CRUZANDO OS LIMITES: REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO TERRITORIAL INDÍGENA NO NORDESTE

June 14, 2017 | Autor: L. Bulbarelli Parra | Categoria: Indigenous Studies, Environmental Sustainability, Mapping
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CRUZANDO OS LIMITES: REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO TERRITORIAL INDÍGENA NO NORDESTE Nilsson, Maurice Seiji Tomioka1,5; Parra, Lilian Bulbarelli2,5; Prudente, Hugo3 & Cardoso, Thiago Mota4,5 1. Doutorando em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades/ Diversitas- Universidade de São Paulo, [email protected]; 2. Mestranda em Geografia/Universidade Federal de Santa Catarina; [email protected]; 3. Mestrando em Antropologia Social/ Universidade de São Paulo, [email protected]; 4. Doutorando em Antropologia Social/Universidade Federal de Santa Catarina, [email protected]; 5 - Wayuri Projetos e Assessoria Socioambiental

Resumo A presente comunicação aborda questões relativas a terras e territórios indígenas partindo de reflexões e inquietações na nossa atuação em iniciativas de pesquisa e em processos de gestão ambiental e territorial. Cada experiência, guarda sua própria história; e cada relato, preserva a experiência particular e parcial, tanto no que tange à escolha do tema como a forma de narrativa. Apostamos aqui na multiplicidade das formas de narrar, preservando as diferentes vozes no diálogo interdisciplinar entre nós, os autores. Estamos tratando de quatro experiências junto a povos indígenas no Nordeste dentre eles: Pataxó, Pankararu, Potiguara e Fulni-ô. Nossa abordagem se pauta na construção histórica das terras indígenas que conformam um fragmento do território atual que, apesar da importância para garantia dos direitos indígenas não é suficiente para dar conta de territorialidade e modos de manejo ambientais que se dão para além das fronteiras estatais e se difundem como multiterritorialidades, mobilidades e malhas de lugares vividos. São territórios existenciais em “confronto” com os “territórios zonais”. Palavras-chave: Mobilidade, Territorialidades, Territórios, Entorno de Terras Indígenas.

Introdução Neste trabalho discutiremos quatro experiências com povos indígenas do Nordeste, com vistas a compreender como têm se dado as formas de gestão indígena em diante do modo estatal de gerir o território, enfocando a relação entre o “território real”, ou seja, aquele que emerge a partir das práticas dos povos indígenas, e terras demarcadas. Entendemos como gestão indígena, o modo como os diversos povos atuam em seus territórios vividos, desenhando seus projetos de vida de acordo com suas singularidades. As quatro experiências relatadas envolvem os Pataxó (sul da Bahia), os Pankararu (Pernambuco), os Potiguara (Paraíba) e os Fulni-ô (Pernambuco) que, em comum, trazem a concepção de terras e territórios indígenas e o reconhecimento de que as atuais porções de terras que representam pequenos fragmentos dos territórios são fruto da situação histórica e da realidade social atual dos povos indígenas do Nordeste; além de tratar de povos que estão envolvidos, de alguma forma, em processos de demarcação ou Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (GATI). Duas delas ocorreram no bioma da Mata Atlântica nordestina; e duas, na Caatinga. Em que pesem as diferenças das experiências noticiadas e elementos analisados, além do elo comum - tratar de povos indígenas no Nordeste - os quatro textos perseguem um objetivo de entender aspectos das visões e das vivencias territoriais dos povos indígenas, para além de seus territórios demarcados. Através destes relatos buscamos mobilizar reflexões que desafiem a gestão das áreas protegidas e a sua lógica de “inclusão social” a partir das premissas universalistas (leis, normas, mercado, fronteiras, etc.), notadamente no que concerne às Terras Indígenas no Nordeste, com vistas a compreender como têm se dado as relações dos diversos povos com o território vivido e os limites e desafios da “governabilidade” por parte do Estado. A Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas - PNGATI (Decreto n°7747/2012) tem proporcionado oportunidade de reavivar esse diálogo, que vem sendo feito em diversas outras situações, especialmente àquele relacionado com as “sociedades com Estado”. Neste diálogo “o mapa” assume papel de destaque e há muito se percebe existir a consciência quanto ao seu papel e poder em legitimar politicamente as delimitações, ao representar determinada realidade; terras indígenas, títulos concedidos, sempre são representados através dessa ferramenta. Seu domínio, portanto, implica em reconhecimentos territoriais, sobretudo no Nordeste, onde as terras demarcadas são frações do território existencial e vivido pelos diversos povos indígenas.

