem descritas como formas de empreendedorismo. De fato, a maioria dos meus interlocutores masculinos – assim como algumas 9

mulheres – recorriam à pequenos delitos ocasionais e, como discuto com mais detalhes a seguir, muitos deles também envolveram-se em uma economia da intimidade usando sua sexualidade para ter acesso à bens. Outra característica importante dessa dinâmica contemporânea é que embora a necessidade de ocultar seja central, a privacidade em lugares como Liberdade tem se tornado especialmente escassa. Antes dos reassentamentos da década de 80, o sul Moçambique era caracterizado por padrões de residência dispersos e as populações da região valorizavam a privacidade oferecida pela abundância de terra (Felgate 1982: 28; Junod, 1966: 296-297). Moradores mais velhos recordam quando a terra na vizinhança era tão abundante que “você não podia sequer ver seu vizinho.” No entanto, durante a guerra no final dos anos 80, muitas pessoas que viviam em áreas rurais fugiram para centros urbanos como Inhambane em busca de proteção (Geffray 1990). Na sequência da resolução do conflito, algumas pessoas voltaram para suas casas rurais, mas muitos optaram em permanecer nas cidades, já que suas casas tinham sido destruídas, seus animais haviam sido mortos e os campos estavam tomados pelo mato, além disso, eles já haviam formado novas redes urbanas (Chingono 1996; Macamo Raimundo 2005). Em Liberdade, onde muitos refugiados se estabeleceram, a terra tornou-se escassa e cara, e agora os moradores vivem em estreita proximidade. Além do mais, uma vez que a maioria das atividades domésticas, como cozinhar, lavar a roupa, comer e conversar são realizada no quintal, a vida cotidiana corre sob o olhar dos vizinhos e transeuntes. Para alguns, o excesso de familiaridade contido no olhar objetivante (cf. Sartre 1943)3 da intimidade social se traduz na incapacidade de surpreender. Para outros, ela se expressa na sensação de viver sob uma vigilância constante e potencialmente nociva. Se a vigilância na década de 80 serviu uma agenda política específica (West 2001: 130), hoje, ela ainda permanece ligada à suspeita, à desconfiança e às tentativas de jogar com as desigualdades. A extrema visibilidade também torna a ocultação ainda mais crucial para manutenção de relações sociais harmoniosas (cf. Gregor 1977; Murphy, 1980). Aqui a pesquisa conduzida por Thomas Gregor na Amazônia se mostra relevante, ele utiliza uma metáfora dramatúrgica de Goffman para mostrar como a configuração espacial da aldeia Mehináku com as suas casas construída em torno de uma praça central – “como um teatro no centro, com uma acústica esplêndida e a visão desobstruída” – encoraja os residentes a tornarem-se “mestre(s) da encenação e nas artes do controle da informação” (1977: 2). Existem, de fato, diversas maneiras de escapar à fascinação com “a vida do vizinho”. Uma tática é se movimentar sob a proteção da escuridão. Em Inhambane, como em outros lugares em África (Davidson 2010; De Boeck 2004: 157; Fouquet 2007: 117; Gable 1997; Porter et ai. 2010: 802), ao contrário do dia, um período de vigilância, obrigações e restrição, a noite traz a liberdade, ainda que muitas vezes associada a um certo grau de perigo. De fato, a noite é comumente associada aos ladrões, às bruxas e aos amantes. A construção de cercas, frequentemente com mais de dois metros de altura, é outro elemento importante na dinâmica da exibição/disfarce em Liberdade. Feitas com folhas de palmeira ou caniços, as cercas dissuadem ladrões, amantes e bruxas de invadir uma propriedade, como também escondem, ainda que imperfeitamente, posses, filhas e esposas. A construção de um muro alto é também um imponente ato de ostentação e sugere que há algo na casa que vale a pena ser escondido. Ao mesmo tempo em que bloqueiam parcialmente a visão 10