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Nosso objetivo é, justamente, o de provocar uma reflexão, a partir da própria experiência dos autores em ações e iniciativas de pesquisa e assessoria com temas ligados à gestão territorial e ambiental junto aos povos indígenas aqui apresentados. Buscamos refletir sobre nossas contribuições quando dialogamos e procuramos entender o devir das lutas territoriais indígenas do Nordeste. Cada experiência guarda sua própria história e cada um dos relatos preserva esta experiência particular e parcial, tanto no que tange à escolha do tema e à forma de narrativa. Portanto, a redação respeita o modo de escrita de cada um dos Autores. Apostamos aqui na multiplicidade de formas de narrar, preservando as diferentes vozes no diálogo interdisciplinar entre nós, os Autores. Propomo-nos a perguntar: é a terra, enquanto substrato mensurável, gerenciado e demarcável; ou o território vivido, expressão do movimento, do parentesco, do afeto e da resistência que define a presença e o status indígena no mundo atual? Faz-se necessário quebrar uma ligação considerada inata, a dos povos indígenas e suas terras, e de que é possível ser Fulni-ô, Pankararu, Pataxó ou Potiguara, de dentro e para além dos limites da terra demarcada, coexistindo em multiterritorialidades1 (HAESBAERT, 2004) ou por uma malha de lugares vividos e em constante transformação. Vamos aos textos, para uma discussão, em formato de notas e relato (iniciais e parciais) do conjunto que seus resultados apontam.

Pataxó (por Hugo) Os territórios indígenas se abrem para além de si mesmos, para os lugares onde estão os membros da sua comunidade, em um movimento que vai do parentesco ao território e vice-versa. Ao mesmo tempo em que esta relação é fundante, o caráter expandido do território é também objeto de um controle social e político. Ele é conduzido ativamente para construir o território, para “fortalecer a aldeia”, como dizem os Pataxó2, que vivem em mais de trinta aldeias distribuídas em mais de seis terras indígenas entre o extremo sul da Bahia e o norte de Minas Gerais. A maior parte destas Terras Indígenas está envolvida pelo contexto regional sul baiano, e as cidades da região - ou mais distantes -, também são referências importantes para os Pataxó. A atual configuração deste território, deve muito às ações de retomada que foram empreendidas por este povo, principalmente da década de 1990 - e seguem acontecendo até hoje. Como o nome sugere, trata-se de ações coletivas que visam restabelecer definitivamente a posse indígena sobre áreas tradicionais que lhes foram expropriadas. A articulação para uma retomada pode levar anos e tem um papel central na consolidação de uma comunidade política. O histórico recente de conquistas territoriais, o protagonismo de algumas lideranças e os compromissos políticos implicados em uma ação de retomada conduzem a uma imagem segundo a qual uma nova aldeia Pataxó é fruto de uma parceria política entre o cacique e seus liderados. Por um lado, o cacique oferece o seu “trabalho”, enquanto a comunidade que o apoia oferece a sua “coragem” e a sua “confiança”. Fundada à base de uma relação de reciprocidade entre cacique e comunidade, uma nova aldeia se inscreve, portanto, na lógica da dádiva e da retribuição, capaz de tornar a relação com o território parte de uma relação social. Se a retomada estabelece esse paradigma, existe uma expectativa de que esta relação se perpetue, com a chegada de novas famílias que devem “conseguir terreno”, exclusivamente através da intercessão do cacique que, por sua vez, vai “segurando, para aquilo se tornar uma aldeia documentada”. Nesse quadro, a autonomia e a coesão políticas de cada aldeia são muito valorizadas. Por outro lado, a relação entre parentesco e mobilidade territorial é muito enfatizada pelos Pataxó. Suas experiências de deslocamento apresentam um território apreendido através das relações de parentesco. Uma família que deixou sua aldeia de origem, se dispersou e voltou a se reunir em outra aldeia, pode contar como “veio chegando pra cá”, gradativamente, fazendo os acordos necessários para a chegada de novos membros, aliando-se aos caciques e às outras famílias. O território é, assim, apreendido móvel e desigualmente, através das relações de parentesco. Não raras vezes, o grande valor atribuído à solidariedade entre parentes é expresso quando se fala da mobilidade territorial; “gostar de andar” é uma disposição coletivamente auto atribuída e, mais que isso, “saber andar” é um valor a ser perseguido. É um índice de sociabilidade e boa convivência. A ênfase no deslocamento tem infinitas e saborosas expressões: a casa é um “passa chuva”; ter “um primo em cada aldeia” e nunca ficar sem abrigo é ser plenamente um índio Pataxó; o índio anda muito porque “é tudo dele mesmo”; “saber andar” é o mesmo que “saber viver”, contar com a ajuda dos outros, ter despojamento e confiança. A reconstituição do território promove, assim, o con1

Multiterritorialidade, aparece, segundo Haesbaert (2004), como resposta ao processo identificado por muitos autores como a desterritorialização. O autor propõe discutir, para além da perda de territórios, “a complexidade dos processos de (re)territorialização em que estamos envolvidos, construindo territórios muito mais múltiplos(...) tornando muito mais complexa nossa multiterritorialidade”. Para Haesbaert, a multiterritorialidade contemporânea inclui uma grande variedade de territórios (entre zonas e redes), combinados de diversas formas, permitindo a convivência simultânea de múltiplos territórios. 2 Os dados e parte da reflexão aqui apresentada sobre os Pataxó estão em Pedreira (2013).

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fronto dos Pataxó com seus próprios valores. Aldeia Velha é uma das menores Terras Indígenas Pataxó, com apenas 2.100 hectares. Ela foi retomada em 1998, no período que referimos como uma fase marcante da reconstituição territorial Pataxó. Parece-nos que esta reconstituição vem sendo empreendida a partir de dois princípios antagônicos: um que enfatiza a formação de comunidades políticas delimitadas e coesas sob a liderança de um cacique; e outro que enfatiza a circulação entre as aldeias, ou melhor, que define o território como possibilidade de circulação oferecida pelo parentesco. Essa mediação entre o interior e o exterior é um fator constitutivo da Aldeia Velha desde sua fundação, quando os “índios desaldeados” do Arraial D’Ajuda se reuniram para “fazer uma aldeia”. Quando Ipê, que seria o primeiro cacique da Aldeia Velha, buscou apoio dos caciques de outras aldeias para reunir os índios que estavam vivendo nas cidades da região, o líder Pataxó Manoel Santana lhe deu apoio e se referiu a “esses índios que tão espalhado por aí”: “Quando existe uma tainha sozinha, desse tamanho, no rio ou no mar, é por causa que tem pai e mãe”. Ipê explica que “a tainha é um peixe que dá no rio, em água doce, em água salgada, então eles só vive em grupo, esses peixe só vive em grupo, tem grupo aí de cem, duzentas tainha...”. A retomada realiza, assim, o primeiro passo no longo processo que conduz esta aldeia a vincular-se, definitivamente, a outras aldeias Pataxó. Seguindo por este caminho, este vínculo será constantemente atualizado, entre outras coisas, pelo movimento de afirmação cultural e pela rede de parentesco posta em movimento na circulação dos indígenas entre as aldeias. À frente da retomada da Aldeia Velha, Ipê via, naquela iniciativa, a consumação de um destino irrevogável: “O índio é assim... anda por aí tudo... pode passar cem anos, volta pra sua aldeia” e conclui, “o sangue puxa”. É interessante que para afirmar a pertinência ao território, Ipê evoque, paradoxalmente, a imagem do indígena que “anda por aí tudo” e nunca “esquenta lugar”, essa imagem sempre referida pelos Pataxó. Por fim, é o sangue que neutraliza o paradoxo, desenhando um triângulo: território, mobilidade e parentesco, onde cada termo se apóia no outro. Isso tem consequências no modo como os Pataxó vivem e manejam o seu território, uma vez que é a partir da rede de parentesco e de parcerias políticas que um indivíduo ou uma família indígena encontra maior ou menor receptividade quando pretende estabelecer uma nova moradia. Se por um lado “conseguir terreno” é, idealmente, selar uma aliança com um cacique que lhe cede espaço, obtendo em troca um compromisso político que deve ser revertido para a vida em comunidade; por outro, o índio “pode morar na aldeia que quiser”, valendo-se de sua rede de vínculos de parentesco, e dando lugar a acordos face a face, sem a mediação do cacique. Esta última modalidade é ambivalente, responde ao ideal Pataxó de “saber andar” e “saber viver”, mas é constantemente referida como um problema para a coesão da aldeia. Para um índio pataxó, o território se delineia, assim, como um horizonte de acordos possíveis, entrecruzado pelas ofertas do contexto regional do extremo sul baiano e pelas condições de diálogo com os parentes e as lideranças em cada aldeia. O território está aberto para o seu exterior, mas esta abertura deve sempre ser parcial. Como declarou um líder de Aldeia Velha sobre a entrada na aldeia: “Aqui é igual casa de abelha, só tem uma porta”. Para os Pataxó de Aldeia Velha, e também de outras partes, o crescimento de uma aldeia, a mobilidade territorial e a chegada de novos membros põem em jogo alguns de seus valores mais caros: o sucesso da luta pela terra, aquilo que se conseguiu garantir e regularizar/demarcar; o problema da autonomia e da coesão política da aldeia, expressa pelo compromisso cacique-comunidade; a garantia do valor do despojamento (“saber andar”), que enfatiza a mobilidade e a solidariedade difusa do parentesco. De certa maneira, estes dois últimos valores apresentam o limite um do outro. Enquanto a autoridade do cacique diz respeito a uma ação política direta, articulada, dirigida a um fim e consagrada por uma conquista, a circulação entre as aldeias, que se vale da rede social ensejada pelo parentesco, representa uma prática imersa nas relações cotidianas, de algum modo subjacente e refratária ao controle, mas ao mesmo tempo definida como central na experiência com o território. Por sua própria formação e pelos problemas que os Pataxó formulam e experimentam para “fortalecer” uma aldeia, o território está decididamente emaranhado em uma gestão das relações.