exterior – já que que elas tendem a apodrecer rapidamente –, as cercas também impedem os que estão dentro de ver o que acontece lá fora. Para as mulheres que passam uma boa parte do seu tempo dentro dos limites do quintal, manter o controle sobre os vizinhos e transeuntes é um forma de bem-vinda de entretenimento e uma importante fonte de fofocas. Neste sentido, as cercas podem ser vistas como uma tentativa masculina de exibição e ocultação e está intimamente ligada ao controle das mulheres.2 Alguns também usam os telefones celulares como uma "coleira digital" (Ling 2008: 14), na tentativa de controlar os seus parceiros. A facilidade com a qual se pode mentir no telefone não é segredo para ninguém. "O telefone, como mente!", ouvi essa frase de muitas pessoas logo antes de acrescentarem algo como: “Sua mulher pode responder ‘Sim, estou casa’, quando na realidade ela está fora!”. Outros desenvolveram estratégias engenhosas para transformar o telefone em uma ferramenta mais eficiente de controle. Por exemplo, Samuel, um jovem que trabalha para uma empresa de remoção de minas estava extremamente preocupado com as atividades de sua esposa durante a sua ausência. Ele telefonava para ela à noite e para confirmar se ela estava realmente em casa pedia para acordar seu filho e fazia-o dizer algumas palavras. Neste caso, como em muitos outros, as telecomunicações facilitam o controle dos indivíduos, mas, como mostro a seguir, as mulheres usam os celulares justamente para se liberarem da supervisão masculina. O crescimento e o declínio da autoridade patriarcal Antes de tratar da inserção dos telefones celulares na economia da intimidade, é necessário analisar como a difusão das TIC tem coincidido com a redefinição das relações íntimas e das hierarquias de gênero de modo mais geral. 3 O controle sobre a circulação das mulheres está intimamente ligado às preocupações regionais sobre as sexualidade e reprodução femininas que são abertamente tratadas em canções e outras representações orais pelo menos desde o início século 20 (Junod 1966; Vail e Branco, 1991: 125; ver também Porter et al. 2010). Inhambane é parte do sul patrilinear, onde a descendência é traçada através da filiação paterna, as alianças de casamento envolvem, em geral, o pagamento do lobolo4 e a residência tende a ser patrilocal (Arnfred 2011: 85). A partir do final do século XIX, a autoridade patriarcal passou a ser moldada e consolidada por meio da integração da região à dinâmica do trabalho migratório que garantia aos homens uma fonte de renda regular através da qual a ideia do homem provedor e da mulher dependente foi construída (Archambault 2012a). Dado que o trabalho migratório obrigava os homens a viajar durante a maior parte do ano, as mulheres casadas eram geralmente deixadas sob a supervisão de seus parentes. 2 Ver também Murphy 1980 e Bailey 1991 sobre a relação entre o controle da circulação do conhecimento e a reprodução das hierarquias socioeconômicas. 3 A escolarização generalizada forneceu às mais jovens uma maior liberdade de movimento e deve ser entendida como um elemento decisivo na reconfiguração dos padrões de namoro. Muitas vezes, quando as jovens andam até a escola são alvo de homens que tentam seduzi-las, oferecendo-lhes uma carona, um lanche ou um refrigerante.

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Hoje em dia, em Liberdade, a autoridade patriarcal permanece como o principal modelo de autoridade. Ela orienta as relações de gênero; justifica desigualdades, como a ideia de que as mulheres não podem ter mais de um parceiro; e dita o comportamento normativo, especialmente no que diz respeito à liberdade do movimento feminino. Espera-se que as mulheres justifiquem as suas idas e vindas aos membros masculinos de seu agregado familiar e que minimizem o tempo que passam fora. As pessoas elogiam as mulheres que permanecem em casa, ao passo que mulheres que passam muito tempo longe são duramente criticadas, geralmente, percebidas como “vadias” ou “moças da rua”.4 Entretanto, existe um consenso de que, nos últimos anos, a circulação das mulheres fugiu do controle masculino. A imagem de meninas que escapam de casa pulando as janelas durante a noite aparece constantemente nessas narrativas. Tais relatos são utilizados para fazer referência às ideias de vigilância e sigilo: embora alguém controle a porta – a saída daqueles que não tem nada a esconder – as sigilosas excursões noturnas através da janela fogem do controle e da responsabilidade dos demais. Na verdade, muito poucas casas na Liberdade têm janelas. Como um pai me explicou: “Antes de eu ir para a cama, verifico se as minhas filhas estão em casa, mas não tenho ideia do que acontece uma vez que eu vou dormir” Nas palavras de outro: “Eu já expliquei qual e o comportamento certo. Se ela não quer ouvir, o que eu posso fazer?”. A maioria dos pais com os quais falei sentiam que tinham pouco controle sobre seus filhos. Como uma mãe de meia-idade colocou “Jovens nos acusam de serem feiticeiras, mas o que os fazem falar dessa maneira é a pobreza. Jovens nos insultam e nos matam. Eles acordam de manhã e veem que, mais uma vez, não há nada para comer. Eles nos pedem comida e eles não acreditam quando dizemos que não temos nada. As meninas andam por aí fazendo sexo com qualquer homem que vai lhes dar dinheiro. Elas têm que procurar fora, por que não há nada em casa. Meus filhos, eu criei e agora, em vez de me ajudarem, eles chegam em casa com mais crianças. . . . Antigamente, os jovens costumavam respeitar seus pais, porque costumava haver comida. Agora os pais lutam para alimentar seus filhos e os filhos não entendem por que eles devem respeitar seus pais. Talvez também seja porque nós não sabemos como educá-los. Mas o problema não é apenas com os meus filhos, é com as crianças de todo mundo [isto é, se a casa é chefiada por uma mulher ou não]. As crianças fazem e desfazem” Tropos sobre ruptura exprimem uma economia moral em que a autoridade patriarcal parece estar seriamente em xeque. Fundamentado em padrões fluídos de coabitação (Webster 1975), o agregado familiar patrilinear e patrilocal comumente encontrados na região foram reformulados pelos deslocamentos e mortes que ocorreram 4 Os homens, por sua vez, são relativamente livres para passear como quiserem, embora os homens casados correm o risco de encontrarem suas mulheres enfurecidas se chegarem em casa muito tarde.