Potiguara (por Thiago) Mapas não são novidades no mundo dos Potiguara. São conhecidos desde tempos coloniais quando se inicia o processo de fracionamento de seus territórios. Mapas foram usados para legitimar o confinamento e para distribuir terras à elite agrária colonial e entre proprietários privados. Mapas foram usados em momentos cruciais desde o século XIX, como na época da vinda da família real para o Brasil em 1808, que é visto como um fato marcante na história da mobilização Potiguara pela garantia do

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território tradicionalmente ocupado. Em tempos recentes, com a atual política indigenista e presença de um movimento indígena vigoroso, iniciam-se processos de autodemarcação e de demarcação das Terras Indígenas com a produção de mapas produzidos pelo exército e pela FUNAI, tendo esses mapas, reduzido drasticamente o tamanho das terras destinadas aos indígenas no século XIX. Continuamos com os mapas. Em setembro de 2010 chegamos pela primeira vez à sede do município de Baía da Traição, enquanto consultores contratados pela Funai-Unesco para realizar um Diagnóstico Etnoambiental e Etnomapeamento das Terras Indígenas dos Potiguara, tendo como foco a gestão dos conflitos das atividades de carcinicultura realizado por algumas famílias indígenas nos manguezais de Mamanguape e visando diagnosticar a situação da cana-de-açúcar no território. Após mal-entendidos produtivos que impediram o início do trabalho na data prevista, retornamos às aldeias para começar, de fato, o etnomapeamento através da metodologia proposta, que contemplava basicamente oficinas, entrevistas e caminhadas guiadas, fora o levantamento de dados secundários inerente ao estudo. Antecedendo a pesquisa de campo – com oficinas, caminhadas, conversas –, realizamos um primeiro (ou segundo) encontro com as lideranças indígenas e servidores da Funai para apresentar o estudo e também para esclarecer conceitos como “etnomapeamento”, “território” e “gestão territorial”, e planejarmos conjuntamente a agenda do campo. As explicações sobre o potencial dos mapas não animaram as lideranças e os presentes nas reuniões: “mais um mapa, mais um diagnóstico...”, nos diziam. Ao final, falamos que o mapeamento poderia ser feito para “além” das Terras Indígenas, e ao dizermos isto escutamos uma voz “aí, ficou interessante”. Um etnomapeamento para conhecer o que já conheciam parecia não fazer sentido, enquanto um mapeamento que se engajasse nos atuais movimentos e preocupações que perpassam as fronteiras de uma demarcação parecia fazer mais sentido para os índios naquele momento. A primeira fase do etnomapeamento envolveu a confecção de mapas desenhados pelos indígenas participantes das oficinas com a utilização de um papel em branco ou de um mapa-base contendo apenas a delimitação das terras indígenas, recursos hídricos e vias terrestres. Consideramos as oficinas como espaços de conversação, onde o processo de desenhar se dava ao mesmo tempo que os diálogos, discussão, planejamento e reconhecimento do território como um todo pelos participantes. A interferência da equipe técnica se fez de forma provocativa, mediando e problematizando algumas questões, dando prioridade à expressão de definições e classificações nativas. Em todos os casos os etnomapas foram direcionados para indicar parte do território ainda objeto de reivindicações e retomadas, bem como o território, fora das Terras Indígenas, que se encontra em situação de conflito com a APA Mamanguape e a ARIE Foz do Mamanguape, por distintos objetivos que refletem nas formas de gestão dos “recursos naturais” (ver CARDOSO et al., 2012). Tanto na oficina realizada na aldeia Monte Mor, quanto na São Francisco, os participantes partiram dos marcos do território para iniciar o mapeamento de elementos importantes. Enquanto desenhistas mais talentosos conduziam o registro, os mais velhos discorriam sobre a história de luta da demarcação, bem como relembravam fatos históricos relacionados a lugares e mudanças paisagísticas. Guiados por “conhecedores locais”, percorremos as três terras indígenas georreferenciando elementos representados nos mapas construídos pelos indígenas nas oficinas de etnomapeamento, bem como buscamos compreender as relações no ambiente. Nessas caminhadas com guias visitamos algumas roças e canaviais, subimos o rio Mamanguape e descemos o rio Camaratuba de canoa, fomos às nascentes de alguns rios importantes, acompanhamos o trabalho de mariscagem, de farinhada, estivemos em viveiros de camarão e ostra, entre outras atividades. Além de percorrermos o território, conversamos com pessoas que nos relataram lembranças referentes a determinados locais, contribuindo para enriquecer a nossa compreensão sobre a história ecológica local. Os desdobramentos do etnomapeamento e a forma com que os Potiguara vêm se apropriando dos etnomapas, revelam a importância tanto, do processo, quanto do produto. O etnomapeamento, com todos os seus limites e riscos, constituiu, nessa experiência aqui relatada, um instrumento interessante e útil para lidar com questões ligadas ao território pelos e a partir dos Potiguara. Durante o processo de etnomapeamento houve um movimento de “apropriação” ou “indigenização da cartografia” e mudança de trajetória dos objetivos e dos usos dos etnomapas. Se por parte do Estado, eles deveriam orientar a gestão ambiental e apoiar a mitigação de conflitos, os indígenas por sua vez, se orientam e se motivam nesse trabalho por demandas diversas ligadas à luta territorial e aos desafios econômicos para além da Terra Indígena demarcada - negando o “mito do funil demarcatório”. Portanto, a elaboração desses instrumentos possuiu significados simbólicos e políticos enormes para os Potiguara, pois significou a busca pelo respeito e pela simetria nas relações, bem como a conquista e a sustentabilidade de seus territórios vividos e caminhos trilhados.

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Os etnomapas adentraram nos contemporâneos movimentos de retomada de terras que visam reviver de forma legítima o território Potiguara, através de dois movimentos articulados: o primeiro, ao observar o próprio mapa do Estado, com um olhar sobre o mapa do período imperial; e um segundo, ao observar a própria dinâmica territorial, a geografia reticular do mundo vivido e as formas de habitar os ambientes – os lugares dos antigos (as taperas velhas), a história genealógica na paisagem e os lugares sagrados. Ou melhor dizendo, os Potiguara vêm tensionando e acomodando de forma ativa sua territorialidade, ou seu modo de mapear o mundo, com o processo de territorialização do Estado, ou seja, com a cartografia oficial. Os etnomapeamento que aqui relatamos, não deixa de constituir um continuum deste processo de indigenização da cartografia por dentro da “virada territorial” deste povo. Ligados por uma malha de pessoas, coisas, lugares e práticas que extrapolam os limites impostos pelo território zonal sob o estatuto de Terras Indígenas, os Potiguara desafiam os limites que limitam seus movimentos.

Fulni-ô (por Lilian) Os Fulni-ô habitam o agreste pernambucano, num local em que estão presentes alguns traços da transição entre a Mata Atlântica e a Caatinga. Entre os povos do Nordeste, se destacam por manter no cotidiano a língua materna – Yathê - e um ritual secreto e sagrado - O Ouricuri, ao qual se dedicam integralmente por três meses do ano. Para ser Fulni-ô, o indivíduo deve, desde os primeiros anos de vida participar do Ouricuri anualmente e falar Yathê. A rápida experiência com os Fulni-ô ocorreu com o intuito de realizar um diagnóstico socioambiental da área de ocupação atual, como consultora contratada pela Coordenação Geral de Identificação e Delimitação / Projeto de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas. Teve como objetivos identificar as áreas de usos atuais, os ambientes imprescindíveis para a manutenção socioambiental, e principalmente, a identificar a diversidade fundiária e as formas de gestão existentes na área indígena. A história territorial deste povo é marcada por processos de territorialização e re-territorialização, pela persistência e resistência a constantes investidas de redução de suas áreas e de massacre de sua gente. Da “doação de terras” aos indígenas que lutaram na Guerra do Paraguai, a uma suposta “doação de terras” de indígenas para a santa (para a igreja construir com mão-de-obra indígena uma igreja no centro da área doada), à atuação do governo do estado e do Serviço de Proteção ao Índio, resulta a área destinada atualmente aos Fulni-ô. Um polígono com aproximadamente 11,5 mil hectares, com um núcleo urbano incrustado no centro do quadrado, cuja população supera os 40 mil habitantes. A área indígena foi dividida, inicialmente, em lotes de 30 hectares doados a algumas famílias Fulni-ô; subdivididos em não se sabe quantas partes, sob a posse de “rendeiros”3 , incluindo os próprios indígenas que não possuem terras, e a prefeitura de Águas Belas entre outros tantos. Trata-se de uma situação complexa que envolve conflitos territoriais (internos e externos ao povo e à terra Fulni-ô), degradação de ambientes imprescindíveis à manutenção do sistema cultural, e disputas pelos recursos naturais essenciais, como por exemplo a água. Aspectos que associados à questão econômica e ao sistema fundiário contribuem para o entrave no processo de regularização