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durante a guerra (Chingono 1996: 220). Em Liberdade, isto se reflete na quantidade de famílias que, tal como os Cabrais, são chefiadas por mulheres. 5 Nesses domicílios, o filho mais velho geralmente assume o papel de autoridade, mas muitos não têm meios para sustentar essa posição. A quantidade de crianças nascidas fora do casamento demonstra a generalização do fenômeno contra o qual os jovens empenham-se para controlar suas irmãs e os pais suas filhas.6 Reflete também um processo mais misterioso. Foi no casamento de um vizinho que Saulinha deu a notícia de sua gravidez para mim. Ao aceitar uma segunda porção de feijão, ela disse suavemente: “Afinal, estou comendo por dois!” Quando Oscar, o pai, descobriu algumas semanas mais tarde, ele a acusou de dormir com outro homem. Ele também deixou claro que ele não teria qualquer responsabilidade com a criança ou com ela, deixando Saulinha para criar o bebê com a ajuda de sua mãe, ela própria uma mãe solteira. A história de rejeição de Saulinha não é a única. É particularmente comum entre “jovens meninas sem pai” (Cf. Arnfred 2011: 94). “Os jovens de hoje não aceitam responsabilidade!”. Eu ouvi homens e mulheres, jovens e velhos, repetir esta frase tantas vezes que quase fui convencida. No entanto, um olhar mais atento às narrativas de algumas mulheres ofereceu uma melhor compreensão sobre esta queixa generalizada. No momento em que conheci Amélia, ela estava vivendo com seus dois filhos na casa de sua irmã e quando lhe perguntei onde os pais de seus filhos estavam respondeu com o habitual lamento. Mais tarde, no entanto, acrescentou que seu namorado tinha conhecido a sua família, dando, assim, o primeiro passo para a formalização do relacionamento, no entanto, ela tinha optado por não ir viver com ele, porque já não podia suportá-lo. De acordo com Amélia, isso acontece frequentemente quando uma mulher está grávida. Nádia, outra jovem de Liberdade, apresentou-me animadamente ao pai de seu segundo filho quando ele veio se apresentar formalmente a sua mãe. Perguntei à Nádia se estava indo morar com ele. Explicou-me que seu bebê ainda era muito jovem e ela precisava ficar perto da mãe, que saberia o que fazer quando o bebê adoecesse. Ela sorriu quando eu ressaltei que o pai vivia a menos de um quilômetro dali. Ao questionar sobre o paradeiro dos pais desses bebês, eu estava esquadrinhando um desagradável "segredo público" (Taussig 1999: 101) da economia do pós-guerra. Por trás da suposta irresponsabilidade dos homens escondia-se uma realidade mais complexa e inquietante, a de que as mulheres estavam aproveitando-se ativa e deliberadamente das reconfigurações do pós-guerra para desafiar a autoridade patriarcal. Na medida em que eu conhecia essas jovens, eu entendia melhor as ramificações de suas escolhas de vida. As mulheres são bastante conscientes de que a vida de casada pode ser desanimadora. É revelador que, de todos jovens que eu conheci, os únicos que se descreveram como 5 Quase um quarto das casas no sul de Moçambique é chefiado por mulheres (de Vletter 2006:9). 6 Logo após a independência, a idade média do primeiro casamento era de 27 para os homens e 22 para as mulheres. Desde então, tem aumentado progressivamente, chegando a 34 para homens e 29 para as mulheres em 2006. Estes números são são baseados em dados compilados I no Registro Civil em Inhambane, 2007.