de terra indígena. A lista de impactos negativos que marcam a área indígena Fulni-ô inclui: o núcleo urbano de Águas Belas, rede viária com rodovia federal que o atravessa no sentido leste a oeste, e uma estadual no sentido norte sul; há inúmeros problemas socioambientais, entre os quais o acesso e a qualidade dos recursos hídricos, a presença de um lixão à céu aberto em que são depositados os resíduos sólidos do município, um posto de gasolina instalado em rodovia que corta a área, acarretando problemas incluindo acidentes com mortes e aumento de pessoas nas proximidades da área reservada para o ritual. Dentre os aspectos positivos, destaca-se a presença de serras, a presença de recursos hídricos “disponíveis” e a diversidade de ambientes, dentre eles: os brejos de altitude, como resquícios da transição da vegetação, e os tabuleiros, local onde nascem os rios, configurando importante área de recarga hídrica. Ainda há restritas terras agricultáveis, relacionadas ao “complexo” de serras que provém terra fértil e recursos hídricos; contudo, boa parte encontra-se arrendada. Esta diversidade é de grande relevância para a manutenção do Ouricuri, que é realizado numa pequena área (também um polígono regular), de uso comum dos Fulni-ô que mantém reserva de “recursos” para o ritual, a qual, contudo apresenta sinais de exaustão (SÁ; ALVES, 2011). Além das espécies encontradas nessa área de caatinga, outros elementos obtidos nas serras, nos brejos de altitude e nos tabuleiros são necessários para a realização do ritual. Muitas dessas áreas usadas para coleta, caçadas, pescarias encontram-se fora da reduzida área indígena atual. Para acessar recursos e locais necessários à manutenção de saberes e práticas, os Fulni-ô desenvolveram estratégias 3

Termo para denominar pessoas, indígenas ou não indígenas que arredam determinadas áreas.

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que configuram multiterritorialidades construídas “na conexão flexível de territórios multifuncionais e multi-identitários” (HAESBAERT, 2004). Conformando territórios calcados na mobilidade, nas relações de vizinhança, nos conflitos e reciprocidades, seja para acessar “matéria-prima”, como para manter suas práticas tradicionais, dentre elas, o Ouricuri. A mobilidade pelos territórios múltiplos encontra distintos obstáculos envolvendo risco de vida; contudo, é primordial para manter o fluxo de saberes intergeracionais relacionados ao Ouricuri e manutenção de práticas como as caçadas, as pescarias (como a pesca de mergulho em cavernas), a coleta vegetal, dentre outras que pertencem ao universo Fulni-ô. Neste sentido, Melo (2011) explica que “do ponto de vista nativo, a cultura está relacionada ao domínio do conhecimento religioso, os rituais, político e botânicos, entre outros, que são transmitidos entre as gerações, dos antepassados, a eles que formam a cultura ancestral fundamentada em bases territoriais”. Por meio de estratégias, entre consensos e dissensos, os Fulni-ô mantêm territórios e territorialidades que se conformam entre uma rede relações de conflitos e reciprocidades estabelecidos interna e externamente. Áreas doadas, área urbana, reservada para o ritual, e área necessária para a manutenção dos recursos naturais (estas últimas imprescindíveis para os Fulni-ô manterem suas práticas), conformam um dos casos em que a diversidade fundiária e das formas de apropriação dos “recursos naturais” existentes, extrapolam a noção de território estatal.

Pankararu (por Maurice) Minha experiência entre os Pankararu se deu no âmbito da construção de um etnomapeamento com vistas a indicativos de Gestão Ambiental de Terras Indígenas (GATI). Os Planos de Gestão Territorial Ambiental, entendidos como um etnomapeamento e um etnozoneamento objetivando um acordo de uso do território de um povo indígena apresentam dilemas quando se pensa em sua construção: ele põe em evidência conceitos que precisam ser bem elaborados em suas relações entre si: a Terra Indígena, figura jurídica de mediação com o Estado; o território, sempre relacionado ao povo indígena que o possui; e a territorialidade e os modos de produzir território, que envolve povo, sociedade, comunidades, aldeias, parentelas, grupos políticos, redes de alianças. Embora a Terra Indígena seja a figura jurídica oficial, em relação ao território ela nem sempre se correspondem. No Nordeste do Brasil, os territórios foram espremidos e rasgados por linhas retas, as terras demarcadas e reconhecidas, em um processo de lutas em que o Estado chegou mesmo a negar aos índios o estatuto de diferenciação étnica (ARRUTI, 2012). Quando consideramos a Terra Indígena Entre Serras, do povo Pankararu, isoladamente, não conseguimos interpretar bem, porque se trata de uma unidade incompleta, parcial. Nascida como recuperação territorial, Entre Serras, deve incluir a TI Pankararu. e para além disso, há Pankararu morando bem longe dessas duas terras, há uma população importante em São Paulo, mas são populações interconectadas por um fluxo de mensagens, visitas mútuas, econômicos etc. Essas pessoas são parte do povo Pankararu, tais relações demonstram que não se perdeu o compromisso com o território, mesmo distante. Tal reflexão sobre os Pankararu e sobre o objetivo inicial de promover a discussão de um plano de gestão para a terra Entre Serras (pensando na abrangência desse plano), chegamos à seguinte questão: quando se realiza o plano de uma terra indígena e de seus moradores como unidade, é possível pensá-la também em relação a todos os não moradores que lhe dedicam afeto? Os sujeitos de um plano de gestão se apresentam como um povo - são pessoas vinculadas entre si e a uma certa territorialidade - e o objeto deste plano é, em última instância, o seu bem-estar. Um plano de gestão para a terra, deve ter como horizonte a experiência de territorialidade de um povo, e como observamos na experiência Pankararu, essa transcende os limites jurídicos demarcados para as duas terras indígenas. Uma questão aí envolvida é a tentativa de analisar a participação econômica da terra indígena num contexto regional; ou do povo, considerando que os Pankararu, moradores dessas cidades próximas da terra indígena, participam da vida econômica da cidade. O consumo daquilo que se produz tem um papel pouco evidenciado ao se estudar economia indígena: muito do que se produz não chega efetivamente ao mercado; é distribuído internamente satisfazendo as necessidades alimentares (e outras) da população; embora não tenha valoração econômica clara, ela reduz a necessidade de participação na economia monetária, talvez um aspecto mais importante que a renda. Não levar em consideração esses mecanismos, de baixo fluxo monetário, pode levar a uma interpretação errônea do que apontam os dados. Os Pankararu se tornam caso emblemático para discutir se devemos restringir o plano de gestão para a terra, e negligenciar o fato de que o povo a extrapola: os Pankararu que hoje habitam São Paulo tiveram papel muito importante em conseguir

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recursos para a luta pela reconquista de Entre Serras, em processo de autodemarcação. Tal ajuda econômica foi essencial para o sucesso da demarcação, evidenciando-se, aí, uma condição paradoxal: se decidiram migrar pela falta de condições de realizarem suas existências em seu território original, ao rumarem a São Paulo como retirantes, ali conseguiram se realizar como Pankararu, e sua condição diferenciada, de uma comunidade relativamente coesa, morando, em grande parte, agrupada, no Bairro Real Parque, lhes permitiu um vínculo com a terra, que lhes é de direito; para a política de gestão ambiental, tal histórico de vidas e lutas expõe um dilema sobre a realização de um plano de gestão: nas leituras “ocidentais” de territorialidades, o objetivo que traz segurança é o da delimitação, o que, no entanto, não parece se constituir no objetivo enquanto povo: a terra indígena, que é um direito, é também um enquadramento dos povos indígenas a certa ordem jurídica, e por não corresponder ao território original, não dá conta de conter os usos reais e interesses destes àquilo que não está contido em seu interior, mas que representa valor de uso, valor simbólico, e sobretudo, econômico para os Pankararu. Do ponto de vista do mapeamento, a prática e a solução encontrada foi o de não restringir os mapas ao contexto interior das terras indígenas, produzindo três escalas de abordagem nos mapas consagrados ao mapeamento territorial Pankararu: mapas de sítio, de situação e de destaque; os mapas de sítio são os mapas da terra indígena propriamente, os mapas de destaque revelam peculiaridades de segmentos desta terra indígena, e mapas de situação revelam o contexto regional em que está inserida a população Pankararu: em última instância, abrange até São Paulo, Roraima e todos os lugares por onde essa população se espalhou. Os mapas regionais de situação buscam contemplar aquilo que foi ouvido nos depoimentos dos nossos interlocutores: que a terra demarcada, mesmo incluindo a reconquista da Terra Indígena Entre Serras, não reflete o território Pankararu; que áreas de uso fora do território permanecem em uso e com significado simbólico associado, e que em última instância, o que faz de um povo indígena um povo diferenciado relaciona-se muito mais às suas territorialidades, à sua forma de se relacionar com o território, em contraposição com as delimitações reconhecidas pelas sociedades de Estado: como exemplo dessa territorialidade diferenciada, temos as “pontas de rama”, que são povos cuja origem advém dos Pankararu, mas que possuem especificidades, decorrentes do fato de o próprio povo Pankararu ter se formado historicamente de uma junção de alguns povos dessa região do Nordeste (o Médio São Francisco) em um aldeamento missionário (ARRUTI, 2012). Pensar o plano de gestão para o povo (afinal, é pelo povo que deve ser feito), tendo a questão territorial pode não estar na letra da lei, mas pode ser um recurso para que não se visualize a terra indígena fora de seu processo histórico, e para se enfrentar o paradoxo de delimitar (impor limites), e de garantir direito à terra, mesmo que essa não corresponda ao território. E marca a posição de que, mesmo sendo minorias, os povos indígenas perseveram-se em influenciar as políticas públicas para o país, com foco, sobretudo, na questão territorial e nos modos de ocupação da terra.