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infelizes eram os casados.7 Os trechos de uma canção cantada por uma mãe para sua filha antes do seu casamento, há mais de uma geração atrás, ilustra de forma eloquente a tribulações vida de casado Vá embora, minha filha, vá embora Tu não sabes para onde estás indo Chore, minha filha, chore Irás sofrer na casa de seu marido Terás que trabalhar muito Não poderás nem mesmo sentar quando estiver comendo Serás empregada de todos A buscar água A cortar lenha Lavarás as roupas para todos os outros Terás que aquecer a água A preparar o banho para seu marido Para o pai, para a mãe, para a tia A água não será suficiente Deverás ir ao rio para buscar mais A trabalhar, a trabalhar Seu marido irá bater em você Sua sogra vai chamá-la de ladra e mentirosa Tu, que nunca roubou nem mentiu Chore, minha filha, chore Irás sofrer na casa de seu marido5

Quando essa canção foi gravada, as opções femininas eram bastante limitadas. 8 Se se gostassem da proposta de algum pretendente, poderiam influenciar as negociações em torno do casamento (Junod 1966: 106), mas recusar-se a casar não era algo concebível para a maioria das mulheres.. Hoje, a vida de casada esta ainda mais desmoralizada pela forma como os homens dedicam cada vez mais tempo, afeto e recursos às amantes. Entretanto, já que os homens também se recusam a para pagar o lobolo necessário para a formalização das uniões, as mulheres mantém certo grau de liberdade (cf. Hunter 2009: 145). Ao invés de deixar a gravidez submetê-las aos homens, tentam prolongar a sua estadia no agregado familiar, onde o controle é geralmente mais frouxo. Algumas optam por soluções mais radicais e realizam abortos caseiros que muitas vezes têm terríveis consequências. A dissolução do patriarcado pode não ser um fenômeno novo (Lubkemann 2008; Webster, 1975). Contudo, hoje em dia, não se casar não é necessariamente uma fatalidade – pelo menos não para aquelas mulheres com visão. Em vez disso, mulheres têm se utilizado de diferentes repertórios (cf. Thomas e Cole 2009: 5) para a construção de novos noções sobre feminilidade, romance e propósitos. Uma parte das jovens, como Nádia e Saulinha, têm chegado à conclusão de que elas podem viver vidas mais plenas se relacionando com 7 Uma parte dessas mulheres acusavam seus maridos de voltavam seu afeto para com outras mulheres e diziam que elas procuravam amantes para preencher esse vazio emocional. 8 Signe Arnfred (2011: 69) gravou esta canção na província de Maputo em 1982.

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vários homens e tem, portanto, desenvolvido artimanhas para usar suas sexualidades em seus benefícios. A música popular oferece uma visão complementar do funcionamento da economia sexual. Duas canções moçambicanas de sucesso do cantor e compositor Denny O. G. oferece comentários sarcásticos sobre o consumismo das mulheres que trocam sexo por ganhos materiais. “Macarapau” (“Carapau”) fala sobre as mulheres que são forçadas a vender carapau (isto é, sexo) para sobreviver. A música relaciona a pobreza extrema e falta de oportunidade às mulheres que recorrem ao sexo transacional. Na canção, a mulher pergunta retoricamente: “É para fazer o que, se dinheiro não tem? Quando peço emprego, o patrão diz: ‘Menina, vá estudar’... É por isso que vendo carapau!”. A segunda canção, intitulada "Mabatata" ("Batata"), destaca a ironia do fenômeno, exagerando-o. O cantor enumera todas as mulheres que ele conhece que vendem batatas (ou seja, sexo): Amélia, Tereza, Sabina, a esposa de um médico e até mesmo a sua própria esposa. Mais uma vez, a pobreza é identificada como a principal causa por trás da economia sexual. Um homem então pergunta a esposa: “Você não tem vergonha de ficar sentada em casa? Você não sabe que o preço do pão acaba de subir?” A mulher responde que ela “vende batatas” para ajudar o marido. A poderosa ironia deste comentário oferece uma visão incomum dos relacionamentos íntimos, pois a música popular geralmente explora casos de mentiras e ciúmes (Archambault 2011). Aqui, metáforas alimentares retratam o modo pelo qual os homens consomem as mulheres sexualmente, mas também a maneira como as mulheres consumem os homens financeiramente. Sexo, crédito, pão e outras coisas. Chular significa tirar proveito de alguém por meio de pretextos sexuais dentro de um relacionamento com diferentes graus de envolvimento emocional. É algo que as mulheres geralmente fazem com os homens.9 Os homens em questão tendem a ser moçambicanos mais velhos e assalariados (e geralmente casados), expatriados ou outros estrangeiros, em alguns casos, um jovem da região também pode ser alvo. Chular é um pouco diferente das “relações sexuais transacionais” (Cole 2004; Hunter 2009) sendo que os termos da troca são mais ambíguos e os resultados mais incertos. No entanto, baseia-se em um ethos sexual semelhante, no qual a sedução implica na exibição e na distribuição de recursos (ver também Arnfred 2011: 194) 10. De modo igualmente extensivo para Inhambane, Lynn M. Thomas e Jennifer Cole mostram que nos relacionamentos íntimos em Madagascar: “O afeto e a troca estão emaranhados ao invés de opostos (...), provisão material e ligações emocionais [são] mutuamente constitutivas” (2009: 20). No “chular”, o acesso feminino à recursos repousa na troca de serviços sexuais que podem ou não se materializar. Como uma jovem 9 Desde pequenos, os meninos são ensinados que não devem se envolver sexualmente com mulheres mais velhas ou viúvas, pois, a acidez dessas mulheres queimaria seus pênis. Todavia, um número crescente de jovens vem se arriscado e envolvendo-se com mulheres mais velhas e financeiramente independentes. 10 Para uma discussão sobre as diferenças entre esses tipos de trocas e a prostituição, ver Hunter 2002.

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mulher afirmou, “Chular é um jogo. Se você não quer transar, você precisa saber como falar para fechar os olhos do homem, só precisa visão, só precisa ter o papo certo” (Archambault 2012b: 397). Na verdade, uma mulher com visão pode receber mais do que proporciona. É por isto que considero estas relações formam uma economia da intimidade e não é apenas uma troca baseada no sexo. Além de possui visão, ter um telefone celular também é vantajoso. Telefones não só deixam a busca de parceiros íntimos logisticamente mais simples, tornando os indivíduos mais facilmente acessíveis, como também a torna muito mais discreta – o que traz implicações cruciais para a manutenção do respeito, para o acúmulo de amantes e pretendentes e para a gestão equilibrada das redes de intimidade. Com os celulares, as mulheres também podem ser mais implacáveis em seus pedidos aos amantes e pretendentes. Uma das exigências mais comuns é o crédito, já que pode ser facilmente transferido entre celulares e diferentes planos. Nas trocas mediadas pela tecnologia, as mulheres também podem subverter as redes de reciprocidade, recebendo sem, necessariamente, dar. Ao tentar me convencer de como era fácil conseguir coisas “com seu telemóvel”, Mimi, uma de minhas principais interlocutoras, deu-me a seguinte demonstração. Começou dando um bip (uma ligação perdida percebida como um pedido para retornar a chamada) para um de seus pretendentes. Poucos segundos depois, o homem telefonou de volta, e Mimi começou a queixar-se da falta de pão. Dentro de uma hora, o homem estava na porta de sua casa com dois pães. Ele não só havia pagado o pão, como também tinha pagado pela chamada que permitiu Mimi pedir o pão. Em outra ocasião, Mimi contou-me os detalhes dos contatos que tinha armazenado na agenda de seu telefone. Depois de passar cada um em ordem alfabética, observei que ela estava envolvida intimamente com mais de dez homens diferentes. Ela sorriu. Poucos dias antes do Natal, Mimi comprou crédito e telefonou para a maioria de seus contatos masculinos. As conversas que pude ouvi eram bastante similares. Mimi começava dizendo que estava telefonando para pedir seu presente de Natal e, então, oferecia-se para ir buscá-lo pessoalmente. Ela era persuasiva, quase ameaçadora, e deixava claro que quem se recusasse a cumprir com suas exigências estava pondo em risco as suas chances com ela. Como as ligações de Mimi ilustram, algumas mulheres têm aproveitado a nova tecnologia para gerenciar os seus relacionamentos e navegar nas redes da intimidade de forma mais eficaz e, como o exemplo abaixo indica, de modo mais discreto. Quando eu conheci Bela, ela estava envolvida com um jovem violento que a traía regularmente. Ele também era extremamente ciumento e batia-lhe constantemente. Depois cobri-lhe de presentes e implorava seu perdão. Mais tarde, Bela o deixou por um homem educado, que descrevia como romântico e respeitoso. Com isso, ela queria dizer que nunca o havia visto com outra garota e nunca tinha encontrado algo suspeito no seu celular. Porém, seu novo namorado tinha um problema: ele nunca lhe deu nada. Como Bela dizia: “Se você me ver vestindo roupas bonitas, podes ter certeza que não foi o meu pai [desempregado] que comprou para mim. Mas ele [meu namorado] não me pergunta como as consegui. 16