Considerações finais: cruzando as experiências Em todos os quatro relatos, os povos indígenas consideram seus territórios para além das fronteiras impostas pela categoria terra indígena; para eles, o uso e a circulação nesse entorno e a inserção em itinerários mais amplos, justifica tal forma de pensamento. Embora adotem diferentes estratégias com relação ao que consideram seu território é perceptível que suas ações assentam em vínculos com a terra e com suas ligações de parentesco que se impõem como uma territorialidade singular, como nos apresenta a experiência com os Pataxó e com os Fulni-ô. Os “entornos” de terras indígenas são locais em que há interculturalidade, multiterritorialidade (HAESBAERT, 2004) considerando a existência de outras territorialidades, ou seja, outras formas de se relacionar com a terra, de organizar os espaços e de significar os lugares (SACK, 2011). Geralmente são marcantes o preconceito e discriminação a essas populações diferenciadas, mesmo em caso de casamentos interétnicos. Observa-se a convivência de regimes diferentes de se perceber a relação com o espaço, ora pautada pela propriedade privada, ora como território sagrado dotado de certa ancestralidade. No caso dos Fulni-ô e dos Potiguara, em que as terras indígenas abrigam sedes municipais, tal multiterritorialidade atribuída à terra se daria também dentro de suas terras reconhecidas. Com relação aos mapas e outras representações da terra-território, em todos os casos, os interesses extrapolam à terra reconhecida e demarcada, impondo ao seu interlocutor uma sensibilidade com relação a essa demanda. O mapa entra novamente como uma ferramenta para demonstrar que seu território não se limita ao zoneamento imposto pelo Estado, e traz a necessidade desse reconhecimento para além da reivindicação territorial. Reconhecer a presença indígena para além das suas terras, como uma importante força na formação histórica desses locais pode ser mutuamente enriquecedor e imperioso para as atuais

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experiências de gestão ambiental e territorial dos e para os povos indígenas. A presença de multiterritorialidades bastante contrastadas tais como ‘índios’ e não ‘índios’ no entorno das terras indígenas sugere um trabalho educacional de via dupla, num sentido em que Paulo Freire (1987) atribui (“ninguém educa ninguém, as pessoas se educam umas às outras”), buscando uma compreensão maior da alteridade no cotidiano local, para reduzir a violência das relações interétnicas.

Referências ARRUTI, J. M. 2012 Pankararu: Introdução e bibliografia. Disponível em:http://jm-arruti.blogspot.com.br/2012/03/pankararuintroducao-e-bibliografia.html. Acesso em 17 maio 2014. CARDOSO, T.M.; PARRA, L.B.; MODERCIN, I.; GUIMARÃES, G. (Orgs.). Etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba. Brasília-DF: FUNAI/CGMT/ CGETNO/CGGAM, 2012. FREIRE P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 (1995). HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade, Rio de Janeiro, 2004. MELO, W. T. D. Identidade étnica e reciprocidade entre os Fulni-ô de Pernambuco. In: SCHRÖDER, P. Cultura, identidade e território no nordeste indígena: os Fulni-ô. Recife: UFPE, 2011. SACK, R D. O significado de territorialidade. In: DIAS, L.C. FERRARI, M.(orgs.). Territorialidades humanas e redes sociais. Florianópolis, 2011. SÁ, J. C. D.; ALVES, A. A educação como estratégias de apropriação de conhecimentos para fortalecimento da medicina tradicional: a experiência dos índios Fulni-ô (Águas Belas-PE). Revista Diálogos, n.5, 2011.

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