Depois de uns meses juntos, ele ainda não me deu nada. Ele nunca me pergunta como consigo o meu perfume. Ele elogia meu cabelo, mas não me pergunta como paguei por isso” Conclui: “Pelo menos ele fica chateado sempre que eu recebo uma SMS na sua presença!” Apesar de ser “um homem respeitoso”, o novo namorado de Bela não era um bom provedor. Ao mesmo tempo em que cuidadosamente monitorava suas atividades – “Costumo pesquisar seu telefone quando ele está tomando banho”, explicou –, Bela usava seu telefone para discretamente administrar relacionamentos com outros homens. Como outras jovens de Liberdade, Bela descobriu que a única maneira através da qual poderia realizar alguns de seus desejos, era multiplicando o número de parceiros íntimos. Assim, para que esses homens não venham a sua casa à vista de todos, Bela usa seu telefone como um recurso logístico. O namorado, por sua vez, também pode fingir ignorância, para que não seja forçado pela concorrência a se tornar um melhor provedor. Desse modo, o telefone permite às mulheres conciliar o que, de outra forma, seriam ideais irreconciliáveis de respeitabilidade e emancipação econômica. Escondendo e revelando este terrível segredo público

Obviamente, a discrição conferida pela comunicação telefônica é posta à prova por fofocas e boatos. Na verdade, o telefone esconde apenas parcialmente o funcionamento da economia da intimidade, as desigualdades em que se sustenta e as interdependências que fomenta e reproduz. Nesse sentido, a análise de Michael Gilsenan (1976) sobre a mentira no Líbano me parece atemporal. Se o telefone ajuda a conectar “o hiato entre forma e substância, entre o ethos e a realidade da economia política (...) ao mesmo tempo [os indivíduos] o experimentam continuamente e sabem que ele é uma falsa ‘solução’ para o problema” (Gilsenan 1976: 213). Embora seja apenas uma resposta parcial esta recémdescoberta discrição produz consequências importantes em um contexto onde a privacidade é escassa e no qual a incerteza e as desigualdades sociais aumentaram o fosso entre ideais sociais e práticas reais, locais onde o respeito repousa menos na renúncia pessoal (cf.Heald 1999) do que na capacidade para esconder. Uma grave falha no potencial elusivo do telefone fortalece ainda mais o argumento. Como rastros na areia, as informações encontradas nos registros de chamadas e na memória dos celulares podem virar evidências de traição e muitas brigas começam com a interceptação de chamadas telefônicas e mensagens de texto suspeitas (Archambault 2011). Devido a sua materialidade, as mensagens comprometedoras fornecem provas de infidelidade que não podem ser facilmente descartadas como rumores. Embora a mentira seja comum, e um tanto quanto esperada, ela geralmente provoca um grande rebuliço quando revelada – especialmente quando a juventude começa a adotar ideias de amor romântico, igualdade de gênero e exclusividade como marcadores da modernidade (cf. Thomas Cole e 2009: 5). Ao explicarem como lidam com o ciúme, os jovens geralmente afirmam: “Quem procura, encontra”. Em outras palavras, as pessoas sabem que seus 17

parceiros provavelmente são infiéis e que se eles procurarem alguma evidência disso certamente irão encontrá-la; no entanto, se for possível ignorar a infidelidade, muitos farão vista grossa. Desse modo, alguns dizem obedecer rigorosamente a norma de “não mexer no telefone do outro”; uma regra que se baseia mais no respeito do que na confiança. A maioria, entretanto, apaga informações potencialmente incriminadoras e costumam dar apelidos para suas amantes. Ainda que muitos sejam pegos em flagrante por não tomar as devidas precauções, entendo que o telefone ainda esconde o suficiente para permitir uma alegada ignorância para aqueles que assim escolherem. 11 Em outras palavras, permite que todos possam agir sem ter que enfrentar as inquietantes implicações sociais das transformações atuais, segundo as quais todos vendem batatas, mesmo a esposa do médico! A imagem de fronteiras desmoronando captura a dinâmica de grande parte da África contemporânea de modo preciso (De Boeck 2005; Mbembe e Roitman 1995; Oeste 2005). Como Filip De Boeck (2004) mostrou, na atual crise social em Kinshasa as fronteiras que existiam entre o invisível e o mundo manifesto, entre a noite e o dia, bem como entre o mundo público e a esfera privada tornaram-se cada vez mais permeáveis. Em Inhambane, a economia pós-socialista e do pós-guerra também é marcada pela erosão das fronteiras. A cultura material das cercas expressa uma tentativa literal de (re)compartimentar os espaços. Como a literatura sobre o sigilo sugere, os segredos podem traçar fronteiras materiais e imaginadas entre diferentes esferas e indivíduos (Cf. Murphy 1980; Piot 1993; Simmel 1950; Taussig, 1999). Assim, entendo que o celular permite o surgimento de novas e porosas fronteiras. Por exemplo, a família Cabral beneficia-se e depende diretamente das redes íntimas das mulheres, mas para que todos possam sentar-se serenamente ao redor da mesa sem fazer perguntas é preciso dissimular a origem do “bom mata-bicho”.12 Em suma, o telefone ajuda a preservar o desagradável segredo público sobre o funcionamento da economia do pós-guerra, com suas dependências e interdependências que incentivam jovens meninas a trocar favores sexuais por ganho material e acumular parceiros íntimos em uma escala sem precedentes. Uma vez que estas trocas são ocultadas, ainda que imperfeitamente, torna-se possível, para aqueles que assim decidem, fingir ignorância. Desse modo, o telefone contribui para reproduzir estas epistemologias da ignorância, em que, para usar as palavras de Michael Taussig, os indivíduos “sabem o que não saber, a fim de ser” (1999: 223). Ou, como um jovem embriagado de Liberdade sabiamente colocou durante um monólogo em um bar, “As mentiras existem para a sobrevivência dos seres humanos!”. Ademais, a literatura mais recente sobre o sigilo demonstra como a dissimulação também produz isolamento (Sarró 2009:9; ver também Davidson 2010:217) e, portanto, ajuda os indivíduos a escapar do olhar objetivante alheio. As pessoas mentem sobre onde estão indo ou onde estiveram já que, muitas vezes, a verdade provavelmente iria colocá-los 11 Falando sobre sigilo Mehináku na Amazônia, Gregor explica igualmente que “as técnicas de dissimulação das relações sexuais são na melhor das hipóteses, provisórias; o seu objetivo não é o de esconder totalmente uma relação sexual, mas apenas tornar possível ignorá-la.” (1977: 140). 12 ‘Açúcar’ é um eufemismo comumente usado. Por exemplo, numa reunião presidida pelo secretário de Liberdade, residentes foram instados a “perguntar sempre que [suas] filhas chegassem em casa com açúcar”

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em apuros. Em outros casos, no entanto, eles mentem para que os outros não saibam o que estavam fazendo. Na verdade, muito esforço é dedicado a dissimulação, e eu era constantemente lembrada de não julgar pelas aparências, pois “parecer não é ser”, um tema com o qual antropólogos têm frequentemente se deparado (De Jong 2007; Ewart 2008; Ferme 2001; Gable 1997). Em Liberdade, aqueles com visão sabem como fugir da nulificação (Jackson, 1998: 18)6 e minimizar as dificuldades navegando em redes e eventos, isto é, ativando suas redes sociais, cometendo pequenos delitos e trocando favores sexuais. Neste sentido, aqueles com visão sabem como lidar com a incerteza, ou seja, com “um estado com recursos limitados para ações” (Whyte 2009: 214). No entanto, aqueles com visão também sabem como explorar a nova economia moral ocultando suas trilhas e manipulando as aparências. Dessa forma, visão é precisamente a capacidade de capitalizar decodificando a paisagem social enquanto joga com as visões de outros para assim escapar não só à exposição como à objetivação. Enquanto as mulheres navegam paisagens e redes, elas também manipulam regimes de verdade e subvertem categorias preexistentes. Ninguém em Liberdade nega que sempre existiram mulheres dispostas a negociar favores sexuais ou que possuíam múltiplos parceiros. Todavia, muitos acreditam que o celulares têm impulsionado esse comportamento. “Com o telemóvel, chular já não é apenas um jogo; é um esporte!”, concluíram os homens de um pequeno debate que organizei. 13 A diluição das fronteiras de categorias da descrição feminina é percebida como algo particularmente problemático por aqueles que lutam para navegar entre o que percebem ser mulheres cada vez mais indiferenciadas. Como Inocêncio explicou: “Existem duas categorias de meninas – meninas para se casar e meninas para brincar –, mas o problema é que as meninas, hoje em dia, são muito expertas com os seus telemóveis. Acabamos por não saber o quem é quem!”. Cruzando as Incertezas Isso me traz de volta à navegação social. Henrik Vigh (2006: 10) afirma que, embora a “navegação social” não seja exclusivamente aplicável à contextos de instabilidade social, o conceito é particularmente útil em locais nos quais a vida constituise cotidianamente como uma forma de sobrevivência, uma vez que nesses ambientes as habilidades de navegação são mais intensa e urgentemente implementadas. A ideia de “navegação social” evoca águas turvas, movimentos bruscos e ritmo cadenciado (cf. Hoffman e Lubkemann 2005), imagens que nem sempre combinam com as experiências de indivíduos submetidos à violência estrutural ao invés de física (cf. Hansen 2005; Jeffrey 2010; Mains 2007).14 Demonstrei como a visibilidade e a invisibilidade; e o respeito e a ignorância, seja ela deliberada ou não; constituem maneiras pelas quais os indivíduos singram seus caminhos através de diferentes esferas. Assim, a metáfora marítima também deve ser estendida para a análise de contextos menos instáveis. Nesses casos, no entanto, seria mais apropriado pensar a navegação dos jovens pela incerteza cotidiana em termos de 13 Esporte é uma metáfora para qualquer atividade feita em excesso. 14 Ver Hansen e Verkaaik 2009: 10 para uma crítica do uso de expressões militares para análise da vida cotidiana

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um cruzeiro. Um cruzeiro refere-se a um estilo de vida lúdico e a busca de encontros sexuais e, portanto, trata as práticas sociais juvenis para além da ideia de enfrentamento ou estratégias de sobrevivência. Embora, muitas vezes, descrevam a vida como uma batalha, os jovens de Liberdade lembram-me constantemente que querem viver e não apenas sobreviver. Um cruzeiro depende do duplo movimento dos atores e do ambiente dentro do qual se movem, mas transmite a imagem de indivíduos que singram a onda ao invés de lutarem contra a tempestade ou simplesmente ficarem à deriva. Ainda que o cotidiano em Liberdade seja tumultuado as pessoas gastam muita energia para não transparecer dificuldades, como se estivessem facilmente singrando por meio das incertezas. Pensar em termos de um cruzeiro também reconhece o produtivo embora incômodo potencial da ignorância e, portanto, atende uma demanda recente para levá-la à sério (Mair et ai. 2012). Obviamente que o telefone não é algo essencial para embarque nesse cruzeiro. No entanto, , à exemplo de outros contextos, o celular em Liberdade desempenha um papel fundamental na forma como os jovens navegam pela vida cotidiana e desenvolvem epistemologias da ignorância para enfrentar a incerteza. Com efeito, as tecnologias de informação e comunicação estão redefinindo as formas pelas quais os indivíduos em todos os lugares imaginam, experimentam, bem como navegam espaços físicos e sociais. Como essas redefinições participam na formação da sociabilidade e na circulação do conhecimento deve ser objeto de um debate mais cuidadoso.

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1 NT: O conceito original wayfaring de Alfred Gell está sendo traduzido para o português como vagar. Para manter a conformidade do texto com o que vem sido sugerido por suas tradutoras, optou-se pela utilização do termo. (Comunicação pessoal com as tradutoras Letícia Cesarino e Jamile Pinheiro Dias) 2 NT: Tecido utilizado pelas mulheres amarrado em volta da cintura. 3 NT: O “Olhar objetivante” de Sartre origina-se na sua preocupação fenomenológica com a apreensão do outro e a intersubjetividade. O olhar objetivante, que pode emanar tanto de pessoas quanto de objetos que encarnam determinada relação, refere-se à incapacidade de estabelecer um distanciamento entre o ser observado e as coisas. Na medida em que o olhar objetivante transforma os indivíduos, impossibilitando o estabelecimento de uma relação mundana ente o olhar e quem o recebe, o poder de distanciamento e crítica ao olhar do outro é anulado. A percepção que o individuo tem de si o escapa por estar colocado num ponto de referência externo que o impossibilita de tomar distância crítica. Institui-se “assim uma relação sem reciprocidade na qual, ao mesmo tempo em que o sujeito se torna objeto para um outro que o vê de certa distância, ele constata a impossibilidade de tomar distância desse olhar hors monde, que se impõe como transcendente” (Ribeiro, P. C., 2012). Esse processo de “destituição de si” e “nadificação”, que estabelece o olhar do outro como algo “transmundano”, transforma o indivíduo num ente do mundo inanimado. 4 NT: O lobolo foi erroneamente traduzido para o inglês como “o preço da noiva” (bridewealth). Na realidade, o pagamento é um ressarcimento a família da mulher para a integração dos futuros filhos do casal dentro da linhagem paterna e não faz qualquer referência à noiva (Webster, 2003). Para os fins dessa tradução optou-se em manter o termo original. 5 NT: A música, gravada por Arnfred (2011), está disponível somente em inglês. A tradução aqui presente foi feita a partir da transcrição inglesa do artigo original. 6 NT: P ara Jackson a nulificação significa tornar-se nada, um estado que contrastaria com agência ou soberania sobre a própria vida.

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